“Você é um péssimo amigo, Byun Baekhyun.” Sehun reclamou contra o canudo colorido, bolhas de tapioca sendo rapidamente sugadas do copo para sua boca. “Eu não acredito que você realmente abandonou seus amigos numa palestra chata para viver momentos amorosos na sala de música com o senhor Park Chanyeol. Isso é uma afronta!”
Baekhyun riu contra sua própria bebida, divertindo-se com a indignação de Sehun. No fim das aulas daquele dia, como um breve escapismo da rotina maçante, os quatro garotos decidiram passar rapidamente na loja de bubble tea que Sehun tanto amava, cortesia de seus choramingos infantis e dos corações moles dos outros três pelo mais novo.
“Eu simplesmente agarrei a oportunidade de fuga que me apareceu.” Baekhyun respondeu, dando de ombros e sorrindo satisfeito. “Vocês poderiam ter feito o mesmo.”
“O que você deveria ter agarrado era o Chanyeol.” Luhan provocou, a travessura em seus olhos se intensificando devido a cor escarlate no rosto de Baekhyun.
Em vez de responder, Baekhyun só deu de ombros, focando sua atenção em uma caçada minuciosa atrás de suas próprias bolhas de tapioca em uma tentativa falha de esconder o rubor em suas bochechas. Mas aqueles que dividiam a mesa consigo eram os que o conheciam melhor, portanto qualquer desviar de olhos ou morder de lábios vindo de Baekhyun era como ler os símbolos conhecidos da linguagem em um livro. Realmente, não havia como fugir dos olhos treinados de Luhan, Kyungsoo e Sehun.
“Você devia tentar, Baek.” Kyungsoo começou. “Faz maravilhas.”
“Cala a boca!” Baekhyun protestou, dando tapas constrangidos no braço do garoto que se sentava ao seu lado. Para a infelicidade de Baekhyun, seus amigos pareciam intentos em rir da vergonha que eles mesmos causavam no amigo.
As risadas contidas no espaço público dos seus amigos foram cessando aos poucos, e durante todo o tempo, Baekhyun teve que morder seu lábio inferior para lutar contra seu próprio sorriso. Porque Baekhyun não se importava com o fato de que ele era o alvo das provocações do dia – resultado do tempo fugaz que ele e Chanyeol passaram em clandestina companhia –, pois quando seus amigos sorriam daquele jeito era sempre contagiante.
“Para a informação de vocês...” Baekhyun recomeçou assim que a mesa caiu no silêncio novamente, apontando seu indicador longo para o rosto dos outros garotos. “eu simplesmente não agarrei o Chanyeol porque eu não quis.”
Suas palavras imediatamente fizeram Sehun e Kyungsoo gemer em um uníssono frustrado e Luhan dizer “eu não acredito que você ainda está em negação.”
“Não é negação,” Baekhyun discordou, dando de ombros novamente. “pelo contrário, é uma aceitação da realidade.”
“Baek...” Sehun o chamou. “Para de falar antes que eu suba nessa mesa e te dê um tapa, ok?”
Baekhyun somente mostrou sua língua para Sehun, tomando partido da infantilidade do outro sem proferir mais palavras que provocassem a discordância dos seus amigos. A conversa entre os quatro estudantes migrou para a palestra que Baekhyun conseguiu escapar, como ela não havia passado de palavras clichês e conselhos superficiais, genéricos.
Quando não havia mais bolhas de tapioca para serem perseguidas dentro dos copos descartáveis e a obrigatoriedade da rotina pesou novamente sobre seus ombros após o breve sossego – os inevitáveis afazeres escolares os obrigavam a rumar de volta para casa, naquele movimento pendular constante –, os quatro garotos deixaram a pequena lojinha de chás e seguiram seus respectivos caminhos. Sehun e Luhan despediram-se dos outros dois, virando uma esquina de mãos dadas.
Baekhyun andava ao lado de Kyungsoo, acompanhando-o até a próxima estação de metrô. A bicicleta era empurrada no ritmo dos passos lentos enquanto palavras dançavam calmamente entre os dois corpos, como se tudo ali tivesse como intuito maior evitar, atrasar o inexorável peso da rotina.
“Então...” Baekhyun disse. “eu queria esclarecer algo sobre o que você disse mais cedo. Faz maravilhas agarrar pessoas, Kyungsoo?” O garoto sorriu largo, curiosidade escorrendo pelos seus olhos. “Você tem novas notícias para me dar, hm?”
“Você é insaciável, Baek.” Kyungsoo riu nasalmente e sorriu com apreço, quase como lidando com uma criança.
“Exatamente. Agora me conta, anda!”
“Não há muito para contar, de verdade.” Kyungsoo reforçou, diante do olhar incrédulo do amigo. “Eu e o Jongin, nós só estamos juntos – de um jeito que não dá pra definir por meio do que a sociedade me oferece? Eu não sei... a gente tem algo e ao mesmo tempo não tem. É realmente difícil de explicar, Baek, meu deus.” Ele riu de novo, afastando os fios negros de sua testa enquanto suas palavras desconexas continuavam sendo libertas. “É quase como um... um relacionamento aberto, ou uma amizade colorida – eu não gosto do termo ‘relacionamento’, sinceramente – e eu gosto de como estamos. Eu me sinto confortável. Ele não é arromântico ou algo do tipo, mas ele guarda certa liberdade em si, como uma espécie de espírito livre, me entende? E eu não sou monogâmico e não sinto atrações românticas... então, de uma maneira meio estranha, a gente acabou se encaixando?”
Baekhyun olhava para o amigo com faíscas de orgulho em seu rosto, e quando Kyungsoo finalmente tirou seus olhos do calçamento cinza escuro para encontrar o marrom caloroso dos olhos de Baekhyun, Kyungsoo foi atingido pelo simples fato de que ele falara demais, tudo de uma só vez.
“Wow, eu falei demais.” Ele disse levemente constrangido, automaticamente levando uma mão para coçar sua nuca.
“Eu amo quando você se abre assim comigo.” E então, além do orgulho estampado, Baekhyun sorriu largo, seus dentes em total exibição no sorriso retangular. “Mas você não vê? Isso é maravilhoso, Soo! Você não tem noção do quanto eu fico feliz em saber que isso não é mais uma fonte de estresse para você. Que você não precisa ficar inseguro de mostrar quem você é. E que você conversou com ele, e agora vocês estão na mesma página, satisfeitos com ela. E você está confortável assim! Confortável!”
“Ok, Baek, você tá animado demais.”
“Claro que eu estou!” Baekhyun respondeu rápido. “Eu me animo com a felicidade dos meus amigos, se me permite. E além disso, eu adoro ser relembrado que por trás do que todos pensam ser um garoto exemplar, um padrão perfeito há, na verdade, alguém não-monogâmico, arromântico e um total questionador de coisas congeladas pela sociedade como amor, relacionamentos e todo o resto- você me entendeu.”
Kyungsoo riu alto, divertindo-se com a escolha lexical do amigo. “Ah, adicione na lista que, em um futuro próximo, eu vou aderir a filosofia da desobediência civil.”
Aquilo fez Baekhyun pausar, piscando continuamente enquanto ele digeria o que Kyungsoo dissera. Ele realmente não sabia dizer se ele devia levar as palavras do outro a sério ou não.
“Desobediência civil?” Ele repetiu.
“Aham.” Kyungsoo balançou a cabeça com uma ênfase exageradamente convicta, reforçando sua interjeição afirmativa.
“Ok...” Baekhyun começou. “Por que?”
“Porque ultimamente eu não estou vendo razão para coisas como trabalho ou pagamento de impostos. Por que eu tenho que perder horas do meu dia para trabalhar com algo chato em troca de um salário?” O garoto elaborou, consideravelmente dogmático em suas reflexões.
“Ok, válido.” Baekhyun assentiu. “Então seu plano é basicamente encarnar o Henry Thoreau e escapar para um bosque?”
“É, algo do tipo.” Kyungsoo deu de ombros.
Neste ponto, Baekhyun não conseguiu mais conter sua risada, entretendo-se imensamente com o amigo dizia. O próprio Kyungsoo pressionava seus lábios cheios com força, claramente segurando um sorriso largo ou um pequeno e contido riso.
“Olha, Soo... eu odeio ter que te dizer isso, mas esse tipo de plano de vida combinaria muito mais com a minha personalidade do que com a sua.” Mais pequenos resquícios de risadas foram libertas, interrompendo Baekhyun de maneira breve. “Mas eu não estou falando sobre ir morar em bosques e viver de frutas silvestres.”
“Eu sei que é quase impossível.” Kyungsoo deu de ombros e riu de leve. “Mas se as pessoas questionassem esse sistema e parassem de seguir esse tipo de vida pré-concebida nada iria acontecer. Todo mundo para de trabalhar? E daí?”
“Sim, claro.” Baekhyun assentiu. “Mas as pessoas são muito individualistas. Todos nós, de certa forma.”
Os dois continuaram andando, pensamentos sobre tudo aquilo que começara como uma brincadeira ainda rondando suas mentes.
“Eu amaria a possibilidade de não trabalhar, mas existe um limite no que um indivíduo pode fazer, não é?” Baekhyun recomeçou, Kyungsoo assentindo em concordância ao seu lado. “Mas e você? Você seria capaz de viver longe de tudo, dos seus vídeo games?”
“Merda.” Ele xingou, rindo nasalmente logo depois. “Você encontrou a única falha no meu plano, Baek.”
Baekhyun riu, batendo de leve nos ombros estreitos do amigo. Virando mais uma esquina, os dois perceberam que a estação de metrô já se aproximava dos seus passos lentos, onde, inevitavelmente, Kyungsoo entraria no transporte público e Baekhyun pedalaria o resto de seu caminho para casa com o vento como companheiro.
“Ah, que pena.” Baekhyun lamentou. “Eu estava me divertindo.”
O sorriso que se formou nos lábios de Kyungsoo era terno. “Olha, se todos os nossos planos aprovados pela sociedade derem errado, a gente foge para um bosque juntos, ok?”
“Por mim, tudo bem.” Ele concordou, abraçando o amigo de leve antes que o outro entrasse no terminal.
~*~
Baekhyun tinhas seus tornozelos pousados sobre a cabeceira de sua cama, apreciando a inclinação de suas pernas em relação ao seu corpo enquanto os dedos de um pé roçavam levemente contra os outros. O sol se punha do lado de fora no mesmo ritmo lânguido dos finais de semana de Baekhyun, e mesmo sabendo que ele precisava enviar um relatório para Chanyeol o mais breve possível sobre o projeto conjunto de laboratório, Baekhyun permanecia estático.
Seus olhos liam e reliam as palavras que há pouco ele usara para preencher a folha em branco do caderno de rascunhos. E apesar do seu descontentamento com o que ele escreva, Baekhyun mantinha o lápis também imóvel em seus dedos.
Porque Baekhyun sentia que cada movimento do seu corpo lembrava-o da materialidade dele, de sua forma. E mesmo lutando contra os pensamentos disfóricos, mesmo permanecendo parado sobre as cobertas desarrumadas, ele ainda conseguia sentir todas suas arestas e todas suas superfícies, como seu peito era dogmaticamente reto e a presença familiar – mas nem sempre bem-vinda – do volume entre suas pernas.
Pelo fato de nos últimos dias Baekhyun se sentir consciente demais em relação ao próprio corpo, ele simplesmente não conseguia perseguir sua usual proatividade. Cada passo, cada ação comum traziam de volta a inevitável disforia, e Baekhyun não conseguia pensar em mais nada ao invés de como ele se sentia errado. Por isso, ele procurava certa paz na sua falta de movimentos, somente seus olhos correndo de um lado para o outro na página, seus dedos roçando-se e sua mente em constante depreciação.
E as palavras pífias e má escolhidas na folha branca só explicitavam que, por mais que ele tentasse, seus pensamentos não lhe davam um breve momento de paz.
Tudo é errado,
quando na superfície.
O corpo é forma
e, por vezes,
a substância transborda.
O seu ódio,
minha fraqueza
me impedem
de recolhê-la.
– Byun.
Baekhyun terminou de ler mais uma vez suas novas palavras com um pequeno suspiro, ignorante se por causa de sua insatisfação para com o poema ou se por causa dos seus sentimentos em relação ao seu corpo. O garoto sabia que não havia nenhum trabalho estético na recente combinação de palavras e versos, mas a mensagem que ela passava era clara e, naquele dia, aquilo já era suficiente.
De uma maneira ou de outra, naquele dia cinza para Baekhyun, seu simples e desprezado poema guardava certa beleza sem esforço.
No fim, não foi o silêncio ou a imobilidade que foram capazes de distrair Baekhyun do que ele sentia, mas sim três batidas leves em sua porta fechada. Ele produziu um som automático de sua garganta, e, no segundo seguinte, sua mãe abriu a porta e recostou seu corpo contra seu batente.
“Baekhyun?” Ela chamou, após alguns minutos observando o filho jogado sobre a cama.
“Sim?” Ele respondeu, ainda estático.
“Você poderia ir comprar algumas coisas para mim? Não é muita coisa e eu vou precisar delas para amanhã.” A mulher pediu.
Baekhyun suspirou e concordou brevemente, deixando que seu braço estendido caísse para o lado e seus dedos soltassem o pequeno caderno que guardava seus poemas e rascunhos cotidianos. Ele se levantou da cama em um pulo preguiçoso, passando seus dedos longos entre os fios já oleosos e dirigindo-se ao seu armário.
Sua mãe ainda encontrava-se na mesma posição; seu ombro contra o batente de madeira e o corpo inclinado de leve. Os únicos sons que cortavam o silêncio eram os passos lânguidos do garoto e a fluidez das portas do armário cortando o ar quando abertas. Naquele momento o silêncio irritava Baekhyun por uma total nova razão. Não porque ele estava sozinho com seus imponentes e depreciativos pensamentos, mas porque a presença de sua mãe – mesmo no silêncio – era tão imponente quanto os sentimentos ruins, e ela o observava constantemente com seus olhos astutos e braços cruzados.
Baekhyun olhava para suas roupas de um lado para o outro, como fizera com as palavras que escrevera. Ele não olhava para sua mãe, em vez disso permanecia parado de pé, sentindo seu olhar e esperando que ela saísse para ele poder se trocar.
Mas ela não saiu. Ao invés disso, fez outra pergunta.
“Aconteceu alguma coisa, Baekhyun?”
E aquelas palavras fizeram Baekhyun finalmente encontrar os olhos da mulher. Eles eram tão astutos como o garoto sempre soube, mas eles guardavam certo cansaço, e as pequenas, mas visíveis, bolsas debaixo deles só intensificavam o quanto ela estava cansada.
O sentimento de empatia não era comum para Baekhyun quando se tratava de sua mãe, mas foi exatamente aquilo que ele sentiu após segundos olhando fundo nos olhos escuros que ele herdara. E quando ele realizou isso, Baekhyun soube que ele não queria intensificar o seu cansaço ainda mais.
“Não, mãe, nada aconteceu.” E ele forçou um sorriso; o que era fácil, visto que Baekhyun sentia que ele precisava forçar tudo. “Me manda a lista das coisas que você precisa, ok?”
Ela assentiu quase que automaticamente, como se estivesse programada para fazer aquilo e observou Baekhyun mais um pouco com os olhos que pareciam demais com os que ela própria fitava, antes de sair e fechar a porta levemente atrás de si.
Baekhyun ficou atônito com tudo aquilo e encarou a porta fechada por o que pareceram vários minutos. Após o choque inicial, Baekhyun voltou sua atenção para suas roupas dispostas sem uniformidade no armário. Apesar disso, sua mente insistia em repetir as palavras de sua mãe de novo, e de novo. Aconteceu alguma coisa, Baekhyun? Aconteceu alguma coisa? As palavras aparentemente preocupadas e, consequentemente, incomuns.
Ele se vestiu em um jeans escuro apertado e um suéter largo branco antes de terminar de se arrumar no banheiro. Contrariando o que ele normalmente fazia, Baekhyun coloriu suas pálpebras de preto ao invés da desenhar a fina linha acima de seus olhos e penteou seu cabelo de modo que os fios longos pareciam ainda mais longos em vez do estilo desajeitado e despretensioso de sempre.
Por fim, Baekhyun calçou os tênis brancos, logo depois pegando o celular e mandando algumas mensagens.
Baekhyun:
hello~
alguém disposto a me encontrar hoje? agora?
Luhan:
desculpa, Baek
eu e o sehunnie estamos muito ocupados hoje ;)
Baekhyun:
ugh, eu não precisava saber disso
Kyungsoo:
você pode aparecer aqui em casa se você quiser
eu não tô com vontade de sair
Baekhyun:
ok, te aviso quando chegar
Ao sair, Baekhyun ainda pegou uma velha sacola de pano com o intuito de guardar as compras que ele faria para sua mãe, jogando dentro dela seu celular, fones, um isqueiro e um novo maço de cigarros. Ele não fumava com muita frequência, mas quando em crise, Baekhyun sentia que ele precisava fazer algo com suas mãos, encher seu corpo com algo diferente do sentimento amargo, e a droga, por vezes, ajudava.
Enquanto Baekhyun procurava e jogava dentro da cesta de compras os mantimentos que sua mãe solicitara por uma breve mensagem, os pensamentos do garoto continuavam emaranhados por toda sua cabeça. Os fones enterrados em seus ouvidos e a playlist deprimente relembravam Baekhyun do sentimento de erro e de incompletude instalado em si. Por um motivo ou por outro, seres humanos sentiam a necessidade de ouvir músicas tristes quando o sentimento já estava dentro ou ao redor deles. Talvez fosse uma tentativa de prolongar a tristeza, por mais doente e irracional que tal lógica se configurava. Mas Baekhyun por ser, de certa forma, igual a todo mundo, seguia a mesma lógica involuntária e incontrolável, e a voz de Morrisey em How soon is now? não poderia ser mais bela e melancólica em qualquer outro dia. Além disso, os olhos familiares e as palavras estranhas continuavam aparecendo em loop e ecoando juntamente com as notas lânguidas.
E o exercício mental que Baekhyun praticava era, em si próprio, contraproducente. Ouvir e murmurar os versos cantados, lembrar de seu insatisfatório poema, de seu errado corpo, tentar esquecer procurando os produtos certos, ver os olhos curiosos de sua mãe... e prestar atenção na música para esquecer; e assim por diante.
Havia tanta coisa em sua mente que, nem por um segundo, Chanyeol ou relatórios inacabados conseguiram um espaço ali.
Não demorou muito para que Baekhyun terminasse a pequena compra, pagando e guardando tudo dentro da bolsa de pano. Logo, ele estava de volta nas ruas já escuras, andando em direção ao metrô que o levaria para a casa de Kyungsoo. Baekhyun sabia que tudo o que ele fazia nesses momentos sórdidos eram escapismos breves e insatisfatórios, mas enquanto duravam, eles eram úteis. E além disso, havia demais deles, o que levava Baekhyun a refletir sobre o fato de que talvez, talvez ele estivesse tentando escapar apenas de si mesmo.
“Você tá’... não sei, diferente.” Foi a primeira coisa que Kyungsoo disse assim que ele abriu a porta e pousou seus olhos no amigo.
“Você que o diga.” Baekhyun respondeu. “Você raspou sua cabeça.”
Kyungsoo instantaneamente passou sua mão pelos recém raspados fios, mal visíveis de tão curtos. Ele abriu mais espaço para que Baekhyun pudesse entrar, respondendo-o logo depois.
“É, eu... eu resolvi tentar algo novo.” Ele explicou enquanto os dois garotos andavam na direção do quarto de Kyungsoo. “Aquele corte de sempre estava me irritando. Eu acabei gostando assim.”
Baekhyun riu de leve. “De alguma forma ficou bonito em você.”
“Você está bonito também.” Kyungsoo trombou seu ombro no de Baekhyun brevemente. “Seja lá o que for que você fez de diferente.”
“Nada de mais.” Baekhyun colocou sua sacola de pano sobre a mesa de canto e jogou-se na cama do amigo com intimidade, seus braços finos cobrindo seus olhos da forte luz artificial.
Kyungsoo o observou por alguns silenciosos segundos antes de cutucar a perna do amigo com o seu pé, tentando ganhar sua atenção. Baekhyun murmurou um quase inaudível ‘desculpa’, retirando seu braço do rosto e sentando-se na beirada da cama. Ao invés de perguntar o que estava acontecendo como Kyungsoo queria, ele perguntou se Baekhyun aceitava uma cerveja, e o outro prontamente assentiu.
Kyungsoo estava dentro e fora do quarto em um instante, duas garrafas abertas de cerveja em suas mãos. Baekhyun pegou uma e o agradeceu com um pequeno sorriso, levando a bebida aos seus lábios e tomando um pequeno gole.
“Ainda está meio frio pra cerveja.” Baekhyun comentou, levantando-se da cama e sentando-se ao lado de Kyungsoo no chão.
“Fraco.” Ele brincou. “É quase primavera, para com isso.”
Baekhyun riu, dando de ombros e bebendo de novo, não se importando que de alguma forma ele contrariava suas próprias palavras. Os dois permaneceram em silêncio enquanto tomavam goles breves da bebida fria, Kyungsoo roubando olhares discretos na direção de Baekhyun.
Ele obviamente queria perguntar sobre a não usual e exagerada maquiagem assim como a visita inesperada, mas ele sabia que Baekhyun provavelmente não queria falar sobre nada daquilo. Inclusive, era provável que o motivo de sua aparição fosse aquela; a procura por silêncio, uma ocupação, uma fuga.
Kyungsoo sabia que aquilo não era saudável, que Baekhyun devia parar de fugir de tudo que ele sentia e que, por isso, eles deviam conversar sobre aquilo. Mas Baekhyun era complexo e mesmo conhecendo o outro por quase toda sua vida, Kyungsoo nunca tinha certeza do que fazer para ajudar o amigo.
Baekhyun conseguia sentir os olhos do outro sobre si, sua preocupação quase palpável. Ele era grato pela atenção, pelo amor, mas naquele momento, Baekhyun estava cansado de pessoas se preocupando com ele, tratando-o com demasiada delicadeza, como se ele fosse quebrável. E ele era frágil, provavelmente quebrável, mas o sentimento era horrível, e ele queria ignorá-lo como ele fazia com todos os outros.
Talvez ele estivesse sendo ingrato, mas de qualquer forma, Baekhyun nunca se sentira merecedor das pessoas que o cercavam.
“Você está bem, Baek?” As palavras não tardaram a ser proferidas. “Aconteceu alguma coisa?”
E lá estavam elas de novo. Aconteceu alguma coisa?
Baekhyun deu de ombros, não respondendo com o seu costumeiro e falso ‘eu sempre estou bem’ ou ‘não, nada aconteceu’. O que exatamente acontecia com Baekhyun? Nem ele sabia dizer. Ele só queria que as pessoas parassem de lhe perguntar aquilo, relembrando-o constantemente de que ele não tinha uma resposta; só perguntas, e dúvidas, e sentimentos impalatáveis.
“Eu não quero falar sobre isso, Soo. Me desculpa.” Ele finalmente olhou para o outro garoto, sentindo-se culpado no segundo seguinte. Baekhyun aparecia do nada, preocupava seu amigo e ainda não queria falar sobre o que Kyungsoo estava claramente disposto a ajudar. Que amigo de merda.
Ao invés de argumentar contra, Kyungsoo apontou para a garrafa já vazia de Baekhyun. “Você quer outra?”
“É... ok, se não for um problema.”
“Ainda está frio pra cerveja, hm?” Kyungsoo provocou brincalhão, levantando-se com facilidade e deixando Baekhyun sozinho no quarto.
Ele voltou pouco tempo depois, dessa vez carregando junto com as bebidas sacos de comida nem um pouco saudáveis. Baekhyun sorriu animado, apressando Kyungsoo para se sentar de novo e abrir tudo aquilo. A combinação de cerveja amarga, batatas excessivamente salgadas e chocolate doce e gorduroso nunca parecera tão boa, e Baekhyun era capaz de se ocupar da maneira mais simples possível, tomando cuidado para não derramar ou derrubar nada no chão. Seu sorrisos não tinham significado no seu estado de precoce embriaguez, mas era melhor do que nada. Baekhyun não pensava e ele estava satisfeito.
Kyungsoo, que sempre soube controlar seu álcool melhor do que ninguém, ria junto com Baekhyun, limpava o canto dos lábios do amigo e respondia a todas as idiotices que ele dizia, mas a preocupação em seus olhos ainda era evidente.
“Baek...” Ele chamou, quando já havia garrafas vazias demais, sacos vazios e muros não tão altos, não tão fortes. Ele simplesmente não conseguia deixar aquilo passar.
“Shhh” Baekhyun se aproximou de joelhos, pousando seu indicador contra os lábios cheios do amigo. Ele puxou de leve o lábio inferior e riu como uma criança logo que ele o soltou.
“A gente pode... eu não sei-” Kyungsoo tentou de novo, mas dessa vez Baekhyun o interrompeu colando seus lábios nos do amigo.
Talvez por algum outro instinto humano inexplicável, Kyungsoo o beijou de volta, provando todos os espectros da combinação estranha que Baekhyun provavelmente também sentia em sua boca. Eles se beijavam com tranquilidade, como em uma carícia. Kyungsoo automaticamente segurou a cintura do outro quando Baekhyun sentou-se em seu colo, aprofundando e explorando o beijo sem pressa, sua outra mão massageando a base da nuca de Baekhyun onde os fios eram levemente mais curtos e não tão macios quanto o resto.
Em contrapartida, Baekhyun tinha ambas as mãos em cada lado de seu rosto, segurando-o no lugar enquanto somente sua boca se movia. O contato de sua língua contra a do seu amigo não era desconhecida, mas não havia nenhum propósito, e Baekhyun não estava certo do que ele estava fazendo.
Então, ele se afastou de Kyungsoo e disse com olhos sóbrios. “Me desculpa, e-eu não-”
“Não há nada para se desculpar.” Kyungsoo interrompeu, um pequeno sorriso nos seus lábios vermelhos. “Você sabe que não é um problema.”
Suas duas mãos agora abraçavam Baekhyun de uma maneira separada, quase que receoso pelo toque. Mas Baekhyun aproximou-se até que seus peitos estavam próximos, abraçando o outro com força e escondendo seu rosto em seu ombro. Baekhyun o agradeceu em um sussurro, e Kyungsoo repetiu que também não havia nada para agradecer, os dois mantendo-se no conforto do abraço pelo tempo que precisavam.
Quando eles se separaram, Baekhyun percebeu que já era tarde e que ele precisava voltar para casa o mais rápido possível. Kyungsoo sugeriu que ele dormisse ali, mas Baekhyun precisava levar as compras para sua mãe – e como ele estava longe de ser uma pessoa matinal, o mais seguro era voltar naquele momento.
O caminho da casa de Kyungsoo até o metrô foi marcado pelo cilindro fino de papel entre seus dedos e o tabaco ruim em seus pulmões. Estar com Kyungsoo ajudara – sempre ajudava –, mas como qualquer outro escapismo ele tinha sido insatisfatório. E Baekhyun continuava tentando afastar sua própria consciência ocupando-se de qualquer maneira.
Aquele não parecia ser seu dia de sorte, no entanto.
Não havia nenhum menino bonito e desconhecido no metrô, ao invés disso havia um grupo de garotos que não paravam de olhar para Baekhyun, que continuamente evitava as palavras e os gestos sujos que eles dirigiam a ele no vagão relativamente vazio. Eles não chegavam a encostar em Baekhyun, mas o medo do garoto era visível em suas mãos trêmulas a cada palavra abusiva, a cada ameaça e a cada risada.
Ele saiu rapidamente do veículo assim que sua estação chegou, na esperança de que eles também não desceriam ali, sujeitando-o a um perigo maior. Apesar disso, Baekhyun era fraco e palavras sempre foram fortes demais. Ele não conseguia lutar contra elas, nem ao menos fugir.
Chegando em casa, Baekhyun livrou-se dos mantimentos na cozinha, rapidamente rumando para o seu quarto na casa escura e silenciosa. Ao fechar a porta, tudo voltou. Tudo o que ele evitava, tudo o que ele queria longe de si voltava com força total. Mas Baekhyun ainda queria esquecer, não pensar sobre nada que o atormentava.
Então, sem pensar, ele se trancou no banheiro, procurando a pequena e autodestrutiva lâmina capaz de romper suas incertezas.
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