História Turn The Clock Back - Nascido para sofrer - pt. 3 (final)

A dor é desconfortável. Se fosse em outro momento, eu riria. Mas não posso fazer isso enquanto meu corpo protesta. Metade da sala está me encarando, e eu sei que deve existir alguma marca — chupão ou mordida — visível a esses olhos minuciosos. Um deslize ao sentar, uma careta, um resmungo, e toda a escola saberá de coisas que devem ser mantidas em segredo.

— Porra, Jimmy! — Brian reclama, quando sento-me ao seu lado na carteira, praguejando mentalmente todos os palavrões que conheço. Isso dói pra caralho. — Onde você conseguiu essa coisa no seu pescoço?

“Com o nosso melhor amigo.”

Dou de ombros, sem saber o que dizer. E, pela forma como minha colega bufa, eu sei que está irritada. Mas, afinal, o que ele quer que eu diga?

“Ah, foi o Matt. Sabe como é, ainda estamos nessa coisa de “amizade colorida”, e ele gosta de passar lá em casa as vezes para aliviar a tensão. Então, você poderia me emprestar um lápis? Não tive tempo de arrumar os materiais porque acordei atrasado.”

Embora a vontade seja grande, não posso dizer isso. Não posso arruinar minha amizade com Matt, não posso fazer Briana pensar que eu sou uma vadia — mesmo que seja dessa forma que eu me sinta —, e, definitivamente, não posso deixar que ele descubra que estou perdidamente apaixonado por um cara com quem ando transando nos últimos dois anos; um cara que só parece me procurar quando sua namorada não quer nada (e isso é absolutamente incoerente: quem, em sua sã consciência, não gostaria de transar com Matthew?).

Ao meu lado, Brian desvia os olhos, e, pela forma como suas mãos estão cerradas, eu sei que está irritado comigo. Mas, afinal, o que eu poderia esperar? Nós não temos segredos, ou, ao menos, não costumávamos ter. Se não me conhecesse, ele pensaria que estou fazendo algo ilegal, ou que me meti em uma furada. Mas se até mesmo quando eu roubava garrafas de whisky do Johnny’s Bar e tinha que fugir do dono enfurecido ele era meu álibi, por que agora eu esconderia algo do tipo?

Não. Minha amiga é esperta demais para deixar passar detalhes como esse. Ela sabe que se estou tentando a todo custo esconder, por mais óbvio que esteja, deve ser algo realmente podre.

Acredite: Briana odeia coisas podres.

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Quando o sinal do intervalo bate e Brian me abandona na sala, eu sei que essa raiva vai demorar a passar. E me sinto estranho ao levantar e caminhar sozinho em direção ao refeitório, porque isso nunca aconteceu antes. Independentemente do que quer que tivesse acontecido entre nós antes, Brian nunca me deixou para trás.

Porra. Minha vida é mesmo uma desgraça! Como se não bastasse perder a cada dia mais o cara que eu amo, agora vou perder meu melhor amigo também?! Puta que pariu!

Esse é um daqueles momentos em que eu tenho vontade de socar o chão, a mochila, o primeiro que aparecer na minha frente! Por que tudo não pode acontecer como nos filmes? Por que Matt não pode se apaixonar por mim, nossos melhores amigos assumirem um namoro, Johnny encontrar uma garota legal, e tudo se resolver num grande pote de sorvete de morango na frente da TV?

…

Eu deveria parar de assistir seriados adolescentes. E dar um tempo no sorvete.

…

É. Eu definitivamente preciso dar um tempo no sorvete.

xxxxx

— Os caras vão na sua casa hoje? — é o que pergunto em tom casual, tentando quebrar o silêncio, quando estamos voltando para casa. Ele mora a poucas quadras de distância, então, até certo ponto podemos seguir pelo mesmo caminho.

Ele não responde. E eu?

Bem, eu perco a paciência.

— Vai ficar dando ataque de diva até quando, Brian?

Ele para de andar, e eu paro ao seu lado. Meu amigo parece ponderar por alguns instantes, antes de se voltar pra mim, e seu olhar está carregado de raiva. Se não fôssemos amigos há tanto tempo, sei que nesse momento ele estaria me quebrando na porrada — o que não é exatamente algo reconfortante.

— Ataque de diva? — Brian ergue uma sobrancelha. — Puta que pariu, Jimmy! Ontem mesmo você estava em casa, e eu posso garantir que não tinha marca nenhuma no seu pescoço. Fica se atrasando, não liga, não presta mais atenção em nada… Fica de segredinhos com tudo e com todos… O que é que está acontecendo, cara?

Engulo em seco. Por um insano segundo, considero a possibilidade de contar a ele o por quê disso tudo, como a situação escapou completamente do controle, e a maneira como eu não sei lidar com isso.

Mas eu não posso. Porque a vergonha é maior, porque o medo é maior. Se eu contar, não há só uma grande probabilidade de os outros caras ficarem sabendo, mas também de Brian ficar com raiva de Matt. Eu não quero ser o responsável por destruir tudo o que temos até agora, eu não quero ser um carrasco.

Quando foi que tudo se tornou tão complicado?

— Está com ciúmes? — estupidamente pergunto, forçando um sorriso de canto.

Brian quer me matar; eu tenho certeza disso. Ele suspira, como que desistindo, e me dá um sorriso sarcástico. Parece cansado.

— Você é um cínico do caralho, Rev.

E assim, sem nada mais a dizer, ele vira as costas para mim e atravessa a rua. Observo enquanto o filho da puta caminha, se afastando cada vez mais até desaparecer na esquina.

É a segunda vez que ele me deixa para trás hoje, em um claro aviso de que vai me ignorar até cansar do assunto; ou não cansar, e esse é o problema. Brian não vai esquecer — ele nunca esquece —, e na primeira chance que tiver, vai arrancar isso de mim. Aí, já era. Fodeu minha vida, fodeu a vida dele, fodeu a vida do Matt, fodeu a vida de todo mundo! Se bobear, fodeu até com a nossa amizade.

Caralho de situação!