Baekhyun entrou no auditório de sua escola em passos calmos e olhos atentos. O garoto dividia sua atenção entre observar os alunos já sentados a procura de Sehun e checadas rápidas na tela de seu celular, esperando por qualquer notícia.
Baekhyun estava ali para o festival escolar de inverno, já que não havia mais aulas regulares. As férias de fim de ano tinham finalmente chegado, e Baekhyun não estaria naquele auditório se Luhan e Kyungsoo não fossem se apresentar. Eles iam, no entanto. Luhan lhe dissera que os escolhidos para a apresentação no clube de canto eram selecionados por meio de uma votação, e recusar participar do festival era como pecar.
Kyungsoo tinha quase recusado, no entanto. Porque o garoto cantava porque amava, não porque queria se apresentar para um público juvenil e estritamente escolar. No fim, Kyungsoo só participava do clube em questão porque era, de certa forma, obrigado a frequentá-lo.
Mas ele participaria do festival, os olhos carentes de Luhan o seduzindo e os elogios exagerados inflando o seu ego.
Andando pelos corredores do auditório, Baekhyun localizou Sehun em uma fileira no centro, fones de ouvido enterrados em sua orelhas e olhos focados na tela clara do celular. Baekhyun guardou o próprio aparelho no bolso de sua calça e aproximou-se do amigo, sentando-se ao seu lado.
“Sabe quando eles vão cantar?” Perguntou ao mais novo, que retirava os fones de sua orelhas.
“Não.” Sehun respondeu, entregando-lhe um folheto logo depois. “Aí só diz que eles vão cantar junto com a Taeyeon e com a Tiffany.”
“Hum, entendi.” Baekhyun disse, observando o folheto e reconhecendo alguns nomes, como o de Yixing e Joonmyun. “Ah, que preguiça desse festival.”
“É, eu também.” Sehun completou. “Se não fosse por isso, eu estaria vendo minhas séries preferidas de novo com o Luhan.”
“Eu achava que vocês dois só assistiam pornô.” Baekhyun provocou, recostando-se em sua cadeira enquanto um sorriso se formava em seus lábios.
“Baek!” O garoto exclamou, olhos arregalados e bochechas levemente rosadas. “Quem é você e o que fez com meu amigo?”
“Você sabe que, no fundo, eu sou tão provocador quanto você e tão demoníaco quanto o Soo.” Ele respondeu, risadas sendo libertas entre as palavras.
“Ok, isso é humanamente impossível.” O outro retrucou. “E eu ainda não sei o que aconteceu com você.”
“A causa dessa mudança é, provavelmente, o Taehyung. Encontrei ele no fim de semana.”
“Ah, aquele seu primo que você beijou quando tinha, sei lá, quinze anos?” Sehun perguntou.
“Quatorze.” Baekhyun corrigiu.
“Enfim, eu amo aquele cara.” Sehun disse. “Acho que ele te deixa mais leve, mais Byun Baekhyun.”
“Hun, eu não sei onde você quer chegar com isso.” Ele respondeu, estranhando o doce quase imperceptível na voz de Sehun.
“Em lugar nenhum.” E então o corriqueiro Sehun estava de volta, sorriso provocador em seus lábios e sobrancelhas desenhadas movendo-se sugestivamente. “Mas eu sempre me esqueço que por trás dessa cara de anjo, existe um Baekhyun incestuoso.”
“Cala a boca!” Baekhyun protestou, socando o ombro do amigo sem força. “Foi só uma vez, ok?”
“O que foi só uma vez?”
Baekhyun nunca virara sua cabeça tão rapidamente em sua vida. Ele reconheceria aquela voz grave em qualquer lugar, e talvez sua garganta já estivesse seca demais. Ele encarou Chanyeol por longos segundos antes de limpar sua garganta, expulsando qualquer palavra presa ali.
“Hum... Nada.” Baekhyun disse constrangido.
Chanyeol riu um pouco, passando a mão pelos cabelos brancos sem insistir na pergunta. Baekhyun encarava os movimentos das mechas, fios lisos pousando-se sobre a cabeça do garoto em uma bagunça harmônica.
“Posso sentar com vocês?” Chanyeol perguntou, então, apontando para a cadeira ao lado de Baekhyun.
“Aham, claro.” O garoto respondeu, enquanto Sehun balançava sua cabeça afirmativamente.
Chanyeol sentou-se rapidamente, pernas longas esticando-se por baixo das cadeiras enfileiradas a frente. Ele digitava em seu celular com rapidez, e Baekhyun tentou não observar por muito tempo seu perfil, suas orelhas entre fios claros, seus lábios pressionados. Ele tentou não olhar para as mãos grandes que abraçavam o aparelho, para os dedos longos que digitavam com praticidade. Baekhyun tentou não fazer tudo aquilo.
E talvez ele tenha conseguido. E talvez não.
Entre um silêncio desconfortável e palmas suadas, Jongin, Minseok e Jongdae se juntaram aos três garotos já sentados, conversando animadamente entre si.
“Vocês vieram por causa do Yixing?” Sehun perguntou, dando início a uma conversa com o grupo de meninos que a cada dia tornava-se mais próximo.
“Bem... sim.” Chanyeol começou, e seus lábios alargaram-se em seu sorriso habitual. “Mas acho que o Jongin veio por causa do Kyungsoo.”
O garoto moreno de lábios cheios olhou incrédulo para o amigo alto, enterrando seu rosto nas palmas de sua mão e libertando um gemido doloroso e longo. Minseok alisava suas costas curvadas com mãos amigáveis, enquanto Jongin ainda se escondia dos olhares e da meia verdade nas palavras de Chanyeol. Baekhyun permitiu que um pequeno riso escapasse de si quando Jongin retirou suas mãos de seu rosto, bochechas ainda levemente coradas.
Ele percebeu que, de certa forma, Chanyeol e ele tinham relações similares com seus respectivos amigos. As provocações bobas, mas verdadeiras, as presenças constantes, os afagos amigáveis. Era tudo tão similar.
Talvez aquela constatação fosse idiota, ou talvez todo grupo de amigos se comportasse daquela maneira, mas Baekhyun realmente não se importava. Porque por mais que ele e Chanyeol fossem diferentes, os dois mundos opostos, nas palavras do escritor alemão, eles podiam se fundir.
E quando as cortinas vermelhas e decadentes se abriram, e Joonmyun deu início às suas palavras formais... Baekhyun ainda sorria com sua sutil linha de pensamento.
~*~
Yixing foi um dos primeiros a se apresentar junto com outros garotos do clube de dança, mas era claro que o garoto chinês se destacava entre os outros, movimentos precisos e fortes de seus quadris. A parcela dos alunos que tinha aparecido no auditório aplaudiu forte a apresentação.
Depois de uma dança feminina e leituras de redações exemplares, Luhan, Kyungsoo, Taeyeon e Tiffany entraram no palco, microfones em suas mãos. ‘What kind of man’ começava calma, logo explodindo em uma cacofonia de instrumentos e notas altas. Os versos de Florence and The Machine eram divididos entre os quatro alunos que cantavam de maneira estável, e Baekhyun percebeu que algumas partes da música também escapavam de seus lábios em um canto silencioso.
Baekhyun aplaudiu animadamente quando seus amigos começaram a voltar para os bastidores, Sehun assoviando alto ao seu lado.
Poucos minutos depois, Luhan e Kyungsoo se juntavam aos outros garotos nas cadeiras enfileiradas, recebendo elogios em sussurros. Sehun beijou rapidamente os lábios de Luhan, e Jongin corou ao parabenizar Kyungsoo pela apresentação. Yixing também se juntou a eles, explicando que havia demorado porque precisava de um banho rápido.
“Vamos sair daqui?” Sehun sugeriu. “Sei lá, comer alguma coisa.”
“É uma boa ideia.” Minseok respondeu.
“Ok, então vamos sair.” Jongin disse. “Mas com calma, ok Chanyeol?”
“O quê?” O garoto protestou.
“Você é desastrado e chama atenção demais.” Jongin disse, saindo com calma da fileira. Baekhyun riu levemente, e talvez o rubor nas bochechas de Chanyeol fosse imaginação sua.
Do lado de fora, o vento frio brigava com seus agasalhos enquanto os garotos decidiam o que fariam a seguir. Baekhyun encarava seu celular enquanto respondia as mensagens de sua mãe, uma expressão levemente irritada em seu rosto.
“Baek, nós decidimos ir naquela pizaria nova.” Luhan o informou, percebendo que o amigo estava no próprio mundo. “Vamos?”
“Não vou poder ir.” Baekhyun respondeu, bloqueando e guardando o celular no bolso da calça.
“Porque não?” Kyungsoo e Chanyeol perguntaram ao mesmo tempo. Baekhyun não gostava de toda aquela atenção sobre si, mas pelo menos Jongin, Minseok e Jongdae estavam entretidos no celular de um dos três. Yixing dividia sua atenção sonolenta entre os dois grupos de pessoas, sem proferir palavras.
“Convenientemente, minha mãe descobriu que hoje é o aniversário de namoro do Baekbeom e da Hyoyeon.” Baekhyun deu de ombros. “Então eu tenho que estar em casa para o jantar de comemoração.”
“Você não pode simplesmente não aparecer lá?” Chanyeol perguntou, e Sehun assentiu acrescentando:
“Aham, nem é o seu aniversário de namoro.”
“Bom, eu poderia não aparecer lá...” Baekhyun disse. “Mas isso seria colocar minha vida em risco.”
“Ah não, Baek!” Luhan reclamou, infantilizando sua voz e seu rosto.
“Sério, gente, eu vou ter que ir.” O garoto falou. “Não é como se outras oportunidades não surgirão, certo? Comam muitas pizzas, ok?”
“Eu te odeio.” Kyungsoo falou, e Baekhyun riu.
“Não, você me ama.” Baekhyun retrucou. “Até qualquer dia!”
E quando o grupo de garotos tomou um rumo diferente do seu, Baekhyun tentou não pensar no rosto excessivamente triste de Chanyeol.
~*~
O jantar já estava sobre a mesa quando Baekhyun abriu a porta de sua casa, retirando os sapatos e o casaco. A casa estava aconchegante, e a luz alaranjada do pôr do sol banhava os cômodos da casa em cor.
“Baekhyun!” Sua mãe o cumprimentou, pousando uma última travessa sobre a mesa. “Você chegou na hora certa. Lave suas mãos para começarmos o jantar.”
“Ok.”
Baekhyun fez o que foi pedido, e logo todos estavam sentados em seus respectivos lugares, servindo-se e conversando sobre trivialidades. Baekhyun contou brevemente como tinha sido o festival de inverno, mas a atenção logo estava em Baekbeom, que contava o que ele e Hyoyeon tinham feito no dia para celebrar a data. Seus pais também relembraram os tempos de namoro, e entre comentários o jantar continuava.
Não era o que Baekhyun tinha planejado para o dia, mas também não era ruim. As conversas bobas e familiares eram, de certa forma, acolhedoras entre garfadas de risoto e goles de vinho tinto.
Baekhyun percebeu que ele sorria, até que seu pai trouxe a atenção da mesa para ele.
“Hoje, no trabalho, eu saí para tomar um café a tarde...” O homem interrompeu-se e levou a taça aos lábios. “E quando eu estava andando pela rua, eu vi esse garoto, provavelmente não muito mais velho que o Baekhyun, usando uma saia rosa e maquiagem.”
“Um travesti?” Sua mãe perguntou, e Baekhyun quis vomitar toda a comida que comera.
“Isso que me intrigou...” Ele recomeçou. “Ele estava usando roupas femininas, mas ao mesmo tempo o cabelo era curto e sua presença era claramente masculina.”
“Que confuso.” A mulher voltou a falar.
“Talvez ele seja de um gênero não-binário.” Baekhyun disse em voz baixa, seus olhos encarando seu prato quase limpo.
“Oi?” Sua mãe perguntou, e Baekhyun levantou seus olhos e encontrou a confusão nos olhos da mulher.
“Talvez ele seja de um gênero não-binário.” Ele repetiu com a voz mais alta.
“O que é isso?” Seu pai perguntou. Baekhyun tentou engolir o nó que se formava em sua garganta aos poucos.
“É alguém que se identifica com os dois gêneros... ou com nenhum.” O garoto explicou, forçando as palavras para fora com dificuldade.
E para sua surpresa seu pai soltou uma risada, balançando a cabeça como se achasse tudo divertido. Ele provavelmente acha, Baekhyun disse a si mesmo.
“Se eu já não entendo aqueles seus amigos bissexuais, esse negócio de gênero não-binário não existe.” O homem disse, rindo mais e levando comida à sua boca.
Baekhyun encarou seu pai calado, sentindo sua garganta se fechando e seus olhos ardendo. Logo, sua atenção estava de volta em seu prato, decepção e resignação em suas mãos trêmulas.
“Essa questão da identidade no século XXI virou uma bagunça.” Baekbeom disse, então, e Baekhyun só queria que aquele assunto acabasse. “As pessoas podem ser o que elas quiserem, certo? Aí, um bando de loucos interpreta isso de maneira errada e começa a dizer que é homem e mulher ao mesmo tempo.”
Baekhyun não sabia dizer como ele estava segurando suas lágrimas e suas palavras. Baekhyun não sabia dizer como o ódio de Baekbeom era ainda maior do que o dos seus pais. Mas era. E doía tanto ouvir tudo aquilo calado.
E então Baekhyun olhou rapidamente para Hyoyeon, que também mantinha-se calada. A garota comia em silêncio ao lado de Baekbeom, e Baekhyun sentiu uma pontada de orgulho em seu peito. Seu silêncio podia significar muitas coisas: consentimento, divergência, indiferença... Aquele silêncio podia significar nada, mas Baekhyun não conseguia evitar o pensamento de que talvez, talvez ele não estava sozinho naquela casa.
“Se você nasce mulher você é mulher, se você nasce homem você é homem. Gênero não é algo para se discutir.” Baekbeom terminou.
“Aham, isso realmente não existe.” O pai dos garotos concordou.
Baekhyun sentia-se cada vez menor em sua cadeira, abaixando sua cabeça para todo o ódio que era jogado sobre si ali. A conversa tinha tomado outros rumos, mas aquelas palavras continuavam na cabeça de Baekhyun, sendo repetidas por sua consciência em uma autoflagelação constante.
Isso realmente não existe. Isso não existe. Isso.
E o gosto amargo ainda estava em sua boca, e o nó em sua garganta apertava-se, e as lágrimas ameaçavam rolar. Baekhyun não podia ficar mais ali.
“C-com licença.” Baekhyun disse com dificuldade, levantando-se. “Eu estou satisfeito.”
“Já? A sobremesa é cheesecake de frutas vermelhas.” Sua mãe disse, mas Baekhyun balançou a cabeça negativamente.
“Mais tarde eu como um pedaço. Eu só quero descansar um pouco agora.”
“Ok, filho.” Seu pai disse. Baekhyun saiu como um raio do jantar.
Logo que Baekhyun fechou a porta atrás de si, um primeiro soluço seco escapou de sua garganta. O garoto cobriu sua boca com sua mão trêmula, sentindo as bochechas serem molhadas por lágrimas, os novos soluços silenciosos e abafados.
Baekhyun sentia que ele não existia para sua família. Ele sabia que seu pai não dissera aquilo com tal intenção, mas o sentimento era inevitável. Baekhyun existia se ele fosse de certa maneira, se ele permanecesse naquela caixinha em que ele nasceu. Baekhyun não existia se ele fosse qualquer outra coisa.
Isso não existe.
O garoto se livrou de seus óculos, esfregando seus olhos molhados com brutalidade, não se importando mais que ele chorava copiosamente. Não havia ninguém ali para ver ou limpar suas lágrimas, Baekhyun podia chorar e chorar. E ele chorava.
E o sentimento de invisibilidade tomava conta de si a cada segundo. Você não existe, Baekhyun. Não do jeito que queria. No fim, Baekhyun nunca poderia ser o que ele era. Existiam pessoas como Luhan e Taehyung, mas e todo o resto? Baekhyun só queria ser o garoto de saia rosa e maquiagem no meio da rua. Ele era louco por isso?
Com a visão embaçada pelas lágrimas, Baekhyun andou até seu banheiro, soluçando e respirando fundo. Ele sentia que estava sem ar, que estava aos poucos se sufocando. Abriu a gaveta do banheiro, procurando por calmantes. Mas tudo naquela gaveta estava tão bagunçado, e as mãos de Baekhyun a bagunçava ainda mais, empurrando objetos de um lado para o outro em meio a sua ansiedade e lágrimas.
E Baekhyun não encontrou calmantes. Ao invés disso, Baekhyun encontrou giletes novos e embalados.
Ele abriu o pacote de giletes e pegou um, deixando o resto de lado. Baekhyun recostou-se na parede e escorregou para o chão, observando o objeto em sua mão, as lâminas novas e reluzentes. As lágrimas que agora escorriam de seus olhos eram silenciosas, e suas fungadas eram escassas, vez ou outra cortando o silêncio do banheiro.
Sem pensar duas vezes, Baekhyun destruiu o gilete, separando as finas lâminas do corpo inútil e plastificado. Agora ele olhava atento por entre suas lágrimas para o metal entre seus dedos belos, sabendo que o que faria não tinha mais volta e colocava um fim no longo tempo que ele permanecera sem se machucar.
Quando Baekbeom viu pela primeira vez as finas linhas vermelhas nas coxas do irmão, os comprimidos alaranjados viraram rotina na vida de Baekhyun. Pílulas da felicidade. Aos poucos, não havia mais cortes, não havia mais o vermelho na pele alva. E então, ele deixou os comprimidos de lado também. Porque ele estava feliz. Apesar de as lágrimas e a dor serem constantes.
Mas agora tudo voltava com força. Tudo voltava de uma maneira ainda pior. Todas as inseguranças e medos, toda a dor interna que precisava ser transformada em dor física.
Baekhyun sabia que a pele imaculada seria manchada de novo.
E ele sabia que não devia fazer aquilo, mas em segundos as mangas de sua camisa estavam puxadas, deixando seu antebraço a mostra. Baekhyun alisou seu braço com a ponta de seus dedos, sabendo que em breve haveria ali marcas vermelhas e altas.
Baekhyun pousou a pequena lâmina sobre seu pulso, e o primeiro corte foi feito, lenta e dolorosamente. O garoto mordeu seu lábio e fechou seus olhos, expulsando mais lágrimas dali. Mas as novas lágrimas eram diferentes, eram lágrimas de dor e não lágrimas de palavras.
Ele moveu a lâmina em outro ponto, criando mais um corte. Pequenas gotículas de sangue saíam pelos cortes superficiais enquanto as palavras de sua família ecoavam em sua cabeça. Baekhyun odiava eles, Baekhyun odiava a si mesmo.
As lágrimas continuavam a cair, e Baekhyun soluçava criando mais cortes. O garoto se lembrava de quando os objetos cortantes precisavam ser escondidos de si, e talvez ele precisasse daquilo de novo. Ele simplesmente não queria parar, não queria soltar aquele pequeno metal, que de alguma forma trazia alívio por meio da dor. Baekhyun observava os diversos cortes feitos, novamente traçando seu braço com os dedos belos e sentindo o estrago que tinha feito ali.
Baekhyun lembrou de como estava feliz ao lado de seus amigos em um festival escolar entediante. Baekhyun lembrou de como ele ria com seus amigos e com Chanyeol. E seus pais e seu irmão eram capazes de acabar com aquilo em segundos, com palavras imprudentes e levianas. O garoto os odiou ainda mais.
Ele não saberia dizer quanto tempo depois, mas Baekhyun forçou-se a se levantar, últimas lágrimas sendo libertas. O garoto observou seu reflexo no espelho, seus olhos e nariz vermelhos pateticamente. Olhou para o braço e sentiu um leve formigar de dor remanescente. Baekhyun abriu a torneira de água quente e enfiou seu braço esquerdo por debaixo do fluxo d’água, suprimindo um grunhido de dor enquanto a água coloria-se fracamente com o sangue. Também lavou seu rosto, saindo rapidamente do banheiro e evitando seu reflexo.
Baekhyun olhou para o céu já escuro e para as poucas estrelas que o adornavam. Respirou o ar frio, decidindo que precisava sair de casa por um tempo. Precisava ficar completamente sozinho, ouvindo somente sua respiração e os uivos da noite.
Em pouco tempo, ele tinha sobre sua blusa um moletom largo. Baekhyun enfiou no bolso grande seu celular e seus cigarros, assim como um isqueiro, saindo rapidamente do quarto e esperando não encontrar ninguém em sua fuga.
Ele encontrou, no entanto. Hyoyeon.
“Onde você vai, Baekhyun?” Ela perguntou, olhos preocupados em seu rosto.
“Só vou dar umas voltas pela noite.” Baekhyun respondeu, colocando um falso sorriso em seus lábios. “Para clarear a mente.”
“Tem certeza?”
“Aham, eu sempre faço isso.”
“Ok.” Hyoyeon respondeu, mas ela parecia incerta. “Mas tente não demorar muito.”
“Pode deixar.” O garoto disse, começando a andar pelo corredor novamente. “Ah! Hyoyeon?”
“Sim?”
“Parabéns.” Ele disse. “Pelo aniversário de namoro.”
“Ah, obrigada.” Hyoyeon agradeceu sorrindo, mas Baekhyun sentiu certa resignação na voz da garota. E então ela desapareceu por trás de alguma porta.
Baekhyun seguiu seu próprio caminho, então, calçando os tênis rapidamente e saindo de casa. Ele escondeu seus fios bagunçados com o capuz do casaco e guardou a chave de casa em seu bolso, andando sem rumo. Logo, ele colocava seus fones de ouvido em suas orelhas, ouvindo qualquer playlist sugerida para ele.
Em passos de um flâneur, Baekhyun acabou chegando a estação de metrô. Ele entrou com passos calmos, observando os trabalhadores engravatados que almejavam o descanso no fim do dia. O garoto entrou em um metrô qualquer, não se importando em checar sua linha. Apesar de cheio, Baekhyun encontrou um assento ao lado da janela, onde ele podia observar as paredes cinzas sem vida e as eventuais luzes neon da cidade.
Baekhyun viu pessoas saírem e entrarem no veículo, mas ele continuava em seu lugar, ouvindo suas músicas e imerso nos próprios pensamentos. O metrô já tinha dado diversas voltas, mas Baekhyun não se importava. Sua cabeça continuava recostada contra o vidro frio, e suas mãos esquentavam-se dentro do bolso do casaco em contato com os poucos objetos que trouxera consigo.
E então uma nova pessoa se sentou ao lado de Baekhyun no metrô. O garoto olhou rapidamente para o lado por curiosidade, mas logo desviou seus olhos do desconhecido porque Baekhyun reconhecia aquele desconhecido. Porque aquele rosto era único demais para que ele se esquecesse.
O garoto que se sentara ao lado de Baekhyun era o punk charmoso com quem Baekhyun trocara sorrisos em um dia remoto.
E a julgar pelo sorriso nos lábios do garoto, o pequeno punk também reconhecia Baekhyun. Aquele sorriso divertido tinha que ser proposital.
“Você parece conflitado recostado contra essa janela esse tempo todo.” Ele disse, e Baekhyun permitiu que seus olhos se pousassem no garoto ao seu lado, tirando seus fones e segurando-os em seus dedos nervosos.
E então ele reparou nas diferenças. Os cabelos, antes castanhos, estavam agora tingidos em um laranja aconchegante. Ele não estava vestido em somente preto naquele dia, já que a camisa por baixo da jaqueta de couro era listrada em preto e branco. Os dedos ainda exibiam diversos anéis, e os olhos ainda sumiam quando ele sorria.
“Você parece um stalker.” Baekhyun respondeu, arrancando uma risada do garoto.
“Provavelmente.” Respondeu ainda sorrindo. “Primeiras coisas primeiro. Meu nome é Jimin.”
Um nome para um rosto. Jimin.
“Baekhyun.” Ele respondeu sem hesitar. Eles se olharam por alguns segundos, até que Jimin começou a falar.
“Ok, Baekhyun...” Jimin disse, testando o nome do outro em sua língua antes de perguntar. “Porque você está dentro desse metrô sem nenhum destino?”
“Se você teve tempo suficiente para perceber isso...” Baekhyun começou. “você também não tem destino.”
Jimin arqueou uma sobrancelha e sorriu levemente. Deu de ombros logo depois.
“Você me intriga.” Jimin disse. “Desde aquele dia. Minha estação passou e eu não consegui forças para descer.”
“Me sinto culpado agora.” Baekhyun falou, coçando sua nuca. “Eu só quero limpar minha mente.” Ele, então, respondeu a pergunta inicial do garoto.
“Existem lugares melhores para se fazer isso do que em um vagão de metrô.”
Baekhyun não respondeu, dando de ombros e olhando brevemente pela janela. Ele nunca fora muito bom em manter conversas, mas Jimin parecia tomar conta de sua falta de habilidade.
“Posso escutar o que você estava ouvindo?” Jimin inquiriu, apontando para os fones nas mãos de Baekhyun.
“Aham, claro.”
Jimin colocou os fones em suas orelhas, e logo um sorriso surgiu em seu rosto pueril. Baekhyun não percebeu, mas um sorriso discreto também surgia em seu rosto.
“Metric.” Jimin disse, devolvendo os fones a Baekhyun. “Eu gosto deles.”
“Eu também.”
“Posso te levar para um lugar?” Jimin perguntou de repente, assustando Baekhyun.
“Eu posso confiar em você?” Baekhyun perguntou, mesmo sabendo que não era a pergunta certa a se fazer.
“Isso só você pode me dizer.” Jimin respondeu, sorrindo largo novamente. E era difícil dizer ‘não’.
“Se você for um stalker bizarro que me matar, eu vou te assombrar quando virar um fantasma.” Baekhyun disse.
“Feito.” Ele respondeu. “Te aviso quando nossa estação chegar.”
No fim, Jimin e Baekhyun acabaram em uma loja de conveniências vazia em um bairro afastado do centro, onde índices de violência eram mais altos e onde lendas urbanas aconteciam. Crianças tinham medo dos alienígenas daquele bairro.
“Aqui é melhor do que um metrô?” Baekhyun provocou, enquanto Jimin andava entre as prateleiras de produtos.
“Calma, apressado.” Jimin respondeu. “Só paramos aqui para comprar o necessário.”
“O que é necessário?”
“Isso!” Jimin exclamou, apontando para as bebidas dispostas na prateleira.
“Ok, mas...” Baekhyun sussurrou. “quantos anos você tem?”
“Dezesseis.” Jimin respondeu em um tom de voz mais baixo, checando se a garota atrás do caixa não o ouvira.
“Eu tenho dezessete, então como você está planejando...” Baekhyun começou, mas interrompeu-se assim que Jimin tirou uma identidade do bolso de sua calça.
“Eu tenho os meus jeitos...” Jimin falou, analisando as garrafas e seus líquidos âmbar. “Conhaque barato sempre é bem vindo.”
O garoto disse, escolhendo uma garrafa no meio da grande variedade. Ele sorriu para Baekhyun, olhos transformando-se em meias luas.
“Pegue alguns chocolates, Baekhyun. Chocolates também são bem vindos.”
Baekhyun fez o que foi pedido, escolhendo variados chocolates, e logo os dois garotos estavam no caixa. A garota olhou para a garrafa de conhaque e para os dois, pronta para questionar sobre a validade de suas idades. Mas Jimin sorriu e piscou para ela, e o rubor em seu rosto dispensou o uso da identidade falsa.
“Para o nosso destino agora!” Jimin exclamou assim que eles saíram da loja, sacolas de papel em mãos.
Jimin o levou para uma praça deserta no meio daquele bairro. Os postes de iluminação eram afastados entre si, e as árvores não estavam podadas. Havia folhas no chão e bancos de pedra espalhados. E apesar do clima frio e perigoso, Baekhyun não estava com medo.
Ele estava sentindo cada momento daquela nova experiência.
Os dois se sentaram sobre a grama, perto de uma grande árvore. Baekhyun abriu um pacote de chocolate amargo enquanto Jimin lutava contra a garrafa de conhaque. Eles dividiram mordidas no chocolate e goles no conhaque em silêncio, sentindo o vento frio que castigava aos poucos a cidade ao redor deles.
“Eu amo esse lugar.” Jimin disse, mastigando um pedaço do doce. “Dá quase para ver a cidade toda... E quando está estrelado é ainda melhor. Tá vendo aquilo?” Ele apontou, e Baekhyun assentiu. “É uma roda gigante.”
“É calmo.” Baekhyun disse, tomando mais um gole da bebida amarga. Ele já sentia seu corpo mole e sonolento, mas a mistura do álcool com o doce era boa demais.
“Você mora por aqui?” Baekhyun perguntou por curiosidade.
“Não, na verdade moro do outro lado da cidade.” Jimin explicou. “Mas esse lugar me cativa.”
“Você é bem carinhoso para um punk, Jimin.” Baekhyun disse, e Jimin riu alto, pegando a bebida para si.
No escuro, Baekhyun mal conseguia ver o rosto de Jimin. Ele só podia imaginar o sorriso e os olhos desaparecidos. Uma feição que ele tinha visto tão pouco, mas que já parecia tão familiar.
No escuro, sua coxa direita encostava na coxa esquerda de Jimin. Seus braços se encontravam quando eles passavam a bebida ou o chocolate. Seus sorrisos eram refletidos pelo outro.
No escuro, Baekhyun aproximou-se de Jimin até que seus lábios tocaram. Ele estava receoso, mas logo sua mão estava no pescoço de Jimin, roçando na gargantilha de veludo. Jimin largou a garrafa e pousou sua mão no quadril de Baekhyun, apertando de leve. Línguas encontraram-se com calma, sentindo gosto de álcool e de açúcar compartilhado.
E quando as bocas e os corpos se separaram, eles só sorriram em sua embriaguez.
“Me conte algo sobre você.” Jimin pediu, garrafa pressionada contra seus lábios de novo.
“Eu gosto dos seus lábios.” Baekhyun disse. Jimin sorriu contra a garrafa.
“Eu gosto de suas mãos.” Foi a frase de Jimin. Baekhyun encarou suas mãos no escuro.
E dessa forma, um jogo entre eles começou.
“Minha bebida preferida é café.” Baekhyun falou.
“Eu não tenho uma comida preferida.” Confessou Jimin.
“Eu gosto de tomar banhos com bombas da Lush.”
“Baekhyun, todos amamos bombas da Lush.”
“Eu estou apaixonado por um cara que não dá a mínima para mim.” Baekhyun explicou, suspirando. “Existe a possibilidade de ele ser hétero também.”
“Foi horrível quando perdi minha virgindade.” Jimin contou, deitando-se sobre a grama.
Não havia pena e não havia palavras de conforto. Porque ali estavam eles, dois garotos bêbados contando sobre seus gostos, seus medos, seus segredos. E era bom só falar sobre eles. Falar sobre eles sem que ninguém sentisse dó e pena.
“Meu braço está cheio de cortes.”
“Eu raramente consigo manter algo em meu estômago.”
“Eu queria que alguém se importasse.” Baekhyun suspirou, sabendo que a cada segundo ele ficava mais depressivo.
“Eu queria um cigarro.” Jimin disse. “Porque a gente não comprou?”
“Não se preocupe.” O outro respondeu, mexendo no bolso do moletom e encontrando o maço e o isqueiro.
Baekhyun colocou um cigarro entre seus lábios e outro entre os lábios de Jimin. Fumaças acinzentadas saíam de suas bocas a cada tragada, dois pontos de luz em uma noite escura e triste.
“Eu te amo.” Jimin disse entre um gole e uma tragada.
“Eu também te amo.”
“Isso é bom.” Jimin tornou a falar, após um silêncio cortante.
“Isso é muito bom.”
Falavam do cigarro, do conhaque, do chocolate. Falavam do momento e da companhia. E apesar de fazerem parte da noite escura e triste, estar ali era bom. Não se preocupar com nada era bom.
Libertar-se era maravilhoso.
No trajeto de volta, entre onze e meia-noite, Baekhyun adormeceu sobre o ombro de Jimin, que recostava sua cabeça na janela, segurando o resto dos chocolates em suas mãos. Nem um dos dois pediu por números de telefone, porque se voltassem a se encontrar seria por pura casualidade. Porque era preciso libertar-se. Porque valorizavam o efêmero. O momento e o piscar de olhos. O agora.
O metrô estava vazio e era uma extensão da praça vazia.
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