Naruto não me pertence de forma alguma.
TRINTA DIAS A DOIS
O cheiro do óleo quente e o barulho das massas fritando era algo tão corriqueiro na vida do homem que ele nem mais notava. As mãos gorduchas pegaram um punhado de carne com tomate e temperos e envolveu na massa, fechando os cantos com um garfo, juntando vários num montinho na vasilha de vidro no canto da pia de mármore. Cantarolava baixinho, beliscando um dos pasteizinhos já fritos. Sorriu, sentindo o gosto explodir na sua boca, e pensou que sim, sua vocação era cozinhar, mas seu verdadeiro prazer era comer.
– Chouji – Uma voz feminina chamou, a cabecinha despontando pela porta da cozinha industrial.
– O que foi, Karui? – Resmungou, mau humorado por ter sido interrompido durante um momento de apreciação culinária.
– É pra você. – Ela disse, e ele ergueu as sobrancelhas, pois sua esposa sabia que não atendia a ligações enquanto cozinhava, e, ainda assim, ela estava estendendo o telefone na direção dele. – Vamos, Chouji, atenda de uma vez.
– Alô? – Ele prendeu o celular entre a orelha e o ombro muito a contra-gosto, esfregando as mãos cheias de farinha no avental que um dia fora preto, mas agora era acinzentado.
– Oi, Chouji. Preciso de um favor.
Ele parou por um momento, endireitando a postura e segurando o aparelho direito, dividido entre sorrir por ouvir a voz de um velho amigo depois de tanto tempo ou ficar preocupado por ouvir a voz de um velho amigo depois de tanto tempo.
– Claro, Sasuke. O que posso fazer por você?
TRÊS – Façam experimentações na cozinha e preparem algo novo para comer.
Hinata ergueu as sobrancelhas bem feitas quando, pela manhã, Sasuke anunciara que os preparativos da missão do dia ficariam por conta dele.
– Você já cuidou de ontem – Ele disse displicentemente, ajustando a gravata mais rente a seu pescoço antes de ir trabalhar. Então apontou para o papel de instruções: – E, além do mais, você sempre cozinha. Se é para fazer experimentações, é melhor que seja eu a fazer.
– Mas – Ela começou a argumentar, e ia acrescentar que mesmo tê-la na cozinha ultimamente já era uma experimentação. Ela costumava chegar em casa tão cansada que geralmente comiam o que Mayumi cozinhasse e já estava de bom tamanho. Deu um sorriso pequeno, observando a sobrancelha de Sasuke subir. – ...tudo bem.
Agora ela estava ali, tentando se concentrar na escolha do figurino do espetáculo de Alice no País das Maravilhas, mas só conseguia imaginar se Sasuke iria fazer uma torta de tomate recheada de tomate com cobertura de tomate… Que ele provavelmente poderia cozinhar usando as bochechas vermelhas dela, sempre maduras perto dele.
Tamborilou os dedos distraídos ao lado do teclado do computador, cantarolando inconscientemente Für Elise baixinho, por mais que a música soasse alto por sua sala, mesmo que não devesse, porque, afinal, aquele era o toque de seu celu- ah.
– Moshi moshi – Ela disse após se atrapalhar um pouco no frenesi de encontrar o aparelho e atendê-lo.
– Oi, Hinata-chan – A voz do outro lado da linha soou meio hesitante e a Uchiha não pode evitar sorrir um pouco.
– Oi, Sakura-chan. Tudo bem? – Elas não tinham muita intimidade e aquilo era um tanto estranho, mas Hinata não queria que fosse desconfortável. Sakura era amiga de Sasuke, afinal; e, embora elas não conversassem a não ser quando se encontravam todos os quatro, estava decidida a deixar a Uzumaki à vontade.
– Tudo sim, e você? – Podia jurar que ouviu alívio nas poucas palavras proferidas e sorriu mais um pouco.
– Tudo bem, fora a loucura de fim de ano aqui na academia.
– Eu imagino… Coordenar um espetáculo deve ser bem difícil.
– É sim. Fazer plantões hospitalares noite adentro também não deve ser fácil.
– Não é… Escuta, Hinata-chan. Desculpa arrastar você pra esse negócio de 30 dias a dois. Você e Sasuke-kun são ocupados e deve ter atrapalhado muito vocês…
– Ah? – Hinata franziu levemente as sobrancelhas, surpreendida pela abordagem repentina. – Não tem problema, Sakura-chan. Está sendo bom – Hinata ruborizou quando percebeu que, não, não estava mentindo. Estava sendo bom. Quem diria.
– Tudo bem então… Escuta, você pode me ajudar em algo?
x
– Boa noite, Hinata-sama – Mayumi cumprimentou-a assim que atravessou a porta da sala. Ela sorriu cansada em resposta – Sasuke-sama pediu que a senhora tomasse banho e descesse assim que possível.
– Ah? – Ela inclinou a cabeça, um pouco surpresa. – Tudo bem… Diz a ele que desço em vinte minutos. Obrigada, Mayumi.
Quando ela adentrou o cômodo, três minutos depois do previsto – a água do chuveiro estava muito boa, não pode evitar se demorar –, ouviu Eric Clapton ecoando pelo cômodo e viu um Sasuke Uchiha de costas pra ela, parecendo muito concentrado em descascar… tomates. Riu.
Ele a olhou por cima dos ombros, e então virou-se para ela, limpando as mãos no avental de cozinha que usava.
– Boa noite, Hime – Ele a saudou, naquele típico jeito que ela gostava de definir como sério e caloroso.
– Boa noite, Heika – Ela respondeu, enrolando os grossos cabelos em um coque no alto da cabeça e se aproximando. Dispostos na mesa, havia cebola picada, sal, pimenta, açúcar, alguns legumes cortados em rodelas finas, muitos temperos; tudo em potes separados, que pareciam estar já na proporção que seria usada na receita. Hinata se aproximou, estendendo a mão para alcançar seu próprio avental na intenção de ajudar o marido a cozinhar, mas o que conseguiu alcançar era muito diferente do tecido que procurava.
– Não, senhora – Sasuke a repreendeu ao entrelaçar os dedos aos dela, puxando-a de leve e deixando um beijo rápido no topo da cabeça da Uchiha. – Minha vez, lembra? Você vai se sentar ali – Indicou uma cadeira disposta entre a mesa e o fogão – e vai apenas observar e apreciar.
– Tudo bem – Hinata sentou-se, cruzando as pernas, admirada com o empenho do esposo na tarefa. Sinceramente achou que não durariam um dia naquilo… Tudo bem, ainda era o dia três, mas aparentemente eles chegariam ao dia trinta sem problemas. Ainda não sabia definir o que pensava sobre aquilo, mas sabia o que sentia – o coração quente e o tão conhecido frio na barriga.
– Certo – Sasuke iniciou, colocando uma travessa de vidro com tomates sobre a mesa. Ele ficava… sensual, ali, no meio da cozinha, sério, de avental. Sentiu as bochechas esquentando, como não podia deixar de ser, e se aprumou na cadeira, obrigando-se a prestar atenção no que lhe era dito –, eu escolhi uma receita típica francesa chamada Ratatouille. É um dos pratos mais tradicionais da França, e…
– E também o nome do p-primeiro filme que vimos juntos depois de c-casados – Ela interrompeu, os lábios e olhos sorrindo de uma forma que ele só conseguia definir como inefável, e ele não conseguiu fazer nada além de retribuir.
– Sim. Foi uma ótima noite de núpcias – Ele provocou só pra vê-la corar, muito embora tenha sido, de fato, deveras boa. Tinham chegado da cerimônia na casa nova, e Hinata mostrava-se tão tímida e tensa que ele sentiu-se na obrigação de deixá-la um pouco mais à vontade; ainda que ele também estivesse desconfortável. Recordava-se de sair do banheiro e encontrar uma rígida e vermelha Hinata sentada na ponta da cama, as costas muito retas, os olhos fixos no chão.
– S-s-s-sasuke-san – Ela gaguejara com bastante dificuldade, torcendo os dedos um no outro de forma nervosa e violenta. Ele se aproximara e sentara-se ao lado dela, tentando um contato visual direto. Ela respirou fundo e tentou continuar – Voc-você… N-nós – Sasuke observou com surpresa a vermelhidão atingir o pescoço da morena quando ela levou as mãos para o laço do shiromuku que usava, começando a desatá-lo lentamente.
– Não, Hime – Ele dissera, alcançando as mãos dela e segurando-as gentilmente – Vá se trocar. Vamos ver um filme. – Ele finalizou com um beijo na testa dela (um ato que não sabia, mas viria a ser um hábito) e saiu direção à sala. Se lhe perguntassem por que tinha escolhido Ratatouille para a ocasião ele diria que fora o primeiro filme leve que apareceu quando ele acessou o aplicativo de streaming, mas não era verdade. O fato era que aquela animação era seu comfort movie, aquele que ele assistia em segredo quando a situação não ia muito bem, mas ele jamais admitiria aquilo. Afinal, ele era Sasuke Uchiha. Já sobre rejeitar deflorar Hinata, ele fora mais verdadeiro consigo mesmo: ela parecia pura e sincera demais para que ele fosse adiante. Ademais, o filme mostrara-se uma boa escolha: a moça relaxara visivelmente; com um riso pequeno no rosto e ocasionais risadas no decorrer da trama. De fato, uma noite de núpcias memorável.
– Enfim – Retomou, sério –, a primeira coisa que vou fazer será o molho de tomate, que é a base da receita. – Ele explicou, indo até o fogão. – Temos que refogar a cebola com o azeite… Depois, colocar os tomates, completar com água e deixar cozinhar por alguns instantes.
Hinata observou quieta e admirada enquanto Sasuke prosseguia com a receita, explicando de forma sucinta e executando tudo de uma maneira confiante. Sasuke não cozinhava, ela sabia. Que ele tivesse aprendido tudo aquilo sabe-se lá que horas e com quem era algo que aquecia seu coração. Quando ele finalmente colocou a travessa no forno (pré-aquecido, ela percebeu), anunciando que dali a trinta minutos jantariam, ela sorriu.
– Parece gostoso – Ela disse, levantando-se e ajudando-o a remover o avental. – Posso colocar a mesa enquanto você toma banho?
– Tudo bem – Ele passou a mão pelos cabelos dela e saiu.
x
Sentaram-se um diante do outro. Sasuke deixou com que Hinata servisse aos dois, pois, apesar de ter aprendido a cozinhar – um prato, mas ainda era cozinhar –, tinha certeza que desmancharia toda a montagem daquele alimento se ali colocasse uma colher sequer.
Tentou disfarçar a ansiedade que insistia em assaltar-lhe quando Hinata colocou uma pequena porção do ratatouille na boca. Ela franziu as sobrancelhas ao mastigar, numa expressão que podia tanto ser deleite quanto desgosto, e murmurou algo baixo demais para que ele entendesse.
– Sasuke – Hinata levantou os olhos e percebeu-o observando. Sasuke estava prendendo a respiração? – Está muito gostoso! Aqui, experimenta – Hinata inclinou-se sobre a mesa, levando uma garfada até a boca do esposo.
– Eu cozinho muito bem – Foi a conclusão do Uchiha.
x
Jantaram ao som de Nina Simone. Ao sabor do tempero – muito bom, ambos tinham que admitir – de Sasuke Uchiha. Ao conforto de estarem juntos. À sensação quente e formigante que crescia dentro de ambos. Quando terminaram, Hinata agradeceu pelo ratatouille. E ambos sabiam que ela não se referia apenas à comida.
¹Shiromuku: quimono usado pela noiva em casamentos tradicionais japoneses.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.