A luz dourada da manhã penetrava entre as frestas das cortinas, deixando o quarto em penumbra. Rachel espiou pela estreita abertura da porta.
Não havia nenhum som, ninguém gritando para que ela fechasse a porta. Talvez Quinn já tivesse levantado, pensou, esperançosa.
Aquele cômodo era muito maior que o dela. A soleira, avistou uma escrivaninha e uma poltrona. Ao abrir ainda mais a porta, divisou a cama no centro do quarto.
Tratava-se de um pesado leito, feito de madeira maciça, tal qual os outros móveis. A coberta era azul-marinho. Ocorreu a Rachel que Quinn mandara remodelar o quarto após o falecimento da esposa, nada naquele ambiente possuía um toque de casal.
Entrou no aposento. Uma pilha de cobertas e travesseiros encontrava-se no meio da cama. Rachel deteve-se na mesma hora.
Quinn.
Na cama.
Ao menos, imaginava ser ela. Não tinha certeza. As únicas partes visíveis eram as costas e os braços esticados sobre o colchão.
Ela estava deitada de bruços, imersa em uma dúzia de travesseiros,e o lençol, felizmente, cobria-a todo o corpo. Uma das pernas estava exposta.
A respiração de Rachel começou a falhar. Pequenos tremores a fizeram bambear.
Pernas bem torneadas e fortes. A pele brilhava sob a fraca luminosidade.
Jamais imaginara que o corpo dela podia ser tão espetacular. E era maravilhoso.
Em toda sua vida, nunca desejara tocar a anatomia de uma outra mulher. Mas agora queria acariciar o corpo de Quinn.
Por isso, as mulheres do povoado a perseguiam. Obviamente não era apenas pelo dinheiro.
Santo Deus, o que estava fazendo? Observava uma mulher nua enquanto esta dormia.
Sentiu-se zonza. Nua? Quinn estaria nua sob as cobertas?
Ofegante, considerou a possibilidade de fugir e esquecer a idéia de convidá-la a ir à igreja. No entanto, mais do que nunca, tinha de ir ao templo para livrar-se de pensamentos tão pecaminosos.
Endireitando os ombros, aproximou-se da cama.
— Sra.Fabray? — chamou-a, suavemente. Ela não se moveu.
— Sra.Fabray? — Tentou outra vez em voz alta.
Nenhuma resposta.
Deus, a mulher dormia como uma morta. Por isso, não a escutara bater à porta.
Rachel ficou irritada. Invadira aquele quarto para perguntar a patroa se queria ir à igreja com os próprios filhos e colocara-se em uma situação comprometedora. E se uma das criadas a visse ali? Temeu os rumores maliciosos que poderiam surgir.
— Sra. Fabray? — Rachel quase gritou. Como Quinn ainda não se movesse, ela berrou: — Sra. Fabray!
Um furacão de pernas, braços, lençóis e travesseiros emergiu. Quinn sentou-se, apavorada.
— O que é?
Ela segurou o lençol antes que o tecido escorregasse.
— O que houve? — perguntou, parecendo desorientada. Encarou Rachel, enfim reconhecendo-a, e cobriu-se mais. — Por que invadiu meu quarto?
A vergonha transformou-se em raiva.
— Não estou aqui por causa da senhora, se é o que está pensando.
— Não? — Quinn arregalou os olhos.
— É evidente que não. — Rachel empinou o nariz, indignada. — Saiba que é muito presunçosa, Sra.Fabray .
— Ora, eu a estou vendo em meu quarto, não? — ela indagou, confusa.
— Não pense que sou como as outras babás que a perseguiam descaradamente.
— E em que devo pensar? __Rachel levou as mãos à cintura.
— Vim lhe fazer uma pergunta. E, senhora, se tivesse um bom relacionamento com seus filhos, um deles estaria aqui em meu lugar.
— Está insinuando que a culpa é minha.
— É claro.
— Deus… — Quinn suspirou. Após um instante, voltou a encará-la. — Certo, srta. Berry, desisto. O que quer?
Grata por ter uma boa razão para estar ali, Rachel foi direto ao assunto.
— Hoje é domingo. O serviço da igreja começará logo e… __Quinn murmurou uma série de impropérios.
— Domingo é o único dia em que posso descansar. Não quero ir…
— Não me importo se quer ou não ir à igreja —Rachel a interrompeu. — Fique em casa. Mas as crianças e eu iremos.
— Vai levar as crianças?
— Vou. Precisarei, no entanto, usar uma de suas carroças.
Outro momento se passou antes que Quinn retrucasse.
— Sabe conduzir uma carroça, srta. Berry?
— Para ser franca, não — Rachel admitiu. — Mas quão difícil pode ser? É só sacudir as rédeas e seguir em frente.
Quinn esfregou os rosto e deitou-se sobre os travesseiros.
— Não é assim — disse, com extrema paciência.
— Nesse caso, pedirei a um dos colonos que nos leve — Rachel resolveu. — As crianças precisam passear e eu… quero ver minha família.Portanto, iremos.
Mais uma vez, Quinn blasfemou e suspirou.
— Está bem. Vou levá-las.
— Não.
— Não?
— Não — Rachel reafirmou. — Quero aproveitar o dia e não tenciono aguentar seu mau humor.
— É mesmo? — Quinn a provocou.
— É.
Ambas se olharam por um longo instante. Uma estranha tensão surgiu no ar. Rachel já havia sentido sensação semelhante na presença de Quinn.
— Não lhe prometo nada, srta. Berry. — Ela ergueu o lençol. — Porém, assistirá a um espetáculo, se não sair daqui agora.
Talvez ela esperasse que Rachel gritasse de pavor. Entretanto, ela aguardou alguns segundos, e retirou-se de cabeça erguida e com total desembaraço.
Quando a porta se fechou, Quinn respirou aliviada. Que maneira mais estranha de acordar! Uma mulher em seu quarto. Não via nenhuma naquele cômodo desde que uma daquelas babás tresloucadas a esperara escondida ao cair da noite. Ela a despedira naquele mesmo dia.
Quinn abraçou um dos travesseiros. O ambiente parecia exalar o perfume de Rachel. E ela só permanecera ali por alguns minutos.
Havia algo de especial em Rachel Berry. Não era como as outras mulheres do povoado. Por algum motivo, ela despontava em seus pensamentos e sonhos.
Mais desperta agora, Quinn lembrou-se do sonho que tivera antes de Rachel acordá-la. Esfregou os olhos, ainda visualizando a águia cortando o céu. Seu amigo, Falcão Noturno, também aparecera. Ambos tentavam lhe dizer algo.
Porém, como sempre acontecia, Quinn não fora capaz de escutar as palavras. Tinha certeza de que se tratava de algo muito importante. Mas o quê?
Caminhou até a janela e fitou a paisagem. Seu amigo agora possuía uma esposa e uma filha. Fazia tempo que não via Falcão Noturno.
A bem da verdade, evitara ver o velho amigo. Pensou em passar na choupana à beira do lago, onde Falcão Noturno vivia, mas descartou a idéia.
Tinha de ir à igreja. Não deixaria seus filhos à mercê de uma mulher que acreditava saber conduzir uma carroça "sacudindo as rédeas".
A contragosto, Quinn permitiu que Rachel invadisse sua mente. Sabia que a mulher seria capaz de ir à igreja, custasse o que custasse.
...
Os joelhos de Rachel ainda tremiam, enquanto caminhava até o próprio quarto. Quase desfaleceu ao ver uma criada no topo da escada, observando-a.
— Bom dia — Geórgia cumprimentou-a. — Trouxe a mamadeira da srta. Hannah.
— Fui perguntar a Sra. Fabray se ela queria ir à igreja conosco —ela explicou, ansiosa.
— Há tempos aquele quarto não testemunhava tanta animação — Geórgia brincou.
— Estávamos apenas conversando — Rachel argumentou, sentindo-se culpada.
— Vou alimentar Hannah — Geórgia informou e entrou no quarto das crianças.
Rachel hesitou. Ficou tentada a explicar-se novamente diante da moça. Por fim, decidiu que tal atitude a tornaria mais culpada. Além disso, a criada não pareceu espantada ao vê-la sair do quarto de Quinn. E duvidava que ela fosse fofoqueira.
Em seu cômodo, Rachel optou pelo vestido azul, juntamente com o espartilho e a anágua que o traje requeria. Em seguida, prendeu os cabelos no alto da cabeça. Verificou a aparência antes de ir ao quarto de Hannah.
Geórgia encontrava-se na cadeira de balanço, alimentando o bebê. Pressentiu o desconforto de Rachel.
— Não pensei que você e a patroa estavam aprontando alguma naquele quarto — ela garantiu. — Deus sabe que a mulher já fugiu de muitas mulheres a ponto de deixar os sentimentos bem claros.
— Creio que ela sente tanta falta da esposa que é incapaz de se interessar por outra mulher — Rachel deduziu.
— Tenho minhas dúvidas quanto a isso. — Geórgia torceu o nariz.
— O que quer dizer?
— A sra. Fabray era a personificação da pureza e sobriedade. Que desperdício! — a criada exclamou, — Uma mulher como ela? Não sou santa também.
Uma onda de calor a invadiu. Rachel precipitou-se ao cômodo das crianças.
Para sua surpresa, encontrou os três irmãos já vestidos.
— Como estão lindos! — ela encantou-se. — Foi você quem escolheu as roupas, Ginny?
— Sim — a menina retrucou, sem desviar a atenção do penteado que fazia em Cassie.
— Muito bem. Agora vamos descer para o desjejum.
Rachel guardou os objetos que o bebê iria precisar em uma sacola, pegou Hannah dos braços de Geórgia e dirigiu-se à cozinha com as crianças. A sra. Royce serviu a refeição da manhã, tão logo se acomodaram à mesa. Incomodada, Cassie movia-se na cadeira sem tocar na comida. Por fim, encarou Rachel.
— Papa vai à igreja conosco?
Os outros dois pararam de comer e fitaram Rachel. Ela não sabia se estavam ansiosos pela companhia da mãe ou temerosos.
— Sim, a mãe de vocês irá à igreja. — Rachel ajeitou Hannah sobre o ombro. — Tudo bem?
Calados, os três se entreolharam e voltaram a comer.
Após o desjejum, eles se lavaram e foram à frente da mansão. Rachel esperava ver uma carroça semelhante à que a trouxera à fazenda. Porém, havia uma charrete com dois bancos e um teto diante da casa. Quinn verificava os arreios dos cavalos.
Quando escutou o movimento no terraço, ela se virou.
Ao se aproximar das crianças, Rachel notou os cabelos ainda molhados. Quinn estava sempre linda, mas a vendo com roupas de sair, ela estava especialmente bonita.
— Algo lhe desagrada, srta. Berry? — ela perguntou, percebendo que era avaliada.
Ruborizada, ignorou a pergunta.
— Ginny e Drew sentarão na frente — Rachel declarou. — Cassie, você ficará comigo e Hannah.
Quinn acomodou as crianças conforme Rachel havia determinado e, em seguida, dirigiu-se a ela para fazer o mesmo.
Temendo ser tocada por ela, Rachel colocou Hannah nos braços da mãe. Desajeitada, Quinn tentou segurar o bebê.
— Ela não morde — Rachel disse-lhe e sorriu. — Ainda não tem dentes.
Quinn fitou o bebê, enquanto Rachel subia na charrete. Não era fácil manobrar a saia longa do vestido, revestida de anágua, depois de usufruir a liberdade de usar calça comprida. Ela não tinha muita prática na arte feminina.
Tão logo ajeitou-se, Quinn devolveu-lhe o bebê. A mão roçou um dos seios sem querer. Ambas se fitaram. Por um segundo, ela não se moveu. Então, afastou-se e sentou-se na frente de Rachel.
A manhã estava quente, o céu, azul, e o trajeto à igreja foi silencioso. Para variar, os três irmãos permaneceram quietos. Após um tempo, Rachel abraçou Cassie, puxando-a para si. A menina fitou Ginny e, então, sorriu para a babá.
Uma infinidade de cavalos, carroças e charretes encontrava-se diante da igreja. Pessoas se aglomeravam na escadaria, algumas conversando e outras dirigindo-se ao interior do santuário. O reverendo Simon, um homem baixo e de cabelos grisalhos, postava-se à porta, recebendo a congregação.
— Esperem. — Rachel deteve as crianças quando a charrete parou.
Segurando Hannah, ela ajoelhou diante dos três e os analisou com olhos críticos. Puxou as mechas rebeldes de Drew e ajeitou a gola de Cassie.
— Lembrem-se das boas maneiras — Rachel avisou-os e encarou Quinn. — Comportem-se bem para que sua mãe se orgulhe de vocês.
Os três encararam Quinn. Não se mostraram entusiasmados ante a sugestão de Rachel.
— Vamos entrar antes que o sermão comece— Quinn ordenou. Pelo jeito, não queria atrasar-se.
Ao invés de liderar o grupo, ela se colocou ao lado de Rachel.
— Podem ir, crianças. — Rachel segurou a mão de Cassie. — Iremos nos divertir hoje.
No entanto, quando ela mirou a fachada da igreja, todos a olharam. Alguns apontaram. Era isso que temia. Talvez ir à igreja tivesse sido um grave erro.
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