Todos que haviam conhecido Akihito e Yukio crianças nunca conseguiram entender como Yukio, tão de repente, tornara-se tão revoltado a ponto de se transformar num delinquente e arruaceiro. Ele sempre havia sido um menino bastante quieto e que nunca causava problemas. Os professores o elogiavam por ser inteligente e um menino de comportamento exemplar. E, além de bom aluno, ele era um excelente jogador de beisebol e mostrava jeito para coisas artesanais. Fazia origami e havia confidenciado a Akihito (de quem sempre fora muito próximo) e a amigos que sonhava ser desenhista de mangá. Mas se enganava quem pensasse que, por ser quieto, ele tinha vocação para ser vítima de bullying. Yukio era forte e durão, se assim fosse necessário. Mais de uma vez haviam tentado intimidá-lo e ele mostrara que não era alguém fácil de vencer. Em casa, ele gostava de cuidar do jardim, principalmente dos crisântemos que o pai cultivava.
Quanto a Akihito, ele fora uma criança muito traquinas, a ponto da mãe, Hotaru, desconfiar que fosse hiperativo e leva-lo a um especialista que, depois de passar um tempo conversando com o menino, chamou os pais e lhes disse, muito calmamente, que Akihito não era hiperativo. Era apenas uma criança muito ativa, criativa e inteligente que, se os pais soubessem direcionar, teria um futuro muito bom.
Quem conhecera Akihito havia de concordar que nunca tinha visto criança tão travessa e tagarela. Uma vez, com quatro anos, tentara pular numa piscina, o que preocupara o pai, Hiroshi, que o pusera logo para aprender a nadar. Akihito aprendera rápido a nadar, o que não era de surpreender. Ele aprendia tudo rápido, além de ser bastante destemido, fazendo artes que deixavam a mãe exasperada: gostava de subir numa árvore que terminava na janela que dava para o seu quarto, pulando para dentro do quarto pela janela. Isso não era tudo. Ele subia cercas de arame, descia escadas pelo corrimão, subia escorregos, gostava de se esconder para a família procura-lo e mostrara, desde muito cedo, um espírito aventureiro. Mais de uma vez, junto com Takato, Kou e outros meninos, fora explorar lugares que diziam ser mal-assombrados.
Uma vez, quando Yukio ia se desfazer de um velho apito, Akihito pedira para ficar com ele. Por muito tempo, a brincadeira preferida do pequeno Akihito fora sair apitando pela casa. Hiroshi se perguntava como o menino tinha tanto fôlego. Ele ainda gostava de encher bacias d’água no jardim para brincar com seus barcos de papel e outros brinquedos como patinhos de borracha. Ás vezes, inventava de tomar banho de banheira para brincar de batalha naval. Quando Hiroshi lhe pedia para ajuda-lo a cuidar do jardim, Akihito regava as plantas com sua pistola d’água, falando que estava brincando de polícia e ladrão.
Hotaru vivia reclamando que Akihito era um causador de problemas.O menino vivia cheio de machucados e arranhões de tanto pular e correr ao passo que Yukio parecia um monge budista de tão calmo. Akihito também chamava a atenção por seu apetite, descomunal para sua estrutura tão magra. Entretanto, Hiroshi, o pai, adorava o jeito travesso de Akihito, chegando ao ponto de lhe dar sua câmera velha quando o menino, ainda muito pequeno, revelara que queria ser fotógrafo. Desde então, ele vivia tirando fotos de tudo que visse e achasse interessante: o akita do vizinho, animais no zoológico, bonsais, crianças brincando no parque, seus amigos,casas, insetos, santuários, flores.
Ele também tinha uma espécie de ímã para pessoas mais velhas. Até o vizinho, um senhor que todos achavam rabugento, adorava-o e gostava de lhe contar histórias de seus tempos de juventude.Talvez por ele ser uma criança muito bonita, os adultos (especialmente os idosos) estavam sempre a lhe fazer agrados e elogiar. Os pais de Hotaru se transformavam em crianças perto dele.Watanabe, amigo de infância de Hiroshi,dizia que ele era o filho que ele não tivera. Muita gente se surpreendia por ele ser tão bonito, pois os pais não o eram. Yukio também nada tinha de bonito.
Yukio não se ressentia do fato de Akihito ser o que mais chamava a atenção. E Akihito não era exibido ou vaidoso. Os dois irmãos se davam totalmente bem. Akihito adorava assistir ao irmão jogando beisebol e Yukio dizia que seu pequeno irmãozinho seria um famoso fotógrafo. E eles faziam muitas coisas juntos: gostavam de assistir aos desenhos do Doraemon, caçar grilos e vaga-lumes, jogar videogame, ir ao karaokê (fazer concurso de pior cantor) e fazer desenhos dos seus personagens preferidos. Akihito falava que Yukio seria um grande desenhista de mangá.
Hiroshi, que adorava os dois filhos, dizia que eles deveriam seguir seus sonhos, mas Hotaru falava que ele só sabia estimular os meninos a seguir sonhos bobos. Falava sempre que a vida era dura e não se dava para perder tempo sonhando. Zangava-se muito com Akihito, a quem Yukio e o pai sempre defendiam. Ela reclamava:
-Esse menino só sabe fazer travessuras e me deixar preocupada.
-Pare, mãe, você é dura demais. Dizia Yukio.
-Deixe disso, Hotaru. Ele é só um menino.
Akinito nunca entendia por que a mãe se zangava tanto com ele. Ela chegara a dizer a Hiroshi que suspeitava que ele nunca seria ninguém na vida.
-Pelo menos, Yukio irá para a faculdade. Já Akihito, corre o risco de ser um delinquente.
Hiroshi se zangou e rebateu:
-Que é isso, Hotaru? Akihito é um bom menino.
-Aonde ele vai, a encrenca o acompanha. E você o estraga de mimos. Ele parece ser o centro do seu mundo.
-Eu nunca deixei de dar atenção ao Yukio. Não seja injusta. Ele é tão importante quanto o Akihito.
Hiroshi não costumava se zangar com o menino, embora os seus amigos – até Watanabe- dissessem que ele deveria aconselhar Akihito a ser mais cauteloso com suas aventuras. Sabia-se que Akihito gostava de brincar de explorar lugares mal-assombrados e isso podia ser perigoso.
Hiroshi só falou sério com Akihito quando este tinha oito anos e souberam que ele, fazendo uma aposta com Takato e Kou, dissera que entraria numa casa que diziam que tinha um fantasma para tirar fotografias. Ele entrou pela janela e quem morava na casa não era um fantasma, mas uma senhora idosa que, vendo o menino fotografar sua velha casa, adivinhou que ele estava lá para investigar se havia um fantasma. A senhora, rindo, disse:
-Está aqui para saber do fantasma?
Assustado, Akihito respondeu, sem saber como reagir:
-S-sim.
A senhora apenas o convidou para tomar um chá e comer bolinhos.
Hotaru se zangou, dizendo que Akihito agira como um ladrão e delinquente. Hiroshi o chamou e lhe disse com seriedade:
-Akihito, meu filho, entrar nesses lugares é perigoso. Poderia não ser uma velha senhora simpática, mas alguém que quisesse lhe fazer mal. Não faça mais isso. Promete?
-Prometo.disse Akihito, entendendo que o pai falara sério.
A mãe reclamou que ele fora mole demais e Hiroshi disse à mulher:
-Pare, já pensou que poderia haver na casa algum pedófilo que fizesse mal a ele? Só fica criticando o menino, mulher?
-Você só faz o que esse menino quer! Por isso, ele é tão mimado e desrespeitoso! Invadir assim a casa dos outros!
A verdade era que Hotaru não tinha paciência com as peraltices de Akihito. Ela não entendia como uma criança podia ser tão arteira. Porém, todos o consideravam uma criança adorável, inteligente e criativa. Na escola, ele era bom aluno e se dava bem nos esportes de velocidade. Hiroshi dizia que ele tinha vento nos pés e ninguém o alcançava correndo. Ele também adorava animais- especialmente gatos- e, em casa, gostava de ajudar Hiroshi (que sempre cozinhara bem) a cozinhar.
Uma noite, em que Hotaru (que trabalhava como recepcionista ) voltara mais tarde para casa, Hiroshi e Akihito a receberam sorrindo, mostrando uma mesa preparada. Yukio havia ido dormir na casa de um amigo e Hiroshi, que sempre voltava mais cedo do trabalho como ajudante de um armazém, resolvera fazer o jantar. Akihito o ajudara a preparar bolinhos de arroz, galinha frita e sopa de missô. Hiroshi fizera questão de dizer que Akihito fizera os bolinhos. Hotaru apenas disse:
-Pelo menos alguma coisa você deveria fazer direito. Foi tomar um banho.
Aquela foi a primeira vez em que Hiroshi viu Akihito chorar de verdade.
-Pai? Por que ela me odeia tanto? Que eu fiz para que ela só viva se zangando comigo?
Hiroshi disse:
-Você não fez nada errado.
Pela primeira vez, Hiroshi viu o filho dizer que não tinha fome e ir dormir sem jantar. Por uns dias, Akihito ficou um pouco deprimido e isso preocupou o pai. Mas ele logo recuperou sua exuberância natural e o apetite. Quando Akihito disse que entraria para o clube de fotografia, Hiroshi e Yukio o estimularam e logo o menino viu seu talento se desenvolver.
Naturalmente, Yukio e Akihito cresceram e as travessuras de Akihito diminuíram. Mas ele continuou um menino bastante alegre, extrovertido e brincalhão.
A vida da família prosseguiu assim até que, uma tarde, quando Akihito e Yukio voltavam do jogo de beisebol, ouviam que os pais discutiam. Yukio abriu a porta e Akihito e ele viram que os pais discutiam na sala. Ficaram em silêncio, escutando.
-Chega, Hotaru! Você só vive criticando Akihito! Nem as fotos que ele tira você elogia! E o professor do clube de fotografia não cansa de dizer que ele é o melhor da turma! E Yukio, que é um ótimo aluno e bom jogador de beisebol? Alguma vez, você elogiou o desempenho de Yukio no time? Pare de falar que Akihito é o responsável pelos problemas da casa! Você se zanga com tudo e todos! Diz que Yukio é uma lesma, uma mosca morta, e que Akihito só causa problemas! Por que foi casar e ser mãe?
O rosto de Hotaru, que nunca fora bonito, ficou desfigurado pela raiva. Akihito e Yukio se entreolharam. Akihito estava boquiaberto. Hotaru esbravejou:
-Você que quis casar! Eu lhe disse que iria tirar a criança, não disse? Mas você disse que queria ser pai e que eu não deveria tirar a criança! Nunca entendi por que você quis casar! Os homens, normalmente, não querem assumir quando uma namorada aparece grávida!
-Você sabia que eu não a considerava apenas um passatempo! Que eu já não era muito novo! Queria casar, ter uma família! Só depois, eu entendi que você só estava querendo ter sua primeira experiência sexual e eu não significava nada! Por isso, você me odeia, não é? Porque eu quis assumir e isso atrapalhou seus planos de ir à faculdade!
Akihito ficou paralisado, mas Yukio, como um vendaval, irrompeu na sala, berrando:
-Então era isso, mãe? Não era para eu existir?
Hiroshi e Hotaru ficaram horrorizados. A mãe balbuciou:
-V-você estava ouvindo?
-Ouvi tudo, mãe!
O pai tentou acalmá-lo e falou:
-Calma, Yukio.... sua mãe estava de cabeça quente. Falou o que não devia.
Yukio estava totalmente diferente do que sempre fora: furioso e com um olhar carregado de ódio.
-Você nunca nos quis! Por isso, sempre me chamando de lesma! Por isso, sempre reclamando do Akihito, que é só uma criança e nunca fez nada por mal! Quantas vezes,ele não me perguntou por que você só se zangava com ele? Você não queria a gente! A gente foi um acidente na sua vida!
Urrando, Yukio saiu de casa. Hiroshi e Hotaru ficaram em silêncio, sem perceber Akihito que, escondido, vira tudo e agora chorava em silêncio.
Mais tarde, lembrando desse dia, Akihito concluíra que sua infância morrera naquele momento e que fora aquilo que causara a revolta de Yukio.
-
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.