S/N não dormiu nada. Mesmo assim, às seis da manhã do dia seguinte, levantou da cama praticamente se arrastando e foi até o banheiro. Seus cabelos estavam uma bagunça, a cara, amassada e os olhos, com olheiras. Abriu o armário do banheiro e pegou sua escova de dente e a pasta. Fez suas higienes. Ainda com as roupas do dia anterior, desceu as escadas e começou a preparar o café.
Yifan tinha que trabalhar.
Imediatamente, o pensamento de que ele seria pai retornou à sua mente. A tristeza se apoderou de seu coração e S/N não conseguiu conter sua indignação. De repente o perfume de seu marido chegou ao seu nariz e antes mesmo de ela se virar, ouviu sua voz embargada dizer um frio:
— Bom dia.
Yifan estava vestido com uma calça do terno preto, uma blusa de mangas lilás e em seus braços, o smoking. A gravata era de cor cinza, combinando com os sapatos de bico fino que finalizou o traje.
S/N não quis responder. Seu coração acelerado, apesar de amá-lo muito, ainda estava machucado. Ela colocou a garrafa de café em cima da mesa, bem como as xícaras e coisas para comer. A pia ainda estava suja com os pratos utilizados na noite anterior. A esposa se sentou à mesa e em sua frente, Yifan se colocou. Serviu-se com o café com leite e nada disse. Seu olhar era cabisbaixo, triste, arrependido. Ele nunca quis machucar a S/N. Ambos ficaram separados por alguns meses e tiveram amantes, mas como S/N disse, ela não engravidou. Mas como poderia? Ela tinha uma doença que a impossibilitava de tal prazer.
— O que você vai fazer agora?
Ouviu-se a voz melódica de S/N em meio àquele silêncio aterrorizante.
— Eu… Não sei.
— Não sabe. — Riu irônica. — Como assim, não sabe?
— Eu não quero esse filho, S/N. — Disse de maneira dura. — Nunca quis um filho que não fosse com você. Fruto do nosso amor.
— Bem, você sabe que isso é impossível e já que você teve a proeza de engravidar outra mulher, por favor, seja homem e arque com suas responsabilidades. — Disse grosseira e com os olhos cheios de lágrimas. Ela engoliu em seco enquanto encarava o marido, que também estava estarrecido com sua resposta. — Ela deve estar precisando de ajuda. Você deve ajudá-la. E ao bebê, também.
— S/N…
— Não tem mais S/N nem menos S/N. — Disse forte. — Você vai procurá-la hoje e ver no que pode ajudar. Seja homem, Yifan, pelo menos uma vez na vida! — Disse já alterada e com tremores nas mãos. Seu corpo e sua mente estavam cansados. Não, exaustos.
Yifan estava estarrecido com a atitude da esposa. Nunca a viu daquele jeito, nem quando disse que teve uma amante.
— Esse caso não significou nada para mim, S/N. Preciso que entenda isso.
— Posso entender, mas significando algo ou não, existe um filho seu e dessa garota.
— Garota…
— Não é uma garota? É um homem, por acaso? — Perguntou com ironia. Estava pelas tampas com Yifan e sua vontade era de espancá-lo até ver sangue sair de seus orifícios.
— Ela é mais velha do que você. — Respondeu ele tímido e terminando o café com leite. — Um pouco, mas ainda assim, velha.
— Isso não importa, Yifan. — Disse sem nem se importar com o que ele disse. — Você teve uma amante, isso é fato. O caso de vocês rendeu um filho. Esse é outro fato. O bebê não tem nada a ver com isso e eu vou te obrigar a ver isso. Vou te obrigar a ter responsabilidade e assumir os seus erros. Bem, você diz que esse bebê é um erro. Mas será mesmo? Você queria tanto ser pai… e agora vai ser.
— Eu queria ser pai. — Disse sério, olhando profundamente nos olhos da esposa. — De um filho seu. Nosso. Da nossa união. Não com uma qualquer.
— Pois trate de aceitar os fatos de que eu sou seca e essa amante tem um filho seu na barriga! — Disse com uma frieza terrível. — Você vai procurar por ela hoje e vai ver o que ela precisa. Você vai assumir esse filho, Yifan, sendo ele legítimo ou não.
O homem ficou calado, apenas encarando o rosto da esposa, que tentava inutilmente não chorar e não desabar na frente dele.
— Você leu a carta toda? — Perguntou após minutos em silêncio.
— Até a parte que ela diz que está grávida de oito meses e que pode morrer no parto. De resto, não vi.
— Pois ela diz que quer que eu crie esse filho com você. — Quando ouviu essas palavras, S/N voltou a encarar o marido. — Ela quer que você seja a mãe dele.
— Eu? Ah, por favor…!
— Queríamos adotar uma criança, S/N. — Yifan se permitiu sorrir — Não precisamos mais adotar.
— Isso é assunto para outra hora. — S/N o cortou e se levantou da cadeira. — Apenas… Procure essa mulher e ajude no que for necessário. — Então, saiu da cozinha e subiu as escadas até seu quarto.
Yifan ficou sentado por mais alguns minutos pensando em tudo que sua esposa disse. Ela o mandou ser homem. Ele já era homem. Mas atenderia o pedido dela de procurar a amante e ver tudo o que ela precisava.
Ele se arrependia, mas no fundo, entendeu que aquele bebê talvez fosse uma dádiva para o seu casamento. Adotar uma criança era muito burocrático, e Yifan sendo pai de um bebê, já era metade do caminho andado.
Só havia um porém: ele não conseguiria sozinho. Ele só ia conseguir ser pai com a ajuda de S/N.
×××
— E por que você decidiu me contar que está grávida apenas agora? — Yifan perguntou à Suran, sua ex-amante e dona da carta que deixou seu casamento abalado novamente. — Podia muito bem ter me contado quando descobriu.
— Claro que não. — Suran falou indignada. — Eu nunca quis destruir seu casamento, Yifan, sempre soube que foi apenas um caso passageiro, e que nenhum de nós nutria nada um pelo outro. Só que as coisas mudaram, Yifan. Esse filho aqui — apontou para a barriga muito avantajada. — vai ficar sem mãe. O médico disse que minha doença pode me levar embora durante o parto e não quero que ele fique sem apoio. Por favor, não deixe nosso filho ir para a adoção.
— Olha…
— A sua esposa sabe disso, não sabe? Você contou a ela? — Suran perguntou, mas a resposta que obteve foi apenas uma expressão de decepção do homem. — Não? Não contou?
— Ela descobriu lendo sua carta. Recentemente ficamos sabendo que ela é estéril e… isso mexeu muito com ela. O fato de eu ter engravidado você, a deixou sensível e… Droga, foi horrível!
— Eu… Sinto muito. Mas veja pelo lado bom, nosso filho pode ser seus. Ela pode ser mãe dele.
— Ela ainda não se decidiu se vai continuar comigo, quiçá criar esse filho, Suran. Ela me fez prometer que ia te dar todo apoio e é por isso que estou aqui. O que você precisa?
— Nada. Eu já tenho tudo, mas… O que preciso é do pai do meu filho cuidando dele. Não quero que ele vá para um abrigo e caia em mãos erradas..
— Tudo bem. — Yifan coçou as sobrancelhas. — Não vou deixar isso acontecer. Prometo que vou criá-lo, sozinho ou não.
— Jura? — Suran ficou realmente feliz com a notícia. — Ótimo. Ótimo, então!! É um menino, se deseja saber. Eu tinha escolhido o nome, mas tendo em vista que você e talvez sua mulher vão criá-lo, podem escolher o nome.
— Qual nome você escolheu?
— Me recuso a dizer. — Suran sorriu. — Não quero influenciar a decisão do nome. Eu só quero… que você cuide dele. Mas cuide com carinho e amor.
— Sou incapaz de maltratar uma criança, Suran. — Yifan suspirou. — Eu vou tentar conversar com a S/N, mas tenho quase certeza de que ela vai pedir o divórcio dessa vez. E pra sempre. — Ele riu sem graça. — Justo agora que estávamos bem.
— Eu realmente sinto muito ter feito isso. Não queria estragar seu casamento, mas foi o meu último recurso. Meus pais não gostam de mim e…
— Eu conheço a sua história. — Yifan a cortou. — Pode dormir tranquila a partir de hoje porque… Eu vou cuidar do… meu filho. — Foi estranho para Yifan dizer aquilo.
— Certo. Você sabe onde moro, o quarto dele está montado. Tenho berço, roupinhas, pelúcias… Tenho tudo. — Suran deixou suas lágrimas escaparem. — Só espero poder ver o rostinho dele antes de morrer.
— Talvez você viva, Suran. Nada é certo.
— Você… Pode estar no hospital quando for o parto? Quero que esteja lá pra evitar que chamem o conselho tutelar e…
— Estarei. Você me liga quando sentir qualquer coisa estranha. Eu vou atender dessa vez.
— Vou me internar amanhã. O médico disse que precisa me monitorar e que o parto pode ser feito antes do tempo. Então, a partir de amanhã, estarei internada na maternidade.
— É particular?
— Sim. Eu paguei um plano durante esses meses. E mesmo sem saber se você aceitaria ou não, dei o seu nome como contato e… Pai do meu filho.
— É apenas a verdade. — Yifan respondeu grosseiro. — Não se preocupe, eu vou estar lá quando o parto acontecer.
Suran concordou várias vezes. Estava feliz, e ao mesmo tempo, triste. Acariciava a barriga e encarava seu vestido.
— Eu posso... — Yifan pediu de repente. — tocar? — Se referiu à barriga dela.
— Claro. Claro que pode. — Suran se virou pra ele e pegou sua mão grande. Encostou vagarosamente na barriga. — Este é o seu papai, bebê. — Disse num sussurro. — Você vai conhecê-lo logo.
Yifan sorriu ao sentir uma movimentação dentro da barriga.
— Ele chutou! — Suran sorriu. — Ficou feliz em sentir o seu toque.
— Deixa de besteira. — Yifan falou querendo chorar, mas se conteve. Imaginou sendo a barriga de S/N. Se fosse, seria tão mais mágico e agradável. — Não se preocupe. Eu vou cuidar de você. — Disse para o bebê. — Vou cuidar de você, Yan. — Deu o nome a ele. — E vou convencer a S/N a cuidar de você também.
E uma lágrima solitária escorreu por seu rosto. Olhou para Suran, que também estava chorando e ao mesmo tempo, sorrindo.
— Obrigada. Obrigada por não deixá-lo sozinho.
Yifan negou. No fim, S/N tinha razão, era responsabilidade dele e ele deveria assumí-la.
— Me dê o endereço da maternidade. Vou te visitar amanhã.
Suran rapidamente pegou um bloco de notas e uma caneta, anotando o nome da rua, número, ônibus que levava até lá, apesar de saber que Yifan tinha carro.
— Ficarei feliz em te ver por lá. — Entregou a ele o papel. — E se sua esposa...
— Deixe-a fora disso. S/N está sofrendo mil vezes mais por causa disso.
— Tudo bem. — Suran se levantou. — Eu vou embora, agora. Preparar o resto da bolsa do bebê. E fiz uma cópia da chave da minha casa para você. — Pegou o chaveiro e entregou a Yifan. — Pro caso de você querer pegar as coisas dele lá. — Se referiu ao quarto do bebê.
— Tá bom. — Yifan engoliu seco e também se levantou, pegando o chaveiro. — Eu te levo em casa.
— Não precisa, eu...
— Suran. — Falou forte, o que fez a mulher entrar no carro dele.
O caminho foi feito em silêncio, mas o olhar de Yifan alternava entre o trânsito e a barriga grande de Suran. Se permitiu sorrir imaginando que era a barriga de S/N. Limpou a lágrima que escorreu e estacionou de frente pra casa da mulher.
— Muito obrigada. — Suran tirou o cinto de segurança e abriu a porta. — Por tudo. — Olhou uma última vez para Yifan e desceu do carro.
Ele esperou que ela entrasse em casa, para então, seguir para a sua. Não sabia o que esperar de S/N, mas como de praxe, seu jantar estava no forno, dizia o bilhete na geladeira. A casa estava escura e ele presumiu que a esposa estivesse dormindo.
Porém, após jantar, seguiu para o quarto do casal e se deparou com a esposa deitada na cama, abraçada a um travesseiro, vestida com uma camisola longa de cor branca. Seus olhos jaziam bem abertos e parecia pensativa.
— Oi. — Yifan disse tirando a gravata e os sapatos.
Não houve resposta. Apenas um olhar de lado para conferir que ele tinha mesmo chegado.
— Eu já vou sair, só vou pegar uma muda de roupa.
— Você foi visitá-la? — Perguntou de repente, ainda petrificada olhando para a janela.
Yifan suspirou.
— Sim. Por isso cheguei tarde, estava conversando com ela.
— Ajudou com o que deveria?
— Ela não está precisando de nada. Comprou tudo, o quarto do bebê está montado e… — Parou de falar quando percebeu que a esposa fechou os olhos e deixou lágrimas saírem dele. — Só quer que eu cuide dele.
— Entendo. — Ela se virou de barriga pra cima. — Ela tem razão.
— Razão? — Yifan já estava apenas de cueca, pronto para tomar banho.
— Ninguém quer que o filho vá para a adoção. — S/N se sentou e segurou as próprias pernas, apoiando a cabeça nos joelhos.
— É. — Yifan finalmente se aproximou e se sentou ao lado dela na cama. — Sabe, S/N… Eu… — Se tornou emotivo. — Vou criar esse filho. Quero criá-lo, mas com você. Eu não sei se sozinho consigo ser pai, mas tenho certeza de que, com você, — olhou pra ela, que ainda jazia cabisbaixa. — eu consigo.
Então ela levantou o olhar para ele.
— Você é o meu porto seguro, e quero que seja o porto seguro desse bebê também. Não quero e não posso deixar você ir. Por favor, me ajude. — Ele chorou de novo, principalmente por ver as lágrimas da esposa, por saber de seu sofrimento. — Só posso ser pai, se você for a mãe.
S/N nada disse de início. Ficou encarando os olhos lacrimejantes de Yifan, procurando algo neles. Uma mentira, talvez. Mas não encontrou. Só havia arrependimento e tristeza.
— Eu não sou a mãe dele.
— Não a biológica, mas… A de coração.
— Não sei se posso.
— Claro que pode. — Yifan sorriu e limpou as lágrimas dela. — Você sempre quis ser mãe. Você tem o instinto maternal. E quando vir esse bebê, vai saber o que fazer. Já eu…
— Foi bom apenas em fazer, não é? — Disse fria novamente. Olhou pra frente. — No momento do sexo, não pensou em mim, não pensou em bebê. Só… em foder com sua amante, não é?
Yifan ficou abismado com o palavreado da esposa.
— Em suma, é isso, sim. Foi apenas uma transa de uma noite e eu usei camisinha. Só que descobri, do mesmo jeito que você descobriu, que ela furou. Por aquela carta. Eu não sabia da existência desse bebê, nunca soube.
S/N suspirou. Esticou as pernas e apoiou ambos os braços na cama.
— Pra quando… é o parto?
— Ela disse que vai se internar amanhã, pois o médico quer monitorar o restante da gravidez. Pode acontecer a qualquer momento. E ela me pediu para estar lá.
— Você vai. — Ela o encarou novamente. — Você vai estar lá. Vai segurar a mão dela e… Dar apoio.
— Sim. — Concordou. — Mas estou preocupado com… o depois. E depois, eu vou pra onde com o bebê? O que vou fazer?
— Você pode trazer o bebê pra cá. — S/N ficou mais relaxada. — Mas não quer dizer que vamos ficar juntos ou que vou ser a mãe dele. Você pode ficar até resolver sua situação.
Então era isso. Ela ia pedir o divórcio.
— Certo. — Yifan se levantou. — Vou falar com meu advogado sobre os papéis do divórcio e procurar um apartamento para mim.
S/N ficou em silêncio novamente. Yifan foi até o guarda-roupa e pegou uma toalha, seguindo para fora do quarto.
— Que eu saiba, — S/N o interrompeu. — seu quarto é aqui.
Yifan sorriu de leve ao perceber a permissão para ficar.
A esposa se deitou novamente na cama e se virou para o lado da janela. Ele seguiu para o banheiro deles para tomar um banho mais relaxado.
Depois, vestiu uma outra cueca e se deitou ao lado de S/N. Tomou a coragem de passar seu braço pela cintura da esposa, e espantosamente, não houve rejeição.
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