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Lily
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Acordei desnorteada. Acho que essa é a palavra. Não sabia se o que havia acontecido naquela madrugada tinha sido um sonho, mas só em pensar naquilo eu conseguia sentir meu coração palpitar. Quando levantei, vi que Luna mexia em algo em sua bolsa, próxima da cama, enquanto parecia estar perdida em um outro universo. Aquela festa havia mexido com o psicológico de todos, isso era um fato.
Acenei de leve para ela quando levantei, incapaz de dizer uma só palavra. Bom humor matinal não era comigo, ainda mais falar. Falar exigia demais. De manhã tudo era um sacrifício. E ainda bem que Luna sabia disso, ia ser um terror se ela me cobrasse.
Peguei uma roupa qualquer e me dirigi ao banheiro, torcendo para que eu esbarrasse em Hugo no caminho. Não aconteceu, nem preciso contar. Sorte matinal também não é algo que acontece comigo. Tomei meu banho, que aliás era a única coisa que eu gostava de fazer de manhã, e desci as escadas já preparada para almoçar, porque eu sabia que de matinal aquele dia não tinha nada. Eu até suspeitava que já havia passado de três horas da tarde. Como está claro também, exagero é um dos meus pontos fortes.
Quando cheguei lá embaixo, a primeira coisa que notei foi minha mãe sentada na mesa, e com um detalhe, um único detalhe, que me fez perceber que tinha algo errado. Meu pai não estava ali.
- Boa tarde, terráqueos. - Falei baixo, recebendo algum tipo de cumprimento em troca, porém eu não tava entendendo nada. - Cadê o papai?
- Bom dia, filha. Senta aqui, filha. Mamãe te ama, filha. - Minha mãe era uma pessoa muito péssima para esconder qualquer tipo de coisa. Eu nunca deixei passar nada de suas feições, e muito menos de nuances quando tinha algum segredo.
- O que é que tá acontecendo? - Comprimi os olhos, encarando meus avós e meus tios que também estavam perto da mesa, e ninguém se prontificou para me explicar nada. - Rose?
- Eu só tô comendo. Estou tão alheia quanto você. - Rose, completamente passiva com seu prato, deu de ombros e continuou a árdua tarefa que ela adorava fazer. Filha de tio Rony, nem tinha como.
Tia Mione mudou de assunto e eu apenas segui o fluxo. Porém, não saber o que estava acontecendo me incomodava de um jeito que eu não conseguia explicar. Ficar curiosa era demais pra mim, consumia todos os meus neurônios.
A conversa foi tomando outros rumos, até que o almoço ficou pronto e todo mundo desceu para enfim conseguir comer. Primeiro Bruna, depois Scorpius, até o James havia descido, e nada de Hugo. Alvo foi o último de depois ninguém apareceu.
- Eu sei quem seus belos olhos estão procurando, querida irmã. - Jay fingiu uma cordialidade que não combinava com ele. - E se eu te disseres onde ele se encontras?
- Que isso, James? - Minha mãe não aguentou a risada, porém vi seu rosto ficar levemente vermelho. Essa daí tá escondendo coisa.
- E por acaso você sabe? - Perguntei encarando James cínica.
- Não, porém eu poderias saberes e você nunca saberias. - Ele ignorou totalmente meu olhar fuzilador e se prontificou para sentar ao lado de Luna, entrando numa conversa que apenas os dois entenderiam.
- Cadê o Hugo? - Finalmente tomei coragem e perguntei, vendo a mesa ficar em silêncio. Isso tava muito estranho.
- Ele foi resolver umas coisas com seu pai, Lily, nada demais. - Tio Rony tentou me acalmar, mas esses Weasleys nascem com algum bloqueio para guardar segredos. Tio Gui que o diga, não conseguia sequer falar sem gaguejar. O único com os trejeitos foi tio Jorge, daquele dali não saia nem uma pista.
Dei de ombros. O que eu iria fazer? Comi com calma, tentando a todo custo fazer com que toda a minha lentidão fizesse o tempo passar mais rápido, o que obviamente não funcionou. Ele pareceu rir da minha cara e se arrastar ao longo da tarde.
Deitada no sofá eu encarava o relógio na parede da minha avó. Era tão estranho. Ponteiros e números. Por que chamam ponteiros? Quem será que inventou?
Suspirei. A tarde toda havia sido isso. Nenhum sinal de Hugo e nem de meu pai, e pior, ninguém parecia disposto a dividir minha preocupação comigo. Eu nem fazia ideia do que aquele povo estava fazendo. Sim, eu me isolei e me negava a fazer qualquer coisa que não fosse esperar para pelo menos conversar sobriamente sobre a madrugada que pairava na minha cabeça.
O tocar de nossos lábios. O quase beijo que aconteceu. Como eu não conseguia pensar em nada que não fosse isso? Como eu simplesmente só queria ele ao meu lado e ficar com ele pelo resto da minha vida? E viajando dessa forma, eu pude notar que o céu já começava a escurecer.
Sem nenhuma outra opção, fui tomar outro banho. Se era pra ele chegar de noite depois de um dia inteiro fora, que pelo menos eu estivesse cheirosa para mostrar que eu havia feito tudo de ótimo e não passei o dia esparramada no sofá esperando ele voltar.
- Lily, você não fez nada hoje. - Luna comentou como se eu já não soubesse do fato, e eu ri da minha forma escandalosa.
- E quando eu faço? Eu sou um ser humano inútil nesse universo. - Eu ri novamente, pegando minhas roupas e indo ao banheiro.
- Qualquer dia desses a sua pele vai sair. - Ainda consegui escutar mesmo que distante, o que só me arrancou outra risada alta.
Quando sai do banho, eu fiz questão de descer novamente e me jogar no mesmo local que antes. Porém, antes que eu conseguisse fazer isso, meu pai abriu a porta, e de súbito se espantou com a minha presença no local.
- Oi, meu amor. - Harry Potter veio em minha direção, dando um beijo em minha testa, enquanto eu batia um pé no chão mostrando estresse completamente fingido.
- Oi, sumidinho. Onde estava? - Perguntei diretamente, vendo seu sorriso enviesado e seu olhar brincalhão. - Vamos, pai, eu não tenho o dia todo. Aliás, que dia, né? O senhor passou ele todo fora.
Foi a vez de meu pai soltar uma risada. Como eu gostava de escutar essa liberdade. Eu sempre soube de tudo que ele viveu, e poder ver o quando os sentimentos o transformaram eu me sentia completamente preenchida.
- Eu preciso que você me acompanhe, senhorita. - Meu pai pegou em minha mão, me arrastando sem sequer me deixar pensar.
- O senhor deu pra sequestrar adolescentes, foi, pai? Primeiro o Hugo, agora eu? Vai sumir comigo também? - Ele apenas me ignorou, me levando para o jardim dos meus avós, onde havia quase que uma floresta de tantas árvores e verde que era possível notar.
- Confia em mim? - Ele perguntou e eu não teria outra resposta:
- Preciso responder? - Ele continuou me olhando. - Até de olhos vendados, pai.
- Então deixe de estresse. - Novamente ele continuou me levando, e quando eu pude enfim conseguir enxergar algo naquela noite no meio das árvores, pude ver que no chão muitas velas brilhavam, num estilo bem trouxa e tradicional deles.
Encarei em volta, e só pude ver que havia um caminho que as velas emparelhadas formavam por entre as árvores. Não sei quanto tempo passei tentando entender aquilo, me perdi no meio de tanta beleza.
- O que é isso, pai? - Quando me virei para receber a resposta, pude ver que ele já estava longe e provavelmente nem havia me escutado. Andei mais um pouco naquele caminho que as velas formavam, e cheguei num local onde uma carta branca jazia no chão.
Peguei-a com cuidado, e quando abri, uma caligrafia característica e conhecida por mim estava marcada no papel: "eu disse que cuidaria de tudo."
Quando levantei meus olhos, Hugo me encarava com um sorriso nos lábios. Em suas mãos, um buquê de lírios, a flor que eu amava por conta dos meus avós paternos, e com puro amor nos olhos, quase transbordando e chegando em mim, me atingindo como um tsunami.
- O que é isso? - Perguntei novamente, sentindo meus olhos começarem a lacrimejar, porém fiz de tudo para me segurar. Eu não tinha o costume de chorar, mas aquele ato tão singelo, tão amor, tão Hugo estava me marcando com uma profundidade incalculável.
- Isso é uma fração do que você merece, Lílian Luna. Nem perto, eu confesso. Mas admito que com você me disperso, me aqueço, me enlouqueço. Me encontro e ao mesmo tempo me perco. Te conheço, te desejo, e te reconheço. Não em você, mas em mim mesmo. - Aquilo foi o meu fim. Eu já estava chorando, e não conseguia segurar o sorriso que parecia que pertencia a ele de tanto que era involuntário. Tentei secar meus olhos, mas não adiantava. O sorriso dele e o rosto um pouco vermelho só me faziam ter mais vontade de beijá-lo e segurá-lo por toda minha vida.
- Meu Merlin, você acaba de me destruir. - Eu soltei uma risada nervosa, vendo Hugo se aproximar lentamente e me entregar os lírios. Tocou meu rosto com uma mão, quanto a outra enlaçava minha cintura.
- Agora eu posso, e com tudo que eu tenho, eu te peço. Quer namorar comigo, Lily? - Seu olhar receoso apenas tornava o momento mais delicado, e eu não conseguia me conter de nenhuma forma. A minha respiração começou a pesar e eu só tinha vontade de me juntar cada vez mais a ele.
- Com tudo o que eu tenho, sim! Por todos os céus, sim! Você pode ter a certeza de que você é a melhor coisa que já me aconteceu. - Seu sorriso foi minha âncora, e eu me perdi na ternura de seus olhos. Em seguida, o beijo que me torturava em pensamento agora atingia toda a proporção física.
Seus lábios macios pressionavam os meus numa precisão inimaginável. Suas mãos fortes, agora mais livres, me envolviam com a certeza de que aquilo era o que devia estar acontecendo. Eu não conseguiria pôr em palavras tudo que parecia se mesclar em mim.
Meu coração correspondia de maneira rápida e descompassada cada um de seus movimentos. Sua mão subiu para meu cabelo, e minha respiração falhou por um breve momento. Hugo possuía tudo que eu imaginei de uma forma extremamente melhor, quase que desumana.
Com um pensamento em peso, me afastei lentamente.
- Hugo... - Segurei seu braço com calma, vendo seus lábios agora vermelhos e sua respiração tão pesada quanto a minha. - E os nossos pais?
- Seu pai me ajudou com tudo isso. Eu não aguentaria guardar pra mim depois de ontem. Hoje de manhã eu despejei todo meu discurso em cima deles. - Soltei um riso leve, sem acreditar em tudo aquilo. - James também ajudou um pouquinho com uma pressão, mas só um pouquinho. Essa hora todo mundo já deve estar sabendo.
- E foi uma conversa fácil? - Perguntei receosa, mordendo o lábio inferior.
- Como você quer que eu me concentre fazendo isso? - Ele apontou para minha boca, parecendo vidrado na visão. Eu ri, ficando normal para escutá-lo. - Não foi fácil, mas eu ia ter que ter essa conversa. É de você que eu gosto, sempre foi, nunca mudou, meu amor só ficou aqui durante todo esse tempo, e digamos que eu já tinha planejado há anos essa conversa. Eu soube desenrolar.
Eu ainda não estava acreditando. Estava parecendo um sonho e eu definitivamente não queria acordar. Eu me encontrava num êxtase absurdo, e eu só conseguia sorrir, tanto que minhas bochechas doíam.
- E aquela poesia? Foi improviso? - Perguntei completamente apaixonada pelas suas palavras, já querendo uma transcrição e guardar comigo até eu morrer. Exagerada? Imagina.
- Fui eu que escrevi, mas não foi improviso. O que você acha que eu passei a tarde toda fazendo? - Ele abriu os braços apontando para o jardim todo decorado e tão lindo que só podia ter sido o Hugo e meu pai para sair algo com tanto amor. - Decorando esse negócio. Brincadeira, não foi fácil ajeitar tudo, mas por você eu sabia que sempre vai valer a pena.
- Você não é real. Não pode ser. - Toquei em seu rosto e o vi fechar os olhos para aproveitar a sensação.
- Sou sim, e você tá perdendo o tempo que podia estar me elogiando de outras formas. - Ele sorriu malicioso e eu o acompanhei numa gargalhada, para depois o puxar e retornar para o beijo que havia me ganhado e o beijo com que eu havia sido presenteada.
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