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História Transgressão - A transformação


Escrita por: nuwahours

Capítulo 3 - A transformação


 

Seu amigo, Felix, estava de pé, e o encarava com olhos vermelhos injetados, a boca aberta emitindo um ruído esquisito, parecido com um grunhido engasgado de um animal ferido. As roupas estavam puídas, manchas de sangue seco no colarinho e nas mangas. 

— F-Felix? — gaguejou e deu um passo para trás.

Jisung não tinha parado para pensar na possibilidade de Felix ter se transformado. Tinha ouvido da vizinhança sobre os caçadores terem perseguido e eliminado os vampiros envolvidos no ataque, mas jamais, jamais, cogitou a hipótese de que seu amigo poderia ter se escondido após o ataque. Não o havia procurado porque queimaram os corpos numa pira na praça e achou que o cadáver de seu amigo estivesse entre eles. E agora Felix estava ali, parecendo uma coisa sobrenatural e muito humana ao mesmo tempo.

Não houve um segundo. Era exatamente como Chan havia dito. Mas Felix não parecia ter se alimentado muito bem, pois ele avançou cambaleante sobre Jisung, caindo os dois no chão. A força dele era monstruosa, nada típico de alguém que só carregou panelas e mantimentos nos últimos anos. Os ruídos que saíam da garganta dele eram assustadores, como se ele fosse uma fera faminta protegendo o jantar. 

Chan! — Jisung gritou ao segurar Felix pelo pescoço, impedindo que aquela boca se aproximasse de qualquer parte de seu corpo.

Sua arma o cutucou nas costas, mas não tinha como alcançá-la sem ter que remover uma das mãos da garganta de seu amigo e não sabia se teria força de mantê-lo longe para apanhá-la. Restava se debater enquanto escapava dos caninos afiados, sua adrenalina subindo a mil.

— Jisung!

Felix se empertigou diante da segunda voz no ambiente, sua atenção vacilando. Jisung se aproveitou disso e o chutou com força no peito, levantando-se apressado para correr até a porta do bar e escapar da criatura. Felix se recuperou rápido da queda e correu para alcançá-lo, os tiros de Chan errando-o por pouco. O vampiro conseguiu agarrar Jisung pelo casaco, as unhas afiadas se prendendo ao tecido.

Jisung, ao perceber que estava sendo puxado para trás, arrancou os braços das mangas para se desvencilhar da jaqueta. Mas foi no momento em que um dos braços ficou preso que Felix se aproveitou, grudando a boca em sua nuca de forma deliberada e incisiva. Dessa vez, Chan o acertou na cabeça, os dentes lacerando a carne do pescoço ao se desconectarem dela bruscamente.

— Merda — Chan foi de encontro a Jisung que tinha arregalado os olhos ao sentir a mordida arrancar sua pele, o líquido morno escorrendo e pingando. Ele caiu com um joelho no chão, o equilíbrio afetado, a respiração rasa. — Calma, vai com calma — pediu a ele ao acolhê-lo, impedindo-o de tocar na ferida aberta.

— Porra, isso queima — protestou numa voz rouca.

Chan avistou Felix se mexer com dificuldade no chão e teria ficado para acabar com ele se não fosse a necessidade imediata de carregar Jisung para fora daquele bar. A situação ficaria dez vezes pior se mais vampiros surgissem da surdina, atraídos pelo cheiro de sangue.

— Mantenha a calma — Chan implorou a Jisung que ainda estava em choque, o rasgo brilhando num vermelho vivo. — Vamos sair dessa.

— Chan…

— O que foi? — perguntou aflito ao fechar as janelas da caminhonete e arrancar com o veículo pela rua, ignorando qualquer tipo de sinalização. Conseguiu ver Felix pelo retrovisor, mas ele não conseguiria alcançá-los com aquela bala alojada na cabeça dele. — O que foi, Jisung?

— ‘Tá queimando muito — chorou e se encolheu angustiado. — Eu acho que tinha veneno na mordida dele. Ele me transformou. Porra… isso dói como o inferno.

— Você só foi mordido. Ele não teve tempo pra… — Chan disse, tentando convencer a si mesmo do que dizia. — Ele precisaria de mais tempo.

— Você não pode… — a voz dele falhou. 

— Shh… está tudo bem. Vamos achar um lugar seguro primeiro, está bem?

Chan dirigiu por quase uma hora até estar bem longe, odiando o fato de que era noite e o horário favorito daqueles demônios. Não tinha como sair daquela caminhonete sem espalhar o cheiro preferido deles. Era como oferecer carne aos leões.

— Desculpa… sou tão idiota… — Jisung chorou, a voz esganiçada.

 D-Desculpa, Chan. Ele parecia só uma criança… eu sinto muito…

— Está tudo bem, Jisung. De verdade. Nós não tínhamos como saber — falou com calma, tentando afastar as memórias.

— Não devíamos ter ido ao bar. Devíamos ter feito como você disse e ido lá pela manhã…

— Não é hora de pensar nisso. O que você está sentindo agora? Ainda está queimando? 

— Sinto como se meu corpo estivesse dormente. Minhas mãos estão formigando.

— Merda.

— O que vamos fazer? E se eu estiver infectado?

— Você não está infectado. Você só foi mordido. Você só está perdendo muito sangue. Vamos parar aqui.

Chan parou no acostamento e desligou a caminhonete. Buscou por uma maleta de primeiros-socorros no porta-luvas e acendeu a lâmpada do teto. A claridade piorou a situação, fornecendo a visão do estrago feito na região do pescoço e da nuca de Jisung. 

— Chan… — Jisung clamou assustado, os movimentos dele desacelerados enquanto ele se deixava cair no banco. A respiração se tornou curta e rápida, um fiapo de vitalidade restante. — Eu acho que vou morrer. 

— Você não vai morrer — o interpelou de maneira urgente. — Vou fechar essa ferida. Aguente firme.

— Porra… eu vou morrer — Jisung encarou o teto, as lágrimas rolando dos cantos de seus olhos. — Eu te amo, sabia? Desculpa. Porra. Queria mesmo que nada disso estivesse acontecendo. Você não merece isso.

Chan ignorou aquelas palavras porque se recusava a determinar o fim de Jisung. Lavou a ferida com água do cantil, jogou antisséptico e remendou as feridas com suturas adesivas. Suas mãos tremiam e ele terminou o curativo de qualquer jeito, praguejando sua falta de autocontrole ao não conseguir oferecer algo melhor.

— Você tem que parar com isso — Jisung interrompeu Chan quando ele começou a limpar a caminhonete com uma solução sanitária. — Você tem que me deixar aqui. 

O quê? — questionou perplexo. — Você surtou?

— Você sabe que é isso o que deve fazer. Você tem que me deixar aqui. Ir embora. 

— Não vou fazer isso com você. Você não pode estar me pedindo isso.

— Chan, eu vou morrer. Pior: eu vou me transformar em um vampiro. E você precisa me deixar aqui.

Chan apertou os lábios e tensionou o maxilar, balançando a cabeça diversas vezes, negando aquela realidade com toda a sua força. 

— Você sabe que é isso o que você precisa fazer.

— Vai se foder.

— Então me mata logo, porra! Eu não posso me transformar! — esbravejou. — É isso que você quer? Me ver como uma daquelas criaturas que acabou de me atacar? Você viu o jeito que meu próprio amigo me atacou?

Chan olhou para a escuridão do lado de fora antes de bater a testa no volante, suas mãos engalfinhadas no cabelo enquanto uma dor vinha à superfície e incendiava cada pedaço do seu corpo. Aquilo estava acontecendo de novo. Mais uma vez a tragédia aconteceu na vida dele e não havia nada que pudesse fazer.

Ele não conseguia se conceber abandonando Jisung muito menos repetindo o que caçadores experientes faziam num piscar de olhos: esquartejá-lo e queimá-lo. Era fora de sua compreensão que alguém tivesse estômago para praticar tais atos desprezíveis contra uma pessoa que passou os últimos meses rindo, chorando e dormindo com você. Mesmo que essa pessoa estivesse prestes a virar outra coisa que não poderia ser considerada humana e digna de respeito. Chan simplesmente não conseguia.

— Ah… merda…

Ao ouvir o lamento de Jisung, virou-se para ele de imediato e viu a mão sendo estendida em sua direção. A segurou e sentiu como ela estava molhada, fria. O rosto de Jisung tinha ficado ainda mais pálido, a cor dos lábios sumindo. Os olhos não focavam em nada, o peito subindo e descendo, descompassado.

— Fala comigo, por favor — Chan implorou ao trazê-lo mais para perto. — Eu amo você. Não me deixe assim. Por favor.

Jisung abriu a boca, mas não proferiu nenhuma palavra. Ele estremeceu e Chan o puxou, conduzindo-o até deitar a cabeça em seu colo. 

— Jisung? — chamou-o com a voz embargada, seus dedos deslizando pelo rosto dele.

Os olhos se fecharam e Jisung continuou respirando rápido, os dentes batendo. Chan o cobriu com seu casaco e ficou segurando as mãos alheias até o último espasmo, uma dor rasgando seu peito de dentro para fora ao se dar conta de que a morte havia finalmente chegado, como previsto. 

Não soube mensurar quanto tempo ficou assim, entorpecido, apenas observando o rosto sereno e isento das aflições. Tentou assimilar a verdade daquilo, não conseguindo acreditar que nos seus braços morria outra pessoa importante e especial. Podia praticamente imaginar Jisung abrindo os olhos de repente, um sorriso brincalhão nos lábios, um brilho esperto nos olhos. Nada daquilo parecia real.

Por que o destino o queria sozinho e destruído? Por que tinha que puni-lo tanto? O que tinha feito de tão errado para merecer mais uma cicatriz feia e dolorosa?

Mergulhado nas sombras da noite, dentro daquela caminhonete, Chan pensou que desta vez não restava nada mais naquele mundo que fosse bom e merecesse sua atenção. Não havia argumento bom o suficiente para convencê-lo de que valia a pena permanecer e continuar respirando. Se o objetivo era dar a ele algo que seria tirado à força, para que se dar o trabalho?

Nada daquilo fazia sentido. Nada daquilo era justo.

Sua energia parecia ter sido sugada quando tentou se mexer novamente. E bem quando decidiu que iria sair dali para voltar à cidade e pelo menos vingar o que foi feito a Jisung, a movimentação do corpo em seu colo o surpreendeu.

— Jisung? — o encarou e o percebeu se mexendo como antes, pernas e braços se debatendo como se ele quisesse remover alguma coisa que estivesse grudada nele.

A pele que estava gelada se aqueceu até ficar febril numa velocidade inacreditável. Chan se impressionou com a rapidez da transição, sua curiosidade vencendo seu temor. Nunca tinha visto uma pessoa se transformar em vampiro. Só havia ouvido as histórias sobre como o processo era doloroso e impiedoso com quem precisava atravessá-lo. As lendas diziam que o próprio diabo aparecia para recolher a alma, infligindo a tortura que acabaria na maldição que impelia os sanguessugas a tomar sangue para sobreviver.

Jisung resmungou, provavelmente pela angústia. Seus olhos se moviam de um lado para o outro sob as pálpebras, mas em nenhum momento as abriu.

— Você consegue me ouvir? Consegue me entender? — Chan perguntou, tentando resgatar Jisung das profundezas da inconsciência.

Jisung não disse nada compreensível, suas lamúrias delirantes formando palavras numa língua diferente e irracional.

— Merda… — Chan xingou e decidiu que era melhor encontrar um lugar diferente para presenciar aquilo.

Ele dirigiu por várias horas, sempre de olho em Jisung e em suas reações, buscando entender o que acontecia com ele. A febre não cedeu por nenhum segundo, a pele queimando de forma sobrenatural. Parecia que uma fogueira estava acesa dentro do corpo e era um milagre que bolhas não estivessem nascendo e estourando sobre a superfície.

Eu deveria matá-lo agora mesmo. Chan pensou ao parar no posto de combustível para encher o tanque depois de ter dirigido até o amanhecer. Deveria aproveitar que ele está vulnerável. 

Escorou no carro, olhando para aquela forma volumosa que era Jisung deitado de qualquer jeito sobre o banco e coberto por seu casaco, além de um cobertor velho e sujo que tirou do porta-malas. Não era sua intenção escondê-lo de uma maneira tão grosseira, mas ele não tinha nada que pudesse abafar os gemidos que ficavam cada vez piores.

Por sorte não havia ninguém por perto, exceto os atendentes da conveniência que estavam longe demais para ouvir e para perceber o sangue seco debaixo de suas unhas. Não saberia o que inventar para qualquer um que o encontrasse naquele estado, carregando uma pessoa que não parecia mais viva. E pior: uma pessoa que já deveria ter dado um jeito de aniquilar.

Estava cometendo uma severa transgressão ao não cumprir o código dos caçadores. Uma pessoa mordida por um vampiro deveria ser exterminada antes que qualquer sinal de transformação emergisse. Não deveria permitir em hipótese alguma que a transformação ocorresse e trouxesse ao mundo mais uma criatura capaz de ferir os outros. Essa era a regra, uma que não deveria hesitar em seguir. E ali estava ele, infringindo todo o treinamento que recebera.

E por qual motivo? Ele ainda tentava entender, frustrado com sua própria incapacidade.

Na estrada novamente, Chan pensou nos lugares que visitou e para onde poderia voltar para estar longe de enxeridos. Ao passar por uma placa que indicava a distância das cidades, lembrou-se da época em que foi contratado para caçar num vilarejo ao pé de uma montanha, onde todas as construções eram feitas com blocos de pedra. Muitas casas ficaram desabitadas após os ataques recorrentes de vampiros e provavelmente não havia mais quem achasse aquele lugar seguro. Lá talvez não fosse ideal, mas era uma opção de curto prazo.

Chegou ao tal vilarejo próximo do meio dia e encontrou o povoado vazio, assim como esperava. Por via das dúvidas, estacionou ao lado de uma construção antiga cercada de coníferas e inspecionou tudo antes de carregar Jisung para dentro de um sobrado com janelas de madeira. Deixou o corpo dele coberto até encontrar uma mesa e conseguir deitá-lo. Ao revelá-lo, percebeu o quanto Jisung tinha perdido a cor rosada da pele e como suas unhas pintadas tinham ficado mais compridas e afiadas, os dedos afilados e fortes, como garras.

Ele ainda era o mesmo e não parecia nem um pouco sofrer pelo processo de decomposição natural de um cadáver comum. Parecia mais um processo reverso, exceto pelo fato de que não se via o aspecto da vitalidade humana. As convulsões ainda estavam lá, impossíveis de serem detidas. E os lamentos eram sons que deixavam Chan extremamente desconfortável.

Preocupado com futuras perturbações durante a noite, o caçador buscou pelo porão da casa. Sabia que naquele vilarejo as pessoas também tinham feito dos porões abrigos para se protegerem das criaturas. As famílias forravam as paredes para que nenhum ruído escapasse e nenhum cheiro atraísse atenção indesejada. Parecia perfeito para acomodar alguém em processo de transformação.

Chan estendeu o lençol sujo e depois um colchonete antes de levar Jisung para lá, infeliz de não ter mais nada confortável para oferecer. Ligou alguns lampiões à bateria e reservou outros à querosene caso fosse necessário. Carregou a maioria dos pertences para aquela sala e montou algumas armadilhas pelas redondezas que anunciariam se alguém, vampiro ou não, estivesse por perto. 

Com tudo ajeitado, Chan preparou a própria comida e almoçou silenciosamente no andar de cima, tentando adivinhar o que iria fazer quando Jisung acordasse. Porque estava óbvio que aquilo acabaria muito mal. Assim que Jisung abrisse os olhos, Chan estaria fadado.

O que teria feito caso seus pais tivessem se transformado?

Jeongin escolheu aquela hora para soprar em seus pensamentos. 

Se tornou perfeitamente capaz de entender a dúvida dele. E agora sabia exatamente o que teria feito.

 

⦁⦁⦁

 

Uma hora mais tarde, Chan estava sentado e com as pernas esticadas, bem ao lado de Jisung. Por mais que alertas soassem em sua cabeça, não conseguia permanecer longe. Apoiava uma mão no rosto de Jisung, murmurando palavras de tranquilidade na esperança de que ele estivesse ouvindo e entendendo. Era como acalentar um enfermo, rezando por sua melhora. Do seu outro lado, estava sua arma carregada. Não tinha a menor ideia se ela estava ali porque a usaria ou porque queria uma sensação de que pelo menos havia planejado fazer o que era correto.

Em um dado momento, uma forte sensação sobreveio e sobrepujou seus pensamentos. Uma onda, grande e envolvente o inundou com uma única imagem em vermelho. Sua garganta queimou, seca como se não bebesse água há anos.

Ao ser violentamente capturado por aquela estranha sensação inexplicável, Chan se levantou e caminhou de um lado para o outro, respirando devagar. A imagem foi indo embora aos poucos, mas ela não desapareceu por completo, um aviso de sua presença no fundo de sua mente. Foi bastante esquisito, como se uma voz que claramente não era a sua estivesse ocupando um lugar junto com seus próprios pensamentos. Precisou lutar com ela para vencê-la e subjugá-la, não querendo que ela invadisse seus anseios.

O que será que está acontecendo comigo?, o caçador ficou assombrado pelo forte desejo que o fazia pensar em coisas muito absurdas, como sorver do fluxo sanguíneo de uma fonte que parecia pulsar perto de onde estava. Era uma necessidade tão forte que suas demais vontades ficaram em segundo plano, nada mais importante do que saciar aquela sede.

Ele não tinha noção de como poderia estar sentindo aquilo sendo que não era ele que estava se transformando. 

Num súbito de compreensão, Chan olhou para Jisung e o viu choramingando, as mãos em torno de si mesmo, uma tentativa de se abraçar. A visão o deixou comovido, como se entendesse perfeitamente como era precisar de conforto. Era bizarro como entendia aquilo, embora não soubesse como. Era como se estivesse absorvendo de Jisung o quanto ele queria ser guiado, como ele queria que alguém viesse e o acolhesse, e, principalmente, fizesse alguma coisa a respeito daquela dor imensa e aguda que sentia.

Uma dor que consumia e não dava trégua. Ela exigia e incinerava, como se cada partícula do corpo não fosse suficiente para saciá-la. Ela queria mais e causava sofrimento ao não obter o que verdadeiramente buscava. Para Jisung, era horrível desconhecer o que estava acontecendo com seu próprio corpo e de onde vinha aquela sensação penosa, desejando apenas que aquilo fosse embora e o deixasse finalmente em paz.

Chan se obrigou a olhar para o lado e respirar de forma deliberada, percebendo que todas aquelas emoções não eram suas, mas de Jisung. De algum jeito, Jisung estava entrando em sua cabeça e fazendo-o ouvir suas necessidades. Não parecia ser de propósito, pois tudo era muito confuso e desconexo, uma enxurrada de informações. No entanto, Chan se sentia preso numa espécie de ardil quando deixava que aquela voz entrasse na sua mente e o persuadisse a fazer coisas insanas.

É assim como ele está se sentindo agora?, concluiu ao constatar que sim, toda aquela vontade visceral estava vindo de Jisung. Ficou ainda mais encabulado e encurralado, pois se antes não sabia se teria coragem de matar Jisung, agora tinha certeza absoluta de que jamais seria capaz de feri-lo. Não podia exterminar uma criatura que só buscava dar um fim naquela queimação interminável, que fazia todo o pensamento lógico desaparecer. Era compreensível que ele desejasse sangue; era a única possibilidade de toda aquela dor ir embora.

Sem entender muito bem o que estava fazendo, mas ao mesmo tempo muito ciente de que aquela atitude vinha conscientemente, Chan se aproximou novamente de Jisung e se sentou mais uma vez, puxando a cabeça dele para seu colo. Sentiu pena ao segurá-lo, porque era nítido que ele só tentava sobreviver. Querendo fornecer alívio, Chan usou um canivete e cortou a lateral de sua palma, mirando a boca de Jisung para que as gotas de sangue molhassem os lábios dele. De algum jeito, sabia que aquilo seria o suficiente. Que Jisung não precisava de mais do que apenas um pouco. 

A resposta foi automática: Jisung se acalmou, a língua recolhendo todos os resquícios feito uma criança que lambe açúcar dos cantos da boca. Os espasmos pararam e uma quietude tomou conta dele. Chan também ficou em paz com aquilo, sabendo que tinha feito a coisa certa. E agradou o fato de que tinha sido o responsável. Um carinho misterioso veio de algum lugar invisível, afagando-o em algum lugar dentro dele. Era muito semelhante à sensação de quando Jisung o segurava pelo rosto e o beijava suavemente. 

Jisung não voltou a se contorcer depois disso, mas também não despertou de seu sono profundo. Chan o segurou por um longo período antes de sair para tomar um ar e comer alguma coisa. Estava exaurido após tanta tensão e não sabia o que esperar, quanto tempo esperar. Seus pais não tinham sido específicos nessa parte. Ninguém ficou louco o bastante para permanecer assistindo uma transformação, exceto a si mesmo.

O que vou fazer quando ele acordar?, se perguntou várias vezes, traçando diversos planos. Lembrou-se da mulher que aprisionou o filho transformado no porão e se sentiu no lugar dela, querendo proteger alguém valioso demais para se perder. Será que ela também tinha sentido os pensamentos dele em sua cabeça? Será que ela também se sentiu conectada a algo indescritível e inexplicável? Por que será que ela arriscou a própria vida mantendo um vampiro enclausurado?

Jisung ainda será o mesmo depois de transformado?, era o que tentava se responder, imaginando a cena no bar e de como Felix tinha atacado alguém que ele teria considerado importante se estivesse vivo e pleno de suas faculdades mentais. 

Não, os vampiros são criaturas horrendas, você já os viu, sabe do que são capazes, seu lado racional o alfinetou, obrigando-o a pegar uma arma e se preparar para terminar aquilo que tinha arrastado sem necessidade. Só que ao chegar perto de Jisung e se deparar com ele dormindo serenamente, como se ele não fosse se transformar em um sanguessuga inescrupuloso, não conseguiu fazer nada.

Merda.

 

⦁⦁⦁

 

A dúvida era sua pior inimiga. A empatia por aquele ser que uma vez foi humano e agora tentava sobreviver sendo algo que não era o fazia hesitar ao apertar o gatilho. Em função disso, sua alternativa foi acorrentar Jisung ao chão e vigiá-lo a uma distância segura. Tinha optado por esperar o despertar antes de fazer algo a respeito. Se Jisung ainda fosse o mesmo, então ainda haveria uma alternativa. Caso contrário, Chan não poderia mais prolongar aquela situação.

Jisung acordou no cair da noite, os olhos se abrindo para um lugar desconhecido, abafado e iluminado pelos lampiões espalhados. Ele ergueu o corpo com muita dificuldade e reparou ao arrastar as pernas e os braços que ambos estavam presos por correntes grossas e que agrediram sua nova pele.

Abriu a boca, mas nada saiu de forma coerente, exceto um som confuso e esgarçado. 

— Jisung? 

Jisung se virou para a voz. Chan engoliu em seco ao ver que os olhos dele tinham íris escarlates e cintilavam com um interesse doentio. Se esqueceu da velocidade impressionante dos vampiros quando assistiu Jisung se levantar e correr, mãos e pés interrompidos bruscamente pelos grilhões. Ele ficou congelado no ar, a boca escancarada exibindo uma fileira de dentes perolados e intimidadores.

No mesmo período de tempo, apesar de ter feito isso mais lentamente do que deveria, Chan engatilhou a arma e apontou para a cabeça de Jisung. Não atirou, embora um aviso gritasse dentro dele.

O vampiro arregalou os olhos, retrocedendo após o susto. Jisung desviou o foco para as próprias mãos e depois tateou em volta do pescoço. Seguiu para a boca e encontrou um par de caninos afiados, sua inspeção acabando aí com a bruta realização. Ele baixou a cabeça, o cabelo escuro ocultando sua face e impedindo que Chan entendesse o que ele estava fazendo.

— Jisung? — Chan insistiu, desesperado.

O vampiro permaneceu sem dizer nada. Parecia brigar consigo mesmo, as mãos tentando arrancar os metais que circundavam seus pulsos e tornozelos. Ficou inquieto e recuou para a parede, confundindo Chan quanto às suas intenções. Depois disso, um lamento agudo e aflito preencheu o ar, um choro estrangulado que fazia qualquer um sentir pena. Jisung voltou ao chão e recolheu as pernas, afundando o rosto entre os joelhos.

— Se você me entende, por favor, só… faça alguma coisa.

Jisung escorregou a mão para o chão e bateu a ponta dos dedos. Chan se levantou, um arrepio subindo por sua coluna. Ele abaixou a arma, mas se obrigou a ficar onde estava. 

— Por que não diz alguma coisa? 

Jisung levantou a cabeça e bateu os dedos na garganta.

— Você não consegue

Ele acenou positivamente, os olhos vermelhos escondidos pela franja que estava desgrenhada e oleosa.

— Eu posso… te soltar?

Jisung balançou a cabeça em negativa várias vezes, recuando quando Chan ameaçou se aproximar.

— Você vai me machucar?

Um movimento positivo.

— Mas você consegue me entender — afirmou incrédulo e esperançoso.

Jisung moveu os lábios, como se quisesse emitir um som, mas ele não teve sucesso.

— Você está com dor?

Sim.

— Com… fome?

Sim.

— Tudo bem… — disse mais para si mesmo, respirando fundo. — Merda.

Chan não sabia mais o que fazer. Ele estava alimentando a esperança de que Jisung tivesse a reação que não queria para tornar tudo mais fácil, mas obter a que ele secretamente ansiava era ainda pior. Porque significava que o problema se escalaria a níveis inimagináveis.

Como ele pretendia manter Jisung ali naquele porão? Como faria para alimentá-lo? Como poderia fazer dele um prisioneiro? Será que não estaria cometendo um crime pior ao privar Jisung de uma existência decente e livre?

Com tantos sentimentos contraditórios entrando em choque em seu coração, Chan não reparou que Jisung silenciosamente se livrava das correntes, sua nova força o possibilitando quebrar os elos em tempo extraordinário. E o que ele fez em seguida deixou o caçador ainda mais atordoado: ele não atacou, como era esperado. Ele simplesmente subiu as escadas até a porta, arrombando-a e fugindo da casa.

Chan foi atrás dele, mas não conseguiu alcançá-lo, vislumbrando apenas a sombra de sua silhueta quando ele escapou pela floresta.

 

⦁⦁⦁

 

Chan foi à procura de Jisung logo que ele desapareceu. Reuniu todas as suas coisas, entrou na caminhonete e fez o que sabia fazer de melhor: caçar um vampiro. A princípio não foi muito fácil, pois Jisung não era como os outros sanguessugas: ele não tinha se alimentado de sangue humano e por isso não deixava rastros visíveis por onde passava. Porém, ele era visto com frequência por pessoas que claramente sabiam que ele era uma aberração e tratavam de denunciá-lo.

Isso era curioso e preocupante ao mesmo tempo. Curioso porque se ele era capaz de chegar perto de humanos e não atacá-los, isso significava que ele possuía um autocontrole digno de nota. Preocupante porque uma vez que o alerta chegasse a outros caçadores, estes poderiam alcançá-lo primeiro e aniquilá-lo. Chan não podia deixar que isso acontecesse de maneira alguma.

Redobrou os seus esforços na sua busca, torcendo para que nada de ruim acontecesse a Jisung. Era horrível imaginá-lo sozinho, passando por uma coisa incompreensível e sob a mira de caçadores e outros vampiros que certamente adorariam arrebanhá-lo e corrompê-lo.

Depois de quase um mês explorando todos os lugares possíveis nas terras ao redor e além (porque se Jisung podia correr com uma velocidade surpreendente, ele poderia atravessar longas distâncias com o mínimo esforço), Chan foi perdendo as esperanças. Jisung não aguentaria naquela vida transformada sem se alimentar e no momento em que ele tocasse um humano, seria o fim. Se ele ainda tinha consciência de sua vida anterior como humano, o que parecia ser o correto pela demonstração no seu despertar, ele se odiaria para sempre. Seria corrompido e nunca mais seria o mesmo. 

Chan abriu a janela da caminhonete e fumou enquanto observava a paisagem dos pastos ao seu redor. Ouviu o barulho das cigarras e dos grilos e tentou pensar como Jisung a fim de descobrir onde ele estaria se escondendo durante o dia já que a luz solar seria dolorosa de suportar, ainda mais na condição fraca em que ele se encontrava.

Fiquei morando no celeiro por um tempo porque não sabia bem para onde ir.

Um celeiro.

Chan saiu do carro e subiu na carroceria para enxergar longe. 

Um celeiro. Ele tinha que encontrar um celeiro.

 

⦁⦁⦁

 

Depois de revistar duas fazendas, Chan foi encontrar o que procurava numa terceira, que estava claramente abandonada. Era comum ver propriedades vazias depois que o mundo foi assolado pelos demônios. As pessoas às vezes fugiam ou eram mortas de repente, deixando para trás tudo o que foi conquistado no mundo material.

Ele desceu da caminhonete, pendurou a escopeta às costas e marchou pelo chão de terra, encontrando pelo caminho algumas poças de sangue e pedaços de animais de pequeno porte destroçados. Circulou a construção de madeira e retirou a arma das costas, segurando-a apontada, procurando por alguma movimentação.

Ao atravessar o arco de entrada, observou que algo tinha sido arrastado pelo chão, criando uma trilha de sangue e terra que sumiu atrás de uma baia aos fundos. 

— Jisung? — Chan chamou sem sair do foco da luz do sol. — Sou eu, Chan. Eu sei que você está aqui.

Nenhum barulho denunciou a presença que procurava, mas o caçador tinha o pressentimento de que estava sendo vigiado. De novo, aquela estranha e agora familiar sensação de que algo tocava sua mente, tentando entrar nela. 

Por favor, Jisung, se é você que está aí… — ele suspirou e baixou a arma, retornando-a às costas. Era inútil de qualquer forma. Ele não queria mais correr. 

Ele caminhou adiante e parou à frente de um poste onde se penduravam os laços de couro.

— Eu não vim te machucar — falou baixo.

Ele se sentou em um banco de madeira e apoiou as costas no poste. Arrancou as armas e as jogou no chão, sem mais nem menos. Depois respirou ruidosamente e desistiu

— Se não for Jisung que estiver aí, pode vir me atacar. Eu não ligo mais. Não me importo. Vá em frente — disse, o tom resignado. — Nada disso faz sentido. Eu… lutei por anos… tentei… tentei viver de novo. Mas talvez isso seja só besteira. Não há mais nada para mim aqui. Então acaba logo com isso.

Vários segundos se passaram sem que nada acontecesse. Chan riu sem graça, se achando um perfeito tolo por estar ali, implorando a ninguém que tirasse sua vida miserável. 

— Está tudo bem. Não é isso o que você quer? — ele tirou o canivete do bolso e puxou a manga do casaco para expor o antebraço. — Pode vir tomar.

Quando a lâmina ficou a ponto de romper sua pele, uma advertência soou em sua cabeça, segurando-o. 

— É você não é? — Chan disse, lágrimas embaçando seus olhos. — Você faz isso. Você entra na minha cabeça — fungou e secou a umidade com as costas da mão de maneira grosseira. — Você deve estar faminto. Imagino que não deve ter sido fácil esses últimos dias. Está tudo bem. De verdade. Pelo menos vou me sentir melhor porque será você.

Ele apertou o canivete na carne e dessa vez rasgou um pouco da pele, um fio de sangue escorrendo por seu braço. Ao erguer os olhos, avistou um Jisung assustado a poucos passos de distância. As roupas dele estavam em frangalhos, provavelmente de ter corrido por tanto tempo na mata. Havia feno preso em sua calça e sangue ao redor da boca, nas palmas das mãos. Certamente não vinham de humanos, a julgar pelos animais despedaçados do lado de fora.

Apesar da aparência, Jisung ainda continuava uma visão a ser apreciada, com sua pele de marfim, olhos vermelhos e cabelo lustroso. Era um paradoxo como ele podia se parecer um jovem indefeso e ao mesmo tempo ter no corpo as evidências de um ato selvagem.

Uma tristeza arrebatou Chan e ele não soube diferenciar a sua da de Jisung. 

— Está tudo bem — ele insistiu com a voz trêmula e estendeu o braço, oferecendo.

Jisung recuou como se tivesse se queimado e um som profundo e gutural emergiu de sua garganta. 

— Não se vá, por favor — suplicou ao ficar de pé. — Não me deixe sozinho. Por favor. Eu não quero… ficar sozinho de novo — acrescentou numa voz rouca.

Jisung ficou parado atrás de uma parede, espiando atrás dela. Chan riu sem humor, apertando os lábios vermelhos e inchados, seus olhos pinicando por tudo o que vinha acumulando e não conseguia expressar. Aquela era a gota d’água. 

— Vamos pra casa, Jisung — tentou mais uma vez. — Eu sei que você não vai me fazer mal. Você não vai fazer mal a ninguém — argumentou. — Por favor. 

Jisung saiu das sombras e resmungou sem a voz, tateando a garganta. Parecia infeliz que não tivesse como dizer o que queria.

— Confie em mim. Podemos fazer isso juntos — disse, imaginando que Jisung queria brigar por não enxergar como aquilo poderia dar certo.

Eles gastaram algumas horas nessa conversa unilateral, Chan esgotando suas palavras para persuadir Jisung de todas as formas que ensaiou enquanto esteve procurando por ele.

Quando o sol se pôs, o caçador foi até a entrada do celeiro.

— Eu não sei o que você vai fazer agora e eu não posso ficar aqui. Eu irei em frente até a casa que fica daquele lado — apontou. — Estarei te esperando. Caso você não apareça, amanhã eu voltarei aqui e se você tiver fugido, vou te procurar novamente. Não pense que eu vou desistir fácil. 

Então ele dirigiu até a casa abandonada, sem a garantia de que seria acompanhado. Animou-se ao ver que existia um gerador de energia do lado de fora, mas não arriscou ligá-lo antes de inspecionar a residência e se certificar de que era pelo menos segura. 

A casa ainda estava mobiliada e Chan sabia que o casal que morava ali foi atacado pela forma como tudo foi deixado. Havia sinais de luta e muitas marcas de sangue. Decorações e utensílios estavam jogados no chão e havia cacos de vidro espalhados por diversas superfícies. 

O lugar precisaria de ajustes para impedir essas invasões, mas Chan não estava muito inclinado a resolver isso naquela noite. Ele apenas se sentou na sala de estar e ficou lá, no escuro, e aguardando Jisung, torcendo para que ele tivesse entendido sua súplica e aparecesse.

O vampiro enfim surgiu depois de uma hora, causando alívio em Chan, que examinou cada movimento dele a fim de não espantá-lo.

— Está tudo bem — tentou aplacá-lo ao estender as mãos vazias. — Você pode ficar tranquilo. Eu posso… 

Chan deu um passo e Jisung recuou outro instantaneamente.

— É muito difícil ficar perto de mim?

Jisung acenou positivamente.

— Eu não vou te machucar — prometeu.

Mas esse não era o problema. E ambos sabiam disso.

Você devia ter me matado.

O pensamento pegou Chan de surpresa.

— Você disse isso, não foi? Você consegue falar dentro da minha cabeça?

Jisung parecia tão surpreso quanto ele.

— Você estava… transmitindo suas emoções para mim na sua transformação… eu podia sentir — Chan explicou. — Até mesmo agora, é como se eu soubesse. É você? Você não está fazendo isso de propósito?

Jisung negou.

— Você consegue ouvir os meus pensamentos?

Outro movimento negativo.

— Certo. Talvez seja… alguma habilidade que você adquiriu na sua transformação. Tente se concentrar e usar palavras.

Jisung se acalmou e se fixou em Chan. Alguns segundos depois ele conseguiu mais uma vez.

Por que você me deixou me transformar?

Chan não conseguiu conter o sorriso de orgulho que precisou sumir de seu rosto devido à seriedade da conversa. Especialmente porque Jisung não parecia nada feliz com aquela circunstância.

— Não sei. Eu só não consegui fazer outra coisa. Eu queria saber se você… se você continuaria o mesmo. Não consegui impedir, alguma coisa… eu sinto muito, Jisung. Mas eu não consegui. Eu preferia morrer a fazer o que fizeram com meus pais e Jeongin.

Jisung o encarou com pena, uma onda de compreensão saindo dele. 

— Você ficou bem durante esses últimos dias?

Uma resposta vaga.

— Eu queria que você não tivesse fugido.

Não poderia ter ficado lá, no mesmo ambiente que você.

— Mas pelo menos eu poderia ter protegido você.

Você é quem precisa de proteção. 

— Você poderia ter sido encontrado por outro caçador. 

E ele teria feito o que você não fez.

Aquilo doeu. 

O que você acha que vai resultar disso? Sou um vampiro. E você é um humano.

— Tem razão — admitiu. — Você tem toda a razão. 

Chan voltou a se sentar e permaneceu lá, derrotado.

Mas… obrigado.

— Pelo quê, exatamente? — perguntou acidamente, não conseguindo esconder a mágoa na voz.

Por não ter me matado.

— Você acabou de me desprezar por isso. 

Mas não quer dizer que eu não aprecie seu gesto. Eu também não queria… morrer. Por mais que agora… eu não seja exatamente como eu queria estar… vivo.

Chan se inclinou, apoiando os cotovelos nos joelhos, e assentiu. 

Você parece exausto.

— É porque estou. Te procurei pelo estado inteiro. Revirei cada cidade e cada fazenda.

Como soube onde me encontrar?

— Lembrei de você contando uma história sobre fugir de casa e se esconder num celeiro. 

Um sorriso apareceu em seu pensamento e Chan se sentiu aquecido.

Você tem medo de mim?

— Não.

Mas eu posso te matar.

— Grande coisa. Posso fazer o mesmo.

Eles se entreolharam e Jisung percebeu que Chan já tinha ultrapassado os limites de suas próprias crenças. Não restava mais energia nele para lutar contra algo em que não acreditava mais. 

Sou seu inimigo.

— E eu sou o seu — respondeu calmamente. — Se você quer tentar me convencer que isso não dará certo de maneira alguma, Jisung, vá em frente e desperdice todos os seus argumentos. Eu vou esperar até que você se canse. Porque eu já me decidi. Eu passei esse último mês pensando em você e aflito porque não fazia ideia de como você estava, se você estava bem, se você tinha sido morto por algum maldito caçador… — disse com a voz rouca. — Você não percebe como você é diferente? Só o fato de estarmos aqui, você e eu, prova que você não perdeu sua sanidade. Que você ainda é você — ele se levantou. — Eu não vou ignorar a maneira como eu me sinto agora. Não vou defender nenhum código de conduta cegamente. Se você quer ir embora, não vou te segurar aqui. Mas se você ficar, eu prometo fazer o que for preciso para te proteger. Para nos manter seguros. E encontrar nosso equilíbrio.

Jisung ficou oculto pelas sombras, mas Chan era capaz de discernir o olhar dele, intenso e rubro. 

Por que vai fazer isso?

— Eu já disse isso a você — disse de maneira definitiva. — Sou leal àqueles que amo.



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