História Vermelho combalido - Capítulo único

A neblina continuava densa nas partes mais elevadas das propriedades do castelo mesmo que o relógio indicasse que já eram nove e meia da manhã, a temperatura estava mais baixa do que nos outros dias, já que se aproximavam do inverno, fazendo com que o orvalho se acumulasse sobre a grama e as plantas dali. Brian ajeitou a capa e o cachecol, cobrindo parcialmente o rosto com ele, voltando a encarar a superfície do Lago Negro com atenção encostado a uma das paredes das docas.

— Imaginei que tivesse vindo se esconder aqui — ouviu uma voz baixa logo ao seu lado, encontrando Jaehyung lhe observando de braços cruzados enquanto se escorava na parede de pedra, as bochechas vermelhas por conta do tempo frio e, provavelmente, da descida até ali. — Quando Alison me disse que você não tinha aparecido para o café, achei melhor vir te procurar...

O garoto loiro se sentou ao seu lado, colocando as mãos nos bolsos da calça em uma tentativa de esquentá-las, sua respiração ainda um pouco pesada, o que indicava que tinha vindo até as docas correndo — ou pelo menos, rápido o suficiente para lhe deixar sem fôlego.

— Não precisava ter vindo até aqui — respondeu baixo, se encolhendo um pouco mais, abraçando seus joelhos.

— Brian, olhe pra mim, por favor.

Balançou a cabeça negativamente continuando a encarar o chão de pedra sob seus pés, aquele sentimento ruim de sempre ser um fardo na vida das pessoas ganhando espaço em seu peito outra vez, fazendo com que se sentisse pior. Os dedos gelados de Jaehyung encontraram seu rosto, obrigando-o a levantá-lo para encarar aqueles olhos preocupados por trás dos óculos de aro grosso. Nunca faço nada certo, não é? Eu sou sempre um peso pra você...

— Eu amo você, Brian — foi quase como um sussurro, como se ele estivesse contando-lhe um segredo, os polegares fazendo um leve carinho em suas bochechas — e eu vou repetir isso todos os dias, quantas vezes for necessário, até mesmo depois que tudo isso passar. Você não é um fardo, você não é inútil, eu não vou desistir de você, nunca. Você importa, Brian. Eu sempre estive aqui e sempre vou estar, eu prometo.

As mãos deixaram seu rosto, descendo por seus braços até chegarem a seus pulsos, onde Jaehyung retomou as carícias, sem desviar o olhar do seu. Sabia o que ele queria, sabia que ele ficaria decepcionado consigo, que ele acharia que fosse um fraco, um covarde, como seus colegas sempre faziam questão de lembrar ao dizer que desonrava sua casa, Grifinória.

— Pode me mostrar, Bri?

Mordeu os lábios com força, dando um aceno curto com a cabeça antes de erguer suas mangas deixando as bandagens ensanguentadas a mostra. Sentia tanta vergonha de si mesmo que gostaria de se jogar no lago de uma vez e se deixar afundar. Jaehyung observava seus pulsos atentamente, passando os polegares por cima do tecido manchado de sangue seco com cuidado.

— Você fez isso ontem? — assentiu, desviando o olhar para o chão.

— Durante a noite, depois todos terem ido dormir.

Sua voz saía baixa, fraca, um fiapo se comparado a seus melhores dias.

— Não precisa ter vergonha — Jaehyung não levantara a voz um segundo sequer, falando no mesmo tom calmo e baixo de antes —, eu não vou te julgar, Brian, jamais fiz ou faria isso, não seria um bom namorado se o fizesse — o loiro abaixou suas mangas e beijou sua testa, segurando suas mãos em seguida. — Eu quero o seu bem, ok? Vou estar sempre aqui quando precisar de mim. Você tem tomado os seus remédios?

— Às vezes... — confessou, sentindo ainda mais vergonha por não conseguir sequer se lembrar de tomar os remédios — eu acabo me esquecendo, me desculpe, Jae.

— Está tudo bem, — recebeu outro beijo na testa antes de ter o corpo puxado para mais perto do outro, os braços compridos lhe envolvendo em um abraço gentil, deixando espaço para desfaze-lo a qualquer momento caso quisesse — está tudo bem. Quer que eu te lembre deles?

— Não quero causar mais incômodo — murmurou contra o ombro dele, sentindo uma das mãos de Jaehyung alcançar seu cabelo brincando com os fios vermelhos.

— Você não me causa incômodo algum, fico preocupado sim, mas não me sinto incomodado — ficaram em silêncio por algum tempo, Brian com o rosto escondido nas roupas de Jaehyung que continuava a afagar seu cabelo. — Você estava pensando em se jogar, não é? Antes de eu chegar aqui.

Murmurou um "estava" contra o tecido preto da capa do namorado, sentindo os braços lhe soltarem por alguns instantes enquanto ele sussurrava em seu ouvido para que se sentasse entre suas pernas, atendendo ao pedido prontamente, usando o joelho que Jaehyung deixara dobrado como apoio para as costas, colocando as pernas por cima do outro que se encontrava esticado.

— Quer conversar sobre isso? — Jaehyung tinha o rosto afundado em seu cabelo, voltando a abraçá-lo protetoramente.

— Os comentários voltaram... na aula de Aritimancia a professora os mandou para fora da sala e tirou pontos das casas, mas não adiantou de muita coisa — respondeu, a voz ficando instável e sufocada ao se lembrar dos comentários maldosos que ouvia com frequência, os olhos ardendo devido a vontade de chorar — eles continuaram me seguindo durante o dia, jogavam bilhetes na minha mesa, me encurralaram no banheiro... disseram que eu era uma vergonha para Grifinória, que eu era tão inútil que não servia sequer para ser um Lufano. Eles... disseram que você está comigo por pena e que ninguém sentiria minha falta se eu me matasse, porque eu não tenho importância nenhuma pra sentirem falta de mim.

O namorado o abraçou com ainda mais força, segurando uma de suas mãos com a dele acariciando as costas dela. Era seu modo de encorajá-lo a continuar falando e desabafar. Brian agradecia imensamente por isso ao mesmo tempo em que se sentia culpado pelo outro ter de ouvi-lo falar sem parar, sempre se achando inconveniente e egoísta. Engoliu o bolo que se formava em sua garganta, voltando a falar com a voz embargada.

— Eu não tenho mais vontade de sair da casa, do quarto... eu só quero ficar na minha cama e chorar o dia todo — murmurou, olhando para os próprios joelhos. — Todos os dias, sair da cama é uma das coisas mais difíceis de se fazer. Só de lembrar que eu tenho que ver todas aquelas pessoas, ouvir as mesmas coisas, de novo e de novo, já me dá náuseas e falta de ar. Ouvir as piadinhas, os comentários só faz aquele sentimento ruim aumentar cada vez mais.

Sentiu os dedos do outro em seu rosto, secando algumas das lágrimas em suas bochechas.

— Me sinto tão inútil, Jae — disse enquanto repuxava o tecido preto da calça do uniforme. — Eu estou sempre cansado, sem vontade nenhuma de fazer as coisas, mesmo as que eu gosto... ou gostava, não sei. Dizem que eu preciso me esforçar mais, que isso tudo é bobagem, coisa de "sangues ruins" como eu.

Jaehyung trincou os dentes ao ouvir as últimas palavras, sentindo o sangue ferver por terem tido a audácia de repetir aquilo para Brian. Respirou fundo, deixando que ele continuasse.

— Isso tudo dói, me sufoca e eu acabado fazendo isso — levantou os pulsos para enfatizar o que dizia. — Depois eu me sinto culpado por fazer você se preocupar comigo, porque eu penso que não sou bom o suficiente pra que você gaste seu tempo se preocupando e cuidando de mim. Me sinto mal por te decepcionar, por não conseguir não me machucar. Eu fico com vergonha de mim mesmo por ser fraco, eu me odeio por não ser igual as outras pessoas, por não ser normal... eu me odeio por ser um péssimo namorado e sentir que estou te prendendo — a voz começara a falhar devido ao choro, as lágrimas grossas escorrendo por suas bochechas sendo prontamente limpas pelos dedos gelados do namorado. — Isso tudo vira uma bola de neve aqui dentro — apontou para a própria cabeça, — coisas pequenas tomam uma proporção enorme, me afetam bem mais do que pessoas normais e deixam aquele sentimento de vazio, de fracasso, de que nunca nada vai dar certo e eu não sei o que fazer, Jae... eu só quero que tudo isso passe, eu só quero ser igual a todo mundo.

Brian puxara o ar com tanta força ao terminar de falar que era como se sua garganta estivesse em chamas por conta do ar gelado, como se houvesse bebido lava e ela tivesse queimado tudo pelo caminho. Jaehyung apenas puxara sua cabeça com delicadeza para encostá-la em seu peito, deixando que chorasse enquanto acariciava seus cabelos novamente, balançando o corpo levemente em uma tentativa de acalmá-lo. Seus soluços faziam um pequeno eco nas docas, a cabeça doía por culpa do choro, como se fosse explodir a qualquer momento.

O garoto loiro permaneceu ali, lhe abraçando e distribuindo carinhos por onde suas mãos conseguiam alcançar, vez ou outra murmurando elogios, cantarolando trechos de algumas das músicas que costumava ouvir. Beijava todo seu rosto e limpava suas lágrimas com a manga da capa que vestia. Tudo sem nunca alterar o tom de voz ou a expressão suave que tinha no rosto desde que chegara ali.

— O que acha de voltar comigo pra casa nas férias? Antes de voltar pra casa dos seus pais? — Jae começou depois de ficarem algum tempo em silêncio. O choro de Brian havia cessado, mesmo que ainda soluçasse de vez em quando. — A gente pode ir à praia como você queria, lembra? Ou ao parque de diversões, àquele restaurante árabe que você gostou quando saímos da última vez em Brisbane... o que acha?

— Seus pais não vão achar ruim? — o de cabelos vermelhos questionara ao levantar o olhar dos próprios joelhos para o rosto no namorado, fungando um pouco.

— Na verdade, foram eles que sugeriram que eu te levasse pra casa — passou os dedos pela franja vermelha para arrumá-la. — Não precisa aceitar se não se sentir confortável, hm?

Brian apenas balançou a cabeça, resmungando um "hmmm" antes de voltar a apoiar a cabeça no peito do outro, sentindo o calor que emanava das roupas pretas do uniforme que ele vestia, o cachecol azul e amarelo fazendo cócegas em seu nariz gelado. Fechou os olhos enquanto Jae brincava com os dedos de sua mão e voltava a cantarolar uma música qualquer em tom baixo contra seus cabelos.