— Como está sua mãe? — Quinn quis saber quando Rachel entrou no estúdio, horas depois.
Após recuperar-se do desmaio, Shelby recolheu-se ao quarto de Rachel com a ajuda de Quinn.
— Está descansando.
Quinn levantou-se e indicou a poltrona de couro diante da lareira para Rachel sentar-se. Parecia exausta e preocupada. Queria tomá-la nos braços e confortá-la. Ela, de repente, demostrou desejar o mesmo. No entanto, não ousou atravessar a distância que as separava.
— O sr. Douglas já está instalado em seu quarto — Rachel comentou. — Ele lhe disse alguma coisa?
— Nada. E sua mãe lhe contou por que desmaiou?
— Contou apenas que ela e o sr. Douglas se conheceram anos atrás no Missouri.
— E isso causou o desmaio?
— Aparentemente.
— Não lhe parece estranho? Não está curiosa?
— É evidente que estou. Mas mamãe não quer falar a respeito.
— Quão pouco sabemos em relação a uma pessoa — Quinn ponderou.
— Posso providenciar uma charrete para levar minha mãe? — Rachel pediu, mudando de assunto. — Não creio que ela consiga caminhar.
Desconfiada, Quinn fitou-a por um longo momento. Toda vez que o tema girava em torno da família, Rachel se esquivava.
— Ela não vai jantar conosco?
— Não.
— Creio que ela e Douglas vão querer conversar.
— Não acho uma boa idéia. Ela não se sente bem.
— Decidi convidar sua mãe para ser a anfitriã da festa — Quinn anunciou. — Estou certa de que ela se sairá bem e não quero pedir à sra.
Baird. Acha que Shelby irá aceitar?
— Não — Rachel respondeu de pronto. — Ela não pode.
— Estará melhor até o dia da festa, não?
— Não é isso.
— Então o que é? — Quinn ficou irritada.— Rachel, por que tenho o pressentimento de que está me escondendo algo?
— Mamãe não pode atuar como anfitriã porque não foi convidada para a festa.
— Como?
— A sra. Flanders não a incluiu na lista de convidados.
— Que besteira — Quinn retrucou. — Eu disse a Camille…
— Um convite verbal não tem validade.
— Para uma camponesa, você sabe muito a respeito de etiqueta.
— Não é preciso viver em Nova Iorque para saber que um convite formal é necessário para comparecer a um evento — Rachel argumentou.
— Suponho que não. No entanto, quero sua família aqui, principalmente porque Shelby conhece Douglas. Diga-lhes que venham.
Rachel não pareceu satisfeita com o convite. Na verdade, mostrou-se incomodada.
— Direi à mamãe, mas acredito que ela não virá.
Quando ela fez menção de sair, Quinn segurou-a pelo braço. Tocou-lhe o queixo ao ver lágrimas nos olhos castanhos.
— Rachel…
— Tenho de ver as crianças.
Ela tentou desvencilhar-se, Quinn impediu-a.
— Rachel, você quer me dizer alguma coisa?
Aqueles olhos castanhos a fitaram, vulneráveis. Os delicados lábios
tremeram. Quinn sabia! Ela queria confessar o que a perturbava. Podia sentir.
Entretanto, Rachel reprimiu o choro, revelando uma força descomunal.
— Preciso cuidar das crianças — murmurou.
Quinn observou-a sair de cabeça erguida. Sentiu-se uma fracassada, como se a tivesse deixado escapar.
— Droga!
..
— Bom dia, sra. Baird — Quinn cumprimentou-a, na manhã seguinte.
— Bom dia, sra. Fabray. — Eleanor estendeu-lhe a mão. — Felizmente, encontrei-a em casa… a essa hora.
Quinn sentou-se na poltrona, imaginando se a mulher descobrira que ela estivera escondida no celeiro… com Rachel.
— Ando muito ocupada desde que o sr. Douglas chegou. Estávamos tratando de negócios no estúdio — Quinn explicou, esperando que a mulher fosse logo embora.
— Nesse caso, vou direto ao ponto — Eleanor disse. Aliviada, Quinn quase cometeu uma gafe. Não tinha muita paciência com Eleanor Baird ou com a filha que a mulher tentava empurrar-lhe nos últimos seis meses. No entanto, apesar da promessa de ser breve, Eleanor acomodou-se na poltrona. Quinn reprimiu um gemido.
— É a respeito do sr. Douglas e da festa que a senhora planejou para amanhã à noite — Eleanor prosseguiu. — Hoje de manhã, quando acordei, senti que devia vir até aqui.
Como ela não continuasse, Quinn viu-se obrigada a perguntar:
— Por que, sra. Baird?
— A governanta a deixou — Eleanor proclamou, como se a sra. Flanders houvesse falecido —, e imagino que dificuldades a senhora tem enfrentado para organizar a festa.
— Na verdade, os preparativos estão em andamento. __Eleanor torceu o nariz, como se Quinn não soubesse o que estava falando.
— Mesmo assim, decidi esta manhã que deveria vir e verificar os preparativos. Devo este favor a sua querida esposa, que Deus a tenha.
— Lídia?
— Era uma dama de estirpe, a quem eu tinha em grande estima. Não, ficarei sossegada se não garantir que a casa da sra. Fabray esteja adequada à festividade.
— Eu…
— E me ofereço para ser a anfitriã — Eleanor apressou-se. — Ainda não tem uma anfitriã. Certo, sra. Fabray?
— Pedi à sra. Berry quê…
— Shelby Berry?
— Exato. Contudo, ela não aceitou.
— Entendo. Ela não aceitaria devido a circunstâncias familiares.
— Circunstâncias?
— Aquela filha — Eleanor sussurrou, enojada.
— Rachel?
— Não, a outra.
— Camille?
— Não a outra. — Eleanor sacudiu as mãos, ignorado o assunto. — Já
que estou aqui, gostaria de conversar com a cozinheira para ter certeza de que tudo está em ordem. Importa-se?
Quinn acompanhou Eleanor até a cozinha. Durante o trajeto a mulher observava cada peça da casa sem a menor cerimônia. Ao adentrarem a cozinha, ela não sabia se estava furiosa com Eleanor Baird ou com Rachel.
Havia outra irmã além de Camille? Ela jamais a mencionara. Por quê? E que "circunstâncias" assolavam a família de Rachel?
A sra. Royce encontrava-se diante da mesa, com Rach a seu lado, segurando o livro de receitas. Quinn não ficou surpresa. Já havia reparado que ela vivia conspirando com a cozinheiras e as criadas nos últimos dias.
— Bom dia, sra. Baird — Rachel cumprimentou-a e encarou Quinn.
— Serei a anfitriã da festa de amanhã à noite — Eleanor pronunciou.— Eu e minha filha, Constance.
— Sua filha? — Rachel perguntou.
— Claro. — Eleanor postou-se entre Rachel e a sra. Royce. — Deixe-me ver o livro de receitas.
Rachel entregou-lhe o livro e afastou-se. Não tinha a menor disposição de observar aquela mulher mexe-riqueira intrometer-se nos arranjos da festa que ela própria realizara durante semanas.
Quinn tentou bloquear-lhe a passagem.
— Rachel espere…
Ela desviou e correu escada acima, recusando-se a responder.
Chegava ao topo da escada quando Quinn voltou a chamá-la.
— Annie, quero…
— Deixe-me em paz.
— Não.
— Volte à cozinha antes que Eleanor Baird a veja e comece a inventar histórias.
— Não ligo para o que Eleanor Baird pensa.
— Pois eu ligo. — Rachel precipitou-se pelo corredor. Ela não a seguiu. Mas, ao sair à varanda, ela sentiu um forte aperto no peito.
Admirando a imensidão da fazenda, Rachel percebeu quão reconfortante tornara-se aquele espaço da residência. Os campos, as plantações, os prédios… tudo fora construído por Quinn. Sentiu-se orgulhosa por ela ser tão capaz. Havia conquistado um belo patrimônio.
Em vista disso, não seria natural que Eleanor Baird e a filha atuassem como anfitriãs na festa?
Rachel jogou-se na cadeira de balanço. Depois da família Fabray, os Baird eram as pessoas mais proeminentes da região. As duas famílias se conheciam havia anos. Pertenciam à mesma classe.
E não havia nenhum escândalo assombrando o clã Baird.
Quando Rachel contou à mãe que Quinn a convidara para ser a anfitriã da recepção, Shelby ficara exultante. Por um instante, Rachel enxergara aquele brilho vivaz nos olhos da mãe.
Porém a luminosidade aos poucos se apagou. Rachel e a mãe sabiam por quê.
Shelby não podia ser a anfitriã devido à opinião dos habitantes da cidade denegrir a família Berry. O fato desencadearia mais rumores. Shelby se exporia aos olhares maldosos dos vizinhos. O primo Angus se sentiria obrigado a expulsá-las de sua casa.
Se isso acontecesse, a família não teria onde morar. Sua mãe ficaria
arrasada. E Rachel não conseguiria pagar a escola de Camille.
Rachel abraçou os joelhos. Devia estar usando um vestido, pensou, fitando a calça comprida. Cerrou os lábios para controlar o choro. Ultimamente, sentia tanta palpitação ao ver Quinn, ou ouvir sua voz, ou percebê-la caminhando pela casa, que as lágrimas logo brotavam.
Ela a amava. Amava os filhos e o lar dos Fabray's. E seu amor não era desejado ou necessário.
Eleanor estava encarregada da festa. As crianças não queriam saber de Rachel. E Quinn…
Rachel ignorava o lugar que ocupava na vida dela. E tampouco sabia como enfrentar a festa testemunhando Constance Baird ao lado de Quinn a noite toda. Após enxugar as lágrimas, ela se levantou. Sentia-se incapaz de sobreviver ao evento e ao escândalo da gravidez de Willa. Se perdesse o emprego, não conseguiria apoiar sua mãe nem pagar os estudos de Camille.
Tantos problemas pesavam sobre seus ombros. Restava-lhe apenas a
tentativa de seguir em frente.
Ao sair da varanda, Rachel deu-se conta de que desconhecia o paradeiro das crianças. Naquela manhã, ela as havia deixado no quarto, com Geórgia cuidando de Hannah, quando descera à cozinha para encontrar a sra. Royce.
Ficou tranquila ao ver que os três brincavam em silêncio. Rachel dirigiu-se aos seus aposentos.
Um gemido frágil escapou-lhe dos lábios quando avistou a porta do
armário aberta.
No chão, sobre o tapete, havia um punhado de retalhos que outrora foram seus três únicos vestidos.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.