História Uncover - Um esbarrão

A quarta-feira chegou, Benê estava nervosa.

– Tá tudo bem filha?  -  indagou Josefina.

– Ta sim mãe, tô só ansiosa.  - disse Benê.

 – Fica calma filha, vai dar tudo certo. - disse Josefina.

– Mãe e se eu tiver Asperger? Como eu vou lidar com isso? - indagou Benê.  

– Filha, você forte, e tem mais, suas amigas vão te ajudar com tudo, inclusive eu. - disse Josefina.   

– Oi Benê! - falaram Tina e Lica.

– Oi! - falou Benê.

– E aí, tá sussa? - indagou Lica.

– Se “sussa” quer dizer “bem”, estou tentando. - respondeu Benê.

– Benê, fica tranquila, a doutora Laura é muito boa, ela vai saber ajudar você. - disse Tina.

Benê apenas assentiu.

Nessa hora Laura chamou Benê.

– Benedita Teixeira Ramos? - disse Laura.

– Sou eu. - respondeu Benê.

– Venha querida, prometo tentar ser rápida e direta. - disse Laura.

Benê assentiu um pouco nervosa.

Benê adentrou a sala junto com a doutora.

– E aí como você está Josefina? - indagou Tina.

– Ansiosa e muito nervosa. - disse Josefina.

– Vai dar tudo certo. - disse Lica.

Josefina assentiu se sentando na cadeira do corredor.

Enquanto isso…

Benê e Laura se sentaram frente a frente.

– Oi Benedita, eu sou Laura, você está bem? - indagou a doutora.

– Estou tentando. - falou Benê evitando olhar para a doutora.

– Bom, eu sou uma doutora de psicologia aqui da Academia, e estou aqui para ajudá-la. Tina e Lica também são minhas amigas, mas não tanto quanto são suas amigas. Pelo que eu sei elas estão te ajudando com isso não é? - indagou a doutora.

– Estão sim. - disse Benê seca.

– Tudo bem, ok. Benedita agora que já nos conhecemos um pouco, poderia me falar um pouco sobre você? Ou sobre a sua escola? Me fale sobre o seu dia a dia. - falou a doutora.

– São muitas perguntas não é? - falou Benê – Mas, tudo bem. Não tenho muito o que falar sobre mim, o que posso dizer? É… Gosto de correr e corro toda manhã, diariamente. Depois eu vou pra escola, volto pra casa, fico em casa ou me encontro com meus amigos, que não são muitos, alguns são só colegas, nunca fui de muitos amigos. - disse Benê.

– Okay. Poderia me falar sobre as pessoas com quem convive? - indagou a doutora.

– Bom, eu moro apenas com minha mãe e meu irmão, desde que meu pai foi embora de casa. Minha mãe sempre me ajuda e meu irmão ainda é criança. - disse Benê meio receosa, achava estranho aquilo de contar sua vida para uma estranha.

– Pode confiar em mim, eu sou sua amiga, pense que eu sou seu diário, eu vou saber de coisas fundamentais, você pode me contar tudo o que quiser, mas estará tudo guardado comigo, eu não contarei a ninguém. - falou Laura.

Benê engoliu seco e fez um esforço.

– Como você é Benedita? O que gosta e o que não gosta? - indagou a doutora.

Benê olhou a doutora e engoliu seco novamente suspirando.

– Eu… Gosto de organização, tipo a sua mesa. Todas as planilhas e relatórios estão empilhados aqui, definitivamente certos. Os seus livros estão lado a lado na prateleira, organizados, sem nenhuma alteração, e todos na mesma ordem. Há um estojo específico para canetas e lápis, está tudo muito organizado e assim eu sou também. Tenho meu jeito de fazer as coisas, e quando algo não está certo é como se… Seus relatórios estivessem espalhados por toda a sala, seus livros na mesa, alguns abertos outros fechados, outros caídos no chão, e suas canetas e lápis misturados. Tudo fica em desordem, bagunça tudo e eu não consigo lidar, eu não gosto de mudanças. – Benê suspirou.

Laura a ouvia atentamente e estava impressionada com a maneira de explicar de Benê.

– Por favor, pode continuar? Precisa de água? Alguma coisa? - indagou Laura.

– Não, eu estou bem, doutora. Como eu estava dizendo, eu gosto de mansidão, eu gosto de calmaria, o ar condicionado desta sala representa. Ele acalma, refresca e deixa tudo mais tranquilo. A porta fechada também é um exemplo, ela impede que sons que não convém passem e nos atrapalhem. Agora, imagina se… o ar fosse trocado por um ventilador velho, enferrujado e barulhento. E se a porta estivesse aberta, nós ouviríamos não só o som das nossas respirações, falas e do ar, mas ouviríamos sons de conversas, sons de passos, maçanetas, o bater das portas, o barulho dos telefones tocando, tudo. E todo esse barulho incomoda, por isso a mansidão e a suavidade na hora de tudo é importante, eu não gosto de barulhos altos. – Benê suspirou novamente. – Eu, também não entendo sentido figurado, não sei o que algumas palavras querem dizer, não sei o porquê dessas palavras existirem e confundirem nossa mente, ou o porquê delas serem engraçadas pras pessoas ou muito usadas. – Laura sorriu fracamente – Não gosto que me toquem, sinto um desconforto, sinto como se meu corpo rejeitasse uma ação a mim, e, a minha reação a isso não é muito boa, eu simplesmente não consigo. Quando as coisas não estão boas pra mim ou quando as pessoas me tocam eu grito, corro e fujo, acabo sempre querendo ficar sozinha, mas estou tentando melhorar nisso. E… eu… não… - dizia Benê parando.

– O que? - indagou Laura.

– Não sei o que sinto na maioria das vezes. Eu, só… não sei. Fico confusa sobre isso e acabo ficando muito nervosa também. - falou Benê.

– Entendo. - falou a doutora depois de ter anotado tudo. – Então sua reação pra maioria das coisas que acontecem é ficar nervosa, tensa, correr, fugir e se isolar? - indagou a doutora.

– Sim. - Benê confirmou.

– Okay. Você poderia me acompanhar até a sala de exames? - indagou a doutora.

– Sim. - respondeu Benê levantando, e seguindo a doutora.

Josefina estava do lado de fora.

– Só um momento tá bom Josefina, sua filha vai fazer alguns exames. - disse a doutora.

– Okay tudo bem. - disse Josefina. – Vai lá filha. -

Benê assentiu.

Benê foi, fez alguns exames e finalmente foi liberada.

– Vamos até sua mãe. - falou a doutora.

– Vamos. - falou Benê.

Benê e Laura foram até Josefina.

– Oi Benê! - Tina e Lica estavam ali novamente, naquela hora tinham ido ter aula.

– Oi. - respondeu Benê.

– Meninas levem a Benê para conhecer a APP, eu preciso conversar com a Josefina um instante. - disse Laura.

– Okay, vamo Benê? - indagou Lica.

Benê apenas assentiu indo com as garotas.

– O que foi doutora? - indagou Josefina.

– Eu posso dizer que… Tina e Lica estavam certas, pode não estar confirmado mas eu sei… Benê é portadora da Síndrome de Asperger. - disse Laura.

Josefina suspirou.

– Calma, ela é uma menina muito boa. É só fazer o acompanhamento e saberá lidar com isso. - disse Laura.

– Okay, e como ela faz esse acompanhamento? - indagou Josefina.

– Pelo que sei as meninas inscreveram Benê como uma paciente de acompanhamento, então ela fará tratamento com um psicólogo estudante. - disse Laura.

– Psicólogo estudante? Mas isso é seguro? - indagou Josefina.

– Sim, os nossos estudantes estão treinando e são altamente qualificados. - disse Laura.

– Okay, e quando sai o resultado dos exames da Benê? - indagou Josefina.

– Sexta-feira. - respondeu a doutora.

– Okay. - disse Josefina.

– Aí eu peço para as meninas trazerem ela aqui. Por que aí eu converso com ela. - disse Laura.

– Tá bom, obrigada. - falou Josefina.

Tina e Lica mostravam a APP pra Benê que se encantava a cada corredor.

– Aqui é enorme! - falou Benê.

– Sim, é muito grande! - falou Lica

– Deve ser bem legal estudar aqui, dá pra ver que é um lugar muito bem frequentado! - disse Benê, nessa hora Guto passa ao lado delas.

– Ah, mudei de ideia, um pouco mal frequentado. - falou Benê alto.

– Oi Guto! - aproveitou Lica.

– Oi meninas. - falou Guto olhando as três.

Benê estava olhando para outro canto do local com os braços cruzados.

– Oi garota. - falou Guto.

Benê não respondeu.

Lica pigarreou.

– Por que está falando comigo? - indagou Benê.

– Porque sou educado. - respondeu o garoto.

– Okay, eu também sou. Oi garoto. - disse Benê.

Guto apenas riu sarcástico.

– Você é abusada né garota? - falou Guto.

– Eu? Abusada? Não seria você? - falou Benê.

– Eu? - indagou Guto.

– Você se diz educado mas não lembra de hoje de manhã né, esbarra no outros, reclama e ainda nem pede desculpas. - falou Benê.

– Ah... Entendi. Mas foi você quem esbarrou em mim. - falou Guto.

– Foi você quem esbarrou em mim! - falou Benê.

– Ai gente chega disso, cês vão ficar discutindo por um esbarrão? - indagou Tina.

– Vamos. - falaram Benê e Guto em uníssono, logo em seguida olharam um pro outro se encarando.

– Mas você tem razão Tina, tenho coisa melhor pra fazer. - falou Guto.

– Ainda bem que você tem. - falou Benê se retirando dali.

– Tô falando que sua ideia não vai dar certo Lica. - falou Tina alertando.

– Ideia? - indagou Guto.

– Nada, nada não. Vamo Tina? - disse Lica indo atrás de Benê.

Guto estranhou mas foi pra sua sala.

– Benê tem sala de música aqui mas depois levamos você pra conhecer okay? - disse Tina.

– Tudo bem. - disse Benê.

– Aqui tem bastante gente legal viu Benê? - disse Lica.

– Se elas forem igual aquele garoto chato, não tem. - falou Benê lembrando de Guto.

– Ah para Benê, vai, confessa, ele é mó gatinho! - disse Lica.

– Gatinho? - indagou Benê.

– Benê, ela quis dizer que ele é bonito. - disse Tina.

– Ah, eu não achei. - disse Benê.

– Ah Benê para de mentir tá? Vai confessa, cê achou o Guto bonito né? - falou Lica.

– Tá, não vou negar, ele é bonito sim, mas não gostei muito dele, será que a gente pode mudar de assunto? - indagou Benê.

– Claro. - Lica levantou as mãos em redenção e riu.

Tina riu com ela.

– Você vai amar fazer tratamento aqui Benê, claro, se você tiver alguma coisa, a pessoa que vai te ajudar você não tem noção de como vocês vão se dar bem! - disse Lica sorrindo.

– Verdade, é o que eu espero. - disse Tina.

– Pelo menos tenho vocês. - disse Benê.

– Vocês sabe quem vai cuidar de mim caso eu tenha Asperger? - indagou Benê.

– Não Benê, nos só sabemos no dia, mas sabemos quem é, "possivelmente". - disse Lica.

– Sério? Então quem é? - indagou Benê.

Lica sorriu mas ficou sem reação, e Tina não sabia falar nada.