1. Spirit Fanfics >
  2. Time web >
  3. Reportagem

História Time web - Reportagem


Escrita por: Alchorrint

Capítulo 4 - Reportagem


               — Então ela é basicamente uma Osborn não legítima? — Caçoou Harry, colocando ambos os braços de apoio para que sua cabeça não colidisse com a parede. Peter assentiu enquanto mordia a ponta do lápis. — Porra, ela é mais filha do meu pai do que eu mesmo.

Peter e Harry tinham essa brincadeira de julgar os outros "Osborn não legítimos", e baseava-se em pegar personalidades parecidas com o grande Norman Osborn e encaixá-las. Resumidamente, toda pessoa que fosse egoísta, inteligente e grosseira já estava dentro dos padrões.

               — Vocês são insuportáveis iguais — afirmou o outro, voltando a encarar sua lição de cálculo.

Harry revirou os olhos, cruzando as pernas sobre o edredom amarelo que cobria a cama do amigo.

               — Qual é, ela não pode ser tão ruim assim…

Peter pousou o lápis sobre o livro e virou-se na cadeira giratória dramaticamente.

               — Todo dia alguém sai chorando da sala dela — arqueou uma sobrancelha. — Ela é grosseira por diversão. Sem contar que ela erra meu nome o tempo todo!

               — Ela foi simpática comigo — afirmou Harry, agora sentando-se mais para a ponta enquanto seu amigo revirava os olhos. — Parecia até um tanto tímida.

               — Só com você — Peter cruzou os braços.

A conversa havia começado quando o Parker resmungou ao abrir o terceiro e-mail recebido no intervalo de duas horas. Era do mesmo remetente com o mesmo assunto: "Homem-Aranha". Peter já estava cansado de ler informações intermináveis, suspeitas e pensamentos da jovem com quem estava trabalhando. Ele nunca havia concordado em fazer parte do projeto, e agora estava preso com as mensagens frequentes. Seu melhor amigo, cujo lhe fizera uma visita para descontrair a semana, estava doando os ouvidos para que Peter pudesse desabafar.

               — Eu soube que ela desmaiou hoje — comentou Harry, pegando uma das chips que estavam no pote logo acima do criado-mudo. — Na aula de física.

O moreno fixou o olhar no amigo e passou ambas as mãos pelo cabelo, ajeitando os fios.

               — Acho que ela não está tão mal assim — Peter deu de ombros. — Os e-mails falam por si.

               — Não sei, cara… Eu estava saindo do banheiro quando vi Flash Thompson com ela no colo.

               — Odeio esse cara. Ele nunca faz nada de bom para as pessoas!

               — Vai ver ele tem uma queda nela — Harry abriu o sorriso cínico. — Rumores de que o Flash sempre gostou das garotas impossíveis. Com exceção da Liz, que só é impossível para você.

Peter jogou uma almofada no amigo com leveza, sabendo que sua força era algo absurdo.

               — Cala a boca.

Harry soltou uma risada e pegou a almofada, repousando sua cabeça ali. Olhando para o teto do beliche, deixou um longo suspiro escapar pelos lábios. Peter ainda tinha o sorriso no rosto e jogou as pernas no chão, posicionando as mãos sobre a barriga.

               — Eu preciso ir — disse Harry, passando uma mão pelo cabelo loiro escuro. — Meu pai vai surtar se eu chegar tarde. Não que ele se importe, mas tem os seguranças e tudo mais…

               — Se seu pai não se importasse, ele não contrataria os seguranças — afirmou Peter. — Talvez não seja o melhor jeito de mostrar amor, mas pode ser o único que ele conheça.

               — Às vezes eu acho que ele só faz pose de um bom pai — Harry levantou-se da cama e respirou fundo.

A porta do quarto abriu-se lentamente, revelando o rosto do homem que sorria sutilmente.

               — Harry? Sua carruagem está te esperando.

O garoto sorriu e levantou-se da cama, aproximando-se de Peter e estendendo o braço, dando um leve soco nos punhos do amigo.

               — Até amanhã, Petey — despediu-se e caminhou até a porta. — Boa noite, Ben.

               — Igualmente, Harry — Tio Ben sorriu e esperou o garoto sair para poder adentrar o quarto.

Peter o encarou com um curto sorriso. Seu apreço pelo tio era imenso, o garoto praticamente o idolatrava. Desde pequeno, quando seus pais sumiram sem qualquer explicação, tudo que lhe restara eram os tios, e sua criação resultou na pessoa que ele agradecia por ser. O garoto mal sentia falta dos que o geraram, já que conviveu a maior parte de sua vida com sua tia May e seu tio Ben, e nada mais lhe faltava.

Tio Ben adentrou o quarto com passos curtos e um tanto curioso. Ele tinha em seu rosto um sorriso curto de forma receptiva, encostando-se na parede enquanto observava a prateleira com as figuras de ação do Star Wars, que havia dado ao sobrinho quando ele fizera dez anos. O garoto foi apresentado ao mundo da ficção científica através da coleção clássica que o tio tinha guardada e a imensa vontade de apresentar a alguém, já que sua tia não fazia a mínima questão em assistir. Desde então, o interesse por essa nova realidade apenas cresceu, o tornando um grande geek.

               — O que está fazendo? — Perguntou logo reparando na bagunça que se encontrava a escrivaninha.

               — Acabando o dever de cálculo — respondeu o garoto enquanto passava a mão pelo topete.

O homem encostou a porta e caminhou em direção ao sobrinho, parando logo acima de seu ombro. Seus olhos pousaram nos óculos que se encontravam logo acima de uma pilha de cadernetas já utilizadas nos anos anteriores, desgastadas nas capas de couro. As lentes já juntavam poeira, indicando um longo tempo em que o jovem não os usava.

               — Você acabou se adaptando bem às lentes de contato, não? — O tio tentou descontrair e Peter apenas soltou um curto riso.

Peter o olhou de relance e entendeu sobre o que se referia, então soltou uma risada abafada e pousou a mão sobre o rosto, encarando o par de óculos no canto da escrivaninha, abandonados, que antes foram de seu pai.

               — Um garoto de óculos é só mais um motivo para piadas — comentou no que era para ser uma brincadeira, mas acabou com um tanto de tristeza no tom de voz.

               — Os garotos continuam te dando problemas? — Questionou o tio ao se sentar na cama do garoto, pernas abertas e as mãos vasculhando a vasilha com as chips.

               — O q-que? Não… eu não tenho problemas na escola… — O garoto gaguejou, nervoso.

               — Você pode até enganar sua tia, mas eu já fui um garoto do ensino médio também — o tio torceu a boca. — Esses seus machucados de "quedas" não são muito convincentes.

O garoto passou a mão pelo topete já bagunçado e respirou fundo, girando na cadeira e parando na frente do tio. O homem abriu um curto sorriso acolhedor e o jovem umedeceu os lábios.

               — Não deixe esses moleques te tratarem assim — tio Ben prensou os dois lábios juntos a deu um leve tapa na própria coxa. — Você é um bom garoto. Bonitão, inteligente… o pacote completo.

Peter riu de nervoso, negando com a cabeça novamente.

               — Esses garotos só te dão trabalho porque todas as damas estão aos seus pés — piscou o homem e levantou-se da cama.

               — Não é bem assim — Peter comentou.

               — Tenho certeza de que é — o tio deu dois tapas no ombro do garoto. — Vá dormir logo, não quero que se atrase para a aula cedo.

E com isso, o homem deixou o quarto e fechou a porta atrás de si. Peter balançou a cabeça, ainda processando o que seu tio havia lhe dito, rindo pela tamanha inocência. Ainda se fosse assim… e seus pensamentos voltaram à garota que ele tanto pensava.

Se Peter fosse listar quantas vezes ele pensava na jovem, ele escreveria um pergaminho que tivesse o comprimento da torre Stark. Liz Allan não era uma garota qualquer. Ela era a garota mais linda e popular da escola, com curvas que ninguém mais tinha, e longos fios castanhos que prendiam a atenção de qualquer um que passasse ao seu lado. O detalhe que Peter mais gostava de apreciar eram seus olhos, que pareciam ser os elementos com maior capacidade de atração. Ele a via como um ímã para seu corpo de ferro, e não havia nada que pudesse fazer além de alimentar essa queda a cada dia passado.

Seus melhores amigos estavam sempre o impulsionando a chamá-la para sair. Peter, em outra mão, negava todos os incentivos, dizendo que ela nunca aceitaria, e parte dele tinha total certeza disso. Liz estava no último ano e era a garota mais desejada do colégio. De longe, Peter sabia que ela era rica em simpatia e que jamais o rejeitaria de modo rude; o máximo seria um "não", ou "quem sabe outra hora", mas Peter preferia viver na fantasia a ser cortado desse mundo.

E outro motivo, dentre os vários que ele poderia passar dias listando, era por ele ser tímido demais. Seus únicos contatos com garotas a vida inteira foram com sua tia, Michelle, uma de suas melhores amigas; e agora, o demônio que o perseguia, mais conhecido como Peony Seagha.

Peony Seagha não se encaixava em nenhum padrão do ensino médio. Ela não era rebelde, não era popular, não era rica e não era a pessoa mais estranha da escola. As pessoas a descreviam como peculiar, e essa era sua palavra chave. Peter nunca havia conversado com ela antes, o único contato deles era quando ele entregava as fotos para o jornal e ela agradecia, sem tirar os olhos de sua escrivaninha. Nada se sabia sobre sua vida, família, gostos e desgostos, apenas tinha traçado em seu perfil que era uma escritora de mãos cheias, editora do jornal da escola e uma aluna honrada. Por mais que se recusasse a participar de torneios ou clubes, os professores tinham uma visão ótima dela, e muitas vezes a colocavam para trabalhar de tutora.

Entretanto, o garoto ainda não conhecia esse lado bom que alguns diziam existir. Ele a conhecera pela garota grosseira que ficava enfurnada em sua sala todo o período escolar, que acabava suas provas antes de todos e jamais saía de seu posto como editora-chefe, sempre com os artigos em mãos. Ninguém jamais a viu rindo como uma pessoa normal ou até mesmo chorando, mas algo que sempre a viam fazer era resmungar e reclamar das coisas que não gostava.

No fundo, Peter sabia que não deveria vê-la como uma péssima pessoa, até porque ela deveria ter motivos para ser tão antissocial e rude. Ele tentava pensar no acontecimento do refeitório, que, apesar de todo aquele escândalo por ter sido salva, conseguiu tirar todas as pessoas do local antes da explosão, bolando estratégias com seu pensamento rápido.

Algo que havia vindo com seus poderes foi um Sentido Aranha, que mais era um alarme biológico que disparava quando havia perigo por perto. Peter se perguntava se Peony tinha algo parecido, pois o fato de ter evacuado o refeitório fora algo surreal. E o jeito como ela lutava… eles não ensinavam isso na Educação Física.

Seu computador apitou novamente e Peter revirou os olhos, sabendo que poderia ser mais um e-mail. Ainda na dúvida se checaria a caixa de entrada ou não, passou a mão pelos fios já bagunçados e tomou o impulso de verificar. Era um e-mail novo, sim, mas não era da jovem. Era vindo do Clarim Diário, o jornal mais famoso de Nova York, e havia sido postada uma nova reportagem.

Peter ajeitou-se na cadeira e clicou sobre a mensagem, abrindo-a e revelando todo o corpo da matéria. Ali estava a grande manchete, destacando-se acima de uma imagem borrada de um homem encapuzado, com o rosto pálido e tremido pela qualidade da foto. Peter inclinou-se para ver mais perto, e acabou sentindo um calafrio percorrer sua espinha.

"NOVA AMEAÇA RESISTE POLÍCIA"

[…]

O alarme disparou e fez com que Peter saltasse da cama, assustando. O garoto raramente tinha noites tranquilas de sono, normalmente ele dormia duas horas por noite e jogava pelo menos duas doses de café goela abaixo para aguentar o dia. Com algumas misturas de cabos de rádios e um tanto de habilidades hacker, ele havia conseguido criar seu próprio aplicativo para alertá-lo dos crimes ao redor da cidade.

Peter sentou-se na cama, quase batendo a cabeça na parte de cima da beliche ocupada por caixas cheias de materiais que o garoto costumava coletar para montar dispositivos — incluindo os disparadores de teia. Ele saiu do quarto para tomar o banho e fazer a rotina de higiene pessoal e voltou depois, procurando por roupas e seus cadernos para ajeitar dentro da bolsa. Peter gostava das camisetas que tinham estampas fazendo piadas relacionadas à ciência. Sua grande coleção era apoiada por seu tio, que sempre que encontrava uma nova estampa, fazia questão de levá-la ao garoto. Naquela manhã, colocou a primeira que havia visto, já que estava atrasado, acompanhando de jeans escuros. O garoto correu até o banheiro e ajeitou o cabelo rapidamente em um topete e voltou para o quarto, esquecendo do uniforme.

O uniforme tinha uma história engraçada. Quando Peter soube que era a hora de assumir seus poderes, soube que era algo grande demais até para ele. Aquilo era algo próximo dos heróis, senão mesmo um deles, e Peter sentiu-se ameaçado pelo mundo. Por mais que fosse foda, ainda assim era perigoso, e ele precisava cobrir sua identidade a qualquer custo. Então pensou como os outros heróis já haviam pensado, com exceção de Tony Stark, e resolveu criar uma roupa para que pudesse lutar contra o crime.

O garoto passou a procurar por roupas velhas em seu armário, sabendo que poderia rasgá-las a qualquer momento, e encontrou apenas um moletom vermelho com as mangas rasgadas, uma blusa azul de mangas longas e grandes meias vermelhas. Foi daí que escolheu as cores vermelho e azul, e acabou fixando-se nestas. No armário de sua tia que trabalhava como enfermeira, encontrou sapatos vermelhos de borracha, bingo, e óculos de natação. Os óculos serviriam apenas se tivessem uma lente especializada, já que sua visão havia amplificado, junto dos outros sentidos. E então ele acabou formando seu traje baseado nesses itens e alguns acréscimos que lhe custaram $21,53 nas lojas de peças.

Peter procurou no fundo do baú que ficava no canto do armário e pegou o traje, colocando-o na parte traseira da mochila, junto de sua tarefa de cálculo. Então, o jovem saiu de seu quarto e direcionou-se até a cozinha, sendo impregnado pelo cheiro de queimado que vinha da tentativa de café-da-manhã de Tia May. A mulher cumprimentou-o com um curto bom dia e apontou para o prato com torradas — no sentido literal da palavra — voltando a atenção para a frigideira. Peter pegou dois pedaços e saiu apressado, não se esquecendo de sua chave.

Na ida da escola, Peter costumava parar em um pequeno café ao lado da estação de metrô. O garoto pediu um copo grande e procurou por trocados na mochila e nos bolsos, entregando ao barista. Quando sua carona havia chegado, ele saltou para dentro do vagão e acabou o encontrando lotado, então teve de ficar de pé. Os metrôs já não eram mais um problema para Peter como costumavam ser; agora ele não tinha de batalhar pelo equilíbrio, já que seus pés ficavam bem firmes ao chão. Procurando seu celular no bolso traseiro, pegou os fones de ouvido e selecionou uma música do Green Day para poder acordar de verdade.

Chegando à Midtown, enfiou as mãos nos bolsos e percebeu que o céu estava começando a escurecer. Nova York era a famosa cidade da garoa, então ele já havia se acostumado com chuvas inusitadas. Logo, adentrou a área coberta do pátio e enfiou as mãos nos bolsos, lembrando-se da nova reportagem.

Dois dias atrás, quando houve a luta do refeitório, Peter sabia que não havia acabado ali, mas não imaginava que o vilão voltaria tão cedo. Ele sequer sabia o que era aquele cara. Só havia visto sua face pálida e várias cicatrizes rodeando o que era para ser um rosto. Os olhos tão negros quanto um céu escuro. E as chamas que ele soltava pelas mãos eram absurdas até demais. Peter costumava acompanhar as lutas de heróis por noticiários, e era experiente nas habilidades de vilões, mas aquele cara? Aquele cara nunca havia sido visto antes. E seus poderes insanos também não. Agora, seus ataques pareciam mais frequentes, e, segundo a reportagem, em escolas ao redor da cidade.

Há gente que cuide disso, pensou ele.

O garoto não havia se transformado em um super-herói. Ele havia sido picado por uma aranha e ganhado poderes insanos, mas dizer que ele havia se tornado um Vingador, ou qualquer outra classe heroica, era exagero. Peter era apenas um garoto que não tolerava ver o mal acontecendo em sua frente e seguir parado. E sabia que podia mudar com as habilidades que havia recebido, mas não seria adequado fazer isso mostrando o rosto. Já imaginou ele chegando na escola e ouvindo comentários do tipo "o Parker salvou dez pessoas de um incêndio soltando teias dos pulsos"?

               — Peter! Ei! — Gritou um nome atrás do garoto, abafado pela música de seus fones.

Seus sentidos previram o toque do amigo em seu ombro, fazendo com que Peter se virasse e removesse os fones, sorrindo de canto. Ali estava Ned Leeds, o outro melhor amigo do Parker. Ned e Peter se conheceram no primeiro ano, quando todos os alunos foram chamados até o ginásio para receberem seus horários, e os dois sentaram-se lado a lado, assim, conversando timidamente. A amizade só crescera dali para cá, tendo em vista que os garotos compartilhavam gostos em comum e várias aulas juntos.

Ned era um garoto baixo, acima do peso e de descendência latina. Seu cabelo negro era sempre repartido ao meio e com um gosto peculiar para filmes, sendo seus favoritos apenas os thrillers mexicanos, os quais Peter era forçado a ver nas noites em que dormia na casa do amigo.

               — Cara, você não vai acreditar no que eu vi — Ned aproximou-se de Peter com o celular em mãos, digitando rapidamente. Em seguida, colocou a tela na frente dos olhos do amigo e apontou para a imagem. A famigerada imagem em que Peter estava vestido em sua segunda identidade e segurava uma garota em seus braços. Não sendo uma garota qualquer, claro. — Será que eles estão namorando?

               — Essa foto viralizou anteontem — Peter comentou, sem mostrar muito interesse.

               — Você não entendeu, Peter. O Homem-Aranha aparece na nossa escola, salva todo mundo, mas leva a Peony para outro lugar — o garoto reforçou o comentário, recebendo a mesma expressão de Peter. — Nós precisamos ficar amigos dela. É meu novo objetivo.

               — Eu estou bem, obrigado — o garoto torceu a boca e se assustou com o carro que surgiu do nada, quase os atropelando.

Do conversível soou a buzina durante um longo momento. Ali dentro estava Flash Thompson, fazendo um sinal com dois dedos na testa, logo acima dos óculos escuros. O garoto sorriu de canto e parou na frente de Peter e Ned, inclinando-se.

               — É melhor tomar cuidado ao atravessar a rua. O mundo está cheio de motoristas loucos — comentou o loiro, rindo ao acelerar, não antes de gritar: — Nerds.

               — Eu odeio esse cara — disse Ned, revirando os olhos. — Como ele entrou em Midtown? Fazendo malabarismo?

Peter riu com o comentário. No fundo, ele também se questionava, já que Midtown era uma das escolas que exigia ótimas médias e vários milhões de quesitos para poder e entrar, e Flash Thompson não era bem considerado uma pessoa inteligente. Quer dizer… Peter era o melhor estudante de ciências da escola, havia construído seus próprios disparadores de teia e as próprias cápsulas; Ned havia feitos vários robôs eletrônicos com apenas sucata para que lhe servissem refrigerante quando ele tivesse preguiça de pegar; Harry tinha seu pai como influência, e por mais que suas notas não fossem as melhores, também era inteligente; e Flash? Flash… ele sabia escrever.

               — Qual seu primeiro período? — Perguntou Ned, ajeitando a alça da mochila nos ombros.

               — Cálculo — respondeu o garoto.

               — Certo… melhor você ir logo. O Sr. Dunphy sempre me deixa na detenção quando eu me atraso — comentou o amigo, atravessando a rua. — Já que nosso refeitório está explodido, nós podemos comer em casa e montar a réplica da Estrela da Morte. Minha mãe vai fazer enchiladas.

               — Hm, bem, eu tenho compromissos com o jornal… reuniões e…

               — Sério, Peter? — Ned arqueou uma das sobrancelhas. — Você sempre arranja desculpas para não ir às reuniões!

               — Dessa vez eu tenho que ir — disse Peter, adentrando o colégio. — É importante.

               — Então você pode ir para casa depois da aula.

               — Depois da aula eu tenho que… consertar o… chuveiro — Peter coçou o braço, nervoso. Ele era um péssimo mentiroso.

               — Certo — Ned não pareceu convencido. — Quando você arranjar um espaço na sua agenda lotada, me avise.

E com isso, o garoto caminhou pelo corredor, saindo de cena. Peter se sentia mal por agir desse modo, mas ele havia tomado a responsabilidade do projeto com Peony, e sabia que a garota encheria seu saco durante o almoço. E o depois da escola, ele costumava ficar esperto caso houvesse algum crime próximo. A aranha que lhe picou não veio com uma bula informando sobre os efeitos colaterais de uma vida dupla.

[…]

No horário de almoço, Peter apressou-se para sair da sala e caminhou rapidamente em direção à saída da escola, sabendo que tinha de comer fora. Como previsto, antes mesmo de passar pela fachada, deparou-se com a garota que praticamente surgiu do nada, saltando em sua frente. Ele teria se assustado se seus reflexos não fossem tão bons.

Peony estava carregando dois livros e vários envelopes, quase caindo de seus braços. Os cabelos soltos batiam nas costas à medida que ela andava, refletindo alguns raios de luz que adentravam o colégio. Naquela manhã, a jovem vestia uma camisa xadrez vermelha com jeans azuis, sujos de tinta. Como Peter já estava ciente de que a garota precisava das fotos, e ele sabia que não tinha como tirar fotos dele mesmo em cena, preveniu-se ao fazer uma curta sessão por conta própria no beco ao lado de seu prédio.

               — Suas fotos estão aqui — adiantou-se ao pegar o envelope de dentro da mochila, entregando nas mãos da garota.

               — Oh, certo — ela pareceu surpresa, mesmo sem muita expressão. — E…

               — Não, não tenho mais informações. — Peter finalizou a conversa, deixando-a sem palavras. Só então o garoto percebeu o quão estúpido havia soado. — D-Desculpe, eu… não era para ter soado ofensivo.

               — Tudo bem — ela torceu a boca, ajeitando os envelopes nos braços. — Obrigada pelas fotos.

Peony deu meia-volta e seguiu o caminho para o editorial, saindo apressada. Peter sentiu vontade de se dar um tapa, tendo em vista o quão grosso havia sido. Isso não era normal dele, e ele não sabia dizer o que havia ocorrido com seus impulsos.

               — Isso foi um tanto insensível da sua parte — soou uma voz atrás de si, junto de uma mão que tocara seu ombro.

Peter virou-se e deparou-se com Harry, que tinha um curto sorriso no canto da boca.

               — E-eu…

               — Eu estava brincando — Harry lhe deu dois tapinhas. — Você vai comer fora?

O garoto assentiu com a cabeça enquanto ajeitava a mochila nas costas.

               — Abriu um novo restaurante na Austin com a 72. O que você acha?

Com um simples gesto de assentir, Peter e Harry saltaram na limusine que Norman Osborn havia comprado para que seu filho pudesse andar pela cidade. Com um chauffeur, claro. O homem ouviu as instruções de Harry e começou a dirigir.

Peter, encantado, olhava pela janela do carro, focado nas pessoas que haviam voltado seus olhares ao grande carro em frente à escola. Harry já não estava tão interessado, tendo o celular em mãos enquanto esticava uma das pernas sobre os bancos acolchoados.

               — Seu pai brigou com você por ter chegado tarde? — Questionou Peter, ajeitando-se no banco.

               — Na verdade, não. Ele nem estava em casa — Harry comentou, sem tirar os olhos da tela.

               — Hm, certo.

               — Ele não tem tempo para se importar com essas coisas, também — acrescentou antes de guardar o celular.

O jeito que Harry falava de seu pai sempre cortava o coração de Peter. Ele sabia que desde a morte da mãe do garoto, o pai havia se tornado uma pessoa totalmente fria e desprovida do carinho que deveria dar ao filho. Às vezes Peter tentava convencer Harry de que a situação poderia melhorar, mas no fundo, sabia que não era bem assim. Sua mente se questionava se era melhor ter um pai morto a ter um pai que não se importava.

               — Chega de tristeza — disse Harry ao destrancar a porta do carro. Só então Peter percebeu que eles não estavam em movimento. — Agora eu vou comer um x-burger duplo e ser feliz.

Peter abriu um sorriso e desceu do carro, seguindo o amigo até a entrada da lanchonete, procurando a primeira mesa para poder se sentar. O local era pequeno e cheirava a fritura, mas algo no ambiente trazia conforto para os garotos. Todos as outras mesas estavam vazias, e no balcão trabalhavam dois homens enquanto um terceiro varria o chão.

               — Escolha o maior hambúrguer daqui — ordenou Harry com um sorriso lateral indicando a brincadeira na fala.

               — Eu só trouxe alguns trocados comigo — Peter caçou algumas moedas no bolso, sem sucesso.

               — Você acha que eu te trouxe aqui para você pagar o seu?! — O amigo riu e inclinou a cabeça para trás. — Vá, escolha seu lanche.

               — Harry, e-eu…

               — Considere isso um pagamento para todas as aulas particulares que você já me deu — o amigo sorriu e Peter sentiu-se confortável para pedir seu lanche. Seu estômago já havia roncado o caminho todo.

Às vezes o garoto se sentia constrangido de sair com o amigo, até porque Harry tinha muito dinheiro e Peter não. Não era algo que ele costumava ficar incomodado, ele apreciava cada centavo que seus tios podiam lhe oferecer com suor escorrendo na testa, mas não gostava de gastar o dinheiro esforçado. Muitas vezes ele costumava comer na rua, comprando cachorros-quentes ou burritos que custassem menos de cinco dólares.

Alguns minutos após os pedidos, o homem que varria o chão apareceu com uma bandeja e colocou dois pratos sobre a mesa, sendo um com um hambúrguer gigante, com no mínimo três camadas de queijo e molho pingando pelas laterais e outro com um hambúrguer menor, um x-burger duplo, que seria de Harry. Os dois pediram refrigerante de acompanhamento, e, por mais que Peter tivesse recusado a oferta do maior hambúrguer, Harry não o deixou escapar.

               — Não era para você estar trabalhando no projeto agora? — Perguntou o amigo enquanto abocanhava seu lanche.

               — Eu já entreguei as fotos — disse Peter. — Não acho que sou necessário no restante.

               — Não sei o que pensar do Homem-Aranha — Harry comentou.

Por mais que Peter não sentisse medo algum de colocar a roupa e lutar contra o crime, ele ainda congelava cada vez que ouvia o nome de sua segunda identidade por perto.

               — Como assim? — Perguntou, tentando disfarçar o nervosismo enquanto se lambuzava com o excesso de molho.

               — Ah, não sei dizer… esse cara é um tanto suspeito — afirmou. — Digo, você confiaria em alguém vestido de collant?

               — As pessoas confiam em bailarinas, eu acho — brincou Peter.

Harry jogou um pedaço de bacon que havia caído no prato em direção ao outro, rindo.

               — Você me entendeu. — Peter apenas sorriu em conjunto.

A televisão no canto da lanchonete mudou drasticamente de cores, saindo de um filme antigo para uma reportagem de última hora. Um dos homens do balcão aumentou o volume, deixando bem audível para todos ali presentes. Peter e Harry passaram seus focos para a pequena tela.

"Várias escolas do Queens foram invadidas nestas duas últimas semanas. Os ataques estão sendo feitos por apenas uma pessoa, um homem de capuz, como dizem testemunhas. Os vídeos a seguir, gravados por alunos, mostram imagens perturbadores da ameaça incendiando os locais."

Peter colocou o hambúrguer de volta ao prato, concentrando-se na televisão. Puxando um guardanapo, limpou a boca e focou olhos e ouvidos para a tela. Ele jurou ter ouvido algo no vídeo, algo sendo dito pelo próprio encapuzado, mas Peter não conseguiu deduzir. Harry ainda comia seu lanche, não se importando muito com a reportagem, mas ora ou outra desviava o olhar para a televisão.

"Vários alunos sofreram grandes danos, mas não houve nenhuma morte. Os que estão em melhor estado e quiseram dar depoimento afirmaram que há uma explosão antes dos ataques, e que o responsável está sempre dizendo a mesma frase após as invasões."

A imagem tremida era do mesmo homem com quem Peter lutou alguns dias antes. Ele lembrava-se da explosão e de seus ataques, até tinha a imagem perfeita das cicatrizes gravada na memória, mas não conseguia se lembrar de uma frase sequer dita pelo vilão. Acompanhada das imagens, uma legenda apareceu no centro da tela, como uma interpretação do que o suspeito havia dito, e as palavras arrepiaram cada pelo presente no corpo de Peter:

"Entregue meus poderes."



Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...