― Você está nervoso? ― Bronn perguntou ― Nervoso por reencontrar o filho da puta do seu irmão?
Jaime, que estava cavalgando ao lado do mercenário, não se deu ao trabalho de olhar em sua direção.
― Cuidado com a língua, pois Tyrion e eu nascemos do mesmo ventre. ― dignou-se a responder.
Enquanto atravessava o acampamento para se encontrar com o irmão, Jaime pensou o que a Senhora Joanna Lannister faria ou diria se estivesse viva, vendo o que se deu com cada um de seus filhos. Cersei era a autoproclamada Rainha dos Sete Reinos e sentava no Trono de Ferro naquele exato momento. Tyrion era Mão da outra Rainha, filha da dinastia que os Lannisters ajudaram a derrubar, lutando, desta forma, do lado oposto à família. E Jaime? O que Jaime era? Nem ele mesmo sabia àquela altura. Era irmão da Rainha? Amante da Rainha? Senhor de Rochedo Casterly?
O Leão de Lannister havia sido parte da Guarda Real por mais da metade da sua existência e não tinha ideia do que fazer da vida agora que não era mais um Manto Branco. Agora era o Senhor de Rochedo Casterly, Escudo de Lannisporto e Protetor do Oeste, tal como seus antepassados foram antes dele; mas não gostava daquilo, as palavras não soavam bem aos seus ouvidos e tampouco fáceis à sua língua.
Quando finalmente estavam próximos ao local neutro onde haviam marcado, no topo de uma colina que ficava próxima à Jardim de Cima, Jaime pôde ver o estrago que as grandes bestas cuspidoras de fogo causaram. Grande parte da área que cercava o castelo estava queimada e, em alguns pontos, era possível ver algumas labaredas ainda arderem. Centenas de homens jaziam mortos, e a grande maioria possuía queimaduras de variados graus e gravidade. O cheiro de carne queimada invadia suas narinas e fazia o estômago de Jaime embrulhar em ojeriza.
Os dragões, que tinham feito seu coração disparar no momento em que começaram a atacar – e que ainda lhe causavam um tremor interno – assentavam-se perante a destruição que causaram e comiam os corpos queimados que permaneciam ali. Eram criaturas enormes e os homens que acompanhavam Jaime evitavam inclusive olharem para eles, mas o Lannister os encarava; não porque tivesse medo, mas porque precisava encarar a destruição que a filha de Aerys II causara.
Após algum tempo, o irmão finalmente chegou para encontrá-lo. Era pequenino, como Jaime recordava, mas seu semblante havia mudado. Uma espessa barba loura que se emaranhava como arame e que era alguns tons mais escura que a cor do topo da cabeça do homem, cobria-lhe todo o rosto e lhe conferia um ar mais sério e pesado. O corpo de Tyrion permanecia tenso enquanto caminhava à frente dos famosos Imaculados, e ao seu lado vinha aquela que Jaime deduziu ser Daenerys Targaryen.
Desde que ouviu falar pela primeira vez sobre a existência da garota, e, principalmente após saber que a descendente da Antiga Valíria chegara em Westeros, Jaime sempre imaginou como ela seria. Teria herdado a loucura e o destempero de Aerys? A graça de Rhaegar? Seria mimado como Viserys? Apenas o tempo responderia aquelas perguntas, mas pelo que via naquele instante, notou que ela puxara toda a beleza de sua mãe, Rhaella.
― Irmão. ― Tyrion o cumprimentou ― É bom reencontrá-lo finalmente.
― Não posso dizer o mesmo, irmão. ― Jaime respondeu, sentindo o amargor tomar conta de sua língua ao pronunciar a última palavra.
O fato de Tyrion ter matado o pai ainda trazia revolta, e principalmente culpa a Jaime, afinal de contas foi ele quem soltou o caçula para que pudesse fugir. Mas o anão não podia ter parado por aí, claro que não. Precisava enfiar duas flechas no peito de Tywin antes de partir.
― Bem, nossas vidas nunca foram totalmente prazerosas e obviamente não iriam começar a ser logo agora. ― Tyrion rebateu com um sorriso que se repuxava em seu pequeno rosto disforme ― Vejo que Bronn anda ao seu lado agora.
― Os Lannisters possuem muitas dívidas comigo. ― o mercenário ao seu lado respondeu, de forma quase alegre ― Tenho que cobrá-las, porque nem sempre são pagas.
Tyrion assentiu com a cabeça, ainda sorrindo.
― Por mais que a conversa esteja agradável, creio que não viemos aqui para conversar e matar as saudades. Permitam-me que lhes apresente Sua Majestade, a Rainha Daenerys da Casa Targaryen, a Primeira de Seu Nome, Rainha dos Ândalos, dos Roinares e dos Primeiros Homens, Senhora dos Sete Reinos, Protetora do Reino e Khaleesi do Grande Mar de Grama. ― ele deu um longo suspiro ― São muitos títulos para apenas uma pessoa, não acham?
Jaime encarou a moça, que continuava impassível ao lado do irmão e escoltada por seus Imaculados.
― Finalmente conheço o famoso Regicida. ― ela finalmente lhe dirigiu a palavra, utilizando a palavra com visível desprezo ― Não se importa de ser chamado assim?
― Pode me chamar do que quiser. ― Jaime respondeu, tentando mostrar que era forte.
― Não pedi sua autorização para lhe chamar de Regicida, não preciso dela. O Rei que assassinou era meu pai, por acaso esquece-se disto? ― ela retrucou, em tom de desafio.
Sim, finalmente Jaime pôde ver. Ali estava a arrogância de Aerys, estampada em cada palavra que saía da boca de sua filha.
― Jamais esqueceria. Foi o momento no qual impedi que o Rei Louco explodisse Porto Real e matasse milhares de inocentes. ― o Lannister tentou defender-se.
A jovem Rainha deu alguns passos à frente, sendo seguida pelos Imaculados.
― Sei bem, Lorde Tyrion contou-me a respeito disto, e acho que fez o que era necessário. Mas porque não faz o que é necessário agora?
― Como assim?
― Você sacrificou sua honra para impedir que meu pai praticasse o ato abominável, no entanto permitiu que a usurpadora que agora senta em meu trono fizesse exatamente a mesma coisa. Por quê? ― a Targaryen indagou.
Porque eu não amava e não fodia Aerys como eu amo e fodo Cersei, Jamie pensou em responder. Mas ele sabia que não era verdade. Não amava e tampouco fodia a irmã àquela altura, e a razão para que permanecesse ao seu lado mesmo quando todos lhe viraram as costas, fosse outra. A maldita culpa, por ter falhado com Myrcella e Tommen, permitido que os filhos morressem de uma forma tão tola agora lhe prendia à Cersei como um maldito fio de comando que liga uma marionete ao seu animador.
― Minhas razões não importam aqui. ― ele cortou o assunto ― O que quer de mim afinal?
Daenerys virou-se e encarou Tyrion por um breve momento, e ele assentiu com a cabeça.
― A Rainha quer que retire seus homens do castelo, dobre os joelhos e denuncie a farsa que acontece em Porto Real. Além de claro, liberar a Senhora Olenna Tyrell. ― o irmão lhe disse.
― E se eu não o fizer? ― Jaime perguntou.
― Meus filhos entrarão em cena novamente e queimarão o resto dos seus homens. Queimarão até Jardim de Cima se for necessário. ― Daenerys lhe respondeu.
O Lannister encarou Daenerys e enxergou toda a obstinação costumeira dos Targaryens. Ela não desistiria fácil, Jaime sabia disto, e não podia julgá-la por aquilo. Se possuísse três dragões e a motivação certa para continuar, também o faria.
― E Cersei? O que acontecerá com ela? ― ele indagou.
― Será julgada e provavelmente morrerá. ― a moça respondeu com naturalidade ― Os crimes que sua irmã cometeu são graves demais para permanecerem impunes.
A filha de Aerys só poderia ser louca como o pai por achar que Jaime permitiria que tocassem em um fio de cabelo sequer de Cersei. Apesar de já não amá-la como mulher, ela continuava sendo sua irmã, sangue do seu sangue e era seu dever protegê-la dos males e dos perigos, mesmo quando ela cometia tantas barbaridades...
― Nada feito. Não me renderei para que assassinem Cersei. ― ele decretou.
Tyrion rolou os olhos, visivelmente aborrecido pelo que escutara.
― Você ficou mais burro depois que eu parti? Você enviará centenas, milhares de homens para a morte para salvar... Cersei? ― o caçula pronunciou o nome da irmã com asco ― A mulher que assassina diariamente milhares de inocentes? Que armou a morte do nosso tio Kevan? Que...
― Você assassinou o nosso pai, Tyrion! ― Jaime elevou a voz, quase gritando ― Acha que tem algum direito de...
― Eu o matei porque ele era uma pessoa horrível e merecia morrer! Mesmo que não queira admitir, no fundo você sabe que ele merecia! ― Tyrion berrou ― E saiba que enquanto estamos aqui decidindo quem causou mais prejuízo à nossa família, a sua amada irmã e amante está fodendo Euron Greyjoy em troca de parte da frota que ele construiu! Enquanto você defende a puta, ela está abrindo as pernas para outro em Porto Real!
As palavras perderam-se na boca de Jaime ao escutar aquilo. Não conseguia acreditar que Cersei faria algo tão baixo para conseguir poder... Ou faria? A ambição e sede de poder haviam lhe cegado de tal forma que permitiria um pirata de quinta categoria frequentar a sua cama? Pelo muito que a conhecia, parecia algo provável.
― Como sabe disto? ― foi a única coisa que conseguiu perguntar.
― Varys e seus passarinhos sabem de tudo. Recebi a informação ainda pouco. ― Tyrion limitou-se a responder ― O Aranha disse que se fala até sobre um possível casamento.
Tudo fez sentido de repente. Cersei o enviara até Jardim de Cima com a intenção de que Jaime morresse e o caminho ficasse livre para ela e o maldito Greyjoy. Trocara uma parceria que existia desde a época em que dividiam o útero da mãe por um maldito trono que nem ao menos seria capaz de manter.
Jaime caiu de joelhos, sentindo a dor da traição tomar conta de seu peito. Pensou que talvez os Deuses apenas lhe faziam retornar a posição da qual nunca deveria ter saído.
― Curvo-me a Casa Targaryen e à Rainha Daenerys, Primeira de Seu Nome. ― ele disse ― Juro não levantar minha espada contra Vossa Majestade ou ajudar seus inimigos de qualquer forma que seja.
Tyrion respirou aliviado, enquanto um discreto sorriso de satisfação se formava nos lábios de Daenerys.
― Ótimo... Mas infelizmente não posso confiar na palavra de um regicida. ― ela respondeu ― Além de dobrar seus joelhos, quero que renuncie aos seus direitos sobre Rochedo Casterly em favor de Lorde Tyrion, e para que não haja qualquer tipo de tentativa de revolta contra a minha Mão, deverá se juntar aos irmãos juramentados da Patrulha da Noite.
Jaime encarou o irmão, esperando qualquer esboço que denunciasse seu conluio com a ideia da Rainha, mas Tyrion parecia legitimamente surpreso.
― Majestade, não acha que isso seja um pouco demais? Jaime é um bom espadachim, e mesmo que tenha perdido a mão, ainda é...
― Preciso de alguém de confiança como Protetor do Oeste assim que eu estiver no Trono de Ferro, e o homem que matou o meu pai não é esta pessoa. ― ela o interrompeu com um tom régio ― Antes de juntar-se à Patrulha da Noite, irá acompanhado de Lorde Tyrion até Lannisporto e colocará a frota Lannister ao meu dispor. Depois marchará até Rochedo Casterly e renderá o castelo a seu irmão como o combinado. Se tentar algum truque, queimarei sua preciosa fortaleza no lombo de Drogon da mesma forma que Aegon queimou Harrenhal com o fogo de Balerion, estamos entendidos, Regicida?
Jaime havia perdido tudo que tinha o mínimo de importância na vida, e não via mais sentido em permanecer em uma posição com um título que detestava. Seu maior desejo era poder retornar para a Guarda Real, mas aquilo seria impossível independentemente de quem ficasse com o trono. A Patrulha da Noite, mesmo decadente do jeito que estava, provavelmente seria a coisa mais próxima que conseguiria do sentimento de ser um Manto Branco.
― Eu aceito. Após obedecer seus comandos, tomarei o negro e irei para a Muralha. Considere Rochedo Casterly como seu, irmão. ― Jaime respondeu, aliviado por se ver fora de toda aquela confusão.
***
O coração de Daenerys batia mais forte enquanto ela se esforçava para não correr pelo acampamento. Com a capitulação de Jaime Lannister, os homens Targaryen ocupariam Jardim de Cima e ela se encontraria com Olenna Tyrell, mas aquilo teria que esperar; no momento, ela estava focada demais em outra pessoa para se preocupar com a Senhora Viúva da Campina: Jon. O Rei do Norte havia se colocado voluntariamente a frente de uma adaga para salvar sua vida e, por isso, a arma o atingiu e perfurou sua carne. Poderia não ser nada, mas mesmo assim ela queria se certificar que ele estava bem.
Passou direto pela própria tenda e foi até a que abrigava Jon. Ao entrar no local, pôde vê-lo acompanhado por Davos e por alguns de seus homens; parecendo serem capazes de ler seus pensamentos, eles pediram licença e saíram do local, deixando os dois a sós.
Jon estava deitado na pequena cama que ficava no meio da tenda e tinha o peito desnudo atravessado por uma faixa que cobria o machucado, o que permitia a Daenerys ver algo que lhe causou um breve choque: várias cicatrizes irregulares, de variados tamanhos e espessuras, cobriam a pele branca que se destacava sobre os músculos protuberantes.
― Não é algo bonito de se ver, tenho noção disso. ― Jon lhe disse, percebendo o seu olhar de curiosidade.
― Me desculpe, não foi minha intenção. Vim apenas ver como estava e...
Ela não sabia o que dizer. Amaldiçoava a si e a Jon Snow, por fazê-la sentir-se como a antiga Daenerys, aquela que se perdia no meio de suas próprias palavras por pura insegurança.
― É muita gentileza da sua parte se preocupar comigo, mas estou bem. Apenas mais um cicatriz para uma coleção que só tende a crescer ainda mais. ― ele respondeu, e um sorriso fraco formou-se em seus lábios.
Dany percebeu que, mesmo que estivesse sorrindo, havia melancolia na expressão e nas palavras de Jon. Ele era uma pessoa soturna e não muito dado a alegrias, e aquilo lhe intrigava profundamente. Pelo que Tyrion lhe contara, era da natureza dos Starks serem sérios e circunspectos, mas Jon era taciturno e trazia consigo uma tristeza que partia o coração da Rainha.
― Bem, aquela adaga não era para você e essa cicatriz deveria estar em minha pele agora. ― ela deu alguns passos, mas brecou-se ― Posso?
Jon assentiu com a cabeça e então ela caminhou até ele e sentou-se na ponta da cama.
― Obrigada. ― ela lhe disse antes de levantar o olhar para encará-lo.
Quando o fez, deparou-se com o olhar negro e brilhante de obsidiana que Jon tinha e sentiu algo queimar dentro de seu peito.
― Não precisa agradecer. Qualquer um teria feito o mesmo. ― ele respondeu, de maneira despretensiosa.
― Sabe que não é verdade. Com exceção dos Imaculados, conheço poucos homens que fariam o que fez por mim.
― Tenho certeza que existem outros que receberiam de bom grado uma adaga fincada na carne por você. ― ele suspirou pesadamente.
Sem conseguir pensar muito, Daenerys colocou sua mão sobre a dele, que pendia sobre o tórax enfaixado e a segurou com força, tentando passar a ele a certeza que sentia naquele momento.
― Não me importo com nenhum deles, me importo apenas com você.
Jon a encarou, visivelmente surpreso por escutar aquilo. Ele abriu a boca, como se estivesse prestes a dizer algo, mas refreou-se e manteve-se em silêncio, o maldito silêncio que Daenerys convivia diariamente desde o que aconteceu entre os dois no bosque sagrado de Correrrio e já não era mais capaz de suportar.
― Eu disse a mim mesma que não insistiria neste assunto, mas... ― ela começou a falar.
― ...Mas não consegue parar de pensar sobre o que aconteceu. ― Jon completou ― Eu também não consigo.
O coração de Daenerys acelerou e ela se sentia uma maldita garotinha novamente por permitir-se envolver-se por um sentimento de exasperação como aquele.
― Sei que tem uma prometida e que outras pessoas possuem expectativas sobre você, e eu entendo perfeitamente bem porque isso também ocorre comigo. Eu sou uma Rainha e você é um Rei, e raramente pessoas como nós possuem escolhas sobre o próprio destino... Porém... Pelos Deuses, sempre há um bendito “porém” que nos desvia do que pretendemos. Você é o meu “porém” e não sei como lidar com isto. ― ela desabafou.
A respiração de Daenerys era irregular e ela estava nervosa ao encarar a face enigmática de Jon, mas sentia-se aliviada ao mesmo tempo, pois finalmente dizer tudo aquilo que estava preso em sua garganta trazia uma enorme atenuação à carga que tinha que suportar.
― Também não sei o que fazer. Não consigo pensar em mais nada e mais ninguém a não ser em você... ― ele a encarou e puxou sua mão que estava sob a de Daenerys e agarrou os dedos dela, segurando-os entre os seus ― Tento me lembrar de Alys e do compromisso que firmei com ela, mas para ser sincero, olhando para o seu rosto aqui e agora eu sequer consigo me recordar da aparência dela e... A única coisa que tenho vontade de fazer agora é beijá-la, sem me importar com as consequências disso.
Daenerys podia ver a sinceridade nas palavras e no olhar de Jon. Ele, assim como ela, também estava confuso e tomado por aquele sentimento que sufocava e desfocava todos os outros, tornando-os meros acessórios de algo que parecia crescer mais a cada dia. Inclinou-se até ele e encostou seus lábios aos de Jon, sentindo os mesmos calor e torpor que sentira quando o beijou pela primeira vez. Ele não a rejeitou, pelo contrário; mesmo estando com parte do corpo imobilizado, Jon a segurou firmemente e a trouxe para próximo de si. Estavam tão perto que ela podia sentir o coração dele bater em um ritmo descompassado enquanto as línguas trabalhavam de forma sincronizada.
Contudo, a alegria dos dois foi interrompida por uma simulação de pigarro.
Sobressaltados, os dois afastaram-se e Dany levantou-se da cama, vendo Tyrion parado na entrada da tenda os encarando com uma expressão de curiosidade.
― Desculpem por interromper o momento íntimo de Vossas Majestades, mas a presença da Rainha é requerida neste momento.
Dany encarou o seu Lorde Mão de maneira repreensiva e percebeu que ele tentava segurar uma risada, mas estava prestes a falhar.
Ela virou-se para Jon e percebeu que ele havia corado com o flagra que sofreram; mas aquilo não atrapalharia e muito menos mudaria o que estava acontecendo ali.
― Retomamos nossa conversa assim que eu regressar. ― ela lhe disse, antes de acompanhar Tyrion para fora da barraca.
***
A expressão da Rainha não era das melhores quando finalmente adentraram Jardim de Cima, mas Tyrion conseguia compreendê-la. Também detestava ser surpreendido e provavelmente expulsaria qualquer um que o interrompesse no ato com uma de suas “amigas”. Mas Daenerys estava longe de ser parecida com ele e Jon tampouco se assemelhava a uma das putas com quem o Lannister estava habituado a dividir a cama, portanto não havia como estabelecer um paralelo justo.
Contudo, ele devia admitir que as coisas estavam mais sérias do que pensava. Enquanto caminhavam para encontrar com Olenna Tyrell, Tyrion ponderava em como Daenerys e Jon não conseguiam esconder – ou não faziam mais questão de fazê-lo – a atração que sentiam um pelo outro e em como aquilo poderia ser visto como uma fraqueza por outras pessoas. Ora, o Rei tinha uma prometida lhe esperando em Winterfell, enquanto a Rainha era solteira e era esperado que assim que se sentasse no Trono de Ferro, tomasse um consorte para si. Tyrion esperava, e até mesmo torcia que os dois tivessem casado, pois ambos eram boas pessoas e mereciam um pouco de felicidade. Mas havia outras complicações que, agora, impediam que aquela combinação fosse ideal.
Daenerys ainda utilizava a máscara solene quando adentraram os aposentos de Olenna Tyrell, que estava sentada confortavelmente perto de uma poltrona próxima a sacada do solar.
Não parecendo muito impressionada com o par, a Rainha dos Espinhos os fitou com o mesmo olhar petulante que utilizava-se com todos.
― É bom revê-la, Senhora Olenna. ― Tyrion a cumprimentou ― Deixe-me apresentá-la a Sua Majestade, a Rainha Daenerys da Casa Targaryen, a Primeira de Seu Nome...
― Não precisa declamar os mil títulos que a moça possui, sei muito bem quem é. Já vi cabelos prateados e olhos violetas o suficiente para reconhecer um Targaryen quando o vejo. ― Olenna o cortou ― Quase fui casada com um.
― Quase casada? ― Daenerys manifestou-se, visivelmente curiosa ― Com quem?
― Príncipe Daeron, filho do Rei Aegon V. Mas ele era inclinado a outros prazeres, principalmente aos que Sor Jeremy Norridge lhe oferecia. ― a velha respondeu, de forma cortante ― Mas sorte a minha ter me casado com Luthor, pois senão seriam os meus filhos e netos as vítimas dos massacres promotivos por Robert Baratheon em sua tola rebelião.
O tempo que passara como refém de Jaime não havia mudado em nada o espírito da Rainha dos Espinhos, Tyrion percebeu.
― Também é nossa sorte que tenha desposado Luthor Tyrell e que agora controle toda a Campina, o lugar mais fértil de toda Westeros e que fornecerá mantimentos para o nosso vasto exército. ― o anão lhe disse.
A velha coçou a pele murcha do queixo com as pontas dos pequenos e finos dedos, olhando para o Mão da Rainha com um olhar um tanto desafiador.
― Sim, porque fizemos um acordo para retirar sua maldita irmã do poder e tenho que cumprir minha parte para que assim o seja. Quando pretendem cumprir as suas e escorraçá-la da Fortaleza Vermelha como a cadela ordinária que ela é? ― Olenna lhes indagou com seu tom de voz feroz.
― O mais rápido possível, logo após Lorde Tyrion tomar Rochedo Casterly e as Terras Ocidentais para si. ― Daenerys lhe respondeu.
― E como pretendem fazer isto? Possuem um plano? Ou acham que vão abrir os portões do castelo ao verem o filho que tirou a vida de Joanna e Tywin Lannister? ― a Senhora Tyrell perguntou, desconfiada.
― Jaime Lannister irá acompanhar minha Mão até lá, renderá a fortaleza e renunciará aos seus direitos para ingressar na Patrulha da Noite. ― Dany informou.
Olenna remexeu-se na poltrona.
― Finalmente o Regicida será castigado pelos seus crimes. ― ela falou, de forma quase indiferente ― E Randyll Tarly? O que pretendem fazer com aquele maldito traídor?
Randyll Tarly era o Senhor de Monte Chifre e um dos vassalos mais poderosos da Casa Tyrell – ou pelo menos, costumava ser. Após Cersei autoproclamar-se Rainha dos Sete Reinos, havia se aliado a ela e ajudado Jaime a atacar Jardim de Cima e prender a velha Olenna.
― Está encarcerado em uma cela enquanto aguarda sua execução, minha Senhora. Pelo que sabemos, seu herdeiro, Dickon, foi morto pelo fogo dos dragões de Sua Majestade, assim como a maior parte das tropas de Monte Chifre. ― Tyrion respondeu.
― Ótimo, espero que tenha uma morte horrível. ― o desdém era evidente no timbre de Olenna ― É uma grande audácia querer reclamar Jardim de Cima para si utilizando o argumento de que a mulher Florent dele possui mais direitos sobre este castelo do que os Tyrell por ser supostamente herdeira da Casa Gardener.
Tyrion havia estudado a história da Casa Gardener, que produziu milhares de Reis da Campina que possuíam sangue dos Primeiros Homens e que reinaram em Jardim de Cima durante milhares e milhares de anos. A poderosa família surgiu na Era dos Heróis e fora extinta pelo fogo de Balerion, Meraxes e Vhagar durante a Conquista de Aegon, sendo reduzida a cinzas e substituída pelos Tyrells, que foram inteligentes o suficiente para dobrarem os joelhos para os Targaryen. Houve muita comoção e reclamação por parte dos Senhores da Campina pela subida ao poder dos Tyrell, que até então não passavam de meros guardiões do castelo, enquanto famílias com ligações de sangue mais próximas aos Gardener – como os Florent, por exemplo – foram preteridas.
― Todos os traidores receberão a punição adequada, Senhora Tyrell. Eu lhe garanto. ― Daenerys disse, encarando a velha com seu ar régio.
Olenna encarou a Rainha e um sorriso foi esboçado no canto direito de sua boca enrugada.
― Parece que estamos começando a nos entender, Majestade.
***
A noite havia caído quando Daenerys deixou os aposentos da Senhora Olenna após uma longa conversa sobre o plano para a conquista de Westeros. Ela estava cansada de tanto falar, mas sabia que precisaria conversar com Jon e não se sentia mal a respeito daquilo, pelo contrário. Ansiava vê-lo e tocá-lo como antes, ou até mesmo apenas olhar para a longa e séria face que ele possuía enquanto as orbes negras lhe encaravam de volta.
Alguns quartos no castelo foram separados para Daenerys e seu entourage, assim como para Jon e seus conselheiros mais próximos. Pediu para que os aposentos do Rei ficassem próximos aos seus, pois assim poderia cuidar pessoalmente da ferida causada pela adaga.
Pediu para um de seus homens ir avisar a comitiva nortenha sobre o convite da Senhora Tyrell para que permanecessem em Jardim de Cima, e andava impacientemente de um lado para outro enquanto esperava a resposta. Quando finalmente o soldado regressou, sentiu seu coração saltar no peito.
― E então? Ele já está a caminho? ― ela perguntou, esperançosa.
Mas o rosto do homem era sério e tenso.
― Ele não poderá vir, Majestade.
Daenerys sentiu seu rosto contrair em decepção.
― E qual a desculpa que ele utiliza para se recusar a encontrar a Rainha? ― ela indagou, magoada.
A tensão do homem aumentou.
― Ele não se recusa, Majestade... ― o soldado começou a falar ― O Rei... Ele está impossibilitado neste momento. Não passa bem.
― O que há com Jon?
― Bem, está desacordado e dizem que tem febre.
O coração de Dany disparou ao escutar aquelas palavras.
― Onde ele está? ― ela perguntou, com a voz trêmula.
― Na tenda, Majestade.
Dany não esperou o soldado dizer mais nada e tampouco despediu-se, apenas saiu do quarto correndo tal qual uma flecha percorre o ar após ser disparada por um arco. Escutou os Imaculados que ficavam à postos como seus seguranças correrem atrás dela, mas ignorou-os; correu o mais rápido que suas pernas bambas lhe permitiam e sentiu os pulmões arderem, sentindo o coração apertado diminuir em seu peito. Percebia os olhares das pessoas lhe encarando, mas não tinha importância alguma para ela, lhe importava apenas chegar a Jon o mais rápido possível.
Atravessou o castelo e o campo repleto de tendas até finalmente chegar à parte reservada aos nortenhos. Quando finalmente encontrou a que abrigava o Rei, percebeu o local apinhado de Senhores e soldados que rodeavam a pequena cama que ficava no centro do local coberto pela lona cinzenta. Sentiu o coração subir à boca quando o viu deitado com os olhos fechados e a pele mais pálida que o de costume coberta por uma fina camada de suor que brotava dos poros. Os lábios que ela tanto amava beijar, que antes eram rosados, agora tinham uma coloração esbranquiçada, quase sem vida.
Aproximou-se dele e se ajoelhou aos pés da cama, segurando-lhe a mão com força, percebendo assim que a pele estava mais quente que o de costume. Jon começou a tossir e espasmos tomaram conta de seu peito, como se ele lutasse para respirar.
― O que aconteceu? Como ele ficou assim? ― Daenerys perguntou aos homens que ali estavam.
Davos deu alguns passos à frente e aproximou-se dela.
― Começou a algumas horas. Sua Majestade vomitou muito e depois queixou-se de dores no estômago e de uma queimação e um amargor que invadiam sua boca. Depois, uma fraqueza tomou seu corpo e as pernas e os braços começaram a formigar, e após algum tempo perdeu a consciência e não mais acordou. ― ele explicou ― Chamamos o meistre do castelo, que saiu ainda pouco atrás de alguns ingredientes para tratar o Rei.
O cavaleiro estava visivelmente tenso e preocupado ao relatar o ocorrido.
― Levem-no para dentro do castelo! Jon não pode ficar aqui! ― ela ordenou.
Daenerys levantou e permitiu que os homens se aproximassem para que carregassem Jon. Pegaram o colchão sobre a cama e o carregaram para fora da tenda em direção à imponente construção e Daenerys ia atrás, aflita e desnorteada. O coração carregado de preocupações lhe causava vontade de ir às lágrimas, mas não o fez. Não choraria antes do tempo, não queria trazer mau agouro.
Enquanto caminhava, sentiu uma mão fria e enrugada enrolar-se em seus braços, lhe impedindo de ir adiante. Deparou-se então como uma velha senhora corcunda que tinha a metade de sua altura e o rosto coberto por uma pele cinzenta cheia de rugas e algumas verrugas. Um manto verde cobria seu corpo e parte do seu rosto, que possuía grandes orbes amarelas no lugar dos olhos.
― Você tem o sangue da Velha Valíria e traz consigo o fogo das Catorze Chamas, que correm por suas veias. É uma das cabeças do dragão, mas deve lembrar que estas devem ser três. ― a velha lhe disse, enquanto segurava seu pulso com força ― Já encontrou a segunda, mas as aparências lhe causam uma cegueira que a impossibilita de reconhecer o seu semelhante; encontrará a terceira apenas quando sentar-se na cadeira feita de ferro que foi construída por aquele que fez todos os outros ajoelharem-se perante ele, transformando os seus descendentes em Reis e Rainhas.
A velha soltou o braço de Daenerys, que estava impressionada demais para dizer qualquer coisa.
Espichando o pequeno corpo em sua direção, ela ainda lhe sussurrou algo mais:
― O seu sol e estrelas retornou como aquele que é o maior, mais poderoso e amado dos seus filhos, que lhe ajudará a conseguir o que seu coração tanto anseia. O mar dothraki secou quando trouxe o grande khalasar para o oeste, assim como as montanhas foram sopradas como folhas quando os seus filhos derrubaram as pirâmides daqueles que se achavam superiores a outros homens e se autoproclamavam mestres. ― os olhos amarelos lhe encararam com mais profundidade ainda ― Falta apenas o sol nascer no oeste e se pôr no leste.
Antes que Dany pudesse lhe fazer qualquer pergunta, a mulher lhe deu as costas e sumiu no meio da multidão de pessoas e tendas, da mesma maneira misteriosa que havia surgido.
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