1. Spirit Fanfics >
  2. Um alguém especial >
  3. 8

História Um alguém especial - 8


Escrita por: FrancisClay

Notas do Autor


Boa tarde meninas...enfim quinta feira...hum tinha algo a fazer hoje....ah lembrei...mais um capitulo como prometido....rsrsrsrs...Brincadeiras a parte vamos a história. Boa leitura

Capítulo 8 - 8


— Soube do seu papelão no hospital. Dê graças a Deus por eu estar fora da cidade ou você levaria uma bronca digna de um Óscar. – meu pai está furioso do outro lado da mesa de jantar. Meus avós estão calados, olhando para seus pratos.

— Desculpe, pai.

A fofoca corre solta em Paraty. Esse é o problema das cidades pequenas e foi um dos motivos pelos quais optei por me mudar. Nada passa despercebido, não há onde se esconder.

Meu pai tem razão, foi um papelão. Para quem gostaria de passar uma imagem profissional, de uma mulher bem resolvida, ferrei com tudo na primeira oportunidade.

O jantar transcorre sob um silêncio aterrador. Ajeito-me na poltrona, desconfortável com a situação. Pedi desculpas, mas não sei se surtiu algum efeito. Meu velho está muito puto e não ouso dizer mais nada para inflamá-lo.

Mas então, ele deixa os talheres caírem ruidosamente sobre o prato e seu olhar me invade, como uma tsunami mortal.

— Tomei uma decisão, Marina. A partir de amanhã, trabalhará com os seus avós aqui na pousada. Não quero mais os seus serviços, portanto, não dê as caras lá no hospital.

— Pai! – levanto-me, boquiaberta. Parto em minha defesa, mas ele não quer escutar meus argumentos.

— Já decidi. No hospital você não trabalha mais.

— Eu estou com o projeto pronto, fiz um ótimo trabalho! Por favor, pai, me dê mais uma chance.

— Não! Estou cansado, Marina. Juro por Deus, pensei que sua estada em São Paulo tivesse mudado essa sua cabeça oca. Você me decepcionou e muito. – ele se levanta e caminha na minha direção, estendendo-me um envelope com o logotipo do hospital. – Eis aqui o resultado do seu exame de sangue. Com o nível de álcool encontrado no seu sangue, fico surpreso por você não ter entrado em coma.

Pego o envelope com a mão trêmula e meu pai sai da sala de jantar, deixando-me a sós com meus avós. Meu corpo cai pesado sobre a poltrona e meus olhos ficam marejados de imediato.

Eu o decepcionei, de novo.

— O que acha de darmos uma volta pela orla? – meu avô limpa os lábios e deposita o guardanapo de linho branco sobre a mesa.

— Não estou a fim de conversar, vô. – respondo, infeliz.

— Sem problemas. – ele arrasta a poltrona e se levanta. – Ainda assim, não gostaria de conduzir esse velho numa caminhada para digerir essa comida toda? Adoraria a companhia da minha neta.

Busco o olhar da vovó. Ela me lança um sorriso contido e balança a cabeça, pedindo que eu vá.

Suspiro alto e não tenho como recusar. Aceito, um tanto relutante, esse passeio à beira mar.

 

                                                                                          ≈≈≈

 

Caminhamos a esmo, num silêncio reconfortante. Meu avô anda vagarosamente e eu tento acompanhar seus passos imprecisos. A noite já caiu faz algum tempo e uma lua esplêndida nos banha com sua luz dourada e um tanto sentimental. Adoro as noites de lua cheia em Paraty, me lembram daquele luau, do beijo que saiu errado.

Vejo um cara correndo sem camisa em nossa direção. É um moreno alto, bonitão, com ares de atleta. Reconheço-o de algum lugar do meu passado. Quando se aproxima, noto que também me reconhece. Ele diminui o passo e sua face estampa uma real surpresa.

— Marina! Que bons ventos a trazem?

— Oi, Guilherme. Estou de volta. – aliso os cabelos dourados para trás das orelhas.

— Para ficar?

— É bem provável. – respondo, sem muita certeza na voz.

— Poxa, que notícia bacana. – ele mira meu avô e o cumprimenta. – Caramba, Nina, faz muito tempo, não?

— Uns dez anos, eu acho. – meu sorriso é forçado. – Ainda morando aqui?

— Acabei voltando quando herdei o bar do meu velho. Lembra do lugar? – confirmo com a cabeça. – Quando estiver de bobeira, dê uma passada por lá. Cerveja por conta da casa.

Meu estômago dá loopings afetados quando penso em álcool.

— Pode deixar, Gui.

— E cara, uau, você continua linda. – ele morde o lábio e me dá uma geral com os olhos. – Bom ver você, Nina. E boa noite, seu João.

— Boa noite, Guilherme.

O saradão volta para sua corrida noturna e tenho a sensação de que agora que o silêncio foi quebrado, meu avô tomará as rédeas da situação. Dito e feito. Ele inicia um sermão daqueles, onde depois do tapa, assopra o local.

Meu avô tem razão em cada palavra proferida. Escuto pacientemente seus conselhos e entramos num acordo. Provarei ao meu pai que cresci, que sou digna de sua confiança. Como farei isso? Rá, eu também adoraria saber.

Quanto ao Guilherme, não senti absolutamente nada ao vê-lo. O cara está o maior gato, como sempre foi. Mas não passa disso, nunca passou. Ainda não sei onde eu estava com a minha maldita cabeça.

Voltamos para a pousada e estou jogada na cama, colocando Vanessa a par dos últimos acontecimentos tenebrosos. Sério, não sei como ela aguenta minhas lamúrias frequentes. Mas seja o que for, lá está ela, sempre pronta para me detonar e logo em seguida, aconselhar-me como só uma melhor amiga pode fazer.

Alguns dias se passaram.

Meu pai conversa comigo apenas o necessário e finjo não estar ressentida. Sei que mereci ser demitida do meu emprego temporário, afinal, não fiz juz à confiança que ele depositou em mim.

Dois casais de turistas canadenses chegaram hoje à pousada e estão apenas de passagem. Nesses dois dias de visita à Paraty, solicitaram ao meu avô uma intérprete, alguém que conheça a cidade. Óbvio que fui cogitada para servir de babá e aceitei prontamente. Meu inglês é aceitável e conheço essas paragens como poucos.

Faremos um tour pela cidade histórica amanhã e, no dia de hoje, sairemos num passeio de lancha pelas ilhas mais famosas. Os gringos curtiram o meu roteiro, principalmente o almoço num restaurante típico, situado numa aldeia de pescadores longe o bastante da costa.

Estou com a mochila a tiracolo: toalha de praia, protetor solar fator 60, um borrifador de água termal para o rosto, barrinhas de cereal, um cantil com água, spray para manter os insetos bem longe, uma troca de roupas e outros apetrechos de primeira necessidade.

— Soube que uma tempestade se aproxima. Fique de olho no horário. – meu avô adverte. – De acordo com a meteorologia, deve chegar a Paraty no fim da tarde.

— Certo. Mas fique tranquilo, estarei com o Guigo. Se o tempo fechar, ele saberá o que fazer. Guigo é um amigo de longa data dos meus avós. Possui uma lancha charmosa para passeios com turistas endinheirados. Seu pai é dono do restaurante no qual faremos a parada para o almoço. Aliás, meu avô passou um rádio para lá, fazendo o pedido de antemão. A truta demora algumas horas para atingir o ponto certo e quando chegarmos, estará pronta para ser servida.

O dia está lindo e não acho que cairá tempestade alguma. A lancha Oceanic de 32 pés, com popa longa, reluz de tão limpa. Está repleta de engradados de cerveja, água e vejo também alguns destilados no cockpit, que aliás, está todo reformado, com um novo sofá florido de quatro lugares.

Guigo nos apresenta as duas cabines. A principal possui uma cama de casal e um guarda-roupas embutido. A outra mantém dois beliches e mais nada. A cozinha é bem equipada, mas tão pequena que só cabe uma pessoa por vez. É lá que encontro sua esposa Michele, preparando camarões graúdos empanados. O aroma me faz salivar.

Meu inglês colocado em prática até que não soa ruim. Entendo perfeitamente o que dizem e não preciso me esforçar muito nas respostas. Engatamos uma conversa inteligente sobre as desigualdades sociais no Brasil. Esse é um assunto controverso, que não se esgotará tão cedo. Sendo assim, abro uma garrafa d’água – resolvi parar de beber para sempre – e me sento na proa, debatendo as possíveis causas e as soluções para esse país que, na minha opinião, ainda é o melhor lugar do mundo para se viver.

 

                                                                                          ≈≈≈

 

Chegamos a Ilha Grande após um trajeto de quase uma hora e meia. Esse é um dos pontos altos do passeio, afinal, os gringos enlouquecem com a natureza e as histórias desse lugar que já foi refúgio de piratas, hospital de quarentena e também abrigou um presídio de segurança máxima, assim como Alcatraz. Se não me engano, a colônia penal foi desativada em meados de 1994 e então, aberta ao público para visitação.

Reserva da Biosfera da Unesco desde 1992, essa ilha é rodeada por cem praias de areias branquinhas e águas verdes translúcidas, recoberta por quilômetros de Mata Atlântica protegida.

Não há estradas por aqui, portanto, os carros são proibidos. Esse é um lugar daqueles bucólicos, onde as pessoas nem possuem relógios ou celulares. É como uma viagem no tempo, algo que eu adoraria fazer para quem sabe, consertar as milhões de burradas ao longo da vida.

Após a visitação, partimos para o almoço numa pequena aldeia de pescadores a poucas milhas náuticas daqui. O sol está a pino e meu protetor solar não dá conta do recado. Coloco um chapéu sobre a cabeça e fecho os olhos, deixando-me devanear através do forte vento ocasionado pela velocidade da lancha.

O almoço estava divino, como sempre. Os gringos estão embasbacados com as inúmeras possibilidades nesse país gigantesco, rodeado de belezas naturais impossíveis de serem reais.

Os dois casais de canadenses devem ter a minha idade, talvez um pouco menos. São divertidos e as horas estão passando bem rápido, aliás, assusto-me quando Guigo diz que já são cinco da tarde.

Nesse momento, um raio rasga o céu em duas partes.

Nos entreolhamos, em dúvida. Temos uma hora e quarenta minutos de mar para chegarmos a salvo na costa. Guigo entra em contato com a Capitania dos Portos e somos pegos de surpresa quando dizem que o mais sensato é permanecermos na ilha até a tempestade passar.

Só me faltava essa.

Passo um rádio para a pousada e sou repreendida de imediato pelo meu avô. Ele brada do outro lado, dizendo que havia me avisado para ficar ligada no horário. Caramba, eu me distraí, só isso.

— Agora se vire e arrume um lugar para essa turma ficar. Converse com o pai do Guigo, deve haver alguma casa desabitada para passarem a noite. Câmbio.

— Vô, nem pensar em dormir aqui! Câmbio.

— Marina, nem cogite a possibilidade de voltarem à noite. Se fizer isso, darei umas boas palmadas nessa sua bunda. Câmbio final.

Merda!

Mas então, entre lamentações resignadas, eis que alguém entra no restaurante, completamente ensopada. A chuva cai aos montes do lado de fora e nem imagino o que ela esteja fazendo por essas bandas. Gente!!!! Os céus estão de brincadeira comigo, e com certeza não irão facilitar minha miserável vida.

Engulo o ar com dificuldades. Acho que estou tendo uma parada cardíaca. Meu corpo estremece e sinto como se a pressão tivesse caído, juntamente com a temperatura. Meu corpo está todo alerta. Como a simples presença de alguém pode desestruturar todo meu ser??? Sinceramente gente, não consigo explicar o que acontece quando estou próxima da Clara....Ah Clara....minha Clarinha....redireciono meu olhar novamente a ela e Deus!!!! Clara está estonteante, vestida toda de branco e sua blusa, agora molhada, cola-se ao seu peito de maneira inoportuna. Joga os cabelos úmidos de lado e estou quase desfalecendo com o gesto altamente sedutor.

Ai, droga, estou arfando.

Nossos olhares se cruzam em meio a nuvens elétricas. Seu semblante espantado denota que também não imaginava me encontrar por aqui, ilhada. Relâmpagos iluminam a escuridão do início da noite. O gerador está funcionando ruidosamente e só por esse motivo temos alguma claridade por aqui.

Clara e Guigo iniciam uma conversa ao longe. Assim como nós, está óbvio que ela também foi pega desprevenida e está presa. Uma curiosidade começa a latejar por mais detalhes, mas me seguro no lugar.

— Arrumaremos um lugar para passarem essa noite. – a mãe do Guigo inicia, entrando no meu campo de visão. – Temos uma casa fechada, ao lado da nossa. É pequena, o gerador está quebrado, mas é melhor do que nada. Tem uma suíte grande e uma cozinha mínima, mas colchões não faltam.

Dou uma boa olhada para a tempestade que despenca do lado de fora do restaurante. Realmente não há outra saída, teremos que ficar por aqui até amanhã.

— Obrigada, Mercedes. Pelo visto, não é seguro ficarmos na lancha. – suspiro vagarosamente. – E não se preocupe com mais nada, nós nos viramos.

— Vou preparar algo para comermos e então subimos para dar uma ajeitada nas coisas. Devo ter velas em algum lugar por aqui.

Sigo até a cozinha e ajudo com o jantar. Vez ou outra dou uma bisbilhotada no salão, apenas para confirmar que Clara ainda está lá. Numa dessas olhadelas, flagro-a me encarando. Ela desvia rapidamente o olhar e acabo de sorrir, satisfeita. É ...tem certas coisas que nunca mudam. Me sinto poderosa nesse instante. É nítido que eu também mexo com suas estruturas.

                                                                         ≈≈≈

E a chuva não dá trégua.

O jantar foi servido e não troquei palavras com Clara. Estava atarefada demais, indo e vindo da cozinha a todo o momento. Quando faço menção em lavar as louças e panelas, as canadenses não permitem, assumindo os afazeres. Agradeço e tiro o avental, pendurando-o próximo ao fogão.

Com as tarefas terminadas todos, menos eu é claro se juntaram ao redor de uma mesa e o poker está rolando solto, com direito a apostas e tudo o mais. Passo por eles a caminho da varanda, lançando um olhar furtivo para Clara.

O aroma da chuva é delicioso. Apoio a lateral do corpo numa grossa pilastra de madeira e assisto ao espetáculo elétrico. Adoro tempestades como essa, são tão parecidas comigo… imprevisíveis. Sinto uma aproximação às costas. Pelo aroma de orvalho com toque amadeirado que encanta meus sentidos, já sei de quem se trata. Não me viro para fitá-la. Continuo ali, estática, absorvendo os ares noturnos e aquela entorpecente brisa marítima. Mais Deus... por mesmo ela tinha que vir aqui...Ceus!!! que tortura....que perfume...ela não poderia simplesmente facilitar um pouquinho a minha miserável vida. Afinal estamos ilhadas aqui nesse lugar minúsculo e  as opções não são muitas. Ou eu tento me segurar ao seu lado ou corro desesperada pela chuva torrencial correndo o risco que um raio me parta a meio, pensando bem não seria má idéia... Ai Deus!!!! Estou em apuros...com certeza. E enquanto me debato com pensamentos contraditórios sou arremessada novamente a realidade com sua aproximação nível 1000 de perigo alerta vermelho.

Clara escora as mãos no parapeito de madeira ao meu lado. Meu coração se descontrola, assim como a respiração. Não quero que ela perceba o quanto mexe comigo e por isso, resolvo começar a falar para ocupar a mente:

— O que veio fazer na ilha? – giro o pescoço e preciso olhar para cima, a fim de encará-la nos olhos.

— Lembra-se do garoto que deu entrada no hospital? Aquele com fratura exposta? – meneio a cabeça, afirmativamente. – Pois então, hoje é meu dia de folga e vim para uma visita domiciliar. Seu pai comprou um barco para consultas desse tipo, totalmente gratuitas.

Apesar de sermos um hospital particular, ele não abre mão de atender parte da população carente. Esse é o diferencial dele, seu velho é um homem no qual vale a pena se espelhar.

— Uau. – o que dizer depois dessa explanação romântica e um tanto utópica? Meu pai sempre fez o tipo super-herói dos fracos e oprimidos, mas não sabia até que ponto isso era verdade. Um tanto orgulhosa do meu velho, sorrio num júbilo incontido. – Nenhuma boa ação fica impune. – acabo de citar Clara Boothe Luce, apontando para o céu tempestuoso.

— Exatamente. – ela me lança um meio sorriso. – Agora estou presa aqui após minha boa ação do dia.

Ficamos caladas por tempo indeterminado. Volto a fitar o céu, com seu espetáculo pirotécnico a lançar raios prateados pela escuridão. Penso em algo para dizer e reinicio a conversa:

— Encontrei com o Guilherme.

— Ele me disse. – Clara revela.

— Ele disse? – fico surpresa. – Pensei que a amizade tivesse terminado.

— Por algum tempo, apenas. Mas acabamos nos entendendo, as mágoas foram esquecidas. De nada adianta ficar remoendo o passado. – sinto uma alfinetada nessa afirmativa.

— Legal pensar assim. – traço círculos invisíveis no chão, com a ponta do meu chinelo.

— Ele é um cara legal e ainda está solteiro.

O que a Clara está tentando dizer com isso? Perplexa e ofendida, lanço um olhar matador em sua direção. Ela recua quando nota que estou prestes a explodir.

— O que está fazendo? Tipo, dando uma de cupido, é isso? Eu e o Guilherme não temos nada a ver, aliás, nunca tivemos. O que aconteceu há dez anos não foi nada além de um lapso, um grande erro. Então por favor, nem pense em algo assim.

— Foi um erro? – ela questiona, com uma carinha de cão sem dono que me derrete por dentro.

Mas continuo durona, cruzando os braços sobre o peito.

— Sim, um grande e gravíssimo erro. – concluo, numa certeza que reverbera pela varanda quando o silêncio recai novamente. E como não há nada mais a ser dito ficamos as duas observando a chuva cair até que o cansaço nos venceu e então caminhamos em silêncio para o interior do restaurante novamente pra que pudéssemos enfim descansar.

                                                                                        ≈≈≈

 

Munidos de guarda-chuvas, subimos por degraus cimentados até o casebre mais a frente. Dormiremos os seis no único quarto disponível. O fato é estranho por si só. Não conheço esses canadenses e estou pouco a vontade com a situação. Para minha sorte, não estou sozinha.

Jogamos vários colchonetes sobre o chão de lajotas vermelhas. Os gringos não estão nem aí com as péssimas condições e acabam caindo em qualquer lugar, adormecendo quase que de imediato.

Pego minha mochila e vou para o único banheiro do casebre. Tomo uma ducha gelada, já que não temos eletricidade. Visto roupas limpas e por sorte, lembrei de pegar minha necessaire com escova de dentes, pasta e fio dental. Vasculho a procura do pente e encontro junto com o meu desodorante.

Infelizmente, não há uma sala e a cozinha é pequena demais para um colchão. Nesse caso, desisto de encontrar qualquer saída para a situação na qual estou metida.

Quando chego ao quarto, noto que o único lugar vago é ao lado de Clara. Ela ainda está acordada, apenas de top e uma calça justa a seu corpo deixando a mostra sua barriga sarada e as mãos atrás da cabeça. Fita o teto, como se estivesse enxergando através da estrutura.

Há uma vela acesa. Ela tremula com o ar úmido que entra pelas frestas da janela. Estou congelada no lugar, sem saber o que fazer. Se ela percebe minha intranquilidade, não diz absolutamente nada.

Os canadenses já estão num sono profundo quando deixo minha mochila sobre uma cadeira. Tiro os chinelos e caminho sem fazer barulho até o colchão recostado na parede lateral.

Só então Clara se dá conta da minha presença.

— Quando acordei essa manhã, nunca poderia imaginar que o dia terminaria assim. – ela murmura.

— Sei o que quer dizer. – sussurro em resposta.

— A água do chuveiro está muito fria?

— Glacial.

— Ótimo, estou precisando. – ela se levanta em direção ao banheiro, lançando um último olhar na minha direção antes de sumir através do umbral.

                                                                                                  ≈≈≈

 

Os únicos dois lençóis disponíveis, cedemos para os gringos. Eu disse que o frio é psicológico e eles acabaram aceitando de bom grado. Psicológico uma ova! Estou tremendo por aqui e quando Clara volta ao quarto, me encolho no cantinho, fechando bem os olhos.

Estou vestindo uma regata branca e um short jeans por cima do biquíni. Sinto os pelos do corpo arrepiados. Não há cortinas na janela e a brisa gélida entra com tudo, bem às minhas costas. Essa será uma noite longa e difícil, pelo visto.

Escuto quando Clarinha sai do banheiro, olho furtiva e percebo que também trocou suas roupas, agora está perfeita numa bermuda colada a seu maravilhoso corpo e veste uma camisa que imagino ser de Guigo pois não faz seu estilo sedutor. Ela apaga a chama da vela com um sopro. Ouço quando deita ao meu lado e se espalha. Nossos colchonetes estão separados por uma distância de apenas alguns centímetros.

— Sei que está fingindo.

— Não estou. Apenas quero dormir. – respondo, acima do retumbar de um trovão.

— Está com frio? – ela sussurra a pergunta.

— O que acha? – rebato, levemente irritada.

O barulho da chuva sobre o telhado é ensurdecedor. É como se milhões de pregos estivessem martelando na minha cabeça. E tem esse vento gelado, que corta minhas costas, me causando calafrios.

Sobressalto-me quando sinto seu braço se esticar sob meu pescoço. Os colchões agora estão unidos e quando dou por mim, minha cabeça está aninhada em seu peito quente e aconchegante, estou no paraiso.

Agora ferrou de vez.

Minha mão esquerda resolve ter vida própria e, contrariando todos os meus comandos mentais, se aconchega sobre aquele peito de pele macia e cheirosa.

Seguro a respiração por alguns segundos. Estou dura como uma pedra. Mas então, ela quebra o gelo quando acaricia meus cabelos, como fazia quando dormíamos juntas.

Sim, dormimos várias vezes juntas.

Como se eu fosse uma mulher-bala, sinto que acabo de ser atirada em direção ao passado. Flashes de memórias me vêm à mente num turbilhão desenfreado. Tenho que me conter, eu preciso ser forte!

— Ainda está com frio? – ela sussurra, ao pé do meu ouvido. Seu hálito quente deixa rastros em meu pescoço e acho que acabo de ofegar. Eu vou perder o controle, estou sentindo.

— Não mais. – respondo e me seguro para não fazer uma bobagem.

— Durma bem, Nina.

— Você também. – balbucio e cerro bem as pálpebras, pedindo a Deus que eu apague nos próximos minutos.


Notas Finais


Por hoje é isso. Espero que gostem...Ate quinta meninas.
Um bom fim de semana a todas.
Bjos
Fuuuuiiiiii


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...