Você já sentiu um “vazio emocional” ou um oco em seu interior? Se a resposta for positiva, sabe que é difícil de explicar a alguém o que você realmente sente. Não tem a ver com ter ou não dinheiro. Ser mais rico ou mais pobre. Uma pessoa pode ter tudo que necessita e, entretanto, sentir um profundo vazio em seu interior. Sentir-se vazio é pensar que a existência não tem sentido, mesmo quando o nosso ambiente nos mostra exatamente o contrário.
Poucos estados vitais são tão paralisantes quanto o vazio emocional. Apesar do “vazio” ser descrito como ausência de algo, no campo da psicologia esta dimensão se define por um sofrimento, um mal-estar e uma profunda tristeza. A frustração pessoal, a dor de uma infância complicada, o fracasso ou mesmo o estresse e a ansiedade podem evoluir para este buraco negro existencial.
E vazio era tudo o que Bonnibelle sentia desde sempre. Desde que se lembrava, esse vazio a acompanhava, mesmo na infância até agora na adolescência, ele parecia somente crescer com o tempo e não ter fim. Como se estivesse impregnado nela, como um parasita, uma erva daninha que cria raízes fixas no fundo da terra para poder se fortalecer e ficar por tempo indeterminado, impedindo o surgimento de algo novo e frutífero. Seu vazio era exatamente assim: Ele crescia em seu peito, como uma erva daninha, e impedia qualquer chance de algo bom preencher o seu lugar.
E a escocesa tentou de tudo para preencher esse vazio: Viagens, festas, compras e sexo. Bonnie tentou de inúmeras formas buscar um sentido para a sua vida dita como "perfeita", mas todas as suas tentativas eram inúteis. O vazio continuava ali, inalterado. Claro, se ela se sentasse e se abrisse com alguém, seria vista como uma garotinha mimada e ingrata que havia nascido completamente privilegiada, enquanto muitos jovens da sua idade não tinham um terço de tudo o que ela tinha. Ah, estereótipos. Eles são bastante cruéis, na verdade.
Muitos a olhavam e a julgavam sem mesmo buscar lhe conhecer de verdade. Era uma jovem bonita e rica, mas taxada de burra, fútil e frívola justamente por ser bela e possuir posses. E se com tão poucos motivos e sem lhe dá chances de se mostrar alguém melhor do que imaginavam, eles a julgavam, o que fariam se ela contasse que sua vida "perfeita" não era tão perfeita assim?
E se Bonnie contasse a verdade sobre si mesma? A verdade é que por detrás do glamour, das riquezas e de todos os atributos que a fizeram ser a polêmica e misteriosa Bonnibelle Woodward existia uma garotinha que tinha muito mais cicatrizes do que se podia imaginar? Ninguém a entendia, fingiam que sim mas não, ninguém, de fato, conseguiria entender a sensação constante de estar sozinha e perdida. Queria chorar por isso, mas não conseguia. A falta de sentido no fato de estar viva a deixava sem forças para conseguir chorar.
Havia passado por muitas dificuldades. Não financeiras, é claro, isso nunca foi um problema para sua família. No entanto, tudo na vida tem preço até mesmo o dinheiro possui um grande preço a se pagar para tê-lo. E o preço de Bonnie havia sido bastante caro; Uma família completamente instável.
Não que não amasse seu tio e seu primo, Ainden e Alec eram as pessoas mais importantes neste mundo para ela. No entanto, a necessidade de ter mais do que alguns minutos com seu pai, o grande magnata Scott Woodward, sempre foi muito maior do que gostaria.
Bonnie odiava clichês, mas não conseguiu impedir que os negócios do pai pesassem na relação de ambos. Tudo bem que Scott nunca foi um exemplo de pai amoroso, mas a empresa tinha um peso a mais na relação. Por mais que entendesse que era da natureza dele ser assim tão distante e que a empresa exigia sua atenção, a jovem desejava ter um tempo maior do que dez minutos com Scott.
Quando era criança, Bonnibelle imaginava como seria se seu pai lhe buscasse na escola e a levasse para algum programa divertido de pai e filha. Todavia, suas esperanças sempre iam para o ralo, pois sempre que saía da escola era seu motorista ou seu tio que estavam a esperando. Nunca era Scott, já que estava trabalhando.
A ruiva se surpreendia com sua capacidade de não odiá-lo. Quer dizer, a falta de uma figura paterna não foi um grande problema para ela, afinal Ainden foi perfeito nisso. Porém, o motivo que a levou a não odiar o progenitor era por entender que depois do que aconteceu com Aggie, demonstrar o que sentia era difícil para ele. Bonnie não o culpava por Aggie ser uma mulher louca, mas ele se culpava dia após dia, criando empecilhos em sua relação. Graças a isso, eles não tinham um vínculo muito profundo.
A falta dos seus progenitores poderia sim ser uma excelente razão para ela se sentir vazia, mas a escocesa sentia que seu problema ia muito além disso. Ela só não sabia exatamente qual era o real problema, havia se mudado para Buenos Aires em busca de um novo começo e para descobrir quem de fato era.
Woodward se escorou na parede para tirar os sapatos que começavam a incomodar. A animação para continuar na festa havia ido quase que totalmente embora, ela só queria voltar para o quarto e tomar um longo e relaxante banho quente. No entanto, deteve seus passos quando cruzou um corredor novo e que não se lembrava de ter passado antes. Ao longo dele havia alguns vitrais - desenhos feitos com pedaços de vidros coloridos.
O corredor dava acesso a uma grande cúpula que possuía um tambor com outros vitrais no alto da parede. Além disso, ela possuía mais dois corredores: Um dava acesso a uma escada que levava para os jardins dos fundos. Já o outro levava a um corredor alternativo que levava a antiga biblioteca e também aos bastidores do também antigo teatro do colégio que se encontrava fechado a mais de três anos para uma reforma que nunca aconteceu. E no grande espaço abaixo do teto da cúpula havia alguns bancos para os alunos se sentarem, além de um chafariz que um dia jorrou água através de um pequeno cupido que segurava um arco e flecha. A luz da lua passava pelos vitrais, trazendo junto com a imagem da fonte uma sensação de calmaria.
Bonnie nunca havia passado por aquele corredor, pois tinha certeza que jamais teria deixado de reparar em tamanha obra de arte exposta para todos os alunos observarem. Encantada com a visão, a ruiva andava a passos lentos, observando que nos vitrais, ao invés de terem imagens bíblicas - como era comum em igrejas, por exemplo - havia imagens de obras teatrais famosas como Hamlet, Rei Lear, Prometeu Acorrentado, Júlio César e algumas outras que arrancavam um suspiro admirado da adolescente.
— Isso é tão… — Bonnibelle sussurrou, mas sua fala foi completada por outra pessoa que ela não tinha notado estar ali também.
— Maravilhoso. — Letícia Oliveira, a coordenadora do clube de robótica, disse fazendo a garota dá um pulinho pelo susto. — Desculpe, não queria te assustar.
— Não, eu é quem devo pedir desculpas. Fiquei tão hipnotizada pela beleza dos vitrais que não notei a senhora. — Ao ver a professora arquear uma sobrancelha quando ouviu o "senhora", a ruiva se corrigiu: — Quero dizer, eu não notei você, Letícia.
Mesmo em tão pouco tempo de convivência, Bonnibelle poderia afirmar com todas as letras que Letícia era sua professora favorita no colégio. Desde o festival, quando ambas colocaram um atleta machista no seu devido lugar até aquela primeira semana de aula, quando puderam conviver de fato como aluna e professora. Bonnie, que já havia simpatizado com Letícia naquele primeiro momento, se admirou ainda mais quando passaram a conviver. Pois pela primeira vez na vida, a robotista conseguia se identificar com alguém. Alguém que constantemente lutava para garantir o seu lugar, independentemente do que diziam a seu respeito.
Para muitas pessoas, a brasileira era apenas uma professora bastante séria e durona. No entanto, a vida no Nordeste de Amaralina, uma periferia em Salvador na Bahia, fez com que Letícia se tornasse uma pessoa fechada.
Poucos sabiam da sua infância pobre; Filha de mãe solteira, ela, assim como muitos outros brasileiros, não conhecia e nem sabia quem era seu pai, já que o mesmo abandonou sua mãe assim que descobriu que ela estava grávida. Dona Madalena teve Letícia no auge dos seus dezessete anos e teve que adiar muitos planos para poder criar a filha com a ajuda de sua mãe. Não foi fácil, mas Letícia jamais passou por alguma grande necessidade, pois Madalena nunca deixou faltar comida na mesa e a incentivou a estudar, se quisesse um dia ter uma vida melhor.
Apesar da infância difícil, desde pequena a brasileira é determinada a conquistar o que quer. Aos 18 anos, conseguiu ser aprovada para ingressar na Universidade de Buenos Aires e após um grande dilema entre seguir o seu sonho em outro país ou ficar com sua família e amigos na sua terra natal, Letícia aceitou vir para a Argentina, onde conheceu Alfonso Serrano na mesma instituição de ensino, alguém que acabou se tornando um grande amigo e no futuro atual, seu chefe.
Não foi fácil para Letícia o processo de adaptação. Brasileira, mulher negra e pobre em um país onde apenas 4,3% da população que reside na Argentina é afrodescendente e que cerca de 75% a 97% das mulheres eram alvos de algum tipo de violência, foi de se esperar que ela encontrasse muitos desafios para poder pegar o seu tão esperado diploma e se tornar uma mulher respeitada e admirada na USA.
Assim como Letícia, Bonnie também era constantemente subestimada. Vista como fútil e incapaz, ela tinha que constantemente provar o seu valor e graças a isso, criou uma espécie de armadura para poder se proteger de ataques vindos de pessoas que não sabiam nada sobre ela, mas que ainda sim se sentiam no direito de lhe julgar.
Então, não foi uma grande surpresa para ambas quando notaram que haviam se dado muito bem mesmo em tão pouco tempo de convivência.
— Entendo. — A tranquilizou e olhou em volta. — Quando comecei a trabalhar aqui e conheci esse lugar, eu me apaixonei. Tudo bem, não sou como a Carmem que se pudesse morava nesse lugar… — Sorriu ao se lembrar da mexicana. Um dos seus raros sorrisos. — Mas gosto de vir aqui de vez em quando para admirar e recuperar a mesma animação que eu senti há 14 anos atrás. — Disse, se sentando em um dos bancos. Os olhos verdes da adolescente miravam o vestido branco simples e intencionalmente maltrapilho da professora que se vestiu de escrava para representar O Navio Negreiro (Tragédia no Mar), um poema de Castro Alves, um dos mais conhecidos da literatura brasileira. O poema descreve com imagens e expressões terríveis a situação dos africanos arrancados de suas terras, separados de suas famílias e tratados como animais nos navios negreiros que os traziam para ser propriedade de senhores e trabalhar sob as ordens dos feitores.
Sua escolha ousada e impactante surpreendeu seus colegas, mas conhecendo a Oliveira como conheciam, foi uma surpresa bastante comum. Letícia era alguém corajosa o bastante para demonstrar o quanto sentia orgulho dos seus antepassados até mesmo em um baile escolar.
A escocesa assentiu, antes de se sentar ao lado da professora que encarava o que um dia foi um lindo chafariz.
— Isso aqui já foi muito mais bonito antes. — Letícia voltou a dizer. — Soube que foi planejado pela esposa do fundador do colégio. Ela também criou o Starlet, então não me surpreende que a ideia desses vitrais e do chafariz tenha sido dela.
— O que aconteceu com esse lugar? — Bonnie indagou, encarando o local que se encontrava limpo, mas claramente prejudicado devido a falta de manutenção e reforma.
— Há uns três anos atrás, o teatro e a antiga biblioteca sofreram uma grave infiltração que acabou comprometendo as paredes. Isso gerou muito mofo, correndo o risco de danificar livros, móveis e materiais usados pela oficina de teatro. Além disso, descobrimos que o telhado não sofria uma boa reforma desde a inauguração e devido às chuvas, ele tinha um risco iminente de desabamento. Devido a isso, tivemos que mudar a biblioteca para a sala de informática e a sala de informática se mudou definitivamente para a oficina de robótica. — Letícia suspirou cansada, enquanto a ruiva mordia o lábio inferior pensativa.
A sala de informática junto a oficina era um problema para os robotistas, já que muitos professores precisavam usar os computadores em suas aulas, além dos próprios alunos que ficavam no colégio aos fins de semana e queriam ter acesso a internet. Graças a isso, toda vez que um professor precisava usar a sala, os alunos da oficina tinham sua aula adiada. Era uma dor de cabeça constante.
— O teatro foi movido para um galpão onde guardávamos coisas inutilizadas.
— Um depósito de lixo. — Bonnie observou com uma careta e a mais velha deu de ombros.
— Foi o que conseguimos fazer às pressas na época. Era para ser uma situação provisória. — A brasileira olhou para a Woodward. — Obviamente, o pessoal da limpeza cuidou de tudo. Nada que uma boa limpeza e uma pintura não resolvam.
— Então, por que não reformaram a biblioteca e o teatro até hoje? — Bonnibelle arqueou uma sobrancelha. — Quer dizer, o colégio não deveria ter priorizado a reforma? A biblioteca e o teatro ajudam a compor o coração do USA. — Indicou os vitrais. — Se a avó do diretor criou isso, ele não deveria ter um pouco mais de cuidado com a memória dela? Eu penso nisso porque se fosse a memória da minha avó, algo que ela criou, eu iria querer preservar isso.
Letícia gostava da forma como Bonnibelle não media palavras para expressar sua opinião. No entanto, apesar de concordar com o posicionamento da jovem, Letícia era a adulta ali. Mais do que isso, ela era a professora de uma instituição de ensino que estava passando por uma maré terrível no campo financeiro. Como a maioria do corpo docente desconfiava, e apenas três pessoas além de Alfonso tinham de fato certeza sobre uma possível falência, caso medidas urgentes não fossem tomadas. E Letícia era uma dessas três pessoas.
O falecido Lorenzo havia contraído inúmeras dívidas, graças a vários empréstimos em bancos na tentativa de manter as portas do colégio abertas. A verdade é que os últimos dez anos haviam sido dolorosos financeiramente falando para o colégio. Era muito investimento nas oficinas, no atletismo e no roller, mas pouco retorno. Com apenas gastos e mais gastos, Lorenzo se viu em uma sinuca de bico, mas nunca informou a real situação a família: Havia um rombo financeiro enorme e quando Alfonso assumiu o posto de diretor, teve uma avalanche de problemas para lidar.
A reforma do teatro e da biblioteca caiu no esquecimento em meio a enorme lista de prioridades mais urgentes. Com o tempo, eles viraram o novo depósito do colégio.
E Letícia não poderia dizer nada disso a aluna. Se a possível falência da escola chegasse aos ouvidos dos pais dos alunos, a situação poderia piorar muito mais. Então, ela se levantou e antes de sair, disse pondo um fim a conversa:
— Nem sempre o que deveríamos fazer condiz com a realidade.
A ruiva observou a professora ir embora ficando pensativa com a frase enigmática por alguns instantes. Algo lhe dizia que havia algo muito errado no ar e ela gostaria muito de saber o que poderia ser.
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Era como se seus pés não estivessem tocando o chão e ele estivesse flutuando. Ele sentia seu corpo incrivelmente leve, o som da música estava cada vez mais distante, assim como as vozes. Sua percepção de espaço também estava comprometida, pois era como se tudo e todos tivessem sumido, como num passe de mágica.
O adolescente caminhava aos tropeços, sua visão estava um tanto quanto turva, mas o sorriso continuava intacto nos seus lábios. O copo com o que deveria ser o seu nono copo de ponche naquela noite se encontrava agora vazio e ele pretendia buscar mais. No entanto, ele não se lembrava mais para que lado ficava a mesa com bebidas, assim ele seguiu por outra direção e saiu do baile.
Pablo caminhava se escorando nas paredes dos corredores porque se sentia tonto. Ele escorregou pela parede até se sentar no chão, pretendia ir para o seu quarto. Ele não se sentia nenhum pouco bem, algo estava muito errado. Todavia, sua boca ainda pedia desesperadamente por um pouco mais daquele ponche delicioso.
Pablo respirou fundo, antes de cair na gargalhada e olhar para o teto acima de sua cabeça. Aos seus olhos, não havia mais o teto do colégio, mas galhos da copa de uma árvore. Ele estava escorado no tronco, sentado na grama verde e não muito longe havia um lago muito bonito. O Mendes, de alguma forma, sabia que estava no País das Maravilhas.
Até que de repente, uma fumaça azul surgiu em sua frente e foi ganhando olhos, um sorriso largo, cauda e orelhas até finalmente assumir a forma de um gato. Pablo o conhecia, ele era o Gato Cheshire.
— Gatinho de Cheshire. — Começou, muito timidamente, por não saber se ele gostaria desse tratamento: ele, porém, apenas alargou um pouco mais o sorriso. — Você poderia me dizer, por favor, qual o caminho para sair daqui?
— Isso depende muito de para onde quer ir — Respondeu o Gato.
— Para mim, acho que tanto faz. — Respondeu o adolescente, encarando a situação e o diálogo semelhante ao do livro, como algo perfeitamente normal.
— Nesse caso, qualquer caminho serve — afirmou o Gato.
— ... contanto que eu chegue a algum lugar — completou o jovem vestido de Alice, para se explicar melhor.
— Ah, mas com certeza você vai chegar, desde que caminhe bastante. Você vai encontrar pessoas loucas no caminho.
— Mas eu não quero me meter com gente louca. — ressaltou o argentino.
— Mas isso é impossível — disse o Gato. — Porque todo mundo é meio louco por aqui. Eu sou. Você também é.
O patinador assimilou aquela frase e estranhamente ela fazia total sentido. Todas as pessoas que conhecia tinha algum grau de loucura, sendo bastante enlouquecedoras na maioria do tempo. Mas ele? Ele não era louco.
— Como pode saber se sou louco ou não? — disse o jovem.
— Mas só pode ser — explicou o Gato. — Ou não teria vindo parar aqui.
Pablo franziu o cenho confuso e achou que isso não provava nada. No entanto, continuou:
— E como você sabe que é louco?
— Para começo de conversa — disse o Gato. — Um cachorro não é louco. Concorda?
— É, acho que sim — disse o argentino.
— Pois bem... — continuou o Gato. — Você sabe que um cachorro rosna quando está bravo e abana o rabo quando está feliz. Mas eu faço o contrário: eu rosno quando estou feliz e abano o rabo quando estou bravo. Portanto, eu sou louco.
O patinador sorriu e o sorriso do gato aumentou ainda mais, se é que isso era possível.
— Venha comigo. — Ele disse e o loiro o olhou em dúvida.
— Para onde vamos?
— Não sei. Vamos saber quando chegarmos lá!
Mesmo diante a resposta confusa, Pablo achou que aquilo fazia sentido. Então, o jovem argentino se levantou e apoiado na parede, ele seguiu o gato que aparecia e desaparecia na sua frente. O sorriso do ser imaginário fazia com que o loiro sentisse vontade de sorrir também. Seu estado não permitia que ele percebesse que, assim como os outros alunos, ele estava tendo alucinações. E tal estado poderia ser extremamente perigoso porque não havia ninguém por perto para impedir um possível acidente.
O patinador caminhava seguindo o gato de Cheshire, se afastando cada vez mais do baile e da circulação de pessoas. Caminhando a passos perigosos para um destino incerto. Ele sequer parecia notar que estava na área da piscina esportiva e era para dentro de uma delas que ele andava.
— Diga-me, Alice, você tem medo de ser quem realmente é? — O felino perguntou e o loiro parou na beirada da piscina. Um único passo o separava da grande bacia repleta de água.
— Entre ser ou não ser… — Pablo passou a língua nos lábios ressecados, antes de sorrir orgulhoso: — Eu, com certeza, sou.
E assim como apareceu, Cheshire sumiu num piscar de olhos. O argentino piscou surpreso e perdeu o equilíbrio, caindo na piscina em seguida
O pânico o atingiu quando tentou voltar à superfície, mas seu corpo pareceu não querer atender a sua vontade. Pelo contrário, o loiro sentiu como se uma pedra gigantesca estivesse amarrada no seu pé, o puxando cada vez mais para o fundo enquanto ele lutava para voltar para cima. Seus braços batiam na água, mas de repente parecia que tinha se esquecido completamente como se nadava. As aulas de natação com seu padrinho na infância pareciam ter sido apagadas de sua memória.
A água invadia seus pulmões, aumentando o desespero que sentia. Seu corpo gritava por oxigênio, sua visão estava turva e o Mendes foi ficando sem forças e parando de se mover, deixando a inconsciência o abraçar, quando de repente seu corpo foi puxado para cima com força. Ele foi levado para a beirada, onde mãos delicadas o puxaram para fora d'água, enquanto outras mãos maiores ajudavam no processo.
— Meu Deus, meu Deus, meu Deus. — Susana disse ao ver o garoto desacordado. — Diz para mim que ele não morreu, Nicolás! — A secretária encarava o jovem pálido assustada.
— Precisamos de um médico. Vai chamar a Coraline, Susana! — O argentino disse, mas a meio-asiática ainda estava em choque. — Vai, Susana! Sai desse transe! — Gritou e isso fez a Yamamoto despertar e sair correndo em busca da Pascual.
O treinador-assistente saiu d'água e imediatamente iniciou os procedimentos corretos, como a massagem cardíaca e em seguida a respiração boca a boca.
— Vamos lá, garoto! — Disse ao mesmo tempo que voltava a fazer a massagem cardíaca. — Não faz isso comigo. Vamos lá, volte!
Longos cinco minutos se passaram. Cinco minutos aterrorizantes que mais pareceram ser uma eternidade para o argentino, quando finalmente Pablo cuspiu um pouco d'água e voltou a respirar para o alívio do mais velho.
— Graças a Deus! — Sável sussurrou. — Consegue me ouvir, garoto? Qual é o seu nome?
Pablo se sentia incrivelmente zonzo ainda, assim como se sentia fraco, como se toda a sua energia tivesse se esgotado. Ele sentia frio, muito frio. Seus olhos azuis se abriram e ele buscava encontrar o dono da voz, mas tudo não passava de um grande borrão. Sentia vontade de responder, mas não conseguia nem mesmo encontrar a sua voz. Ele fechou os olhos por alguns segundos e quando os abriu novamente, Cheshire estava o olhando com seus grandes olhos felinos e seu sorriso gigante. E essa foi a última imagem que viu, antes da inconsciência o atingir de novo.
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A verdade é a propriedade de estar de acordo com o fato real ou a realidade. A verdade é geralmente considerada o oposto da falsidade. Ela também pode ser respostas lógicas resultantes do exame de todos os fatos e dados; uma conclusão baseada na evidência, não influenciada pelo desejo, autoridade ou preconceitos; um facto inevitável, sem importar como se chegou a ele.
Para Nietzsche, por exemplo, a verdade é um ponto de vista. Ele não define nem aceita a definição da verdade, porque não se pode alcançar uma certeza sobre a definição do oposto da mentira. Daí seu texto "como filosofar com o martelo".
Mas para a filosofia de René Descartes a certeza é o critério da verdade.
Seja lá qual definição os grandes filósofos dão a verdade, para Martín, a verdade era doce e empolgante.
Ele queria que o tempo congelasse ou que alguém lhe entregasse com extrema urgência uma câmera para que ele pudesse eternizar aquela cena; A cena de Aurora descobrindo que Malena não era somente uma pessoa detestável ou uma rival pelo coração do rei da pista. Mas sim uma inimiga que estava disposta a tudo para atingir seus objetivos e tirando de seu caminho, qualquer um que ousasse ser um empecilho. E por alguma razão desconhecida pela loira, ela havia se tornado um grande empecilho nos objetivos da italiana.
— Isso não pode ser verdade. — Aurora disse, assim que conseguiu processar a informação. — Não é verdade. — Afirmou.
— Eu não tenho razões para mentir para você, Hidalgo. — Martín respondeu com tranquilidade. — Eu vi a Malena rasgando o seu figurino com uma tesoura no dia do festival. Ela parecia bem satisfeita em fazer isso, só para constar.
A argentina levou uma mão à testa. Fazia sentido ser Malena, elas nunca se deram bem e isso desde que Hidalgo pisou no colégio.
Aurora se lembrava do seu primeiro dia no colégio. Ela estava procurando o seu dormitório ao mesmo tempo que puxava sua mala com uma mão e equilibrava com bastante dificuldade uma caixa debaixo do outro braço, quando cruzou o corredor e esbarrou na Moretti, a derrubando no chão e fazendo todo o conteúdo que estava dentro na caixa cair na morena.
Obviamente, Male não reagiu bem a situação e sequer lhe deu chances de se desculpar, sendo bastante ácida com suas palavras e indo embora. Depois desse dia, a relação somente piorou com o tempo. Quando se cruzavam nos corredores, Malena a olhava com fúria no olhar. E quando Aurora se tornou amiga de Valério parecia que a Moretti iria lhe rasgar em pedacinhos sempre que os via juntos.
Por um bom tempo, a loira não tinha nada especificamente contra a rainha da pista. Quer dizer, ela não gostava da postura arrogante, do jeito apático e do claro egocentrismo da morena. No entanto, não cabia a Aura julgar o jeito de ser da outra, sendo que mal a conhecia. Então, ela levava a situação em banho Maria.
Isso até ela descobrir que Malena reinava ao lado de Rafael e que além de parceiros na pista, eles eram amantes. Claro, Aurora não achava que a italiana havia acabado com a essência de Rafael. Não, ele sempre teve aqueles defeitos, mas eles sempre ficavam escondidos atrás de suas inúmeras qualidades que pareceram desaparecer com o tempo. Ela sabia que havia matado Domínguez, mas ao seu ver, Male fez surgir das cinzas alguém muito pior.
Hidalgo odiava a proximidade dos dois. Malena não era confiável e mesmo sabendo disso, ele não exitava em ficar ao lado dela. Quantas vezes Aura tentou trazê-lo de volta à razão ao dizer que as atitudes dele não condizem com sua verdadeira personalidade? Várias, mas ainda sim Rafa preferia ficar ao lado de Malena, o que frustrava a loira profundamente.
Havia acabado com tudo o que tinham para que Rafael se tornasse aquilo que sempre quis, não um grande babaca que se deixava facilmente manipular por uma garota que se auto proclamava a rainha da pista. E para piorar, essa garota a odiava e agora estava a prejudicando!
— Nós nunca nos demos bem. — Aurora ainda estava processando a informação porque apesar de fazer sentido, ela jamais esperaria que Malena fosse tão baixa. — Mas eu não entendo porque ela fez isso. Eu nunca fiz nada contra ela!
Martín sentiu vontade de revirar os olhos. Aurora era mais lerda do que ele poderia imaginar ou muito ingênua para não perceber o que estava acontecendo.
— Não é o que você fez, docinho. — Andou um pouco, a rodeando e em seguida, parou na sua frente. — É o que você pode fazer. — Ela arqueou uma sobrancelha. — Você é um claro obstáculo na relação dela com o Dominguez e o mexicano… — Puxou o nome do Solano em sua memória. — Valério! — Se lembrou. — Você atrapalha a relação dela com eles. Além disso, não sei se você já percebeu, mas é uma garota incrivelmente talentosa. No ano passado, se destacou nas oficinas de canto e música do Starlet. Conquistou facilmente a admiração de muitos alunos e isso incomodou a nossa grande vadia. — O espanhol dizia com extrema tranquilidade. — E como se já não bastasse isso, você chamou a atenção justamente da pessoa mais importante nesse mundo para ela: Charlotte Camello. — Martín se apoiou no balcão atrás de si mesmo, demonstrando uma postura relaxada. — Não sei se você percebeu, mas a Charlotte tem prestado bastante atenção nos seus treinos no roller. Soube que ela andou dando uma olhada no seu histórico escolar, buscando obter algumas informações. — Aura o olhou boquiaberta. — Ela gostou de você, docinho, e ela parece não gostar de ninguém. Mas você conseguiu de Charlotte, algo que a própria filha parece estar lutando há bastante tempo para ter. E isso parece ser motivo de sobra para a Moretti querer você bem longe do caminho dela.
A argentina suspirou pesadamente. Se sentia tonta e o Ortiz percebeu isso, indo em sua direção e a sentou em uma cadeira de uma mesa vazia. Ele colocou o copo com ponche, que até então segurava, em cima da mesa e o empurrou na direção da jovem.
— Eu sei que é um grande choque. — O moreno começou com um falso ar preocupado na voz. — Mas achei melhor que você soubesse logo com que tipo de cobra está lidando. Ou vai acabar no mesmo lugar que eu. — Desviou o olhar para o chão e a adolescente o olhou intrigada.
— Foi ela, não foi? — Aura indagou de forma retórica, o olhando com seriedade. — Foi ela quem armou esse trote maldito e aposto que com a ajuda do Rafael. Ele é um pau mandado dela. — A certeza era clara no seu tom de voz, assim como a decepção. — Eles armaram para você. — Afirmou.
Ortiz olhou para ela claramente surpreso por sua última frase.
— Você é a primeira pessoa desse colégio que realmente acredita em mim. — Disse, bebendo um pouco de seu ponche que era o único que não estava batizado. Seus olhos castanhos brilharam em satisfação, quando a viu pegar o copo com o ponche batizado especialmente para ela.
— Eu conheço a Malena e é verdade que nunca nos demos bem. Mas eu nunca imaginei que ela me odiasse tanto, a ponto de tentar me prejudicar. — A argentina levou o copo aos lábios, bebendo alguns goles do líquido vermelho e sentindo um sabor estranhamente bom.
— Se deseja um conselho, Hidalgo, aqui vai um de alguém que deseja o seu bem: Fique de olhos bem abertos com aquela vadia. Ela quer tirar você do caminho dela e não vai medir esforços para isso. Ainda mais agora que as competições vão começar. — E após dizer isso, Martín se retirou, deixando Aurora sozinha e pensativa, enquanto bebia o ponche
Seus olhos verdes voltaram à pista de dança, mas o casal real já havia terminado sua dança. Ela não sabia onde estava Rafael, mas conseguiu enxergar Malena do outro lado da pista, sentada em uma mesa igualmente sozinha, mas usava o celular para se distrair. A Moretti, como se sentisse que estava sendo observada, desviou o olhar da tela do aparelho e olhou para frente, captando o olhar da loira em sua direção.
Castanho contra verde, elas se olhavam profundamente e sem intenção alguma de desviar, ambas não tinham expressão alguma no rosto, então ficava difícil para uma tentar adivinhar o que estava se passando pela cabeça da outra naquele momento. Era como se fosse uma competição, na qual haviam iniciado de forma silenciosa e que nenhuma parecia disposta a perder, pois isso significava entregar a vitória a outra e elas jamais fariam isso.
No entanto, um gesto de Aurora intrigou bastante Male naquele momento.
Delicadamente, de forma graciosa e elegante, a loira ergueu seu copo, como se oferecesse um brinde a rival, um gesto com alguma gota de deboche e cinismo de sua parte e que foi rapidamente percebido por Malena. Em seguida, Aura bebeu o líquido lentamente, ainda mantendo seus olhos fixos no olhar intimidante da rainha da pista. Intimidante para muitos, mas não para ela. Ela não tinha medo de Malena e estava deixando isso muito claro.
Sua garganta parecia implorar por mais daquele estranho, delicioso e viciante ponche, então se levantou e foi em direção a mesa de bebidas. Sua mente fervia com inúmeras perguntas, mas mesmo em meio a tantos questionamentos, uma certeza ela tinha: Malena Moretti não era mais uma simples rival. Ela, agora, era oficialmente a sua maior inimiga!
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Mariano voltava do banheiro, se sentindo incrivelmente mais leve e nem era por ter acabado de fazer suas necessidades fisiológicas, mas sim porque saborear aquele ponche havia lhe proporcionado uma onda de prazer inexplicável. De repente era como se todas as suas preocupações, pensamentos que o deixavam aborrecido e todo o peso em seu corpo tivesse desaparecido.
Era como se a bebida adocicada fosse o famoso néctar, descrito pelos gregos antigos como a bebida dos deuses. Seu sabor era único, nada se comparava com aquilo e Mariano tinha certeza disso.
Um sorriso feliz não deixava os seus lábios, enquanto cantava alguns versos de Everybody dos Backstreet Boys, ao mesmo tempo que estalava os dedos de acordo com o ritmo da música. Por ser um dos seus grupos musicais favoritos, o argentino deixou a empolgação o dominar enquanto cantava e, se aproveitando do fato de que estava completamente sozinho no corredor, arriscou alguns passos de dança.
Não era segredo para ninguém que o que Nano tinha de excelente cantor, musicista e até mesmo jogador de basquete, ele tinha de péssimo dançarino! Por mais que fosse bom em marcar passos e decorar coreografias, ele não tinha nenhum gingado. E por saber que era uma verdadeira catástrofe dançando, ele evitava o fazer em público. Afinal, ele tinha uma reputação a zelar! E se estivesse em seu estado normal, Mariano jamais se arriscaria assim, mesmo pelo o seu adorado Backstreet Boys.
Ele estava tão distraído que sequer notou que havia pegado a direção errada e ao invés de voltar para o baile, Rodriguez seguiu na direção contrária e foi parar na sala de convivência, onde uma jovem de cabelos negros se encontrava, sentada em um puff amarelo.
Seus pés já haviam dado adeus aos saltos que agora se encontravam jogados ao lado do puff e isso sem nenhum remorso, já que seus pés estavam implorando por um alívio após aguentarem várias danças frenéticas na pista. Sua cabeça estava jogada para trás, seu corpo alongado em uma posição relaxada e seus olhos fechados. Ela tinha um sorriso tranquilo nos lábios, apreciando o silêncio do local.
Todavia, para o seu descontentamento, o silêncio durou pouco, pois uma voz masculina e melodiosa chegou aos seus ouvidos. Soltando um suspiro entediado, Leona levantou a cabeça e ajeitou a postura para poder enxergar melhor o recém chegado que ainda parecia não ter notado sua presença.
Seus olhos escuros brilharam em diversão ao vê-lo dançar de forma desajeitada. A morena levou a mão aos lábios, tentando reprimir uma risada. Mas tal tarefa se tornou impossível, quando após um giro, Nano parou de frente para ela e paralisou, quando percebeu que não estava sozinho como pensava. Seus olhos se arregalaram pelo flagra e sua cantoria parou abruptamente, fazendo com que a garota caísse na gargalhada.
Para a sua própria surpresa, o argentino sentiu suas bochechas ficarem levemente avermelhadas pelo constrangimento. Mariano não costumava ficar envergonhado, sendo bastante desinibido no dia-a-dia. Mas quando se tratava de sua falta de habilidade para a dança, o constrangimento era quase sempre inevitável.
Quando sua barriga reclamou após longos minutos de risadas, Leona respirou fundo para que o ar voltasse aos pulmões e para que pudesse retomar o fôlego. Em seguida, olhou para o moreno com diversão e disse:
— Por que parou? Eu estava gostando do show!
— Perdão, querida, mas para assistir o show completo somente pagando agora. — Disse com um sorriso ladino, se livrando da vergonha inicial. — Está aqui há muito tempo?
— Não, apenas saí um pouco para respirar. Às vezes, pessoas demais no mesmo ambiente é um pouco sufocante. — Respondeu, se sentando de lado e dobrando as pernas para que seus pés saíssem do chão.
— Seu rosto não me é estranho. — Rodriguez a olhou pensativo e ela deu um sorriso irônico.
— Ah, claro que não. Eu era a garota que você estava comendo com o olhar na pista de dança a algumas horas atrás. — Deu de ombros e ele arqueou uma sobrancelha surpreso pelas palavras diretas da jovem. — Sabe, até onde pude perceber, você é o único cara vestido de Zorro no baile. Não é muito difícil te reconhecer.
— Desculpe não poder dizer o mesmo. — Disse, se sentando no puff ao lado dela. — Em minha defesa, isso é um baile de livros clássicos. A grande maioria das garotas estão vestidas, como se fossem a um baile no Palácio de Buckingham! — Se defendeu, erguendo as mãos em sinal de diversão e Leo sorriu.
— Vou considerar isso um elogio!
— Apesar de que eu não faço ideia de qual personagem, você está representando. — Acrescentou. — Eu vou ter que adivinhar?
— Emma Bovary, a protagonista do livro Madame Bovary. — Indicou o vestido e ele assentiu.
— E por que escolheu esse livro? — Indagou e ela arqueou uma sobrancelha, confusa pelo questionamento. — Qual é, você me parece inteligente de mais para simplesmente ter pesquisado os nomes de clássicos no Google e escolhido um aleatório, somente para ter o que vestir hoje. — Esticou as pernas no chão e somente naquele momento, Ventura notou que ele era incrivelmente alto.
— De certa forma, eu me identifico um pouco com ela. — Seu tom foi baixo e suave, como se tivesse acabado de confessar um segredo que somente ele deveria ouvir.
— Em que sentido? — Seus olhos brilharam em curiosidade e ela suspirou.
— Para quem nunca leu o livro, a Emma é só mais uma protagonista de um romance adúltero. — Começou e abraçou os próprios joelhos, enquanto ainda sim mantinha contato visual com argentino. — Mas, na verdade, Emma é uma jovem sonhadora que, inicialmente, via a vida como um grande conto de fadas, onde felizes para sempre e príncipes encantados existem. — Passou a língua nos lábios lentamente, os sentindo um pouco secos. — Quando ela se casa, conforme o tempo vai passando, ela percebe que o mundo não era perfeito como ela pensava. As pessoas ao redor dela não são perfeitas e por mais que ela tentasse todos os dias ser, ela também não era perfeita. Então, ela se cansa da sua vida vazia e da angústia que a cercava, indo em busca algo que a preencha e a faça realmente feliz.
— Você também se sente assim? — Questionou e logo pigarreou para que pudesse explicar melhor: — Digo, se sente vazia e angustiada?
— Eu costumava me sentir assim todos os dias. — Confessou. — Assim como a Emma, eu me sentia obrigada a ser perfeita simplesmente porque todos eram. Mas quando eu me dei conta que a perfeição era inexistente em qualquer pessoa, eu fui em busca do que realmente me fazia feliz. — Se aconchegou um pouco mais no puff. — E você? Por que escolheu The Curse of Capistrano?
Mariano deu um pequeno sorriso, enquanto negava, como se o motivo da sua escolha fosse um pouco cômico.
— Minha irmã mais velha foi quem me deu a sugestão. Segundo ela, Don Diego me representa bem.
— Por que? — Indagou com curiosidade.
— Ele é um homem nobre, com um coração bom e justo que após presenciar uma série de injustiças, decide lutar por aqueles que não conseguem vencer seus opressores sozinhos. — Cruzou os braços. — Além disso, Don Diego é apaixonado por Lolita e tem que enfrentar rivais perigosos para tê-la consigo.
A resposta do garoto fez Leona arquear uma sobrancelha, um tanto quanto incrédula.
— Você não me parece ser do tipo que se apaixona. — Comentou. — Parece ser do tipo que saí passando o rodo mesmo.
— Confesso, eu sou assim mesmo. Afinal, eu só tenho dezessete anos, preciso aproveitar minha juventude. — A sinceridade era perceptível em suas palavras. — No entanto, isso não me impede de amar uma mulher só, certo? Muitas podem ter o meu corpinho, mas só uma tem de fato o meu coração.
— E por que você não está com ela agora?
— Porque o meu coração, que possui muitas ao seu dispor, insiste em querer justamente aquela que não o quer. — Sorriu sem humor. — Ele é teimoso, sabe que com esforço e paciência, o coração dela vai tirar a venda dos olhos.
— Lamento em te dizer isso, mas nem todo mundo que você gosta, vai gostar de você. Romeu e Julieta são exceção e não regra. — Foi a vez dela cruzar os braços.
Um estranho silêncio ficou no ar por alguns minutos. Ambos ficaram calados, assim que o assunto terminou e quando Nano achou que essa era a sua deixa para ir embora, a catalã voltou a dizer:
— Você estava cantando Backstreet Boys?
— Conhece? — Arqueou uma sobrancelha espantado, afinal se tratava de um grupo musical dos anos 90. Era realmente difícil de se encontrar alguém da era digital que gostasse ou pelo menos conhecesse um grupo antigo.
— Está brincando? Eles são incríveis! — A empolgação era clara no seu tom de voz. — Everybody é boa, mas eu prefiro I Want It That Way, a voz do Brian é simplesmente perfeita!
— Caramba, você não faz ideia do quão difícil é encontrar alguém com um gosto musical parecido com o seu. — Ele estava admirado. — Qual é a sua banda favorita? Se você disser a que eu estou pensando, eu piro porque a minha é...
— The Neighbourhood. — Ambos disseram ao mesmo tempo e arregalaram os olhos.
— 'Tá falando sério? — Mariano perguntou.
— É claro que eu estou! — Ventura afirmou. — Minha música favorita deles é Cry Baby.
— A minha é W.D.Y.W.F.M — Disse e em seguida, estendeu a mão na direção dela: — Eu não sei qual é o seu nome, mas eu quero muito ser seu amigo, bela garota de sotaque espanhol e com um gosto impecável para músicas e livros. Muito prazer, meu nome é Mariano. — Se apresentou e ela deu um sorrisinho, apertando a mão estendida em sua direção.
— O prazer é todo meu, Mariano. Meu nome é Leona. — Respondeu. — É, eu não esperava, mas acho que isso é mesmo o começo de uma bela amizade.
.
Antonela caminhava lentamente e de forma distraída pelos corredores vazios do colégio. Seus pensamentos estavam longe, sem um destino fixo. Ela pensava em tudo e ao mesmo tempo, ela não pensava em nada. Não muito longe, ela ainda ouvia a música alta do baile, lembrando que a festa ainda acontecia.
No entanto, após se retirar dando como desculpa para as amigas o fato de querer usar o banheiro, Tone não pretendia mais voltar. A festa estava linda e extremamente animada, mas com um pé enfaixado, não poder aproveitar a comemoração de forma plena estava a desanimando em ficar por ali. Por mais que Marisol e Aurora estivessem se revezando em ficar com a Portilla na mesa, Antonela simplesmente sentia vontade de ficar um pouco só com seus pensamentos. Pensamentos esses que insistiam em levá-la para aquela manhã de terça-feira, onde encontrou o belo rapaz de olhos safira que insistia em não sair de sua mente.
Seus olhos, seu sorriso e a sensação do toque de sua mão em sua pele ainda eram muito frescas na memória da colombiana. Isso só fazia aumentar sua curiosidade a respeito daquele garoto, mas a tarefa de encontrá-lo em um colégio tão grande e cheio de pessoas, se tornou ainda mais difícil devido ao pé machucado. Ela não sabia o nome dele, não sabia absolutamente nada. Era como se ele tivesse desaparecido, como se tivesse existido somente em sua imaginação, pois não havia nenhum mísero sinal de sua presença em lugar algum.
Antonela sempre foi curiosa. Quando queria descobrir algo, ela não sossegava enquanto não descobrisse o que queria. E foi graças a essa curiosidade que ela descobriu a verdade sobre o seu pai, sendo graças a isso que hoje estava no USA. No entanto, além de atiçar sua curiosidade, no fundo ela admitia sentir uma certa vontade de rever o seu salvador. Não conseguia explicar, mas ela só conseguia pensar nele desde que se viram. Como isso era possível? Só haviam se visto uma única vez!
Seus pensamentos foram interrompidos pelo som de uma melodia suave de violão, a trazendo de volta a realidade e só assim fazendo a jovem aspirante a atriz notar que seus pés a guiaram até a área da piscina de lazer, onde ela viu um garoto de costas para ela, sentado em uma espreguiçadeira enquanto dedilhava a melodia de uma música que Tone conhecia muito bem e adorava. E sem conseguir se controlar, Antonela logo se aproximou cantando:
Você me olha de um jeito diferente, me abraça e não sinto seu calor
Mesmo tendo ficado levemente assustado pela chegada repentina dela e sequer tivesse notado sua presença, o rapaz de fios dourados continuou tocando e, impressionado com a voz doce da desconhecida atrás dele, continuou tocando e também cantou:
Te digo o que sinto, você me interrompe e termina a frase. Você sempre tem razão
Ele se virou para a olhar e ambos sorriram surpresos por uma questão de segundos. Antonela quase não disfarçou sua alegria por rever seu salvador, após tê-lo procurado durante todos aqueles dias. Mesmo usando uma máscara branca que cobria metade do seu rosto, ela ainda o reconhecia perfeitamente por detrás daquela fantasia. Assim, ela acabou com a distância, se sentando na espreguiçadeira que estava na frente dele.
O seu roteiro de sempre, tão previsível. Já, já sei de cor. Então fuja, fuja, fuja, coração, entre nós dois, você sempre foi o mais rápido. Pegue tudo o que quiser, mas vá embora logo porque eu nunca vou te dar minhas lágrimas
A sincronia em suas vozes era inacreditável. Ambos possuíam um timbre de voz parecido, fazendo com que a melodia do violão somente ressalta-se isso. Os olhares que ambos trocavam era intenso, mesmo que às vezes ele precisasse desviar para o instrumento para não errar as notas da música. Portilla simplesmente não conseguia parar de sorrir e sequer parecia perceber isso. Ele a olhava com tanta intensidade, como se fosse capaz de saber exatamente o que ela pensava naquele momento.
Então, fuja como sempre, não olhe para trás. Você já fez isso antes e a verdade é que não ligo
Tone desviou o olhar para a piscina, só percebendo com alguma atenção o cenário à volta deles. As luzes da piscina de lazer eram brancas, iluminando o local que era cercado de mesas com guarda sol e espreguiçadeiras que eram muito usadas por alunos no dia-a-dia, principalmente por aqueles que ficavam ali nos fins de semana. No entanto, estavam vazias já que todos estavam se divertindo no baile. As luzes dentro da piscina se destacavam e traziam um ar aconchegante, junto com a brisa fresca que as árvores do jardim envolta da área de lazer proporcionavam. O céu estrelado fazia uma bela companhia a lua minguante no céu, fazendo Antonela reprimir um sorriso admirado.
Já passei por isso antes e com muita tristeza, te digo não, comigo não
O jovem de olhos azuis cantou, quase errando uma nota no instrumento quando se distraiu ao olhar para a colombiana à sua frente. Ela estava linda com a fantasia de Odette, como se tivesse sido feita para ela. Não esperava reencontrá-la tão cedo, mas estava feliz por isso.
Fiz o que pude, mas, no meio do caminho, ficou meu coração
Ela fechou os olhos por alguns segundos, se deixando levar pela sensação boa que estava sentindo, antes de olhar para ele e perceber que seus olhos estavam fixos nela.
O seu roteiro de sempre, tão repetitivo. Já não combina com você, então fuja, fuja, fuja, coração, entre nós dois, você sempre foi o mais rápido. Pegue tudo o que quiser, mas vá embora logo porque eu nunca vou te dar minhas lágrimas
Antonela levou a mão ao rosto dele, retirando, com delicadeza, a máscara branca que cobria a metade do seu belo rosto. Ela queria vê-lo por inteiro, pois ter somente metade dele não lhe era nenhum pouco suficiente.
Então, fuja como sempre, não olhe para trás. Você já fez isso antes e a verdade é que não ligo
A colombiana acariciou o rosto dele em um carinho suave, passando os dedos delicados em seus traços como se quisesse memorizar cada detalhe da face dele. Desde os olhos, as bochechas, as sardas até os lábios. Ele não se incomodou. Gostava do toque dela, assim como gostava do aroma suave do seu perfume.
Você, o cachorro de sempre, os mesmos truques. Já, já sei de cor. Então fuja, fuja, fuja, coração, entre nós dois, você sempre foi o mais rápido. Pegue tudo o que quiser, mas vá embora logo porque eu nunca vou te dar minhas lágrimas. Foram tantas despedidas que, na real, te dedicar mais um verso é exagero. Então fuja como sempre, porque não irei atrás, você já fez isso antes, e a verdade é que não ligo
Antonela se aproximou mais, ela não conseguia evitar. Havia um imã que a atraía para ele, não havia outra explicação para essa atração forte que estava sentindo por alguém que sequer sabia o nome.
Você já fez isso antes e a verdade é que não ligo. Você já fez isso antes, mas, no fim das contas, eu não ligo
Quando a música acabou, um sorriso bobo brincava nos rostos de ambos. Ele segurou a mão dela que estava em seu rosto, ao mesmo tempo que colocava o violão ao seu lado. Em seguida, ele olhou nos seus olhos verdes feito duas pedras de jade e segurou ambas as mãos, fazendo um leve carinho com seus polegares. As mãos dela ainda estavam quentes, enquanto as dele estavam frias devido ao tempo que estava ali fora. Apesar de arrepiada, ela não fez nenhum movimento para o afastar.
— Me encontrou, colombiana. — Ele quebrou o silêncio aconchegante que estavam. — Você até demorou bastante tempo para conseguir isso. Jurava que havia atiçado sua curiosidade o suficiente para que não dormisse à noite. — Disse, a fazendo sorrir divertida.
— Ora, não me culpe! Passei a semana inteira de molho para que estivesse bem o bastante para ir ao baile. — Se defendeu, o fazendo descer o olhar para o pé em questão.
— E como está se sentindo? O pé está melhor? — Indagou em um tom preocupado. — Coraline a liberou para está aqui ou a senhorita veio porque é teimosa?
— Eu estou bem. O inchaço diminuiu bastante e não dói tanto para andar, creio que até segunda, eu estarei pronta para outra. — Olhou para o próprio pé com alívio. Não via a hora de voltar a sua rotina normalmente. — Coraline me autorizou, fique tranquilo. — O tranquilizou, o fazendo concordar. — O que 'tá fazendo aqui fora? O baile 'tá a todo vapor lá dentro.
Ele suspirou, antes de beijar sua mão com suavidade e se sentar ao seu lado, observando as águas claras da piscina.
— Eu precisava respirar um pouco. Por mais que eu não resista a uma boa festa, ainda mais sabendo que minha presença é o que realmente dá sentido para tudo — Começou, abrindo um sorriso convencido que fez Antonela revirar os olhos. —, chegou um momento que eu precisei sair. Me afastar de algumas coisas por alguns instantes, colocar meus pensamentos e, principalmente, meus sentimentos em ordem. — O loiro disse e a mais nova concordou, apertando sua mão de leve. — E o que vossa alteza 'tá fazendo aqui fora? Alguém te chateou? — Olhou para ela.
— Não, eu também precisava de um momento sozinha, querido fantasma. — Respondeu baixinho, mas ele ouviu perfeitamente. — Acho que você levou o personagem muito a sério.
— Por que diz isso?
— Porque é a segunda vez que eu te encontro e você não me diz o seu nome. — Arqueou uma sobrancelha. — Além disso, sempre que te encontro, você tá completamente sozinho. Nem mesmo nos corredores ou no refeitório, eu te vejo. Ou você está fugindo de mim ou realmente é um fantasma. — Acusou, o fazendo rir por um momento, graças a tamanha criatividade. — Não ria, eu estou falando muito sério. — Bufou.
Ele assentiu divertido, antes de parar de rir e respirar fundo.
— Apenas estive muito ocupado nesta semana. Faço parte de duas equipes com competições próximas, isso tem consumido muito de mim. Passo meus dias em sala ou treinando e quando vou comer, o refeitório 'tá praticamente vazio. Não estou fugindo de você, colombiana. Se quer saber, eu pensei muito em você durante essa semana e se você estava bem. — Esclareceu e a loira ficou boquiaberta com suas palavras. — E não, eu não sou um fantasma. Sou bonito demais para passar despercebido assim. — Brincou, mas ela não riu, ainda estava absorvendo suas palavras anteriores. — O que foi?
— Você disse que pensou em mim e que se preocupou comigo. — O lembrou da frase dita anteriormente.
Ele passou a língua nos lábios rosados, antes de concordar e a olhar confuso.
— Algum problema?
— A gente só se viu uma vez.
— Olha, por mais que as pessoas desse colégio me achem um grande egocêntrico narcisista que passa metade do dia pensando apenas em mim mesmo, eu me importo sim com o bem estar das pessoas que eu quero bem. — Ele mordeu o lábio inferior, ainda olhando nos olhos dela. — E eu não preciso te conhecer a uma vida inteira para querer o seu bem. Muito menos, preciso saber o seu nome para dizer que gostei de você.
— Mas eu preciso saber o seu nome. — Ela suspirou cansada.
— Por que?
— Porque eu sou muito curiosa, porque é estranho 'tá aqui do lado de um completo desconhecido, porque é esquisito que pareça que a gente se conhece sendo que só nos vimos uma única vez, porque… — Ela se calou, quando sentiu o toque dele em seu rosto, ao mesmo tempo que ele aproximava seu rosto do dela bem devagar. — Porque… — Tentou dizer, todavia havia se esquecido completamente do que estava falando.
— O que estava dizendo? — Ele indagou em um sussurro provocante, tocando seus belos lábios marcados por um gloss com a ponta dos dedos. Em seguida, levou o dedo aos próprios lábios para sentir o sabor, ainda mantendo contato visual com ela. — Delicioso!
— Você 'tá acabando com o meu juízo. — Ela murmurou e ele sorriu.
— Que bom. Porque você também 'tá acabando com o meu. — Ele se aproximou para beijá-la, os rostos estavam próximos, as respirações já estavam se misturando, quando uma voz masculina os interrompeu:
— Ora, ora que bonitinho, o jovem casal de pombinhos trocando carinhos na piscina. Tão fofo que chega até mesmo a ser enjoativo! — Martín disse com o tom de voz transbordando em sarcasmo, escorado no batente da porta de entrada para a área de lazer a apenas dois metros de distância dos dois.
O loiro bufou impaciente, se afastando gentilmente de Antonela e olhando com os olhos azuis brilhando em fúria para o moreno.
— O que infernos você 'tá fazendo aqui, Ortiz? — Seu tom de voz era sério, denunciando que a presença do outro o incomodava profundamente.
— Calma aí, amigão. — Estendeu as mãos em sinal de rendição, apesar de sorri debochado. — Vim em missão de paz para te avisar de algo.
— Não sou seu "amigão". — Fez aspas com os dedos. — Diga logo o que quer e suma daqui!
O espanhol se deliciava com o efeito que sua presença causava no outro. Incomodá-lo havia se tornado seu hobbie favorito nos últimos dias e provavelmente continuaria sendo até o fim do ano.
— Apenas vim avisar que o seu doce raio de sol, uma adorável criatura desastrada que patina alegremente conhece? — Começou, fazendo suspense. — Não 'tá muito bem.
— O que aconteceu com a Aurora? — Antonela indagou, se levantando assim que percebeu que a garota citada era a colega de quarto. Ele a olhou por longos segundos, confuso por Antonela conhecer a jovem. No entanto, não tinha tempo para perguntas naquele momento.
— Onde ela está? — Questionou no mesmo segundo, ficando de pé e recebendo o mesmo olhar confuso da colombiana. De onde ele conhecia a Hidalgo?
— Veja com seus próprios olhos! Mas corra porque a essa hora, ela pode até mesmo ter tirado a roupa na pista de dança! — Sorriu malicioso, vendo o outro arregalar os olhos e sair correndo, sem sequer se lembrar de se despedir de Antonela.
Portilla também já ia saindo em direção ao baile, quando Martín entrou na sua frente impedindo sua saída. Ela o olhou de sobrancelha erguida, mas ele apenas sorria irônico.
— Aqui vai um conselho, gatinha: Tome muito cuidado com o galã. Ele pode ter o jeito de um legítimo príncipe dos contos de fadas, mas é um grande sapo que perde completamente o seu encanto com o tempo. — Olhou no fundo de seus olhos. — Ele não é nada do que demonstra ser. Está brincando com você da mesma forma que brinca com as outras. Se acha especial? As outras também achavam isso e hoje tem seus pobres corações despedaçados. Dê a ele exatamente o que ele quer de você e ele vai te chutar da vida dele assim. — Estalou os dedos na frente do rosto dela, ela o empurrou de leve por ter ficado irritada, tanto por suas palavras quanto por sua proximidade e ele apenas riu. — Rafael já tem quem tenha o seu coração e com certeza, a loira de belos olhos verdes que possui isso, não é você. — Finalizou, dando as costas para TomTom que o observava ir com fúria no olhar.
Sozinha, Antonela se sentou de novo na espreguiçadeira e segurou a máscara que o jovem usava em mãos. Como que do céu, ela foi ao inferno em questão de minutos?
" ━ Será que eu poderia saber o nome do meu salvador?
Passos próximos a porta, fizeram ele arrumar a mochila no ombro e se direcionar para sair dali.
━ Claro, mas não será agora e nem por mim, colombiana. Cuide-se e tome cuidado ao descer as escadas. ━ Olhou em seus olhos verdes uma última vez, antes de virar no corredor e a porta ser aberta."
E ela, de fato, descobriu isso por outra pessoa. Rafael, esse era o nome do garoto misterioso. Mas será que poderia mesmo confiar nas palavras do outro? Eles não pareciam, nem de longe, que eram amigos, muito pelo contrário. Ele poderia ter inventado aquilo tudo para prejudicar o outro. No entanto, se não era verdade, por que ele saiu correndo atrás de Aurora daquela forma? E o mais importante, de onde ele e a amiga se conheciam?
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No clássico conto de Cinderela, um dos contos de fadas mais populares da Humanidade, existe uma citação interessante de um dos personagens: "Ao bater a meia-noite, o feitiço se desfará e tudo voltará a ser como era antes…"
Tal frase dita pela fada madrinha para a protagonista poderia muito bem funcionar no cenário atual do primeiro baile do colégio. Quando o relógio marcou exatas 00h00m, a magia acabou e o que restou foi um cenário caótico e perturbador para os professores e demais funcionários lidarem.
Muitos alunos se agarravam em algum canto ou até mesmo em outros lugares do colégio trocando carícias e beijos, alguns caíam por não aguentarem se manter de pé e riam de coisas desconexas, também haviam aqueles que não falavam ou viam coisas que faziam algum sentido, outros discutiam e ameaçavam iniciar uma gigantesca briga na qual os adultos tentavam evitar, enquanto outros dançavam fervorosamente na pista como se suas vidas dependessem disso.
E nesse último grupo estava Marisol. A mexicana se movia ao ritmo frenético de No Lie, como se a urgência de seus passos fosse tão necessária quanto o oxigênio que chegava aos seus pulmões. Ela estava completamente suada e ofegante, ainda assim não tinha a intenção de parar. Ela não podia parar, seu corpo ainda possuía muita energia e ela precisava gastar tudo. Em sua mão estava o seu oitavo copo de ponche, que já estava pela metade, no qual ela bebia a cada dez segundos.
Mari ria junto com outros dois alunos que simplesmente começaram a rir sem motivo algum e isso a encorajou a rir também.
A última coisa que se lembrava com alguma clareza era de Aurora se juntando a ela na pista e lhe oferecendo aquele ponche extraordinário. Em seguida, elas dançaram ao ritmo de alguma música latina até que Aurora seguiu na direção de um garoto sentado sozinho em uma mesa bem afastada, mas com uma visão clara da pista de dança, onde ele observava fixamente a loira que ao notar isso foi até ele.
Os acontecimentos a seguir eram como um flash ou até mesmo um enorme borrão na sua mente. Ela não poderia afirmar com certeza, mas teve a ligeira impressão que o vulto que passou depressa e bem ao seu lado seguiu na direção da Hidalgo. Seus olhos castanhos observaram rapidamente o que parecia ser uma intensa discussão entre a amiga, o tal vulto e mais algumas pessoas que sua mente consumida pelo efeito da droga não saberia identificar naquele momento.
Sua consciência gritava para que ela parasse, pois seu corpo já não aguentava mais aquele ritmo. Ele precisava de uma pausa, mas ele não respondia aos chamados da sua consciência. Ele queria dançar e se livrar daquele excesso de energia, era como se a Gallego tivesse ingerido litros e litros de um energético muito forte.
De repente, sua visão começou a ficar turva e os sons ao seu redor ficaram distantes, restando apenas as batidas altas do seu coração acelerado. Ela sentiu uma tontura e um formigamento, a fraqueza foi nítida quando suas pernas não aguentaram mais e cederam ao cansaço, fazendo com que a adolescente caísse no meio da pista.
A música parou naquele mesmo instante, quando a professora Melissa decidiu que aquilo tudo havia passado dos limites e encerrou o baile. As professoras Carmem e Angélica foram ao seu auxílio, Mari teve a impressão de que elas falavam algo, mas ela não conseguia ouvir nada, além da própria respiração ofegante e dos batimentos cardíacos acelerados. Ela tentava focar sua visão em algum ponto, mas tudo não passava de um enorme borrão. O mundo parecia estar girando bem rápido.
Angélica colocou a cabeça da adolescente em seu colo, enquanto Carmem corria atrás de ajuda. Marisol sentia o toque da professora em seu rosto suado, mas gelado pelo repentino frio que estava sentindo.
Sua última lembrança confusa antes da inconsciência a abraçar é a de Angélica segurando sua mão com força e gritando algo que ela não soube identificar, mas que agora não lhe importava, pois algo a puxava. Uma escuridão boa e aconchegante, na qual a patinadora se entregou sem pensar duas vezes.
Enquanto o caos consumia o baile, Martín deixava a festa a passos calmos e com a satisfação de alguém que havia acabado de assistir a estreia de um filme muito esperado. Naquela noite, ele teria a mais tranquila noite de sono de toda a sua vida. Afinal, sua missão estava cumprida com sucesso e suas sementes de discórdia bem plantadas, agora ele só precisava sentar e assistir o circo ser consumido pelo fogo.
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