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História Time After Time - Novembro, 2015. VII.


Escrita por: AmandaCSousa

Notas do Autor


OLÁÁÁ GALERINHA DAS FICS
Eu sei, eu demorei. Eu sei, não existe perdão!!

Por isso vou direto ao assunto:
Tem 2 músicas no capitulo de hoje:
1. Feels Like Home - Edwina Hayes
2. Comes And Goes (In Waves) - Greg Laswell
Links nas notas finais, CUIDADO COM SPOILER
#paz
Amo vcs <3

Capítulo 46 - Novembro, 2015. VII.


Fanfic / Fanfiction Time After Time - Novembro, 2015. VII.

Abrir a porta do apartamento requereu mais esforços do que o comum, a atenção roubada, as mãos ansiosas e o corpo inteiro dobrando-se ao desejo a impediam de obter sucesso numa das tarefas mais humanamente simples: colocar a chave na fechadura, girá-la duas vezes e empurrar a maçaneta.

Camila já tinha seus dedos deslizando abaixo do tecido da blusa emprestada de Troy que Lauren usava. Abraçando-a por trás percorria o abdômen da outra e apertava-lhe a cintura, enquanto mantinha uma respiração pesada e constante em sua nuca.

- Eu não vou conseguir abrir a porta desse jeito – Lauren resmungou e Camila riu, mas provocou-a ainda mais ao lhe mordiscar o lóbulo da orelha direita.

- Só conseguiremos terminar isso do lado de dentro – sussurrou sugestiva ao pé do ouvido de Lauren em resposta.

- Tinha esquecido do quão baixa você pode ser... – Finalmente conseguiu girar a chave. 

Adentraram no lugar aos beijos e Camila fechou a porta atrás de si usando um dos pés. Os lábios não descolavam, os braços não se desprendiam, as pernas se atropelavam, as roupas ficavam pelo caminho. Lauren prendeu Camila contra a parede e deixou que suas mãos percorressem o corpo latino, enquanto beijava-lhe o pescoço.

Não conseguiriam chegar longe, tampouco almejavam um destino distante, mas alcançariam o céu eventualmente. Esbarraram no primeiro móvel que havia pela frente, uma mesinha próxima ao sofá da sala, e um abajur amarelo que ficava sobre o tampo de vidro quase caiu, o que as fez parar por um momento.

Play – Feels Like Home (Edwina Hayes)

Camila gargalhou e o som, mesmo abafado contra a pele pálida de Lauren, preencheu o espaço ao redor e o coração de Lauren, que se afastou minimamente. Apenas o suficiente para conseguir olhá-la. Na pressa não havia acedido luz alguma e a única iluminação com a qual contava era a da rua, entrando pela porta-janela da varanda. Ainda assim, a latina mostrava-se radiante ante seus olhos.

 

Somethin' in your eyes, makes me wanna lose myself

Makes me wanna lose myself, in your arms

Alguma coisa nos seus olhos faz com que eu queira me perder

Faz com que eu queira me perder nos seus braços

 

Camila possuía luz própria, como as estrelas e os sóis. Sorria um sorriso capaz de iluminar universos inteiros e com as mãos de Lauren repousadas delicadamente na altura do seu pescoço, sentindo os dedos dela envolverem alguns fios de seus cabelos e alinhando-os atrás de sua orelha, não havia uma única parte sua que não sorrisse. Sorria por ela e para ela. Sorria pelas circunstâncias e pelas ironias também.

Três meses atrás não poderia conceber a ideia de estar vivendo algo com Lauren outra vez. Não poderia, sequer, considerar a ideia de que ela voltaria para Miami. Seus planos eram outros. Eram simples. Terminar as aulas com uma turma, iniciar os trabalhos com outra, comprar uma mesa nova para o escritório de Jake e talvez ir com sua mãe visitar uma de suas tias antes do natal... e agora estava ali, encarando Lauren na sua frente, com o gosto dela em sua boca e as mãos dela em seu corpo.

Existe realmente algum ponto em fazer planos? Anos atrás Camila tivera tantas outras idealizações... eram verdadeiras projeções delineadas por sua mente romantizada, e, igualmente, todas foram tiradas de si. Arrancados como um curativo velho: num puxão cruel e doloroso, embora previsível.

É possível que a vida requeira de cada ser humano um pouco de feridas abertas? Um pouco de existência sem panos ou planos? É por isso que no fim do dia Deus, o tempo, o destino, ou o que quer que exista acima de tudo, torna o que antes era inconcebível, em realidade? O impossível em verdade? Camila não sabia! Mas agora, olhando para Lauren, com o gosto dela em sua boca e as mãos dela em seu corpo, acreditaria em tudo... 

 

There's somethin' in your voice, makes my heart beat fast

Hope this feeling lasts, the rest of my life

Há algo na sua voz que faz meu coração disparar

Espero que este sentimento dure pelo resto da minha vida

 

A latina alargou ainda mais o sorriso, enquanto mantinha olhos dentro dos de Lauren, apertou os dedos na cintura já desnuda e guiou-a contra o sofá da sala. Deixou que seu corpo caísse sobre o dela e instintivamente encaixaram-se nos lugares certos, nas curvas, nos gestos, nos movimentos. 

- Nós vamos fazer isso de novo aqui? – Lauren perguntou ofegante referindo-se ao sofá, enquanto Camila descia uma das mãos entre suas pernas.

- Nós vamos fazer em todos os lugares – Camila retrucou exasperada sem esconder um riso malicioso. 

Lauren não precisou de mais explicações, abocanhou os lábios já avermelhados da outra e reiniciou o beijo carregado de desejo.

 

 

 

Camila não estava blefando e Lauren teve certeza disso quando se despediram do fim da noite e cumprimentaram a claridade, fraca e aveludada, do amanhecer ainda sem a presença vibrante do sol. A tênue iluminação entrava pela porta janela e lhes tocava a pele suavemente. Os corpos descansavam entrelaçados, jogados no tapete da sala, exaustos e suados, coberto apenas de satisfação e banhados pela mínima luz recém-chegada.

Era um daqueles momentos, Camila pensou, um dos que ela guardaria detalhadamente registrado no filme fotográfico de sua consciência. A sensação de ter Lauren atrelado ao seu corpo, entregue aos seus braços, inteiramente nua, sua e, sobretudo, realizada por completo era inigualável. Não se lembrava de ter se sentindo assim em algum outro momento ao longo dos seus anos de vida. Jamais estivera submersa em tanta calmaria. Jamais um alvorecer fora tão sereno ou seu coração estivera preenchido com tamanha paz. Não havia receios ou poréns, e embora houvesse incertezas, elas não estavam carregadas de medos como outrora. Pela primeira vez era só ela e Lauren e nada mais.

 

If you knew how lonely my life has been

And how long I've been so alone

Se você soubesse como minha vida tem sido solitária

E há quanto tempo estou tão sozinha

 

- Eu estou tão cansada... – Lauren resmungou alheia e virou o rosto para encarar Camila – O que foi? – Perguntou ao vê-la tão compenetrada em seus pensamentos – por que está tão quieta?

Camila sorriu contemplativa enquanto arrumava com uma mexa do cabelo negro de Lauren, que úmido de suor insistia em cair sobre as bochechas avermelhadas dela.

- É tão insano estar aqui... – murmurou – tão longe de tudo que eu imaginei possível.  

- A vida pode ser incrível – Lauren acrescentou no mesmo tom baixinho de voz que Camila usou – e surpreendente – levou uma de suas mãos ao rosto da mulher ao seu lado e fitou-a longamente – eu não sei como eu demorei tanto tempo para voltar – riu sem graça e soltou o ar de seus pulmões num suspiro – ou como um dia eu acreditei que existiria felicidade longe de você... – confessou.

Os lábios estavam tão perto dos da latina que as bocas se visitavam no falar e Camila ainda alinhava os cabelos de Lauren.

- Você sabia que isso acabaria acontecendo, não sabia? Que em algum momento tudo voltaria... – Camila indagou cismada.   

- Não... – Lauren respondeu prontamente e com sinceridade – eu sabia dos riscos...  de como seria difícil estar perto de você e não te querer de volta para mim –, riu minimamente e foi acompanhada por Camila – mas eu não tinha expectativas de que isso acontecesse. Não era esse o meu plano – Justificou. – Só que algum momento no meio do caminho eu me flagrei desejando, mais do que tudo, que não fosse tarde demais. Desejei que ainda houvesse tempo para gente e para tudo que a gente não viveu, não disse e não fez. – Lauren deslizou seu polegar pelas maças do rosto de Camila, que tentava dominar suas emoções. – Eu juro para você, Camz, eu passei noites inteiras pedindo ao tempo, ao destino, ou quem quer que seja o deus que nos governe, para que existisse uma mísera oportunidade. Eu só queria sentir isso de novo – deslizou os lábios sobre os de Camila, puxando com força o ar ao redor dela – eu implorei a eles para que ainda fosse possível...

 

And if you knew how I wanted someone to come along

And change my life the way you've done

Se você soubesse o quanto eu queria que alguém viesse

e mudasse minha vida do jeito que você fez

 

Camila estava segurando as lágrimas, podia senti-las invadindo seus olhos e embaçando a imagem de Lauren. O que era inaceitável, porque não havia nada no mundo que quisesse ver mais do que a mulher a sua frente. A mulher que fazia seu mundo girar... como um girassol.  

- Ainda é possível... – Sussurrou sem conter uma lágrima de alegria, que num filete lhe tracejou o rosto até morrer em seu riso aberto.

O coração de Lauren apertou dentro do peito. Ainda lhe fisgava nas costas o peso da responsabilidade por grande parte do que acontecera ao longo dos anos, embora eles não lhe esmagassem mais. É que, como a boa aprendiz da vida que passou a ser, costumava carregar todos seus aprendizados dentro de uma mochila imaginária agarrada em seus ombros. A intenção era jamais esquecê-los num canto qualquer da memória, era nunca os repetir.   

- Eu nunca vou te decepcionar de novo – soltou de uma vez só, chamando toda a atenção dos olhos de Camila para os seus – não por tantos motivos tolos, ou medos estúpidos...

- Shiu!!! – Camila repousou seu indicador sobre os lábios de Lauren, impedindo-a de continuar – a gente não precisa fazer isso. Tudo o que passou, tudo o que aconteceu... é a nossa história. Há uma parte ruim dela, é verdade, mas é nossa! – Pontuou com convicção. – Cada segundo foi importante para que a gente chegasse aqui, nesse momento, sendo as pessoas que somos hoje. – Camila fez um breve silêncio, ainda brincava com alguns fios do cabelo negro – Talvez você tenha feito o certo, Lauren – considerou. – Talvez, se você nunca tivesse me mandado embora, nós teríamos matado todas as coisas boas sufocadas em nossas falhas e despreparos. Talvez você tenha nos salvado diversas vezes dos nossos “eus” incapazes e jovens demais para viver tudo o que a gente sempre sentiu.   

 

It feels like home to me, it feels like home to me

It feels like I'm all the way back where I come from

E eu me sinto em casa, e eu me sinto em casa

Parece que eu voltei todo o caminho de onde eu vim

 

Quando Camila terminou de falar era Lauren quem tinha lágrimas nos olhos. Não era sua intenção chorar em um momento de tanta alegria, mas ouvir aquelas palavras saindo da boca de Camila foi, para Lauren, a redenção final. Não porque elas justificavam de qualquer forma suas atitudes passadas, mas porque elas lhe traziam o benefício da dúvida. Lhe dava a condição da inexistência de certezas sobre a culpa... talvez tivesse feito o que era certo, talvez não... toda as complexas e obscuras certezas humanas residem num talvez. É sentença de morte, mas é, também, absolvição dos pecados.     

Camila usou seu polegar para, delicadamente, afastar as lágrimas do rosto de Lauren, que se mantinha num misto de riso e choro silencioso inexplicáveis.

- Obrigada! – A morena disse por fim. – Você não tem ideia do quanto isso significa para mim...

Timidamente a luz do dia ganhava espaço no céu de Miami e entre as paredes e móveis do apartamento de Lauren, Camila já conseguia enxergar tudo com mais clareza. Principalmente, Lauren. Viu os olhos dela aliviarem-se e, embora ainda exaustos, vibravam de calmaria e serenidade. A latina beijou-a brevemente, mantendo os olhos abertos e fixos aos verdes.

- Eu acho que eu entendo – Anunciou ao findar o beijo.

- O que? – Lauren indagou.

- Isso é a paz que você queria encontrar, não é?

Lauren sorriu afirmando positivamente com a cabeça.

- Sim, mas é muito mais... isso é você e as coisas que eu só encontrei em você – completou.

Camila sorriu para Lauren, feliz, entregue e exausta. Aninhou sua cabeça na curvinha do pescoço dela, encaixaram seus corpos um ao outro da forma mais confortável possível e deixaram que a luz do dia lhes trouxesse o sono que a noite roubou. Dormiram onde estavam mesmo, no tapete felpudo da sala de Lauren, nuas, entrelaçadas, entregues.

 

It feels like home to me, it feels like home to me

It feels like I'm all the way back where I belong

E eu me sinto em casa, e eu me sinto em casa

Parece que estou de volta para onde pertenço

 

Quando Camila acordou ainda estava deitada no tapete da sala, no entanto, além da luz solar já intensa havia sobre seu corpo uma certa coberta de cor vermelha. Abrir os olhos e sentir o tecido macio e com cheiro de Lauren contra sua pele, foi o suficiente para que trouxesse um sorriso aos lábios. A dona do cobertor, no entanto, não estava mais ao seu lado.

- Lauren? – Camila chamou com voz de sono – Lauren? – Repetiu, mas não houve resposta.

- Oi? – Escutou uma voz rouca vindo do outro lado da casa.

Camila levantou enrolando-se na coberta, para descobrir que a voz vinha da cozinha.

- Eu dormi muito? – Indagou. Lauren estava cozinhando algo e virou-se para encarar Camila, que de pé no meio da sala procurava por algo. – Você viu meu celular? Que horas são?

- Uma pergunta de cada vez, por favor? – A morena protestou. – Seu celular está no quarto, coloquei para carregar – explicou – suas roupas estão no banheiro, mas separei uma muda limpa para você, estão em cima da cama, e já passa do meio dia. Mas hoje é domingo, se acalme... – Estou fazendo almoço... – Lauren acrescentou receosa – você não está pensando em ir embora né? – Questionou fazendo bico.

 

A window breaks, down a long, dark street

And a siren wails in the night

But I'm alright, 'cause I have you here with me

And I can almost see, through the dark there is light

Uma janela quebra na rua escura

e uma sirene toca na noite

Mas estou bem porque tenho você aqui comigo

E quase posso ver que há uma luz em meio à escuridão

 

Na verdade, estava. No entanto, Lauren fazendo bico e cozinhando era a imagem mais fofa que Camila poderia desejar ver num dia de domingo. Sentiu seu coração derretendo por inteiro. O motivo da sua urgência era um porta-malas carregado de roupas e uma vida para resolver, afinal, precisava arranjar um lugar para morar, mas, de repente, aquilo nem parecia tão importante assim.

A latina suspirou soltando o ar de seus pulmões vencida pelos seus próprios desejos, intenções e prioridades.

- Depende... – Não entregaria o jogo tão facilmente. Caminhou até a cozinha, enrolada na coberta mesmo, com ares pretensiosamente exigente – o que é que você está fazendo de comida? – Perguntou, como se sua resposta final dependesse daquilo.

Lauren abriu um sorrisão e deu as costas para Camila, voltando suas atenções para a panela.

- Advinha? – Incentivou.

- Hm... – Camila fungou tentando, de alguma forma, adivinhar pelo cheiro. – Não sei... – Protestou quando já estava praticamente atrás do corpo de Lauren. – Deixa eu ver... – Sussurrou às costas dela, com os lábios arrastando-lhe na pele do pescoço. O que fez com que Lauren se arrepiasse por completo. 

A morena olhou-a de rabo de olho e sorriu. 

- Você é muito sacana, Camila... – Protestou.

- Eu só quero ver o que teremos para comer – justificou, mas seu corpo já estava inteiramente colado ao de Lauren.

- Estou vendo no que você está interessada... pode ir saindo, porque não vou deixar minha obra de arte queimar por sua culpa.

Camila espiou por cima dos ombros de Lauren o que tinha na panela: um, aparentemente apetitoso, risoto de frango.

- Isso parece uma delícia... – murmurou e seu estomago roncou, só então deu-se conta de que sua última refeição havia sido a pizza na casa da Ally e estava faminta. – Você aprendeu a cozinhar? – perguntou curiosa, afastando-se para que ela conseguisse mover-se melhor.  

- Um pouco. O suficiente para sobreviver sozinha. – explicou simples.

 Camila riu. Era engraçado porque tinha tantas coisas para redescobrir. Embora nos últimos três meses houvesse passado muito tempo ao lado de Lauren, havia ainda inúmeras assuntos e tópicos não mencionados ou questionados. A parte boa era que estava disposta a desvendar tudo e sabia que Lauren ansiava por aquilo também.

 

Well, if you knew how much this moment means to me

And how long I've waited for your touch

Bem, se você soubesse o quanto este momento significa para mim

E quanto tempo esperei pelo seu toque

 

- Você ainda faz aquele creme de batatas maravilhoso? – A morena indagou despretensiosamente.

A latina deu um meio sorriso e pegou um copo no escorredor de louças. Dirigiu-se para a geladeira e a abriu, procurava por água. Antes de responder Lauren serviu-se do líquido e tomou um gole.

- Eu não conseguia nem comer creme de batata sem lembrar de você... – Soltou ironicamente. – Você acha, mesmo, que eu teria animo para cozinhá-lo? – Perguntou retorica, visivelmente encabulada. Lauren riu minimamente e Camila viu uma mistura de convencimento e nostalgia na risada – O que foi? – questionou intrigada e divertida.

Lauren desviou atenção da panela para a latina, parada ao seu lado encostada à geladeira e ainda coberta apenas pelo pano vermelho.

- Não é engraçado como algumas coisas continuam sendo só nossas? Mesmo depois de tanto tempo e tantos desencontros. – Falou rindo.

- Talvez, no fundo, a gente só tenha guardado tudo para depois... – Camila cogitou.

Lauren se aproximou dengosa e cercou Camila colocando seus dois braços ao redor dela, deixando a latina presa entre a geladeira e seu corpo.

-  Você só vai ser liberada daqui se confirmar que esse depois é agora. – Brincou e aproveitou a proximidade para roubar um beijo rápido da outra, não poderia se distrair por muito tempo de seu risoto.

 

And if you knew how happy you are making me

I never thought that I'd love anyone so much

E se você soubesse o como está me fazendo feliz

Nunca pensei que amaria alguem tanto assim

 

Antes que a morena se afastasse do seu corpo, no entanto, Camila levou a mão ao rosto pálido de Lauren, momentaneamente avermelhado devido a exposição ao calor do fogão, e segurou-a próxima de si. Buscou os olhos verdes com os seus e os trouxe firmes em sua direção. Estava séria, quase solene. Um fio de receio escorreu pela espinha de Lauren, que por um instante temeu o que viria a seguir.

- O depois é já, Lauren! – Camila garantiu com veemência.   

Camila falou com tanta firmeza que Lauren tremeu por inteiro. No segundo seguinte os lábios estavam colados, buscaram-se com a ânsia de engolir o tempo e transformar o depois em presente constante. O já era pouco e o agora distante, precisavam-se para ontem.

Embora urgente, o beijo era leve, intenso, mas quente e arrastado. Um beijo que já começava lamentando pelo momento que chegaria ao seu fim e na saída fazia questão de anunciar a necessidade do próximo e de milhares outros. Era sôfrego, vivo, vibrante e suave, como só um beijo de Lauren conseguiria ser.

- A comida! – Camila sobressaltou-se cortando o beijo. No susto, Lauren pulou para frente do fogão, gargalhando feito uma criança. – Pelo amor de Deus não deixa a comida queimar. Eu estou faminta...

- Você vai me matar do coração, mulher...

Camila se aproximou, risonha, por trás de Lauren e beijou-lhe a nuca.

- Eu sei que você está em paz, mas nem ouse morrer agora! – Lauren gargalhou. – Eu vou tomar um banho e colocar uma roupa, já volto para almoçarmos. 

- Ok... – Lauren concordou e virou-se para ver Camila se afastar em passos preguiçosos e atrapalhados. Ela estava graciosa andando nas ponta dos pés, tomando todo cuidando possível para não pisar nas pontas da velha coberta. Coisas que eram só delas, concluiu Lauren.  

 

It feels like home to me, it feels like home to me

It feels like I'm all the way the back where I come from

It feels like home to me, it feels like home to me

E eu me sinto em casa, e eu me sinto em casa

Parece que eu voltei todo o caminho de onde eu vim

E eu me sinto em casa, e eu me sinto em casa

 

Durante toda a tarde milhares e milhares de dúvidas sobrevoaram a cabeça de Camila. A mulher esforçava-se para se manter presa somente em Lauren, mas os pensamentos jorravam e sua cabeça como água de uma cachoeira. É possível sustentar-se sem planos? É factível aos homens essa realidade? Qual a fórmula secreta para quando a vida exigir mais existência e menos idealização? O que deve ser feito? O fato é: existe alguém que tenha tido em suas mãos o que mais desejou e não tenha idealizado ao menos uma maneira de garantir que aquilo não se perca?

Fazia um dia de temperatura amena. Apesar de nunca ser realmente frio em Miami, o inverno, que chegaria em dois dias junto com o mês dezembro, já dobrava a esquina e estava próximo o suficiente para se fazer perceptível. O sol estava menos quente e qualquer vento soprava gelado, principalmente nos fins de tarde. Lauren se aproximou de Camila, que estava na sacada do apartamento observando o dia findar, e a abraçou envolvendo-a junto a si.

Um riso involuntário surgiu nos lábios de Camila, enquanto Lauren lhe enchia o pescoço de beijos e carinhos. Prendeu seus dedos à mão que repousava em sua barriga e reclinou a cabeça contra o ombro direito de Lauren, escorando o peso do seu corpo nela. Camila não queria fazer planos. Não queria criar expectativas. Mas a sensação de Lauren ser tão sua era impossível de ser ignorada. Era terminantemente impraticável estar ali sem deixar-se sucumbir aos devaneios de como seria estar ali todos os dias do resto da sua vida.

- O que você está pensando? – Questionou à Lauren antes que sua mente fosse entupida de dúvidas outras vez.

A morena soltou uma risada curta e anasalada.

- Quem estava aqui toda quietinha era você... eu quem deveria te perguntar o que está se passando nessa cabeça – Lauren depositou um beijo leve nos cabelos de Camila. 

- Mas eu perguntei primeiro... – a latina retrucou divertida.

Lauren cogitou por um momento e cerrou os olhos desconfiada.

- Eu vou te contar, mas só se você prometer que não vai me fazer perguntas... – exigiu.

A expressão de Camila moldou-se maliciosa e a latina girou o rosto conseguir vê-la por cima do ombro.

- O que você estava pensando Lauren Jauregui? – Indagou pretensamente ultrajada.

Lauren gargalhou, mas ruborizou brutalmente.  

- Não! Não é nada disso... pare de ser assim – Ralhou envergonhada.

- Você corou, Lauren! Não acredito que estava pensando sem-vergonhice mesmo... – Camila deu um tapinha na mão de Lauren, que ainda repousava em seu abdome.

- Aí! – Reclamou - eu não estava... – Defendeu-se.

- O que era então? – Inquiriu curiosa.

- Eu só estava pensando em como você vai ficar linda e sexy usando um uniforme de futebol do Dolphins... – Confessou.

Camila girou dentro dos braços de Lauren e encarou-a de frente, havia uma ruga de estranhamento em cenho.

- Quando você se tornou fã de futebol? Eu nunca soube que você se importava com isso...  – Já era a segunda vez que Lauren falava sobre futebol e não entendia o motivo, até onde se lembrava a morena não demonstrava ser tão afeiçoada no esporte, ou qualquer outro na verdade.

- Eu não sou, mas meu pai é... – Explicou imprecisa e esperou pela reação da outra.

Camila fez uma careta de surpresa, em seguida de compreensão e depois de confusão. Aquilo significava que Lauren estava pensando nelas e na convivência que teriam com suas famílias? Lauren estava fazendo planos...

- Wow... – Camila conjecturou.

- Sem perguntas. – Lauren recordou.

 

It feels like I'm all the way back where I belong

It feels like I'm all the way back where I belong

Parece que estou de volta para onde pertenço

Parece que estou de volta para onde pertenço

 

Camila ergueu as mãos no ar, em sinal de inocência. De qualquer forma não saberia o que responder, porque sua mente fora invadida novamente por milhares de perguntas. No entanto, uma parte de seu peito alegrou-se imensamente; Lauren estava fazendo planos.

Camila foi puxada para um beijo e a latina deixou-se levar por inteiro. Poderia não ter muita clareza sobre tudo que estava acontecendo, mas possuía todas as convicções do mundo sobre não criar barreiras contra Lauren, nunca mais.

Sentiu uma das mãos da morena adentrar sua blusa e deslizar pelas suas costas, enquanto o beijo era aprofundado.

- A gente não pode... – Esforçou-se para interromper o ato. – Temos que ir ajudar Dinah – Lauren buscou seus lábios outra vez – a gente prometeu! – Camila ralhou quebrando definitivamente o contato.

Fim da música

 

Cerca de quarenta minutos depois o Renegade de Lauren parou em frente a casa dos pais de Normani, onde uma Dinah impaciente dava ordens para Ally e Troy.

- Graças a Deus vocês chegaram – Ally resmungou assim que viu as amigas adentrarem à varanda da casa. – Eu não aguento mais ela...

- A gente está sendo escravizado. – Troy anunciou em tom jornalístico.

- Parem de reclamar – Dinah interrompeu as lamentações. – Vocês chegaram aqui faz duas horas e só carregaram quatro caixas.

- Cinco! – Troy corrigiu. – Com uns 50 kg em cada uma...

- São caixas com enfeites e louças, Troy, nem é pesado. – Dinah se virou para Lauren e Camila. – Esses garotos ricos não sabem o que é peso de verdade... – Zombou.

- Que? – Troy indignou-se enquanto Ally colocava outra caixa em seus braços. – Estou sofrendo bullying na vida adulta... cadê os órgãos de proteção?

- Essa é a última, não desista agora! – Motivou o amigo.

Todos riram, menos Troy, que tratou de carregar a caixa para os fundos da casa.

- Desculpa a demora?! – Lauren pediu retórica e voltou-se para Dinah. – Você deveria ter passado lá em casa a hora que estava vindo, né?! – Recriminou.

Dinah encarou Lauren e depois Camila, voltando para Lauren logo em seguida. A expressão em seu rosto era a mais ardilosa possível e Ally já estava rindo antes mesmo que a grandona falasse algo.  

- Eu passei... – Pontuou. Camila e Lauren se entreolharam. A morena corou por completo, enquanto a latina passou as mãos pelo cabelo, constrangida. – Primeiro achei que você estivesse morta, mas daí resolvi olhar para fora e vi que o carro de certas pessoas estava estacionado na frente do nosso prédio e tudo fez muito sentido. – Dinah explicou óbvia e debochada.

- Eu... é... – Lauren gaguejou – Nós... eu... não ouvi. Desculpa?!

- Aham! Sei ... – A grandona respondeu de pronto.

- No que a gente pode ajudar? – Camila indagou cortando o assunto.

- Alguém precisa ir pegar as comidas que foram encomendadas e o Troy vai precisar de ajuda, para arrumar todas as coisas que estão nas caixas. – Dinah explicou.

- Eu busco as comidas... – Lauren se prontificou.

- Vou com você! – Ally informou rapidamente. – Qualquer coisa que fique longe da Dinah. 

- Ok! Ajudarei o Troy. – Camila concordou com entusiasmo.

- Perfeito! – Dinah sorriu.

- E você vai fazer o quê? – Ally questionou a grandona.

- Eu? – Dinah levou uma mão ao peito. – Eu vou supervisionar tudo. É claro!

- AH CLARO! – A baixinha concordou abismada. – VOCÊ NÃO VALE NADA DINAH...

- Vamos Allyson! – Lauren, que já se preparava para voltar ao carro, agarrou o braço da menor e carregou-a junto consigo.

- Onde está Normani? – Camila perguntou a Dinah enquanto seguiam ao encontro de Troy.

- Está na casa dos avós com os pais dela. Eles queriam fazer alguma coisa só com a família. – Explicou.

Havia uma área de festas nos fundos da casa. O ambiente era simples, assim como todo o restante da residência, mas amplo e aberto. Era mobiliado com algumas mesas, espalhadas ao redor, uma e uma minicozinha, era ideal para reunir familiares e amigos.

Troy estava pendurado numa escada de alumínio tentando arduamente pregar uma faixa, com os dizeres “Boa Viagem Normani” em letras garrafais, na parede dos fundos. No entanto, faltava um pouco de equilíbrio ao homem, que visivelmente temia uma queda. Camila riu e foi até lá segurar a escada, para que ele tivesse mais confiança na realização da tarefa.

- Obrigado! – Troy agradeceu assim que desceu ao solo e depositou um beijo na testa da latina.

- Ok! – Dinah interrompeu-os. – Acho que vocês já sabem o que devem fazer por aqui! Eu vou lá dentro colocar as bebidas para gelarem... – Anunciou e saiu logo em seguida.

- Será que ela consegue chegar até amanhã sem ter um ataque de nervos? – Troy refletiu alto, vendo a grandona se afastar em passos largos.

- Ela vai ter um treco quando o avião decolar e todas essas preocupações que ela está usando para se distrair não existirem mais. – Camila pontuou soltando um suspiro preocupado.

Dinah desapareceu da vista de ambos o que fez com que se voltassem um para o outro. Troy sorriu simpático e Camila retribuiu da mesma forma, ele a analisou detalhadamente por alguns segundos antes de falar.  

- Você parece feliz... – Concluiu.

- Porque eu estou! – Ela respondeu simples e os dois riram.

- Já encontrou um lugar para ficar? – Ele perguntou caminhando na direção da mesa onde estavam as caixas que Dinah o fizera carregar.

Camila o seguiu.

- Ainda não... – Troy parou de mexer na caixa a sua frente e encarou a latina. – Eu vou para casa da minha mãe... – informou.

- E você já falou com ela?

- Na verdade, não!

- E você falou com a Lauren? – Perguntou intrigado.  

- Também não... – Camila respondeu e começou a revirar as coisas que Troy tirara da caixa, tentando demonstrar-se despreocupada.

O homem levantou as sobrancelhas em apreensão, mas não deixou transparecer seu receio e voltou a realizar sua tarefa.

- Você não acha que deveria falar com ela? – Questionou desviando sua atenção entre os enfeites e Camila ao seu lado.  

- É claro que eu acho... – respondeu com sinceridade – mas eu quero fazer isso só depois de falar com a minha mãe e estar devidamente instalada na casa dela.

- Por que? – Troy perguntou levando um punhado de guardanapos para a mesa ao lado.

- Porque eu não quero que ela se preocupe com isso ou ache que precisa me ajudar com algo. Eu quero resolver sozinha. – Explicou estendendo um pequeno vaso para que ele colocasse no centro da mesa que arrumava.

Troy considerou por um momento.

- Hm... ok! É compreensível. – Pontuou. – Mas porque diabos você ainda não fez nada disso? – Inquiriu sobressaltado.

Camila rolou os olhos para cima e soltou um mínimo sorriso recheado de malícia e vergonha.

- Eu estava um pouco ocupada... – Sugeriu e não conseguiu conter sua expressão de ser dominada pelo riso embaraçado.

- Oh!!! – Troy foi atingindo pela real compreensão da situação e caiu numa gargalhada aberta. – São muitos anos para se viver em poucas horas. Entendido! Entendido! – Manegou falar depois de controlar o riso.

- Para! – Camila levou as mãos ao rosto, escondendo-se. – Não me deixe, ainda mais, sem graça...

Troy cortou o espaço entre eles e a puxou para um abraço afetuoso.

- Estou muito feliz por vocês! – Afirmou depositando um beijo no topo da cabeça da latina.

- Obrigada! – Agradeceu, o som saiu abafado dentro do abraço. Troy aliviou o aperto e a latina se desvencilhou, mas manteve-se próxima. – Para falar a verdade, parece que eu estou vivendo uma versão boa dos sonhos que costumava ter – confessou.

- Como assim? – Troy questionou sem entender.

- Está tudo uma bagunça e, daí, no meio do caos tem Lauren e quando ela chega perto de mim é como se todo o resto desaparecesse. – Troy prendeu um riso que lhe subiu a garganta. – Eu estou parecendo uma adolescente, não estou? – Camila indagou apreensiva e o homem não logrou segurar o riso por muito tempo.

-  Só um pouquinho – Ele gesticulou com as mãos, indicando o espaço de míseros centímetros entre o polegar e o indicador.

- Para de rir Troy! – Bateu no braço dele – Eu preciso arrumar a minha vida e não consigo... eu não consigo nem me manter longe das expectativas. Apesar de achar que ela tem expectativas também, planos... sei lá... devo estar louca?!

Troy levou suas mãos aos ombros da amiga, para contê-la.

- Respira... relaxa... – Sugeriu. – A sua vida pode estar uma bagunça, mas está incrivelmente certa ao mesmo tempo... percebe?

Camila limitou-se a concordar com a cabeça, mas não foi enfática.

- Quase tudo... – considerou após refletir por um segundo. – Você viu o Jake?

Troy soltou o ar dos pulmões num suspiro.

- Sim! Você conhece a Ally... acho que se pudesse ela iria morar com ele. – Acrescentou rindo.

Camila deu uma risada anasalada.

- Eles têm uma ligação muito forte... – Concluiu.

- Sim...

- Como ele está? – Perguntou de uma vez. Havia receio em sua voz, como se a resposta da pergunta mudasse tudo.

- Ele está bem! – Troy garantiu sem desviar suas órbitas azuis pacíficas de Camila. – Ele está na casa dos pais dele e daqui a pouco vem para cá. Você vai poder ver com seus próprios olhos que ele está bem!

- Isso é bom... – Camila soltou um mínimo sorriso.

- Você sente falta dele? – Troy perguntou sem pretensões.

Camila limpou a garganta antes de responder, o assunto lhe deixava um pouco nervosa.

- É estranho... – confessou. – Eu nem me lembro quando foi a última vez que passei mais de 24 horas sem falar com ele... sem, ao menos, trocar uma única mensagem que seja. É, realmente, muito estranho.

- Todo rompimento, por mais amigável que seja, implica em renúncias e distanciamentos... mas ficará melhor com o tempo! Vocês sempre tiveram uma relação de amizade muito grande, isso não vai se perder.

- É o que eu espero... – Camila concordou pensativa.

 

Dinah juntou-se a Camila e Troy alguns minutos depois. Juntos, os três, arrumaram todas as mesas e espalharam bexigas e bolas coloridas pelo teto. Dinah e Camila se empenharam na construção de um mural com muitas fotos de Normani, havia imagens dela bebê, vestida de bailarina aos cinco anos de idade, em seu primeiro concurso de dança, outras de momentos vividos pelos amigos, de apresentações já adulta. Algumas, inclusive, Camila reconheceu por ter sido quem fotografou. Amava isso; eternizar as lembranças e fazer parte da caixa de memórias de alguém, lhe fazia se sentir como uma heroína superpoderosa.

Não demorou para que Jacob chegasse. Inegavelmente o coração de Camila acelerou dentro do peito. Estava nervosa. Era estranho, embora fosse absolutamente normal “é só o Jake”, pensou. No entanto, era o Jake em uma nova posição e essa alteração fazia ser tudo diferente. Quando ouviu a voz doce dele às suas costas virou-se de súbito e ofereceu um sorriso, que desejou ser o mais amigável de todos que já esboçara em sua vida.

- Olá! – Ele cumprimentou a todos adentrando ao salão de festa.

- Oi! – Dinah foi ao seu encontro e depositou um beijo na bochecha dele. – Que bom que você chegou! Tens uma tarefa a fazer! – Anunciou.

- Bem-vindo ao cativeiro! – Troy zombou. – Agora você terá que servir até a exaustão, ou jamais será livre outra vez...

Dinah encarou Troy com desprezo e Camila e Jacob se entreolharam ao cair numa gargalhada aberta. Para Camila, Jacob procurar por si em meio ao riso foi um gesto singelo, mas espontâneo. O momento: efêmero e sucinto, breve e simples como um piscar de olhos, trouxe calma ao seu coração. Estava tudo bem! Ou, ao menos, ficaria.

Jacob ficou encarregado de arrumar a aparelhagem de som da festa. Tarefa que lhe prendeu a atenção por longos minutos. Quando ele terminou, Lauren e Ally já estavam de volta, carregadas com toda a comida encomendada, e a decoração do lugar havia sido finalizada.

- Está lindo! – Dinah exclamou olhando ao redor todo o trabalho realizado. – Obrigada pela ajuda gente! Estão todos alforriados agora... – Brincou fazendo seus amigos rirem.

Estava tudo gracioso. As mesas, cobertas de um tecido delicado em tom lilás, estavam servidas de com as louças e guardanapos postos de forma elegante e com pequenos arranjos de flores ao centro. Já as bexigas coloridas, espalhadas ao redor, haviam recebido a companhia de algumas luminárias japonesas, que dava ao ambiente uma iluminação aconchegante e quente.

- Acho que ela vai amar tudo... – Ally considerou. – Especialmente isso aqui. – Apontou para o mural com as fotos de momentos da sua vida.

- Ficou uma graça, mesmo. – Lauren acrescentou. – Parabéns meninas! – Direcionou as felicitações à Camila e Dinah.

 

 

 

Há quem diga que a melhor coisa da vida é aquilo que não se planeja, que vêm de surpresa. Normani tinha lágrimas nos olhos quando chegou à casa dos pais e encontrou a festa de despedida organizada em sua homenagem. É claro que ela imaginava que seus amigos não deixariam de fazer algo para se despedir, mas não considerou tamanha gentileza. Estava tudo lindo! E o mais importante: estavam todos lá.

Seus amigos de vida, sua família, os colegas da acadêmia de dança, alguns da época da faculdade e até um dos carinhas com quem costumava sair nessa época. Dinah não havia esquecido de ninguém. Todas as pessoas significativas da sua vida estavam presentes para lhe apoiar naquele que seria um dos momentos mais importantes dela, sentia-se profundamente abençoada por isso.

A noite foi incrível. Regada a muitas brincadeiras, conversas e comidas. Jantara entre risos e gargalhadas enquanto seu pai contava algumas das histórias bizarras de sua infância. Como o dia em que enfiou bolinha de isopor no nariz e não conseguia mais tirar e, também, contou da vez em que engoliu uma moeda e foi parar no hospital.

- Eu tive que remexer seu coco por dias para ver se a tal moeda aparecia! – Sua mãe gritou de uma das mesas e Normani quis abrir um buraco no chão para se enfiar. – Estão vendo Ally e Troy? – A mulher dirigiu-se ao casal que estava ao seu lado. – Vão se preparando, porque é isso que espera vocês! – Troy arregalou os olhos exasperadamente e todos riram ainda mais.

- Devo começar a preocupar? – Ally soltou divertida.

- Naaah! – Normani conjurou – Está tudo bem! Eu estou aqui viva, não estou? Se eles conseguiram isso... – Apontou para os pais – não há nada que vocês não consigam! – Riu. – Mas, caso precisem de ajuda já sabe na porta de quem bater! Aliás, Ally, mamãe sabe fazer peteados afros incríveis, você precisa vir ter umas aulas com ela...

- Eu quero aprender também! – Troy prontificou-se. – Que horror ser aqueles pais que não sabe arrumar a própria filha para ir à escola. Houve um coro de “nhoom” generalizado – Que isso gente? Não estou fazendo mais do que a minha obrigação!

- Você vai ser um paizão Troy! – Camila pontuou com um sorriso.

- Eu, como padrinho, deveria aprender também? – Jake perguntou curioso.

- Como assim você vai ser o padrinho? Já foi convidado? – Dinah inquiriu abismada.

- UÉ! – Jake levantou os ombros em sinal de inocência. – Eu sou o único candidato. – Riu. – Vocês quatro é que precisam começar a mostrar serviço para serem a escolhida como madrinha – Indicou com o dedo para Camila, Lauren, Dinah e Normani.

- Ferrou! – Troy sussurrou.

- Eu sabia que minha hora chegaria... – Ally vangloriou-se. – Vocês já podem começar a me servir! – Relaxou sobre a cadeira, divertindo-se com a situação.

- Se eu for escolhida ensino a Alisha a fotografar! – Camila quase gritou.

- E EU A DANÇAR! – Dinah efetivamente bradou.

- Eiii! Eu posso ensinar a dançar também... – Normani protestou. – E sou a única que pode ensinar ela o segredos e poderes da negritude! – Brincou num gingado cheio de malemolência.

- Isso não vale! – Lauren ralhou. – O que eu vou propor em meu favor? O máximo que eu posso ensinar ela é a administrar uma empresa e isso o Troy também pode fazer! -  Reclamou.

- Você pode ensinar ela a ser minha assistente... – Camila considerou. – Você tem se saído bem na função.

- Lauren já está fora da competição... – Ally provocou – e Camila também porque já quer explorar minha criança!

- Que?! Nada a ver, só estava tentando ajudar a Lauren. Isso não existe... – A latina indignou-se. – Culpa sua... – Ralhou com a morena que estava sentada logo a sua frente.

- A NORMANI VAI FICAR CINCO ANOS FORA. – Dinah voltou a gritar. – Cinco anos... – Repetiu – Vocês têm que me escolher! – Concluiu óbvia.

- Eu posso trazer presentes franceses... – Normani piscou para Ally.

- Mas eu posso levar e trazer ela da escola... – Dinah retrucou de pronto. – Todos os dias...

- A primeira que se oferecer para pagar o estudo universitário a gente aceita... – Troy sussurrou para Ally em meio aos risos.

- EU PAGO! – Lauren esbravejou.

- Lauren de volta no jogo! – Troy quase gritou também.

- ELA VOLTOU E EU CONTINUO FORA? ISSO REALMENTE NÃO EXISTE! – Camila indignou-se, gerando mais uma série de gargalhadas.

- Estou me sentindo muito inútil. Será que vocês podem deixar alguma coisa para o padrinho fazer? – Jacob reivindicou.

A conversa entre os sete amigos corria de forma tão fácil e fluida que os demais convidados limitavam-se a rir e travar diálogos paralelos, ninguém ousaria atrapalhar o calor daquela discussão.

- Ah relaxa! O que não vai faltar são coisas para serem feitas. – Ally o tranquilizou. – Ninguém se ofereceu para levá-la a natação, a aula de futebol, teatro, para a praia ainda, crianças adoram praia né? – Riu pensando em tudo que faria com Alisha no futuro.

- AH MEU DEUS! – Normani sobressaltou-se levantando-se num pulo onde estava. – EU ESQUECI DE IR ME DESPEDIR DA PRAIA.

- Filha, existem praias na França. – Sua mãe tentou argumentar.

- NÃO COMO AS PRAIAS DE MIAMI! – Contra argumentou. – Eu preciso ir lá... hoje... agora... sei lá.

- Hm... – Refletiu Dinah. – E se formos todos? Fazemos uma fogueira, levamos o violão...

- Que horas é seu voo amanhã, Mani? – Lauren perguntou preocupada.

- No meio da tarde... acho que a gente pode aproveitar bastante essa noite. – Estava visivelmente animada com a sugestão de Dinah.

- Faz tempo que não vou a praia, é um saco colocar a cadeira na areia. – Jake ressaltou. – Vocês vão ter que me ajudar com isso, mas eu acho a ideia maravilhosa.

- Fechado, então! – Camila finalizou.

 

 

 

No fim da noite, quando a maioria dos convidados já havia partido e depois de ajudarem a mãe de Normani com a limpeza do salão de festas, rumaram para a praia. Decidiram ir num ponto de Miami Beach que Normani costumava frequentar quando mais jovem, principalmente na infância. Troy organizou tudo que precisariam para fazer uma fogueira, enquanto Dinah e Ally separavam algumas toalhas e cangas, onde pudessem se sentar, e algumas comidas e bebidas. O pai de Normani emprestou um violão, que Jake tratou de afinar com precisão.

- Sua família devia ter vindo junto... – Ally queixou-se para Mani enquanto observavam Troy e Lauren acendendo o fogo.

- Ah! Eles falaram que estavam cansados...

- Mas aposto que sua vó e sua tia vão ficar lá fofocando mais um tempão... – Dinah soltou rindo. – Sua mãe já estava quase expulsando elas...

Camila estava mais ao lado e ajudava Jacob a assentar a cadeira de rodas na areia fofa.

- Está bom? – Questionou. – Será que precisa colocar um toco de madeira para a roda não afundar?

- Acho que não precisa! Está bom assim, mas se eu sentir que está mexendo a gente coloca. – Respondeu sorridente.

- Ok! – A latina concordou. – Quando chegar em casa tem que limpar bem as rodas, Jake, tirar toda essa areia de praia, porque o sal corrói... – Alertou. – Você consegue fazer isso? – Perguntou atenciosa.

- Acho que sim. – Ele respondeu incerto. – Faço a manutenção dela amanhã e já aproveito para limpar bem, ok?

- Não vai apertar demais o parafuso e prender a roda igual da outra vez...

Jacob riu.

- Pode deixar, Mila. Fica tranquila tudo bem? – Pediu com o semblante sereno. – Eu estou me virando bem sozinho, e, além disso, prometi para Ally deixar sempre o celular junto comigo se eu precisar de alguma coisa ligarei correndo para ela, ou para você, ou para meus pais... está tudo bem! – Garantiu.

Jacob precisava redescobrir como ser só, mais do que isso, precisava se redescobrir como um ser só. Deu-se conta de que não sabia quem era sem Camila. Não sabia ser ele sem ser Camila junto. Não sabia ser um, só sabia ser dois. Ademais, suas lembranças de uma vida sem Camila eram lembranças distantes, de um outro ele que não lhe servia mais. Não sabia quem era, mas sabia que haveria de descobrir e, portanto, estava tentando.

Camila deu um meio sorriso satisfeita e voltou a falar.

- Estava pensando em dar uma volta com o Red amanhã, pode ser?

- Claro! Ele vai amar...

As chamas da fogueira arderam e Ally, Dinah e Normani deram uma salva de palmas para Troy e Lauren, que não deixaram passar a oportunidade de gabaram-se pelo serviço feito.

- Eu sei... eu sei... nós somos muito bons! – Troy gracejou, sentando-se próximo de Ally.

Dinah abriu uma das garrafas de vinho que trouxera. Tomou um gole, no bico mesmo, e passou a bebida adiante. Lauren pegou a garrafa que lhe foi oferecida, mas tratou de acomodar-se no espaço entre Dinah e Normani, antes de beber.

Camila, por usa vez, sentou-se na ponta da toalha, no outro lado de Normani. Fazia uma noite bonita, como foram as anteriores e provavelmente seriam as próximas, já que o início de inverno em Miami não costumava decepcionar. O céu limpo e estrelado era banhado por um vento fresco, principalmente à beira mar, que balançava as chamas da fogueira numa dança quase carnavalesca. Camila sentia-o gelado ao passar em suas costas, bagunçando os seus cabelos e de seus amigos e lhes arrepiando a pele. Não fosse pela fogueira, flamejando impiedosamente entre eles, e o vinho, que acabara de chegar em suas mãos, certamente estariam passando frio.

Estando todos devidamente acomodados, Ally entregou o violão para Jake e indicou que ele começasse a tocar. Ele sorriu grande ao dedilhar algumas notas, testando o instrumento, e posicionou-se da melhor forma possível.

- O que vocês querem ouvir? – Perguntou solícito e recebeu uma enxurrada incompreensível de resposta, cada uma sugerindo algo diferente.

Jacob riu, enquanto os amigos começavam uma discussão entre si sobre músicas. No entanto, no momento seguinte o som do violão os silenciou, Jacob pôs fim a discussão decidindo qual seria a música ideal.

Play – Comes And Goes (In Waves) (Greg Laswell)

- Essa é para a Mani, que não se absteve da aventura a sua frente... – Ele declarou antes de começar a cantar com sua voz doce e calma.

 

This one's for the lonely

The ones that seek and find

Only to be let down time after time

Esta é para os solitários

Aqueles que procuram e encontram

Só para serem decepcionados vez após vez

 

Camila desviou os olhos de Jake para Normani e a observou. Ela estava radiante como as labaredas, ardia em antecipação pela nova vida, pela realização de um sonho e todas as experiências que residiam a um voo de distância. No entanto, era visível também o incêndio de dor deixado pela partida, nas últimas horas a flagrara inúmeras vezes com os olhos cheios d’água, segurando-se para não romper em lágrimas.

Dinah, por sua vez, não obtinha o mesmo sucesso e não logrou êxito em evitar que um fio de choro escapasse sobre o sorriso que exibia. Lauren segurou uma das mãos da amiga e inclinou carinhosamente a cabeça sobre seu ombro, uma tentativa de confortá-la. A realidade dos fatos começava a atingir a grandona e o coração de Camila apertou-se em solidariedade.

 

This one's for the torn down

The experts at the fall

Common friends get up now you're not alone at all

Esta é para aqueles que são derrubados

Os especialistas da queda

Vamos lá amigos, levantem agora vocês não estão sozinhos


Do outro lado da fogueira as figuras de Ally e Troy moviam-se suavemente ao som da música. Em breve seriam três, de alguma forma já eram, e não poderia haver motivo maior para sorrirem, ainda que o peso do mundo estivesse recaindo em suas costas. Troy piscou para Camila e ela retribuiu com um meio sorriso, decidindo internamente naquele momento que precisava fazer algo para ajudá-los efetivamente. Não pôde contribuir muito no tocante aos desvios na Ogletree, mas haveria de existir alguma coisa que pudesse fazer em relação a Alisha. Precisava encontrar algo... qualquer coisa que ajudasse a mantê-los sorrindo. 

 

And this part was for her. This part was for her.

This part was for her. Does she remember?

E esta parte foi para ela. E esta parte foi para ela.

E esta parte foi para ela. Será que ela se lembra?

 

 

A música parecia encaixar-se numa melodia perfeita com o barulho do mar. Normani estava prestes a chorar, então, levantou-se discretamente e caminhou até a água. Os demais não questionaram, deixaram que ela tirasse aquele momento para si. Embalada pela música, na voz de Jake com participação do oceano, a mulher deixou que as ondas levassem de si algumas lágrimas. Não estava triste, não era isso, só precisava esvaziar-se um pouco de toda a saudade que já sentia. 

A despedida de Normani submergiu a todos num imenso estado de reflexão. Os sentimentos daquela noite eram conflitantes, pensou Camila, apesar de toda a alegria, da música e das brincadeiras, estavam prestes a enfrentar muitas mudanças. Coincidentemente, da última vez em que estiveram sentados ao redor de uma fogueira, anos atrás, em Ocala, suas vidas estavam a um passo de encontrar alterações também. Mas aquelas, ao contrário das atuais, eram mais claras e ingênuas, inerentes a uma época em que o caminho natural da vida são as transformações.

Camila podia sentir em seus ossos que estavam diante de algo diferente. Havia um sopro de mudança no ar e assim como o vento, ela misturava-se ao fogo e cortava-lhes ao meio. Era uma mudança que batia quente em seus rostos e perpassava-se fria às suas costas, que trazia felicidade, mas custava-lhes algumas dores.

Poderia chamá-la de agridoce? Era o gosto que aquilo tudo tinha. Trazia para cada um ali a alegria da realização do que buscavam, sonhavam, ou, simplesmente necessitavam, mas não era algo que se entregava fácil. Escondia-se! Num labirinto de obstáculos, em outro continente, ou numa casa vazia.

Para Camila alegria era resgatar-se, mas aquilo implicava invariavelmente em perder-se, porque não havia meios de reaver a si sem esbarrar na parte sua que era de Lauren. Precisava descobrir uma forma de manter a parte sua que possuía, maior e mais forte do que a parte sua que era de Lauren por questões de sobrevivência do ser e do sentir. A mera possibilidade de perder-se outra vez lhe aterrorizava.

Para Normani, viver o sonho trazia a distância. Para Dinah, a realização do futuro demandava abandono no presente. Para Ally, a maternidade vinha carregada pelas mãos de desafios gigantes. Eram tão grandes que ela não conseguia enxergar o topo, só saberia o tamanho do monstro quando o dominasse, tinha a sua frente uma batalha contra o desconhecido. Para Troy, a chegada da filha anunciava a partida do pai, o seu inimigo era conhecido, tinha nome e sobrenome e era o mesmo que o seu. Já Jacob, degustava na libertação o sabor amargo da ausência, não de Camila, mas de si próprio. Quando tirou das paredes de seu quarto as fotos suas com ela, não havia outras para colocar no lugar. Dormiu encarando o vazio e acordou ciente de que precisaria preenchê-lo de si.

Um punhado de pavor agitava-se impreciso, feito chamas nos olhos de cada um deles, era uma mistura inflamável de medo e incerteza. Embora já fossem adultos o suficiente para enfrentá-los, Camila descobria, aos poucos, que nunca se é adulto o bastante para deixar de temer. Era Lauren que, ao contrário dos demais, pela primeira vez em anos, demonstrava estar melhor preparada para conduzir tais mudanças, ao menos considerando a postura mansa que mantinha. Talvez já tivesse visto da vida mais transformações do que o convencional.

 

It comes and goes in waves, I

Isso vem e vai em ondas, eu

 

Quando Jacob alcançou a segunda parte da música inevitavelmente os olhos de Camila buscaram pelos de Lauren, com a saída de Normani estavam agora lado a lado e os braços tocavam-se. “Isso vem e vai em ondas” dizia a letra e um sorriso sugestivo, iluminado de calor, tracejou o rosto de Lauren. “Só me é permitido questionar o porquê” continuava a canção e foi a vez de Camila sorrir.

- Por que? – Camila brincou, questionando Lauren num murmuro que ninguém mais poderia ouvir.

- Deve ser amor... – Ela respondeu no mesmo tom brincalhão, bem baixinho, num sussurro quente que fez o os pelos do corpo da latina ouriçarem. 

- Deve ser... – Camila concordou divertida, sem deixar de esboçar um meio sorriso cínico.

A volta de Normani interrompeu a conversa e fez ambas ruborizarem instantaneamente.

- Que foi? – A recém-chegada indagou desavisada.

- Nada... – Lauren respondeu risonha e Camila caiu numa gargalhada.  

- Eu hein... suas estranhas!

 

This one's for the faithless, the ones that are surprised

They are only where they are now

Regardless of their fight

Esta é para aqueles sem fé, os que são surpreendidos

Eles só estão onde estão agora

Independentemente de sua luta

 

Jacob terminou a canção, e depois daquela outra, e mais outra, e, assim, sucessivamente enquanto as ondas do mar entrelaçavam-se ao som e as ruas de Miami Beach esvaziavam-se lentamente. Viu seus amigos brincarem e cantarem como crianças. Eles gritavam a plenos pulmões e riam com o peito inflado, um riso de quando o coração está cheio demais e precisa vazar. A cada fim de música vinham os aplausos eufóricos, que emendavam em num novo coral no iniciar da próxima canção.

Dinah e Normani encenavam as emoções musicais com furor, como protagonistas de um musical premiado. Troy declamava as letras, de um jeito ridículo e empolgado, para uma Ally que não aguentava mais rir. Enquanto Lauren e Camila mantinham-se próximas, comunicavam-se constantemente em olhares e sorrisos que ninguém mais poderia entender, porque era comum somente a elas.

A noite deslizou feito estrela cadente num céu azul enegrecido; fugaz e breve. Uma estrela, que escorrega no espaço e no tempo cedendo ao peso da morte, mas que não se deixa vencer jamais e, mesmo no fim, é dona de uma luz que reconstrói e encanta fazendo de si realizadora de desejos.

No entanto, não havia para aquela noite anseio maior do que a eternidade. Desejavam o parar dos ponteiros naquele instante, queriam o brilho eterno. Só que esse, infelizmente, é um desejo que nem a cadência do maior astro realizaria.

 

This one's for believing, If only for it's sake

Common friends get up now

Love is to be made

Esta é para se acreditar, nem que seja pela nossa causa

Vamos lá amigos, levantem agora

Amor é para ser construído

 

O tempo não parou e nem pararia. A fogueira minguou. O vinho acabou. A música soou triste e os rostos felizes abateram-se pelo cansaço do dia. Era hora de ir! Mas ainda havia algo, uma cena final, um resquício de resplendor, o rastro estrelar de luminosidade. Normani tirou de dentro da bolsa que levara consigo até ali um papel velho e mofado.

Olhos atentos a encararam, alguns desconfiados e outros fracamente horrorizados.

- É a minha carta. – Ela disse. – Eu ainda não abri...

- Pelo amor de Deus queima esse negócio! – Dinah ralhou. – Nenhuma outra ideia ruim que já tive supera a de escrever essas cartas!

- Ah, não é bem assim... – Troy argumentou. – Eu abri a minha carta num momento difícil e isso me salvou. – Ally encarou o homem com a testa franzida. – Eu mostro algum dia para vocês. – Finalizou.

Normani apontou para ele, possuía um semblante forçosamente sério.

- Se você fizer isso sem mim eu volto da França especialmente para acabar contigo!

Troy riu.

- Qualquer coisa a gente faz uma chamada de vídeo. – Todos riram.

- As cartas me trouxeram de volta! – Lauren soltou e os risos cessaram, os olhares voltaram-se para ela.

Dinah soltou uma risada indignada e alta.

- Fala sério! – A grandona exasperou-se. – Nem vem com esse papo, porque foi eu quem te trouxe de volta! Eu praticamente ameacei cometer um crime de ódio se você não desgrudasse a bunda branca de Nova York e fosse para Ocala ler essas cartas.

Camila riu baixinho enquanto os outros permaneciam confusos.

- E eu fui e deu tudo errado! – Lauren retrucou.

- Nem tudo... – Camila se intrometeu na conversa. – Porque você roubou minha carta e isso foi ótimo!

- Você roubou a carta dela? – Troy indagou boquiaberto.

- Que bafão! Não acredito que eu estava prestes a ir embora do país sem saber disso... – Normani levou uma mão ao peito, abismada.

- Foi ótimo mesmo. – Jacob concordou. – Porque, assim, a Lauren foi obrigada a vir até aqui resolver os assuntos pendentes. – Finalizou com um mínimo sorriso em direção a Camila, que lhe devolveu o gesto na mesma intensidade.

- Estou passada! Escrever essas cartas foi a melhor ideia que eu já tive... – Dinah vociferou. – Não é incrível como até errando eu acerto?

- Menos Dinah... – Normani a cortou. – A ideia das cartas não foi uma das melhores, mas serviu para algumas coisas boas.

Todos riram alto.

- Afinal... você vai abrir a sua carta ou não? – Ally perguntou à Normani.

- Agora nem sei mais... A Camila e o Troy nunca mostraram a deles! – Acusou.

- E nem vou! – A latina explanou convicta.

- Ah? Me poupe! Passa isso para cá... – Dinah pegou a carta da mão de Mani. – Deixa que eu vou ler. – Normani não protestou e, tampouco, outro alguém se opôs. A loira desdobrou o papel com delicadeza, para não o danificar, e se aproximou do que restava da fogueira tentando enxergar as letras embaçadas pelos efeitos do tempo. – Isso aqui está uma bagunça Normani, credo!

- É para ler, não ficar reclamando! – Lauren cutucou.

Dinah não deu bola para a morena, mas tratou de limpar a garganta e iniciar a leitura

 

And this part was for her. This part was for her

This part was for her. Does she remember?

E esta parte foi para ela. E esta parte foi para ela

E esta parte foi para ela. Será que ela se lembra?

 

Olá para mim! Olá para todos vocês! Aliás, espero que estejam todos aqui e todos bem.

É engraçado isso de escrever para si mesmo no futuro, não acham? A cara de vocês, concentrados, escrevendo suas próprias cartas está interessantíssima, estou curiosa para ler tudo e terei que esperar dez anos. Droga! Jamais deveria ter concordado com essa ideia da Dinah.

A verdade é que eu não tenho nada grandioso para confessar... talvez, a única coisa que caberia revelar aqui é algo irrelevante do passado, mas que diz muito sobre o que eu espero do futuro. Uma vez, quando eu era bem pequena, li em algum lugar que “quem tem amigos adoece menos, é mais feliz e morre mais tarde. Entretanto, só alcança tudo aquele que, da amizade, não espera nada”. Na época eu não entendi direito, mas achei as palavras bonitas...

Depois conheci Dinah e, aos poucos, algumas coisas sobre quem tem amigos ser mais feliz começavam a fazer sentido. Era incrível ter uma melhor amiga. Era uma companhia para as aulas de dança, para ver os DVDs da Beyoncé, para falar sobre as pessoas estranhas e reclamar dos professores. Nós erámos inseparáveis e exclusivas e eu amava aquilo tudo.

Então, num belo dia enquanto voltávamos da escola Lauren, Ally e Jake se aproximaram e eu não poderia ter odiado mais. Sim! Eu detestei vocês. Primeiro, porque vocês eram chatos mesmo. Segundo, porque Dinah, aparentemente, amou vocês. Eu odiava dividir a atenção da minha melhor amiga com estranhos. Sentia medo de ser trocada, e se ela achasse vocês melhores e mais legais do que eu? O que, obviamente, era um medo sem fundamento algum, sejamos sinceros, vocês continuam chatos!

O fato é que eu sentia ciúmes e raiva e todos os dias vocês continuavam lá: esperando a gente na hora de voltar pra casa, juntando-se a nós no intervalo e até em algumas aulas vocês apareciam, para o meu mais completo azar. Até que chegou a data da nossa primeira apresentação de dança daquele ano, era um recital para os professores e, de última hora, Dinah não pode ir porque estava doente. Eu nunca fiquei tão nervosa em toda a minha vida! Eu sequer conseguia me lembrar da última vez que havia feito aquilo sozinha. As minhas pernas tremiam e meus braços estavam mole, eu não iria conseguir dançar, e, então, a luz do palco acendeu e eu vi vocês três na primeira fileira da plateia.   

Vocês me aplaudiram antes mesmo da música começar e uma das professoras brigou para que fizessem silêncio. Vocês estavam tão felizes e orgulhosos e, de alguma forma, aquilo me acalmou, porque eu soube que não estava sozinha. Nesse dia eu entendi que ‘só alcança tudo aquele que, da amizade, não esperada nada”, vocês eram meus amigos mesmo que eu não oferecesse nada além das minhas caras feias de ciúmes. Vocês estavam lá felizes e alegres por mim, e me fizeram ter coragem para enfrentar o nervosismo e o medo daquele momento.  

É por isso que quando paro para pensar sobre o futuro eu realmente não me importo, os quereres, as conquistas... tudo virá. É da natureza humana sonhar e fazer planos, entretanto, é da natureza da vida mudar. Por isso eu não me preocupo com as realizações e, tampouco, me assusta a ideia dos fracassos. Eu só preciso que vocês estejam lá. Eu só preciso que quando as luzes acedam cada um de vocês esteja na primeira fila, para o melhor ou para o pior.

Talvez, a vida seja menos sobre planos e mais sobre amigos. Menos sonhos e mais experiências. Eu não sei o que o futuro me aguarda, ninguém sabe. Eu só não consigo imaginar nadar nessa imensidão de incertezas sem vocês ao meu lado.

Este é o meu objetivo para o futuro: vocês!

 

This is for the ones who stand

For the ones who try again

For the ones who need a hand

For the ones who think they can

Esta é para aqueles que permanecem

Para aqueles que tentam novamente

Para aqueles que precisam de uma mão

Para aqueles que acreditam que conseguem

 

O voo para Paris decolou pontualmente às 18 horas do dia seguinte. Era uma segunda-feira de sol, mas já não fazia calor. Era também o último dia do mês de novembro, que foi embora levando para longe uma Normani ansiosa. Nas malas carregava expectativas, possibilidades e esperanças. Nos olhos, lágrimas. E deixava tantas outras para trás.

Dinah segurava por um fio o pranto, que certamente viria a qualquer momento. Ally agarrou-se à sua cintura, considerando não soltar mais, e Troy desejou boa vigem, três vezes, tentou ser forte, mas ao fim pediu para que ela voltasse.

- Paris é linda! – Ele disse. – Você vai se apaixonar...  Mas volte, nem que seja para visitar... – Riu fraco. – Nossa filha precisa conhecer pessoalmente o maior exemplo de mulher negra, forte e empoderada que ela vai ter na vida!

- Se você não vier nós vamos... – Ally falou sem afrouxar o aperto dos braços ao redor da amiga.

- Assim que tudo estiver resolvido. – Troy emendou em tom de alerta. 

- Isso! Assim que tudo estiver resolvido. – Ally concordou.

- Eu vou amar... sério!

Allyson, por fim, aliviou o abraço e soltou Normani, para que se despedisse dos demais. A dançarina abaixou-se em frente a cadeira de rodas de Jake e ele levou uma das mãos ao rosto da amiga.

- Que você seja muito feliz nessa experiência! – Ele desejou com olhos marejados. – A gente está aqui, sempre! – Garantiu.

- Obrigada Jacob! Fica bem, ok? – Ela pediu com carinho. – Quando eu voltar, quero te encontrar de pé, no mínimo... – Riram. – Não desiste! Mesmo que você não volte a andar ou, sequer, fique de pé, essa pesquisa te traz tanta vida. – Considerou e ele concordou com a cabeça.

Camila estava parada ao lado de Jacob e observava a cena com atenção. Havia um sorrido mínimo em seus lábios e, naturalmente, algumas lágrimas em seus olhos. Estavam todos emocionados. Felizes e nostálgicos, principalmente depois de lerem a carta de Normani na noite anterior. Muita coisa fez sentido após a leitura, principalmente, o medo que a amiga sentia de ir para longe e não os ter por perto. Quando Dinah terminou a carta, todos juraram a Normani que sempre estariam ali por ela, no outro lado do país ou no andar de cima, não importava! Ela não estava sozinha.

Normani se aproximou de Camila e as duas se abraçaram calorosamente. Um abraço apertado e longo, forte o suficiente para transmitirem uma à outra coragem, força e sorte. Foi no soltar dos braços que Mani deslizou uma das mãos para entre os dedos de Camila e lhe entregou algo.

A latina baixou os olhos e surpreendeu-se com a chave de uma porta. Voltou rapidamente a encarar Normani, que ainda mantinha as mãos junto a sua.

- Eu sei que você está procurando um lugar para ficar... – Mani sussurrou. – Está com dois meses de aluguel pago. – Explicou da forma mais simples e breve que pode.

Camila voltou a abraça-la, com a maior força que possuía.

- Eu nem sei como te agradecer por isso! – Soltou num fio de voz embargado. 

- Cuida bem deles... – Normani orientou. – Principalmente da Dinah, tudo bem? – Pediu afastando-se do abraço para olhar Camila com atenção. – Eu sei que nunca te disse isso antes, mas você é forte, Mila. Para mim você é a pessoa mais forte aqui! Você lidou com perdas tão imensas e de tantas formas diferentes e isso te levou ao chão, mas nunca ao fim. Eu sei que você vai cuidar de todos com o mesmo amor e carinho que você sempre cuidou do Jacob. – Riu e Camila meneou positivamente a cabeça, segurando com força a chave deixada ali.

 

It comes and goes in waves,

I am only let to wonder why

Isto vai e vem em ondas, eu

Só me é permitido questionar o porquê

 

A latina rolou os olhos ao redor a procura de Lauren, torcendo para que a morena não tivesse presenciado com estranheza a cena. No entanto, a mulher estava afastada atendendo a uma ligação, que visivelmente tentava custosamente encerrar.

Normani voltou a abraçar Dinah. Já não cabia entre elas mais nenhuma palavra de despedida, apenas gestos. A loira depositou um beijo na testa da amiga que imitou o gesto.

- Eu te amo! – Dinah declarou. – Não se preocupe! Eles jamais serão mais legais que você. – Riu.

- Eu sei! – Mani vangloriou-se. – Eu sou incrível. – Riram.

Quando Lauren, ao fim, voltou já haviam chamado os passageiros para o voo pela última vez. Ela tratava de enxugar algumas lágrimas, mas àquela altura todos já haviam desistido de limpar o rosto. A morena puxou Normani para um abraço e repousou a cabeça no ombro da amiga, onde deixou-se chorar com maior intensidade.

- Meu Deus, que chorona! – Normani acalentou a amiga, passando a mão em seu rosto. – Está tudo bem, Lauren... eu vou voltar. 

- Sim... eu sei! Mas é que... – Engoliu. – Ah... boa viagem, Mani! Eu te amo demais.

- Eu também te amo. Eu amo todos vocês!

E ela foi. Mas lhes lançou um último olhar antes de desaparecer no portão de embarque, apenas para garantir que estavam lá, exatamente como sempre: felizes e orgulhosos.  

 

 

A saída do aeroporto foi silenciosa. Cada um estava, a sua maneira, processando os últimos acontecimentos. Camila apertava em uma das mãos a chave do apartamento de Normani, um alívio genuíno lhe percorreu o corpo e ela encarou Lauren, que caminhava cabisbaixa ao seu lado. Finalmente poderia lhe contar que saíra de casa, embora, duvidasse muito que ela já não suspeitasse. Depois de passar os últimos dias ao lado dela, estranho seria se ela já não soubesse tudo sobre todas as coisas que lhe formavam.

- Ei! – Chamou a atenção da morena para si. – Preciso conversar sobre uma coisa com você! – Camila tentou conter o sorriso. Lauren arrumou a postura e esperou que o assunto começasse. – Não aqui... – A latina riu. – Podemos ir para sua casa?

Lauren acenou positivamente, mas continuava muda.

No estacionamento todos despediram-se, entraram em seus respectivos veículos e partiram. Camila, que estava com seu carro pois havia passado a tarde com a mãe, seguiu Lauren até o prédio. Subiram juntas para o apartamento, ainda em silêncios, e nesse momento algo em Lauren começou a incomodar.

- Está tudo bem? – A latina indagou segurando na mão da morena. – Eu sei que é triste, porque a Normani vai estar longe, mas vai ser algo bom para ela. Ela vai amadurecer bastante e vai ter experiências incríveis.

- Eu sei... – Lauren concordou com a voz miúda, enquanto girava a chave na tranca a sua frente, sem dificuldades dessa vez. Abriu a passagem e deu a vez para Camila, que adentrou ao lugar com tranquilidade, quase habitualidade, gesto que não passou despercebido por Lauren. – Eu tenho que te falar uma coisa também... – Confessou, fechando a porta atrás de si. 

- Ah... então fala! – Camila indicou enquanto tirava os sapatos, não queria sujar o tapete da sala.

Lauren engoliu em seco. Não haveria nenhum jeito menos pior para que precisava dizer, então só falou.

 

It comes and goes in waves

I am only let to wonder why

Isto vai e vem em ondas,

Eu só me é permitido questionar o porquê

 

- Eu preciso voltar para Nova York...

Camila sentiu um solavanco em seu coração. Normani tinha razão: é da natureza humana sonhar e fazer planos, mesmo quando se tenta evitar, entretanto, é da natureza da vida mudar.

 

Why I try?

Por que eu tento?


Notas Finais


1. Feels Like Home - Edwina Hayes https://www.youtube.com/watch?v=KskOh3EqVmY
2. Comes And Goes (In Waves) - Greg Laswell https://www.youtube.com/watch?time_continue=1&v=b0LNhIaGAUw

Aguardo comentários, qualquer coisa berra no @Clara_Decidida


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