Como esperado, aquela seria uma semana extensa e cansativa. Zacky tentava se ocupar ao máximo com seus deveres na Deathbat, não dando espaço para que seus pensamentos chegassem até Laura. No entanto aquela mistura de repulsa e afeto que sentia o perseguia por todos lados. Mesmo nos treinos, enquanto Brian pedia que ele liberasse sua mente e se focasse apenas no exercício, aquilo tudo parecia mais difícil do que imaginava.
E assim, sem nenhum aviso, sua ex-namorada passou pela porta da academia naquela terça-feira, acompanhada de uma amiga. Ele não iria simplesmente ignorá-la, ela raramente aparecia sem motivo. O que Zacky fez foi deixar os pesos que ajeitava no aparelho e ir até elas, sem o menor humor.
— O que faz aqui? – Disse diretamente para Laura.
— Preciso falar com você, agora. – Ela também não parecia feliz em estar ali. — Em particular.
Zacky olhou em volta e viu Brian os observando de longe, certamente não aprovando aquele encontro. Lembrou do que o professor disse sobre assuntos pessoais no ambiente de trabalho, o que o obrigou a tomar logo uma decisão. Então a levou para o escritório, esperando que o assunto não rendesse tanto.
— O que você quer? – Pediu assim que ela empurrou a porta depois de entrar.
— Fui despejada – ela começou. — Estou sem nada, preciso das coisas que deixei no seu apartamento.
— O que aconteceu, parou de transar com o dono daquela espelunca? – Ele riu falsamente e voltou a ficar sério. — Você não vai pisar na minha casa outra vez.
— Olha, Zacky, eu não vim aqui ouvir suas piadinhas estúpidas. – Ela se aproximou, nervosa com as palavras dele. — Só quero só que você devolva o que é meu.
— Não vou devolver.
— Como é?? Por quê?
— Porque eu não quero. – Ele segurou o braço dela e a puxou para mais perto. — Porque uma mentirosa como você merece se afundar na própria poça de merda e se afogar!
— Não toque nela.
Os dois olharam na direção da porta, embora já soubessem de quem era a voz que havia tomado o cômodo.
— Sai, Shadows. – Zacky exigiu e voltou a olhar para ela. — Estamos conversando.
— Não é o que parece, dá para ouvir os gritos lá de fora. Solta ela, Vengeance.
— Olha essa vagabunda, olha o cinismo dessa garota! – Zacky a chacoalhou sem larga-la. — E ainda teve coragem de vir aqui pedir a minha ajuda, depois de ter criado uma mentira só para me irritar.
Os punhos de Matt se fechavam com aquela atitude machista, mas o outro não tinha percebido. Não conseguia entender de onde vinha tanto ódio por uma mulher que não queria nada mais que um pouco de consideração dele. Se sentia mal por não ter dito a verdade antes, mas ver aquilo faria seus conceitos mudarem.
— Eu não menti, Zackary! – Laura finalmente se manifestou, se livrando dele.
— Mentiu e agora vai admitir na nossa cara. Você não dormiu com ele, dormiu? – A resposta não veio logo e ele a pegou pela garganta, cego de tanto ódio. — FALA!
No segundo que seguiu ele foi empurrado com uma força soberba, que o fez soltar Laura e cambalear para a escrivaninha atrás de si, derrubando alguns objetos sobre o móvel antes de tombar desajeitado no chão.
— Vem, vamos sair daqui – dizia Matt.
Zacky se ergueu, furioso, e jogou a cadeira de visitas para o lado como se fosse um brinquedo. Os outros dois tinham ido direto na sala de treino, aparentemente vazia naquela hora se não fossem Leana e James trocando sorrisos em um canto do ringue.
— Mas que porra você pensa que está fazendo? – Zacky urrou entrando no lugar, vendo as mãos de Matt segurarem o rosto de Laura.
— Você está bem? – Ele pedia, examinando o pescoço dela com atenção. Havia uma marca avermelhada ali. Ela assentiu, deixando as lágrimas rolarem por seu rosto assustado.
— Você não pode defender essa mentirosa. Não tem motivo pra isso.
— E se fosse verdade? – Matt largou Laura para dar alguns passos para encará-lo seriamente. – E se eu tivesse mentido sobre nós, o que iria fazer? Me matar?
Zacky fuzilou Laura com os olhos e depois olhou para quem até pouco atrás chamava de melhor amigo.
— Matt, não vale a pena... – ela disse baixinho.
Ele não respondeu. Viu que ela segurava seu braço, com medo, pois no fundo sabia do que Baker era capaz. Mas Matthew também o conhecia, bem o suficiente para ter certeza do que deveria fazer. Então ele apenas se colocou mais na frente dela, confirmando cada palavra ouvida dela mais cedo e fazendo o sangue de Zackary ferver.
— Você, Sanders, mentindo para mim por causa dessa vagabunda?!
— Se desse mais valor para as pessoas do que para a porcaria do seu ego, talvez ela não fosse essa vadia que você tanto despreza!
Descontrolado, Zacky partiu para cima. Matt só teve tempo de empurrar Laura para o lado antes de levar o soco no maxilar e se recuperar rapidamente para revidar. Não demorou para que os gritos desesperados dela chamassem a atenção das pessoas próximas da sala. James já tinha corrido para chamar Brian antes mesmo do primeiro jab, percebendo que as coisas não acabariam bem, enquanto Leana a segurava para que ela não se aproximasse dos dois homens se agredindo.
Quando o professor escancarou a porta, acompanhado de mais curiosos, eles tinham acabado de começar. Poucos socos, alguns chutes, mas ninguém havia sangrado. Foi preciso duas pessoas para separar e segurar cada um deles, que mesmo de longe tentavam avançar um no outro.
— Por que está tão bravo, Vengeance? – Matt sorria e provocava. — Por eu ter mentido ou por ela ter arrumado coisa melhor?
— Você está fodido, Shadows – Zacky clamava enquanto tentavam puxá-lo pelos braços. – Não vai sobrar nada de você, seu traíra de merda!
— Vocês querem mesmo resolver na porrada?? – Brian bradou entre os dois, marcando o silencio em meio a todos que os rodeavam. — Então coloquem suas luvas e briguem direito. Shadows e Vengeance, os dois para o ringue, AGORA!
Poucos dos clientes que lotavam a academia aquela manhã não foram para perto, assistir o combate que estava prestes a acontecer. Johnny Christ se atrasara para a aula aquele dia e quando adentrou a sala de treino deparou com todo aquele pessoal em volta do ringue onde Zacky e Matt se preparavam para lutar.
— O que eu perdi? – Quis saber quando chegou próximo de Jimmy.
— A batalha do ano, meu amigo. – Ele respondeu sem tirar os olhos dos lutadores, mas com um sorriso no rosto. – Vengeance vesus Matt Shadows.
— Vão lutar, assim do nada?
— Pelo que eu entendi, tem uma rixa pessoal entre eles.
— E Gates concordou com isso?
— Melhor aqui do que lá fora, não acha?
— Verdade, é mais divertido. – Riu Johnny. – Aposto que Shadows acaba com ele.
— Sem essa, dê uma olhada na cara do Vengeance: — Jimmy apontou. – Ele quer ver sangue e eu também. Vinte pratas que Matt não ganha.
Ao mesmo que uns apostavam, outros comentavam sobre o porte físico dos lutadores afim de concluir quem tinha mais chances de vencer. Zacky e Matt tinham suas diferenças, mas treinavam juntos há anos, deixando uma dúvida cruel no ar para quem os conhecia. Eles haviam tirado suas camisetas e encaixado bem suas luvas de MMA quando Brian subiu no centro do ringue e pediu com as mãos para que os dois se achegassem para ouvi-lo:
— Eu sei que um quer matar o outro, mas vamos dar um bom espetáculo, ok? – Falou gesticulando. — Quero uma luta limpa e profissional, como venho ensinando a vocês.
— Eu posso fazer isso. – Disse Matt, alongando os braços.
— Eu duvido – provocou Zacky. — Sabe que vai perder.
— Querem saber? Eu não acredito nem um pouco em vocês. E só para ter certeza, vão lutar sem protetor bocal. Então nada de gracinhas no meu ringue ou se verão comigo depois, entendido?
A tensão tomou conta dos espectadores, que esperavam ansiosos pelo apito de Brian. Os dois se posicionaram, sem mais apresentações ou cumprimentos pré-combate. Apenas o sorriso debochado de Shadows em relação a agitação do oponente.
— Eu vou adorar quebrar esses seus dentes perfeitos. – Dizia Zacky com o punho já endireitado na altura do queixo.
— Menos falatório, mais briga. – Matt provocava, tomando postura.
E Brian mal havia autorizado o começo da luta quando as vozes da torcida aumentaram. Zacky tentou o primeiro golpe, não tendo sucesso contra a esquiva rápida de Matt, que esperava por mais ataque. Eles continuaram bailando em volta de um nada e trocando de lugar sem quebrar o contato visual. Um com a cólera dominando seu ser e outro respirando fundo, procurando concentração em meio aquele barulho todo.
Zacky não estava muito na defensiva, então avançou de novo, depositando uma série de jabs que acertaram o rosto de Matt apenas uma vez, de forma fraca. Ele queria cansá-lo. Era melhor que ele continuasse com os pés fora do lugar como de costume. Um erro comum de Vengeance, principalmente quando a raiva falava mais alto.
Quando Shadows atacou, usou os joelhos para acertar a barriga, mas Zacky defendia bem aquele lugar. Então aproveitou para acertar um cruzado e o público reagiu.
— Por que eles não levam a luta pro chão? – Johnny gritava, contagiado pela euforia.
— Gates me disse que eles andam focando os treinos em Muay Thai e Boxe. – Explicou James. — Deve ser o forte deles.
Mais investidas, de ambos os lados. Chutes baixos, tentando acertar o joelho de Matt, e golpes frontais no nariz de Vengeance, que pouco depois passou a sangrar. O lábio de Shadows começava a inchar quando, ao pegar Zacky de guarda baixa, ele conseguiu derrubá-lo com um gancho de direita.
Baker tentou levantar, ofegante, ouvindo seu nome de guerra ser gritado, mas foi detido quando Matt tentou encaixar um armlock em seu braço. Não praticava Jiu Jitsu há algum tempo, era verdade, a violência das lutas em pé era o que lhe cativava. Mas Brian já lhe havia ensinado a sair daquela posição e quando conseguiu, seu professor bateu palmas. Agora Zacky estava de pé novamente, pronto para mais.
— Já cansou? – Ele perguntou ao oponente, recuperando o fôlego.
— Eu nem comecei...
Shadows olhou para os pés fora de posição, outra vez. E como um ciclo vicioso, Zacky recomeçaria com os jabs, com toda a raiva que tinha, dando à Matt a oportunidade perfeita de revidar. Ele defenderia com os braços paralelos e provavelmente se esqueceria de proteger o resto do corpo ou se posicionar para isso.
Foi exatamente o que aconteceu.
Assim que Vengeance recuou, sentiu uma série de socos intensos em seu abdômen, indo para trás com cada um. Encostou no canto do ringue, sem ter por onde escapar ou aliviar a força com que Matt lhe batia. Os murros migraram para seu rosto e enquanto ele praticamente se jogava no chão ao som abafado dos gritos daqueles que assistiam, viu a imagem de Laura em pensamento. O sorriso que o tinha traído, o semblante que ele gostava de ver nos domingos de manhã entre flashes de sua memória e o punho enluvado de Matt lhe acertando de novo. Talvez aquele fosse o único modo de esquecê-la para sempre. Ou quem sabe, de amá-la ainda mais.
***
Sentada na calçada, Laura admirava a lua minguante enquanto refletia com lágrimas nos olhos. O modo como tudo desandou nas últimas vinte e quatro horas, depois que Zacky a colocou para fora de sua vida. Mesmo com a ajuda de Leana, as circunstâncias não estavam a seu favor, nenhuma delas. O turno no restaurante havia sido um porre e tudo que ela queria era uma cama para poder deitar e chorar em paz, mas até isso parecia inalcançável.
— Está aí a quanto tempo? – Ela despertou com a voz de Matt na porta da academia.
— Preferi te esperar, caso tivesse mais alguém. – Ela limpou o rosto imediatamente e se levantou, meio desengonçada por causa dos saltos finos. O sorriso que ela abria se desfez ao olhar para ele. — Meu deus, o seu rosto... Me desculpe, eu não queria que...
— Não se preocupe, eu bati nele também. E não foi pouco. – Matt segurava uma bolsa de gelo sobre a boca. Ele tentou sorrir com o que disse, mas a dor não deixou. – Quer entrar? Eu vou fechar cedo hoje, mas...
— Não, eu só vim agradecer por me defender hoje. Afinal, não tenho muito o que fazer, estou sem casa e...
— Como assim? – Ele a encarou com mais atenção e percebeu algo nos olhos dela. — Estava chorando?
— Não tenho motivos para sorrir, ultimamente. – Laura desviou o olhar e disfarçou um sorriso. — Meu namorado me expulsou, meu emprego paga uma miséria, fui despejada...
— Pera aí, te despejaram?
— Trancaram todas as minhas coisas em um galpão e mudaram a fechadura da porta. Eu tinha algumas coisas no apartamento do Zacky, mas a essa altura ele já deve ter queimado tudo.
— Você tem lugar para passar a noite?
— Tenho... eu acho – ela sacou celular da bolsa e olhou as horas. – Leana disse que me ligaria se eu pudesse ficar na casa dela, mas até agora nada.
Matt continuou parado, pensativo.
— Não tem outro jeito de recuperar suas coisas?
— Eu poderia tentar falar com o síndico, mas ele me odeia. Pelo tanto que eu já xinguei aquele idiota é capaz dele nem querer me ouvir.
Ele tirou o gelo de cima dos lábios e Laura pôde notar como eles eram carnudos. Por alguns segundos ela não conseguia parar de olhá-los, se desprendendo brevemente daquela conversa triste sobre seu destino. Mas logo a boca se moveu, lhe obrigando a prestar atenção nas palavras que saiam dela.
— E se alguém for no seu lugar?
Laura preferiu esperar nas escadas, descansando os pés daqueles sapatos altíssimos que usava. Matt bateu na porta do zelador do prédio e por ser um estranho ficou por ali mesmo. Ela escutou boa parte da conversa, o jeito tranquilo de Matt debater passava bem longe de como ela encararia uma discussão daquela. Ele ofereceu dinheiro ao homem, mas ela não entendeu quanto. De repente um silêncio, ela não ouvia mais nada. Então não demorou muito e ele apareceu descendo a escadaria.
— E aí?
Matthew a encarou com pesar, e então tirou o chaveiro que escondia no bolso, fazendo surpresa e abrindo um sorriso.
Eles desceram até o depósito, levantaram a porta de aço e com a ajuda dele Laura tentou se encontrar na bagunça, resgatando tudo que conseguiriam carregar aquela noite: roupas, calçados, itens de higiene pessoal e uma garrafa do vinho que ela tanto sentia falta.
— Acho que peguei o suficiente. – Ela disse enquanto o observava fechar o porta-malas.
— Tem certeza? Ainda ficou muita coisa lá.
— Se eu precisar de algo, venho buscar. – Balançou o chaveiro no dedo antes de entrarem no carro. — Alguém conseguiu a chave para mim.
— Sua amiga ligou?
— Ainda não...
Sentado no banco do motorista, Matt a viu respirar fundo, preocupada. Faltava saber para onde tinha que leva-la, isso se ela teria mesmo para onde ir. Em pensar que boa parte da culpa do que estava acontecendo era dele, não desejava que a situação piorasse. Laura merecia um descanso, um tempo para se recuperar e diante daquelas condições, ele se via como o único disposto a lhe dar isso.
— Liga para ela – ele pediu decidido, se referindo a Leana —, diz que já achou um lugar para ficar.
— O que??
— Meu apartamento. Pode morar comigo até se resolver.
— Não, Matt, você já fez muito por mim. Não posso aceitar.
— Qual o problema? Eu tenho espaço de sobra e você, Laura, não é nenhuma estranha para mim.
Ela engoliu seco, tendo as palavras se esvaído da boca. Ter entrado na vida de Matthew e o colocado naquela confusão deveria ser o bastante. Mas onde mais ela poderia ficar? Seu celular não tocava há horas e de qualquer forma, Leana não poderia ajudar por muito tempo. E com a resposta óbvia em sua cabeça, Laura permitiu que seu olhar brilhante e esperançoso respondesse por ela.
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