História Tormento - O Retorno de Lauren

Dois dias se passaram até que Lauren finalmente tivesse alta. Obviamente sua família já encontrava-se de prontidão frente a sua casa assim que o carro parou a frente. Lauren ainda sentia dor no abdômen, embora já não fosse tão forte como no início. Seu pai havia preparado um belo jantar, já eram sete da noite e seus olhos ardiam sonolentos. Ainda que soubesse e tivesse certeza que estavam seguras, ainda que já houvesse testemunhado para a polícia todos os acontecimentos, havia ainda uma terapia que havia sido encaminhada e procurava uma forma de fugir dela.

Sua cabeça não estava nada bem e nem mesmo poderia se igualar um homem que volta de uma guerra. Que guerra brigou? Pelo seu país? Não mesmo. Comeu em silêncio, para o desapontamento de seus pais, que tinham novamente a filha em casa, algo que acreditavam não mais ser possível. Sua mãe era mais compreensiva, permitiu que Lauren se fechasse em sua imaginação e procurasse se reerguer conforme achasse possível.

A campainha disparou e todos já imaginavam ser visita para Lauren. Os fãs, jornalistas, amigos e colegas já sabiam do retorno da cantora e claramente iriam visitá-la para dar as boas vindas. Clara levantou-se e seguiu até a porta, acompanhada pelo olhar cuidadoso de seu marido. Lauren nem mesmo virou os olhos em direção a porta, permaneceu estática onde estava, até que ouviu a voz.

- Boa noite, senhora. Como está a Lauren?

- Lucy, querida. Fico feliz em te ver - Clara disse em alto e bom som e o estômago de Lauren revirou - Vamos, entre, ela está terminando de jantar…

- Eu já terminei - Lauren disse levantando-se e aproximando-se das duas - Oi Lucy.

O olhar entristecido, mas ainda assim corajoso de Lucy encontraram os seus. De repente todo o discurso de Camila parecia disparar em sua mente e viu razão na amiga. A garota não tinha culpa de nada do que aconteceu e tampouco sabia a relação que havia nascido entre Camila e Lauren. Mas não conseguia olhá-la direito, apesar do remorso que sentia por tudo que se passava dentro de si.

- Vim ver como você estava - disse ela timidamente.

- Obrigada por vir, Lucy - disse Lauren formalmente - Se importa de subirmos? Precisamos conversar.

Lucy olhou-a com certo alívio. Claro que precisavam conversar, mas não esperava que ela decidisse por aquilo tão rápido. Consentiu com um movimento delicado e acompanhou-a até a escada. Subiram lentamente, o esforço ainda causava desconforto a Lauren. O ferimento ainda cicatrizava e levaria um tempo até não causar incômodo algum. Atravessaram o amplo corredor, até uma porta dupla, que dava acesso ao quarto da cantora. Abriu-a com cuidado e delicadeza, dando espaço para que Lucy entrasse, o que ela não demorou a fazer.

Lauren fechou a porta e virou-se para observá-la. Ela estava nervosa e isso era notável, embora seu olhar triste exprimisse todos os sentimentos que lhe invadiam a alma.

- Eu…

Lauren tentou, mas a voz lhe engasgava na garganta e não saia de seus lábios. As lágrimas lhe invadiam os olhos, enquanto sua respiração falhava tão rápido, que não pensava em outra coisa que pudesse dizer para aliviar o que ficou preso.

- Eu não sei o que precisa me dizer, mas gostaria de livrá-la desse peso - Lucy disse quebrando o silêncio que se fez.

- O que?

- Eu sei que terminamos antes e que os últimos acontecimentos não mudam nada entre a gente e talvez isso foi difícil de entender. Mas eu entendi. Só queria mesmo que soubesse que eu não te abandonei nesse momento, que eu estive em prantos e desesperada, pois a última coisa que te disse foi “acabou” - as lágrimas subiram a seus olhos e Lucy procurava manter a compostura, ainda que escorressem por seu rosto - E eu tenho a chance de não deixar que essas sejam as minhas últimas palavras. Eu te amo, Lolo. Eu sempre te amei e vou te amar. Você foi uma namorada maravilhosa e as melhores lembranças permanecerão em minha mente. Eu não faço ideia do quanto foi difícil pra você passar por tudo isso e eu jamais seria capaz de dar as costas como claramente me pede pra fazer. Eu vim aqui hoje porque precisava saber como você estava.

Lauren nada disse, permaneceu ao lado da porta observando-a. Tudo o que ela havia dito fez seu coração acelerar e se viu em um jogo cruzado. Naquele instante, quando chamou-a para uma conversa, tudo o que queria era dizer adeus, dizer que havia se apaixonado por outra pessoa e que agora seu coração estava aquecido. Mas ao mesmo tempo, todos os sentimentos desaparecidos durante a fuga, pareciam gritar. Tudo o que conseguiu fazer foi dar alguns passos em direção a ex-namorada, tomar seu rosto entre as mãos e selando seus lábios com o seus próprios.

Lucy sentiu que não era um beijo de volta. Nem de longe era um beijo apaixonado e cheio de saudade. Pelo contrário, era quase um beijo de despedida. Os lábios de Lauren estavam gelados e sequer se moviam insinuando algo mais. Quando seus rostos se afastaram e seus olhos enfim se encararam, ambas perceberam que o que quer que houvessem tido antes, acabara. Para Lauren fora algo necessário para entender que dificilmente voltaria a realidade pré-sequestro. Que sua realidade agora teria de casar-se com o que havia acontecido e sua vida naquele instante deveria adaptar-se. Para Lucy, fora um coração partido.

Quando terminara a relação com Lauren, sabia que no fundo jamais foi de sua vontade, embora continuasse seguindo sua vida normalmente. Com o sequestro da amada, sentiu seu coração parar e ao saber da morte, percebeu que nunca a esquecera. Lucy deu um passo para trás, visivelmente abalada. Encarava aquele par de olhos claros decepcionada e entendendo que chegara ao fim, algo que jamais desejara ver o final.

- Eu…

- Lucy - Lauren apressou-se - Me desculpe.

- Eu entendi - disse ela desconcertada - Eu entendi, Lauren.

- Não era isso que eu tinha em mente… eu…

- Você não sente mais nada por mim - Lucy completou envergonhada - Não se preocupe, eu entendi.

- Eu não sei o que te dizer Lucy - Lauren esboçou.

- Mas não há nada a ser dito. Eu sinceramente acho que devo ir embora…

- Não, espere aí - Lauren impediu que a garota deixasse o quarto - Eu preciso conversar com você.

- Quando achei conveniente conversarmos, você meio que não quis - disse ela timidamente - Então não acredito que temos algo pra falar.

- Eu fui uma idiota quando te tratei daquela maneira, não era minha intenção.

- Olha, a sua amiga Camila me disse que devia entender a situação que você está vivendo agora. E eu acredito realmente que ela esteja certa.

- Camila?

- Sei que não gosta que me aproxime ou fale com ninguém do trabalho, mas o que queria que eu fizesse? - Lucy elevou a voz.

- Ah e falando com Camila vai te ajudar em que? - vociferou Lauren.

- Escuta aqui, Lolo, isso não é hora para dar seu show de ciúme com aquelas garotas.

- Olha, realmente a gente não tem mais o que para dar certo.

- Por causa disso? - Lucy irritou-se - Porque falei com aquela garota? Qual o seu problema, Lauren? Eu estou aqui querendo conversar, querendo entender você, saber o que está acontecendo e saber também por qual motivo está agindo assim e tudo o que vejo é piorar. Vocês duas voltaram completamente diferente e na entrevista que deram percebi um olhar muito diferente ao que olhavam-se antes.

- O que está insinuando?

- Por acaso elas sabem que você é gay?

- Pra que isso? Pra que precisam saber?

- Porque você é gay, Lauren - Lucy berrou.

Nesse momento Clara abriu a porta com uma caixa de pizza entre as mãos e um olhar confuso. A mulher que até aquele instante não sabia da sexualidade da filha, olhou-a surpresa. Lauren encarou a mãe com indiferença e encarou Lucy com uma raiva contida.

- Acho que agora não temos realmente o que conversar.

- Eu sinto muito.

- Vá, Lucy.

- Espere - Clara chamou-a - O que disse agora pouco?

- Eu sinto muito, senhora Jauregui. Não foi minha intenção…

- Não foi sua intenção, mas tampouco deixa de ser uma novidade para mim. O que está acontecendo aqui, Lauren?

Clara olhou para a filha, que agora tinha as mãos no rosto, procurando esconder a ira que lhe tomava. Sabia que sua mãe sempre fora acima de tudo sua melhor amiga e que sua relação com mulheres não era uma situação tão nova assim. Lucy não foi sua primeira e muito menos sua última, mas o fato de não haver contado a sua mãe com certeza seria um problema. O fato de não haver contado antes, não foi pela sua reação, mas por não saber o que realmente se passava, até perceber tudo o que sentia por Lucy e agora por Camila.

- Olha, eu acho melhor ir embora - Lucy disse desconfortável.

- Espera. Mãe, pode me deixar a sós com Lucy só por mais um instante e logo falo com você?

- Eu quero saber o que…

- Vai saber… mas agora preciso só ter uma palavrinha com Lucy e logo vou conversar com você.

- Eu estarei na minha sala.

- Obrigada.

Clara deixou o quarto e Lauren olhou para a ex-namorada com carinho. Aquele olhar não era o que a garota esperava, tampouco o que aconteceu em seguida.

- Eu não tenho nenhum rancor ou raiva de você por nada o que aconteceu, Lucy. Pelo contrário, fico grata por sua preocupação e sua visita. Infelizmente eu não esperava tudo o que aconteceu até este momento, muito menos que minha vida mudasse dessa forma. Existe muita coisa acontecendo agora e eu realmente vou precisar de espaço. Nosso namoro ficou no passado, um passado que infelizmente não irá me pertencer mais após tudo o que aconteceu.

- Eu entendo e eu posso esperar.

- Não, não pode esperar porque não existe nada que deva esperar de mim. O que tivemos foi maravilhoso sim, você é uma garota maravilhosa que tenho o maior orgulho de ter como amiga e de lembrar a namorada brilhante que foi. Pequei muito com você, fui rude, cruel e por vezes egoísta. Não era nossa hora, talvez. Mas agora tudo mudou. E a Lauren que você teve ficou lá atrás. Antes de ter passado por tudo isso que tive que passar.

Lucy deixou que as lágrimas invadissem seus olhos e despejassem por seu rosto com tanta força que mal conseguia ficar em pé. Lauren a abraçou com carinho, já não poderia mais fazer nada. O certo havia sido feito e o duvidoso teria que acontecer. Teria que ter uma conversa séria com Camila.