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História Time After Time - Agosto, 2015. X.


Escrita por: AmandaCSousa

Notas do Autor


Olááá galerinha das fics.

Vim deixar um capitulo de boas aqui pra vocês, ele está de boas mesmo, na minha opinião. Inclusive não estava 100% contente com ele, porque achei ele fraco demais. No entanto, preciso postar ele pra seguir com a história se não vou ficar presa nele e me enrolar demais.

Tem duas músicas no capitulo de hoje:
1 - Echo - Jason Walker
2. Shadow of the day - BOYCE AVENUE importantissiiiimo que seja nessa versão.
Links nas notas finais.

Enjoy

Capítulo 27 - Agosto, 2015. X.


Fanfic / Fanfiction Time After Time - Agosto, 2015. X.

Play – Echo (Jason Walker)

O táxi parou em frente ao prédio vermelho do East Village, Lauren desembarcou e viu o carro partir.

 

Hello, hello

Anybody out there?

'Cause I don't hear a sound

Olá, olá

Tem alguém aí fora?

Porque eu não ouço nenhum som

 

Encarou a vidraçaria a sua frente com pesar e, um pouco, de raiva.

Havia passado o dia tentando convencer Giusepe a, pelo menos, cogitar a possibilidade da quimioterapia.

Não conseguiu. Não chegava, nem sequer, a ser um impasse entre eles, porque Giusepe não havia lhe dado a menor chance. Ao fim, o homem pediu para que ela fosse pra casa descansar e dormir de verdade, porque precisava. 

 

Alone, alone

I don't really know where the world is but I miss it now

Sozinho, sozinho

Eu realmente não sei onde o mundo está, mas eu sinto saudades dele agora

 

Estava devastada. Olhar através dos vidros da barbearia todas as luzes apagadas lá dentro foi torcer a faca enfiada em seu peito. Não era uma tristeza pura, era um misto de impotência, perda e dor. As lágrimas, que durante o dia derramou mais de uma vez, voltaram a cair.

 

I'm out on the edge and I'm screaming my name

Like a fool at the top of my lungs

Estou no limite e estou gritando meu nome

Como um tolo a plenos pulmões

 

A pior parte era que, dessa vez, não havia ninguém para enxuga-las. Sempre que esteve internamente devastada Giusepe surgiu como uma boia, para lhe salvar do afogamento. No entanto, não havia onde se agarrar agora.

O que pode te salvar quando seu porto seguro é o que lhe puxa para baixo? Lauren não fazia ideia.

 

Sometimes when I close my eyes I pretend I'm alright

But it's never enough

Algumas vezes, quando fecho meus olhos, eu finjo estar bem

Mas nunca é suficiente

 

Subiu as escadas rapidamente. Assim que alcançou o interior do apartamento suas

caixas lhe recepcionaram com a verdade incontestável de que estava só. Esse parecia seu fim derradeiro: ficar só, definitivamente só, indiscutivelmente só.

Lauren sempre tivera tendências a ser sozinha, mas não era solitária. A sensação que tinha era de que, quando Giusepe se fosse, ela entraria em solidão. Giusepe era, para Lauren, a linha limítrofe entre estar sozinha e ser solitária.

 

'Cause my echo, echo, is the only voice coming back

My shadow, shadow is the only friend that I have

Porque meu eco, eco, é a única voz que volta

Minha sombra, sombra é a única amiga que tenho

 

Deixou as lágrimas escorrerem pelo seu rosto, precisava chora-las, elas pesavam demais e não havia mais nada que pudesse fazer. Chorar ao menos aliviaria. Queria pegar o seu celular e ligar para alguém, chamar por algum nome que a atendesse, alguém que viesse lhe salvar. Precisava, apenas, de uma prova mundana de que não estaria, de fato, só.

 

Listen, listen. I would take a whisper if

That's all you have to give

Ouça, ouça. Eu aceitaria um sussurro se

Isto é tudo o que você tem para dar

 

Camila saiu do quarto nas pontas do pé e fechou a porta atrás de si. Jogou-se no sofá da sala, bufou. Queria entender como Lauren voltou a lhe atormentar com tamanho afinco. Fora só um final de semana, fora só um sorriso. Por quanto tempo um único sorriso poderia a perseguir? Naquele momento odiava a si mesma, por ter sorrido, tanto quanto, odiava Lauren por tê-la feito sorrir.

 

But it isn't, isn't. You could come and save me

Try to chase it crazy right out of my head

Mas não é, não é. Você poderia vir e me salvar

Tentar continuar essa loucura fora da minha cabeça

 

Fechou os olhos com força, implorando para que os pensamentos fossem embora. Mais algumas noites dormindo fora da sua cama e Jacob certamente a descobria, não queria dar explicações, não as tinha. O pior é que Lauren, nem se quer, estava por perto para que continuasse lhe afetando dessa forma. Praguejou-se, cerrou os punhos e acertou o respaldo do sofá com força, sentindo-se desprezível, miserável em sua existência.

 

I'm out on the edge and I'm screaming my name

Like a fool at the top of my lungs

Estou no limite e estou gritando meu nome

Como um bobo a plenos pulmões

 

Depois tudo, era isso que Lauren lhe causava. Às vezes poderia jurar que a intensidade de sua raiva era a mesma do amor que costumava sentir. Só Camila sabia o quanto aquele sentimento pesava dentro dela, se pudesse escolher, escolheria a indiferença.

 

Sometimes when I close my eyes I pretend I'm alright

But it's never enough

Algumas vezes, quando fecho meus olhos, eu finjo estar bem

Mas nunca é suficiente

 

Ódio, ou raiva, não são opostos do amor, são consequências e Camila sabia disso.

 

'Cause my echo, echo, is the only voice coming back

My shadow, shadow is the only friend that I have

Porque meu eco, eco, é a única voz que volta

Minha sombra, sombra é a única amiga que tenho

 

Lauren caminhou até o sofá da sua sala, deixando-se cair ali, o rosto entre as mãos. Numa tentativa, desnecessária, de escondê-lo. Mas não havia ninguém ali, além dela, para ver a sua dor? A solidão é uma condição temida pela humanidade, porque o ser humano é o único animal, que sabe quando está só. Lauren sabia. Ela via a solidão avançando sobre a sua vida e não fazia ideia de como impedi-la.

Iria perder Giusepe.

Giusepe, que era a única coisa que impedia sua vida de ser completamente miserável.

 

I don't wanna be down and

I just wanna feel alive and

Eu não quero ficar para baixo e

Eu só quero me sentir vivo e

 

Lauren era acostumada com a dor da perda, mas nunca a dor da perda pela morte, em especial, não a dor de uma morte iminente. Essa era a pior parte para ela, ver Giusepe em sua frente e não saber por quanto tempo ele ainda estaria ali. Durante todo o dia foi como se cada respiração, cada gesto, ou palavra dele pudessem ser os últimos que ela iria presenciar e aquilo foi, aos poucos, deixando-a sem ar.

Quando ergueu a cabeça das mãos seus olhos caíram sobre o nome de Camila, que lhe encarava atrevido, desenhado em letras tortas sobre um papel velho.

 

Get to see your face again once again

Poder ver seu rosto de novo, mais uma vez

 

Não existe desespero tão absoluto que não possa se tornar pior, é o que dizem.

 

Just my echo, my shadow

Youre my only friend

Só meu eco, minha sombra

Você é meu único amigo

 

Naquele momento o desespero de Lauren se sobressaiu, pegou a carta ligeira entre os dedos trêmulos. Abriu-a de súbito. Talvez as palavras de Camila a salvassem de alguma forma? Talvez, ela encontraria naquelas linhas alguma companhia, ou consolo?

 

I'm out on the edge and I'm screaming my name

Like a fool at the top of my lungs

Estou no limite e estou gritando meu nome

Como um bobo a plenos pulmões

 

Apenas o gesto de abri-la foi suficiente para fazer uma onda de nervosismo lhe cortar. Fechou o papel, tão rápido quanto o abriu, e o afastou de si.

 

Sometimes when I close my eyes I pretend I'm alright

But it's never enough 'Cause my echo, echo

Oh, my shadow, shadow

Algumas vezes, quando fecho meus olhos, eu finjo estar bem

Mas nunca é suficiente. Porque meu eco, eco

Oh, minha sombra, sombra

 

Gostaria de ter Camila ali, a antiga Camila. Aquela Camila que a abraçaria e lhe faria acreditar que tudo ficaria bem. Ler aquelas palavras, quaisquer que fossem, só faria com que se sentisse pior e, ainda mais, sozinha. Seria apenas um resquício de uma Camila que não existia mais, um fantasma que viria para lhe soprar nos ouvidos tudo aquilo que poderia ser, mas não foi.

 

Hello, hello

Anybody out there?

Olá, olá

Tem alguém aí fora?

 

Deitou-se no sofá, encolhida entre os braços, agarrada a tudo que tinha: sua dor.  Concluiu que voltar para casa aquela noite foi a pior decisão que tomara. Resignou-se a permanecer ali, imóvel, até que o sono viesse carrega-la para um lugar torpe, onde encontraria alguma paz.

(fim da música)

 

Os dias se arrastavam lentos para Giusepe, tudo que ele queria era ficar bom o suficiente, receber alta e viajar à Itália. Lauren, no entanto, a cada menção ao assunto sentia as lágrimas virem aos olhos, se por um lado entendia a decisão de Giusepe, por outro a repudiava.  

Há dias não voltava para casa, passava brevemente lá ao fim das manhãs, para tomar banho e ir trabalhar, no restante do tempo permanecia no hospital. Decidiu aproveitar toda e qualquer oportunidade para tentar fazer Giusepe mudar de opinião, ainda que aquilo parecesse cada vez mais difícil. Cada noite que chegava sentia-se exausta, não apenar por estar, praticamente, vivendo em um hospital e dormindo em poltronas desconfortáveis, mas sim porque era exaustivo não obter sucesso em suas tentativas. 

- Eiii. – Lauren ouviu uma voz lhe chamando e abriu os olhos cansados. Era a Dra. Benson.

- Você por acaso é uma desabrigada? – A mulher perguntou curiosa. Lauren sacudiu a cabeça para espantar o sono. – Faz mais de cinco noites que te vejo dormindo nessa sala de espera.

Lauren suspirou para a mulher. Sentia-se uma desabrigada, embora aquilo fosse difícil de explicar para alguém sem ter que lhe contar toda a sua história de vida. Por isso, a morena apenas ofereceu um sorriso para a médica.

- Eu sei que é difícil. – A loira falou. – Ficar em casa quando um ente querido está passando por dificuldade, parece que a impotência se torna maior.

- Sim. – Lauren respondeu.

- Você já jantou?

- Ainda não, na verdade eu estava sem apetite.

- Isso não é bom. Levante. Vamos até a cantina, você precisa se alimentar. – Lauren encarou a mulher sem se mover. – São ordens médica, ande. – Lauren se deu por vencida e foi.

As duas caminharam lado a lado em direção à cantina do hospital. Um caminho que Lauren quase não havia feito, embora passasse tanto tempo ali.

- Você parece muito jovem para ser médica. – Lauren constatou, sentando-se de frente para a mulher numa pequena mesa redonda da cantina.

- Ah! Eu sou atendente, mas ainda estou no processo de especialização. – Explicou.

- O que isso significa exatamente? – Lauren perguntou confusa.

- Que eu já posso cuidar das pessoas por minha conta em risco, mas que ainda estou me especializando numa área de atuação.

- E qual a sua área de especialização?

- Neuro.

- Hmmm cérebros. – Falou levemente divertida, enquanto bebericava seu suco de laranja.

- Não só cérebros, eu cuido do sistema nervoso inteiro. – Retrucou.

- Como é isso? – Questionou realmente interessada. A Dra. Benson tinha uma conversa fácil, o que agradava Lauren, já que em sua vida tudo parecia tão difícil nos últimos dias.

- Eu cuido desde o cérebro até final da lombar, ué! Você fugiu das aulas de biologia? – Perguntou rindo e Lauren riu também.

- Não. – Respondeu óbvia. – Eu queria saber como é isso de cuidar do sistema nervoso das pessoas?

- É incrível. É a estrutura mais perfeita do organismo humano, o que controla tudo. De repente, você está no controle do que controla outra pessoa. A adrenalina é inexplicável.

- Você fez a minha profissão parecer um lixo agora. – Resmungou Lauren.

- O que você faz?

- Sou diretora administrativa da rede de hotéis Hilton. – Falou dando de ombros.

- Ual! Você definitivamente não é uma desabrigada. – Riu.

- Não tenho do que reclamar, embora, nem de longe pareça algo tão incrível quanto neuro.

- Por que você escolheu ser administradora então?

- Ué, porque foi o resultado do meu teste vocacional. – Respondeu erguendo os ombros. – Por que você escolheu ser médica?

- Porque uma vez meu pai ficou internado, eu ficava sentada em casa me sentindo terrivelmente impotente e foi o pior sentimento. Então, eu fiz medicina.

- Inspirador.

- Como está o seu amigo?

- Decidido a morrer. – Lauren respondeu desdenhosa, aquilo tudo entalado em sua garganta. Bebeu outro gole de seu suco, esperando que assim o assunto descesse.

- Oh! Sinto muito. – Lauren não queria falar sobre aquilo, pois acabaria chorando.

- Me conte sobre sua especialização. Como funciona? – Perguntou a morena.

- Basicamente eu trabalho aqui, com outros médicos da área e eles me auxiliam e me supervisionam. Além disso, também tem as pesquisas que fazemos e que são parte da minha formação.

- O que você pesquisa?

- Uso da estimulação elétrica neuromuscular na recuperação de pacientes com lesão medular. – Falou simples e Lauren a encarou com interesse.

- Que tipo de lesão? – Perguntou aproximando-se mais da mesa.

- Lesões que tenham ocorrido à cima da lombar. Os estudos estão na fase de testes.

- Como é que funciona isso de estimulação elétrica? – Lauren questionou demasiadamente interessada, uma luz brilhando em seu cérebro instantaneamente.

- Hm. Deixa eu ver uma forma de explicar que você entenda. – Fez um bico enquanto pensava e Lauren achou aquilo adorável. – Sabe quando você coloca a mão em alguma coisa que tá muito quente e dai você tira ela bem rápido, para não queimar?

- Uhum.

- Isso é um reflexo. Quando acontece, essa informação, de tirar a mão, é tão rápida que ela não chega ao cérebro, portanto, ela não precisa passar por todo o sistema nervoso. Na nossa pesquisa, os pacientes com a lesão na medula recebem estímulos por meio de eletrodos fixados superficialmente nas pernas. Dai essas correntes elétricas atingem as raízes lombo-sacrais do paciente, que são os neurônios que ativam os músculos dos membros inferiores, isso faz com que o paciente comece a andar de forma automática. Dessa forma, a medula aprende o movimento de caminhar por repetição, sem a participação do cérebro, em um primeiro momento. Depois o treino com muita, muita, repetição, refaz a ligação entre o cérebro e os músculos o que torna o movimento voluntário. Então a pessoa consegue voltar a ter algum controle sobre os membros inferiores.

- Isso funciona para todo mundo?

- Não. – A loira respondeu com o semblante torcido. – Os testes por enquanto estão muito inconclusivos, algumas pessoas se recuperam, outras não. Ninguém conseguiu entender os motivos ainda. Além de que a recuperação não é 100%, mas os pacientes conseguem se locomover sozinhos com ajudas de muletas, andadores, ou outros aparelhos e, obviamente, voltam a ter sensibilidade nos membros até então paralisados. Nossa maior dificuldade é que os pacientes precisam ter bons músculos, não podem estar atrofiados e essas coisas, precisam estar em dia com a fisioterapia e etc.

- Entendi... Eu tenho um amigo paraplégico. – Lauren confessou. – Faz dois anos que ele sofreu um acidente e lesionou a cervical T11.

- Olha... Ele pode fazer o teste. – A médica falou brincando. – As lesões abaixo da T12 são impraticáveis, pois os pacientes perdem a contração muscular involuntária. 

- Qualquer um pode fazer parte do teste? – Lauren questionou, considerando por um segundo a possibilidade.

- Sim. Desde que tenham as condições físicas aptas a realização.

- Hmm... – Murmurou pensativa.

- Você está pensando no seu amigo, né? Diga para ele vir conversar com a nossa equipe. Podemos agendar isso... – Concluiu.

- Ele não mora aqui. – Lauren pontou. – Mora em Miami. Não sei se ele viria.

- Ué. Se ele não vem, podemos ir até ele. – Lauren engoliu em seco e a mulher riu. – Tem médicos que fazem parte da nossa equipe de pesquisa espalhados por alguns Estados, eu posso verificar para você se tem algum deles na Florida.

- Ok. – Lauren ofereceu um sorriso para a mulher, tentando não demonstrar seu constrangimento.

 

Uma semana e meia após sofrer o infarto Giusepe já se sentia mais forte, embora ainda precisasse fazer hemodiálises, tendo em vista seus rins não estarem funcionando dentro do desejado. Pelas manhãs era sempre Lauren quem ficava com ele, tomavam café juntos, jogavam cartas, liam o jornal, ou apenas conversavam longamente sobre algum assunto, por vezes a garota retornava ao tópico de Giusepe fazer a quimioterapia, ainda não havia desistido. Não desistiria nunca, já estava considerando a ideia de viajar para a Itália, inclusive.  

Aquela manhã ela havia sido incumbida da tarefa de leva-lo para tomar sol. Então, mesmo contra a vontade do homem, que se recusava a andar pelo hospital em cadeira de rodas, ela o empurrou pelos corredores até o jardim que ficava aos fundos. Era um lugar bonito, olhando dali ninguém diria que se tratava de um hospital, não fossem pelos pacientes que passeavam por entre os trilhos de calçamento admirando o verde e as flores.

Lauren deu algumas voltas nos arredores com Giusepe e, ao fim, encostou a cadeira do homem ao lado de um banco onde ela se sentou. O dia estava bonito, um céu muito azul os cobria e uma brisa fresca cortava o espaço, o que fez Lauren pensar que setembro já dobrava a esquina, trazendo o outono com ele. Giusepe, que tanto reclamou para sair do quarto, agora fechava o olhos para sentir o dia lhe tocar.

A mulher lhe ofereceu um sorriso, satisfeita de si, por ter insistido em leva-lo ali.

- Isso é incrível. – Giusepe falou.

- O que? O que é incrível?

- A vida. – Ele respondeu. – A vida é incrível, menina.

- Não parece. – Lauren respondeu. – Você está abrindo mão dela com tanta facilidade.

Giusepe riu, porque era isso que ele fazia na maior parte das vezes que ela insistia no assunto.

- Você não entende... – Ele pontuou por fim.

Lauren não continuou no assunto, preferiu aproveitar aquele momento. Buscou gravar em sua memória os detalhes do rosto envelhecido do amigo banhado pelo sol.

- Sabe de uma coisa. – Falou retirando o celular do bolso da calça preta que vestia. – Nós quase nunca tiramos fotos. Aliás, eu acho que a única foto que temos é de um dos natais que passamos juntos.

- Aargh. Não gosto muito disso. – Giusepe reclamou.

- Não tem problema! Eu não gosto muito do fato de você ir embora ao invés de ficar aqui e fazer quimioterapia, mas nem por isso você vai deixar de ir. – Se achegou ao homem e envolveu o braço ao redor dele. Começou a fazer umas caretas, porque na verdade não sabia tirar fotos.

Olhou sua imagem na tela do celular, o cansaço que castigava seu corpo era visível, mesmo por trás do sorriso alvo que esboçava. Estava com olheiras, pelas noites mal dormidas e os cabelos mais desgrenhados que o normal, sem contar que poderia jurar ter perdido alguns quilos. Giusepe saiu sério em quase todas as fotos.

- Você precisa sorrir Giu. – Reclamou, retomando a pose anterior e preparando o celular para mais uma foto. 

- Eu não sei fazer isso. – Bradou. – Na minha época as fotos eram coisas raras.

- Essa ainda é a sua época. – Lauren contestou.

Não viu quando uma Dra. loira de sorriso bonito se aproximou deles.

- Aqui... – Disse a mulher pegando o celular das mãos de Lauren com delicadeza. – Deixa que eu faço isso. – Lauren sorriu para a médica e soltou o celular em suas mãos delicadas e firmes. Savannah tomou alguns passos de distância dos dois. – Lauren, sente-se sobre o encosto do banco, vai ficar melhor. – Lauren obedeceu, sentou-se sobre a cabeceira do banco e depositou os braços ao redor dos ombros de Giusepe. A médica apertou repetidas vezes o botão e voltou para devolver o celular.

- Obrigada. Dra. – Lauren respondeu com um sorriso, observando a foto na tela, Giusepe sorria. - Sempre muito prestativa.

- Eu estava te procurando na verdade. – A mulher falou. – Posso roubar ela um minutinho? – Perguntou a Giusepe.

- Claro. Pode levar, mas cuidado, ela está com o humor um pouco instável hoje. – A médica riu e Lauren rolou os olhos.  

As duas se distanciaram alguns passos, o que tinha para falar não era nenhum segredo. No entanto, habituada as praticas médicas, Savannah gostava de tratar seus assuntos de forma restrita, sempre com quem apenas os interessava.

 - Tenho uma notícia um pouco chata para te dar. – Ela iniciou. – Eu me informei durante essa semana e não encontrei nenhum médico integrante do nosso projeto de pesquisa atuando na Flórida. O que soa óbvio na verdade, porque, provavelmente, se tivesse seu amigo já teria conhecimento sobre. – Lauren meneou a cabeça em concordância, mas não sabia se Jacob conhecia a pesquisa, ou não, mas presumia que não, porque Dinah teria lhe falado. – De qualquer forma, estou verificando outras possibilidades, eu não me dei por vencida. Além disso, as portas do Bellevue estão abertas a ele, essa, certamente, ainda é a melhor opção. – Sorriu para Lauren ao finalizar.

Lauren a encarou em silêncio, seu peito murchou. Questionou-se qual era a probabilidade de conseguir fazer com que Jacob viesse para Nova York? Se houvesse a tal pesquisa em Miami era muito mais simples, pediria para Dinah leva-lo até o médico e ele nem sequer saberia que ela teve envolvimento nisso.

- Muito obrigada Savannah. – Agradeceu com sinceridade, porque apreciava o esforço da mulher.

- Seu amigo parece melhor. – A médica apontou, a fim de soar positiva em relação a algo.

- É, acho que logo ele recebe alta e volta para a Itália. – Lauren soou triste novamente.

- Hmm... – Savannah iniciou. – Paciente como o Sr. Giusepe são difíceis para nós médicos, porque a gente gosta de pensar que é deus. – Riu fraco. – É sempre complicado um paciente que não quer nenhuma intervenção, a gente fica de mãos atadas. – Constatou. – Mas, de qualquer forma, tente entendê-lo. É o que eu faço. No final do dia, quando lembramos que somos apenas humanos, são pacientes como ele que nos fazem sentir em paz com as nossas limitações. – Lauren meneou positivamente com a cabeça e ofereceu um sorriso fraco para a loira.

Voltaram para junto de Giusepe e Savannah se despediu dele carinhosamente.

- Uma graça essa doutora. – Giusepe falou vendo a mulher se afastar.

- Sim... – Lauren concordou.

 

Quase duas semanas haviam se passado, Giusepe estava visivelmente forte. Já caminhava pelos corredores e quase não parava mais no quarto, o que estava deixando os médicos e enfermeiros loucos. Vicente não ficaria no hospital aquela noite, por isso Lauren estava no quarto com ele.

A mulher se acomodou na poltrona azul e se cobriu com uma manta branca. O velho a encarava sentando em sua cama.

- Você deveria ir para casa, descansar de verdade. Eu já estou bem, inclusive acho que logo receberei alta. Dr. Philip falou algo sobre meus rins estarem voltando a funcionar corretamente. – Falou.

- Eu sei. – Lauren pontuou séria. – Eu conversei com ele assim que cheguei ao hospital essa noite.

- Então, vá para a casa descansar menina.

- Eu estou bem aqui. – Finalizou.

- Ok! Em breve estarei indo para a Itália morrer tranquilamente e você descansará querendo, ou não.

- Não fale assim. – Lauren pediu – Isso não é justo. – Resmungou.

- O que não é justo, Lauren?

- Você! Você não está sendo justo. – Determinou-se a tentar aquilo pela última vez e seria enfática o suficiente. – Não está sendo justo com seus filhos, comigo e com outras milhares de pessoas que lutam diariamente para não morrer. Eu sei que é uma batalha árdua e você é quem vai senti-la na pele, não quero parecer egoísta, mas, francamente Giu, você nem considerou a opção... – Soltou como se aquilo fosse um espinho a lhe magoar a carne.

- Ah menina... Não se preocupe você não me parece egoísta, mas um pouco desesperada.

- É óbvio que eu estou desesperada. – Pontou indignada. – Como você esperava que eu estivesse?

- Eu entendo o seu desespero Lauren, você não quer ficar sozinha. Você acabou por afastar todos da sua vida, menos a mim, até aquele mocinho Nathan você tirou da sua vida.

- Eii! – Lauren protestou. Levantou-se e começou a andar pelo quarto. – Eu não afastei Nathan, ele nunca voltou para Nova York. Deve estar por ai feliz em sua volta ao mundo, ou morando em alguma cidade muito legal... Não sei... Keana deve ter ido ao encontro dele – Divagou no assunto. – Não sei também, ela nunca mais apareceu.

- Não foram eles que nunca mais apareceram, Lauren. Foi você quem sumiu. Você nunca mais saiu de casa, se afundou definitivamente no trabalho depois de ser promovida. Você não sabe sobre a vida deles, porque nunca se preocupou em saber. 

- Eu sei que eles estão felizes, não é isso que importar? – Retrucou, como se aquela fosse sua melhor defesa.

- E os que não estão? – Giusepe perguntou desafiador. – Você se importa com os que não estão? – Lauren o encarou com uma de suas sobrancelhas arcada, desacreditada pela pergunta. – Porque, pelo que sabemos você tem alguns amigos bem infelizes.

- Você sabe que é complicado! – Contestou, indignada. 

- É claro que é, porque você esteve tão fechada em sua própria dor que isso te impediu de ir ajuda-los com as deles.

- Eles também não se preocuparam Giu. – Lauren respondeu acusativa. – Eles nunca se preocuparam com as minhas dores. Eu posso ter feito tudo errado, mas eles também fizeram. Eu não via isso antes, eu achava que a culpa de tudo era minha, mas eu consigo ver agora. A culpa nunca foi só minha. Eles também não se preocuparam comigo, em momento algum.

- E isso é motivo para você ficar aqui e eles lá? Sem que nenhum dos dois lados se disponha a consertar todos esses erros? Você não percebe que isso só faz com os anos passem e distanciem vocês ainda mais? – Lauren levou os olhos para longe, odiava tratar daquele assunto, ainda que fosse com Giusepe. – Seja a pessoa a dar o passo Lauren. Foi você a pessoa a cometer o primeiro erro, seja também a primeira a cometer o primeiro acerto. Francamente, menina, eu achei que você voltaria daquela viagem com tudo isso resolvido.

- Essa viagem só serviu para me mostrar o quão difícil seria resolver tudo isso. – Resmungou.

- Talvez. No começo seria muito difícil, é verdade, mas depois ficaria fácil, Lauren. Porque você estaria lá para lidar com a situação.  – O velho explicou.

- Você está falando que eu devo voltar pra Miami?

- Eu estou falando para você correr atrás do seu perdão. Mais do que isso, para você fazer com que eles saibam que precisam te pedir perdão também. Em Miami, aqui, em Ocala, em qualquer lugar do planeta. Apenas resolva essa situação.

- Porque nós estamos falando de mim? O assunto aqui era você e não eu. – A morena retrucou irritada.

- Porque isso sim é injusto, Lauren! – Giusepe acusou, remexendo-se incomodado, arrumando os travesseiros na poltrona da cama. Lauren caminhou até ele para ajuda-lo. – O que você faz com a sua vida é injusto. Eu morrer? Isso é justíssimo. É tão justo que depois de uma vida plena eu ainda tenho a oportunidade de voltar para minha terra e morrer em paz no lugar onde eu nasci. O que pode ser mais justo do que isso? – Perguntou encarando-a nos olhos. – Eu gostaria que todas as pessoas do mundo pudessem ter essa alegria. Eu tive uma boa vida, minha menina. Eu aproveitei o que ela tinha a me oferecer, e eu não estou falando de grandes aventuras, ou de ter conhecido inúmeros lugares, não é isso. Só que eu sempre soube aproveitar aquilo que a vida me deu, Lauren. Eu lutei pela minha vida, me esforcei para sustentar a minha família, enquanto eles precisaram de mim. Lutei pelo meu amor, eu não soltei a mão dela nunca, nunca. – Lauren engoliu em seco o remorso que atravessou sua garganta. – Eu lutei por ela, eu precisei trazer ela para o outro lado do mundo, para que fossemos felizes, e eu trouxe. Nós tivemos uma vida incrível, tivemos três filhos maravilhosos, uma casa simples e repleta de amor. Vivemos intensamente o sentimento que tínhamos, aproveitamos cada segundo, brigamos, choramos, sorrimos, fomos felizes, intensamente felizes. Se você quer saber, mesmo depois que Rosita morreu eu continuei a ser feliz. – O velho fez uma pausa e Lauren o encarava com os olhos cheios de lágrima, sentindo-se acuada. – Não no início, é claro, foi devastador. Eu já te falei sobre isso? – Questionou.

- Não. O Sr. quase nunca me conta coisas sobre Rosita. – Pontuo triste e Giusepe soltou um riso frouxo.

Play – Shadow of the day (Boyce Avenue)

Giusepe se acomodou o mais na ponta da cama que conseguiu. Abriu espaço para Lauren e gesticulou para que a mulher se sentasse. Ela o fez, sentou-se ao seu lado sobre uma das pernas e o encarou esperando que ele continuasse a lhe falar.

- Eu gosto de guardar Rosita e nossas coisas só para mim, não me leve a mal. – Justificou dando tapinhas leves na mão de Lauren. – Quando Rosita morreu, foi devastador para mim. Eu achei que nunca mais conseguiria ser feliz, naturalmente, pois eu havia perdido o amor de uma vida. Alguns meses depois, eu ainda estava triste como se ela tivesse partido no dia anterior, resolvi remexer numas coisas, que ela guardava num cantinho do nosso armário, e encontrei um folder de uma exposição de Picasso. Ela era fã de Picasso sabe? – O homem lembrou nostálgico. – Atrás do folder ela escreveu uma frase dele “A morte não é a maior perda da vida. A maior perda da vida é o que morre dentro de nós enquanto vivemos”. Aquilo me salvou. – Riu. – Me fez levantar pra continuar a ser feliz, mesmo sem a minha Rosita, porque a morte não é a pior coisa da vida, ruim mesmo é a gente se deixar morrer durante ela. – Suspirou. – Então, Lauren, nunca mais me diga que eu morrer é injusto, porque eu sou velho e tive uma vida boa. Injusto é você ser tão jovem e ter deixado tantas coisas dentro de você morrer. – Lauren chorou.

- Se o Sr. queria me fazer chorar, conseguiu. – Resmungou.

- Eu não queria te fazer chorar menina, só te fazer enxergar que você precisa tomar alguma atitude. Faça alguma coisa, Lauren. Qualquer coisa, mas faça. Seja alguém que não teme a morte, pois tem a certeza de ter feito tudo o que podia.

- E se eu não conseguir? – Perguntou chorosa. – E se eu tentar e falhar? Porque a probabilidade de que isso aconteça é grande. - Giusepe procurou por sua mão novamente e a apertou firme.

- Não é o sucesso que vai te trazer paz, é a tentativa. Quando você chegar a minha idade, vão existir milhares de coisas que você tentou e não conseguiu. Ainda assim, nenhuma delas vai ser capaz de te frustrar, ou de te atingir de alguma forma, porque tudo que você consegue pensar quando as enxerga é que, pelo menos, você tentou. Já as coisas as quais você se omitiu vão te seguir até o seu último suspiro de vida. Elas vão continuar te atormentando todos os dias, pior, se impondo entre você e todo o resto do mundo.

Lauren levou as mãos ao rosto e esfregou os olhos, atordoada por todas aquelas palavras, que lhe atingiram em cheio. Giusepe se encostou sobre os travesseiros, o mais confortável possível e trouxe Lauren para dentro do seu abraço.

- Eu já te falei que tive três filhos e nenhum deles me deu tanta preocupação quanto você me dá? – Falou com um sorriso triste.

- Por que você fica repetindo isso? – Lauren perguntou entre o choro fraco.

- Porque eu preciso que você me faça acreditar que não tenho com o que me preocupar. Eu quero ir em paz Lauren.

A morena levantou-se dos braços do velho e secou as lágrimas com a parte posterior das mãos. Encarou o homem com os olhos e o rosto vermelho.

- Você pode ir em paz. – Falou com a voz embargada. – Eu prometo que vou ficar bem.

Lauren voltou a deitar-se no colo do velho e ele lhe afagou os cabelos enquanto ela pensava em como faria para manter essa promessa. Não sabia nem sequer por onde começar a arrumar a bagunça que era sua vida. Na verdade, naquele momento, a única coisa que tinha em mente era em ficar ao lado de Giusepe todo o tempo restante que eles possuíam. 


Notas Finais


1 - Echo - Jason Walker - https://www.youtube.com/watch?v=pxpLxb5jHO0
2. Shadow of the day - BOYCE AVENUE - https://www.youtube.com/watch?v=o1FUnX5DhMQ

Aguardo comentários.
Qualquer coisa berra @Clara_Decidida


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