História Tsumetai Chi - Tsumetai Chi

Essa fervência em minha garganta, clamando por teu sangue... Isso não deveria ser normal... Ao menos para humanos.  Por outro lado, eu sendo o monstro que sou tal sensação já se tornou habitual. Saciar minha fome costumava ser algo prazeroso. Até mesmo nas épocas difíceis. Até mesmo alguém que é tratado como lixo fica feliz com um simples pedaço de pão queimado e sujo.

Por mais irônico que seja um aristocrata ficar feliz com algo vindo da escória mesclado a sujeiras de animais, algo como aquilo poderia proporcionar a qualquer pessoa faminta uma onda de satisfação.

E ainda assim, ainda tendo raiva de tudo aquilo que cheguei a passar, a falta que me faz é imensa.

Observo-te de longe. Dormes com imensa calmaria como se o mundo fosse um lugar maravilhoso. Como se nada pudesse lhe atingir. Diga-me, algum dia, algum segundo sonhou conosco? Esse coração que palpita em teu peito com tanta voracidade, bombardeando este sangue quente e único, alguma vez acelerou-se por ter-me por perto?

Estou sendo ridículo por querer-te para mim? É provável.

Uma criatura da escuridão como eu não deveria ter pensamentos como estes. Não deveria desejar tirar a vida de mais uma donzela que só quer viver, coisa qual não possuo mais direito.

Se eu lhe tocasse, nossas temperaturas iriam se contrastar e irias se afastar por impulso. Não culparia. Eu simplesmente pediria desculpas por ser quem sou, e iria embora.

Sou com certeza mais velho que ti. Pode-se dizer que tive muitas vidas, mas posso afirmar que não vivi nenhuma.

Até encontrar-te.

Talvez esteja sendo ingênuo demais por deixar levar-me pelos sentimentos que restaram. Sinto que se ainda fosse uma pessoa normal, o órgão localizado em meu peito esquerdo estaria enlouquecido. Acreditava que este permanecia vazio.

Cativei-me por teu sorriso. Por teus cabelos ao vento. Pelo modo como trata as pessoas a teu redor. Em como faz tudo sem pensar em algo em troca. Em como mesmo quando ninguém a observa procura ajudar o próximo. E até mesmo inconscientemente ajudou-me. Graças a ti procurei ser uma criatura menos desprezível. Mesmo sabendo sobre tudo que falam ao meu redor. Meus sabendo de toda dor que este mundo causará a mim por tentar ser um pouco humano.

A lua agora ilumina teu quarto. Ao invés de incomodar-te com a luz, parece ficar ainda mais confortável.  Não importa o quanto eu pense nisso, é estranho. Como uma mulher pode atingir-me desta forma?

Por quê?

Gostaria que pudessem me responder.

Ajeito-me no galho da árvore para poder encostar a cabeça sobre o longo tronco, fechando os olhos em busca de respostas. Ultimamente todas as noites têm sido assim. Um labirinto de informações que não me levam a lugar algum. Só mergulho em puro desespero. Em um universo onde ninguém consegue alcançar-me.

Onde tu não me enxergas.

Fito a lua e acabo tendo uma pequena e feliz lembrança. Uma onde o destino quis agradar-me. Onde em um lugar onde vampiros não são desejados, até mesmo os mais amigáveis são desprezados, você apareceu e sorriu com a alma. Aquele pano que entregou para limpar meu rosto é meu bem mais precioso.

Nunca imaginei que não me defender de uma briga traria tantas coisas boas.

É verdade.

O local vazio preencheu-se aquele dia. Quando seu olhar gentil encontrou-se com o meu desespero.

Não ouso usar a palavra amor. É humano demais. É... Inalcançável demais para alguém como eu.

Minha sede está tornando-se incontrolável e logo será perigosa a todos ao redor. Mas eu simplesmente não posso mais ferir alguém. Não desejo mais ser um monstro.

Não desejo mais ficar longe de ti.

Mas... Que surpreendente... Eu estou... Chorando...

Contigo consigo ser mais humano. Poderia jurar por milésimos de segundos que poderia te amar sem medo. Sem ter que matar para sobreviver. Sem ferir-te.

Mas esta ardência não me permite sonhar. Meus instintos desejam-te de todas as formas. Seu sangue quente deve ser o mais doce e viciante do mundo inteiro.

Desculpe-me por sonhar contigo. Por imaginar meus gélidos lábios tocando em seu pescoço e meu olfato inalar teu aroma natural. Por pensar o quão bom seria cravar minhas presas nesta pele que clama por atenção. Desculpe-me por deixar este meu lado dominar.

Eu não desejava isto.

Ao mesmo tempo em que tu és minha salvação, tornou-se uma maldição. Sei que somente sairei deste inferno quando for minha. Mas não tenho tal direito. Não devo amargurar a pessoa mais preciosa neste mundo por algo tão egoísta.

Seria eu capaz de esquecer-te?

Desculpe pela resposta ser negativa.

Não conseguirei mais seguir em diante com esta vida medíocre, por assim dizer. Por mais que eu a deseje, eu não a mereço. Nem uma gota de seu sangue ou um centímetro de teu corpo.

Até que alguém consiga acabar com isto, sofrerei pela eternidade.

Por favor, acorde.

Gostaria de ver teus olhos mais uma vez esta noite. Desejo que me encontre sobre este galho de árvore para que eu pudesse ter uma desculpa para iniciar uma conversa e de tentar fazê-la sorrir.

Talvez... Talvez se eu contasse tudo que passa por minha mente, me ajudaria a encontrar o lado iluminado da vida? Permitiria que eu me aproximasse, mesmo que um pouco mais apenas para eu poder sentir, mesmo que um pouco, importante?

Tenho certeza que sim.

E por esta certeza que não ouso contar-lhe nada. Por esta certeza que te observo de longe. Que não ouso lhe acordar.

Por esta certeza de que irei embora.

Obrigado por proporcionar-me tantas experiências com um só toque, com um só gesto e com o mais genuíno sentimento de pureza. Ninguém nunca será bom o suficiente para amar-te. Eu lhe protegeria com todas as minhas forças e ainda assim não seria suficiente.

Esta será minha última noite. Minha última visita. Minha última memória feliz. Não ultrapassarei mais esta linha entre o mundo dos humanos e o mundo dos vampiros.

A sede aumenta a cada dia e não desejo estar perto de ti quando não tiver mais controle.

Deixarei em sua janela o lenço que me entregou com as primeiras e ultimas palavras dirigidas a ti.

“Obrigado e Adeus.

– Mukami Ruki.”