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História Vermelho Intenso - Foi bom te morder, Alice


Escrita por: dmbraur

Notas do Autor


Este dia finalmente chegou! Eu não tenho palavras para agradecer por todo apoio e paciência dos antigos leitores e, para os novos: SEJAM MUITO BEM-VINDES A ESSE FANDOM MALUCO! ❤

Quero avisa-los de antemão que, desde muito antes de haver essa classificação de "Dark Romance", quando ainda era apenas uma fic já existia metáforas e piadas que talvez alguns pudessem considerar preconceituosas ou algo do tipo, mas muito pelo ao contrário, não existe preconceito nenhum em mim (autora). É tudo pelo bem do realismo e bom humor, vamos viver a vida sem mimimi. Eu tive que colocar Vermelho Intenso como tendo o subgênero "Dark Romance" porque a história aborda temas pesados como depressão, transtorno de ansiedade e síndrome do pânico em primeira pessoa, além de ter cenas gráficas de violência.

Capítulo 1 - Foi bom te morder, Alice


Você teria continuado 

Se soubesse o que o destino te reservava? 

Quem seria o verdadeiro vilão?

 

______________________________________________________

 

Não é engraçado como o medo e o amor, embora pareçam tão distintos, estão profundamente interligados? Ambos ativam o sistema nervoso simpático, em outras palavras, nos dizem se devemos lutar ou fugir.

Para mim, a principal diferença entre os dois é que viver com medo é uma bela merda.

Humm, que carne boa. Pena que o churrasqueiro me defumou junto, penso ao puxar com os dentes um pedaço de carne bem salgada do espeto.

Ando pela calçada de concreto degastado, poeirento, com algumas pedras portuguesas faltando, meio imersa em pensamentos e meio atenta ao meu redor. Atenta às olhadas de cima a baixo, a uma buzinada aqui e a um assobio ali. Não viro a cabeça, não sorrio, apenas continuo a caminhar com o queixo erguido, fingindo que não notei.

O vento quente que lambe meus ombros e braços desnudos não muda nada. As estrelas sarapintam o véu azul escuro lá em cima como incontáveis diamantes, servindo mais de testemunhas do que companheiras. Mas mesmo se o sol resplandecesse em todo seu ardor cróceo no lugar do nosso grande satélite natural e a magnífica abóboda celeste fosse de água-marinha, o peso do medo não desapareceria.

As pessoas muitas vezes confundem os dois sentimentos, pois os inserem em caixinhas onde eles não cabem. A humanidade e sua péssima mania de querer rotular tudo. Esquecem que nós andamos sob o mesmo maldito céu.

Quem vê uma superfície bonita não pensa na podridão que pode haver por baixo; quem vê um sorriso espontâneo não pensa que por trás dele possa haver tanto sofrimento. Só porque eu uso um laçarote cor-de-rosa para prender o cabelo, não quer dizer que eu não ouça Sepultura.

Não que eu use um laçarote cor-de-rosa.

Own! Olha que filhote de gato fofo. O pequeno felino malhado se espreme por uma fresta no canto de um portão preto enferrujado à minha direita. Paro de andar e passo o espetinho de churrasco para a mão que carrega a sacola plástica com outros dois deles envoltos em papel alumínio. Me abaixo de cócoras, esticando os dedos para acariciar o bichano. Oi, gatinho. Ele logo se eriça todo e tenta me arranhar com suas garrinhas. Ai! Calma, gatinho! Recuo a mão e volto a ficar de pé. Ok, entendi o recado, nada de carinho.

Em resumo: não deves julgar a obra por teu invólucro. Alice, capítulo 2, versículo 10.

Após caminhar por duas quadras e meia, chego à curta grade de ferro branca, um tanto descascada e com lanças afiadas apontadas para cima, que introduz a varanda de casa. Abro o portão baixo para dentro, ouvindo seu rilhar agudo. Ao fechá-lo, tranco-o com a chave e atravesso o ambiente preenchido por vasos de plantas, contrastando com o piso gasto cor terracota. Meu Jesus, isso está quase uma floresta.

Empurro a porta larga de madeira para o interior, adentrando na ampla sala de estar, e fecho-a com o pé enquanto engulo o que estava na minha boca.

— Aqui está seu pedido, Rainha do Nilo. — Caminho por trás do encosto do sofá retangular de veludo marrom, fuçando na sacola, e me dobro ao estender teatralmente um espetinho de churrasco enrolado no papel laminado por cima da cabeleira castanha de minha mãe, sentada muito confortavelmente diante da TV.

— Com farofa? — ela pergunta ao pegá-lo, sem desviar a atenção do programa.

— Atolado na farofa.

— Obrigada, filha. — Olha só que milagre. Um agradecimento nada forçado e de coração.

Ao lado dela está Gabriel, vulgo meu pai, com sua calvície alaranjada, então repito o gesto lhe entregando o outro espeto.

— E pra você, Oh, Grande Guerreiro. — Ele pega o churrasco com a mão oposta, a que não segura o controle remoto.

— Muito obrigado, querida. — Meu pai torce o rosto e eu me encurvo ainda mais para receber seu beijo na bochecha.

— De nadinha! — falo assim que ajeito a postura e vou em direção ao curto corredor, de onde desemboca uma escada na parede esquerda.

Mas, em vez de subi-las de imediato, me estico para pendurar a sacola vazia na maçaneta da porta da cozinha à direita. Pulo alguns degraus, tomando cuidado com a virada, e chego ao corredor do segundo andar. Com certo esforço, retiro o pedaço de carne remanescente do palito, fazendo-a deslizar na madeira fina. Só eu que me lambuzo toda com espetinho de churrasco?

Assim que eu passo pela soleira da porta, cruzo o quarto até a escrivaninha logo em frente. Aciono o pedal que levanta a tampa da lixeira e lanço o palito dentro dela. Aproveito para desbloquear a tela do meu celular que repousa sobre o vidro da escrivaninha e ponho uma música para tocar. A batida de 3 Sum logo me envolve e me balanço conforme desato o fecho do sutiã de tule e renda preta por dentro da blusa longa estonada, de tecido leve e manga cavada. É um crime essa música ter somente um minuto e cinquenta segundos. Tiro o short jeans, deixando-o sobre o assento da cadeira, e fico com o de lycra que eu vestia estrategicamente por baixo.

Suspendo o cabelo avermelhado num rabo de cavalo à medida que caminho para o banheiro ao lado da estante abarrotada de livros. Uso o elástico, que já virou uma extensão do meu corpo de tanto que vive no meu pulso, e termino de prendê-lo de uma maneira desleixada bem a tempo de me debruçar no mármore da pia. O contato gélido da pedra com as palmas das minhas mãos envia uma calmaria quase dolorosa pelos meus braços.

Inspiro fundo pela boca e libero o ar devagar para enfim levantar o rosto. Encaro meu reflexo pela milésima vez no dia. A combinação dos meus olhos de malaquitas, pele clara sutilmente salpicada de sardas, madeixas ruivas um tanto ralas, nariz pequeno e lábios medianos, para muitos é uma visão atraente. Mas eu só consigo enxergar as olheiras, os lábios rachados e as maçãs pálidas na bochecha de uma pessoa cansada e patética.

Vamos lá. Sorrio, sem mostrar os dentes, e a expressão alegre – ainda que forçada – no reflexo se mescla com o ritmo do final de Dynamite do BTS. Me afasto da bancada com um impulso e começo a me remexer.

— ‘Cause, ah-ah, I’m in the stars tonight!

Se teve algo que mudou minha forma de ver o mundo durante minha estadia no hospital, foi a musicoterapia. Não, desculpe, não foi minha forma de ver o mundo que mudou, mas a forma como eu me conecto a ele.

Abaixo o pescoço e giro o rabo de cavalo como hélices de um helicóptero. Levanto a cabeça rindo de mim mes... Eita, rápido demais, fiquei tonta. Cambaleio para trás e estico a mão para segurar a borda da pia...

— Au! — Minha mão passa direto e meu dedo rela na aresta da maçaneta do armário logo abaixo.

Levo a ponta do dedo indicador à boca e de imediato sinto o gosto ferruginoso de sangue.

Será que se eu passar pasta de dente ajuda?, penso com os olhos semicerrados na direção do tubo de creme dental, fincado no suporte ao lado da torneira. Suspendo-o e o analiso de perto. Nããão. Pego a escova de dente no mesmo suporte e cantarolo o início de So What com a Pink enquanto a preparo.

Eu sempre amei música, mas agora parece que meus tímpanos captam cada mínima frequência dos sons, das teclas do piano, das cordas do violino ou até mesmo das batidas pulsantes das músicas eletrônicas, e juntas elas passam pela minha pele, correm pelas minhas veias, estimulando uma explosão dentro de mim. Por vezes é uma supernova, outras é um buraco negro. Música e dança para mim são como a lua e as estrelas. É meu combustível.

O que é irônico, porque eu sempre preferi estudar a vastidão atrás delas a suas luzes. Tinha dias que eu e Bianca fugíamos de nossos quartos só para deitar no gramado da frente e ficar olhando o céu de sodalita. Ela me contava sobre as constelações e eu a contava sobre o que poderia estar além delas. Mas isso foi antes.

Quando chega o refrão da música, eu já estou com a escova dentro da boca e pulando no ritmo da harmonia. Tiro a escova e faço uma careta para o espelho, encenando a letra da canção. Jogo a cabeça para trás e solto uma gargalhada com a feição que surgiu no refle... Ai, me engasguei com a espuma! Recomeço a escovação sacudindo a cabeça, os joelhos e logo deixo a escova pendurada entre os dentes para imitar uma guitarra no ar.

Me curvo para frente e cuspo a água na pia. Levanto a cabeça, secando a boca com o punho e miro o espelho uma última vez. Sugo o ar pelo nariz e estico os lábios num sorriso menos forçado.

— Mais um dia.

Então expiro pela boca e já me sinto um pouco melhor.

Saio do banheiro, dando as costas para a porta estreita e a deslizando até que fechasse por completo. Quando viro meu rosto, minha visão esbarra na imagem do quarto vazio, silencioso e desalumiado do meu irmão mais velho. Tudo permanece meticulosamente arrumado, intocado, as quatro paredes conservando seu perfume como se aguardasse seu retorno.

Eu posso identificar um túnel desbotado começar a se moldar, retirando a vivacidade que eu acabara de adquirir. Porém, há ainda uma tênue faixa de luz remanescente; inatingível.

Meu Deus, do jeito que falo parece até que o garoto morreu. Bem, talvez tenha, só sei dele através das redes sociais mesmo.

Pensando bem, se ele tivesse morrido, nós saberíamos. Notícia triste chega rápido.

Quando Igor se mudou, tudo começou a desandar. Toda a desgraça pareceu acontecer ao mesmo tempo. Faz quanto tempo? Dois, três anos?

Eu sei que ele está bem, morando com a namorada, e isso me deixa contente, mas às vezes bate saudade. Isolada em casa, mesmo com a diferença de idade e as brincadeiras implicantes, Igor se tornara meu melhor amigo. Foi ele quem me introduziu ao mágico mundo dos jogos de primeira pessoa. Havia noites que assistíamos animes na sala e eu pegava no sono com a cabeça em seu colo. Era ele quem me encorajava a ultrapassar meus limites, era ele quem segurava minha mão quando eu tinha pesadelos.

Desencaminho o olhar e miro o quadro magnético totalmente vazio senão pelo pedaço de papel que tem escrito “Razões para acreditar” preso por imãs do outro lado do quarto, acima da escrivaninha. Respiro fundo e cruzo o quarto a passos largos até a janela entre a cabeceira da cama e o armário, obrigando o túnel a retroceder. Embora eu saiba que ele sempre estará lá no fundo, pronto para me engolir. Ao destrancar e fazer o vidro correr para o lado, uma lufada de ar quente me atinge. Não é surpresa estar calor no Rio de Janeiro, mas hoje parece que o diabo fez sua entrada triunfal! Suei que nem uma porca na Educação Física.

Porcos suam?

 

 

Depois de ficar um tempo saboreando a brisa bater no meu rosto e quase adormecer com a bochecha apoiada no parapeito enquanto tentava canalizar pensamentos positivos, apaguei a luz, desliguei o som do celular, pluguei-o no carregador e subi na cama para enfim dormir. “Dormir”, né, porque não é como se essa mera janela aberta junto ao ventilador adiantasse. Maldito acontecimento divino que fez meu ar-condicionado quebrar em pleno verão.

 

Não devia ser mais de dez horas da noite, porém eu tenho tentado dormir cedo. Assim dá tempo para os pensamentos incessantes se cansarem.

 

Pff! Até parece que funciona.

 

Passo alguns minutos rolando na cama, tentando quinhentas posições diferentes, quando finalmente Morfeu vem me tomar em seus braços e...

 

Fată ciudată.

 

A única parte de mim que se move são meus olhos, que se abrem num rompante. Demora alguns instantes para minha visão se acostumar com a pouca claridade.

 

Eu ouvi mesmo isso? Espero alguns segundos e volto a unir as pálpebras. Não, é coisa da minha cabeça, é coisa da minha cabeça, é só eu ignorar que some… AH! Paro de respirar novamente, o coração a mais de cem por hora. Porque, o que quer que esteja no meu quarto, não é uma alucinação e acabou de usar as pontas dos dedos para retirar alguns fios de cabelo que caíram no meu rosto.

 

Pode deixar os fios na cara, moço, não se preocupe não. Só se afasta de mim, por favor! Batalho para não me encolher.

 

— Você sabe que eu sei que está acordada, não é?

 

Estremeço.

 

A voz é grave, baixa e se arrasta nas consoantes de uma forma diferente. Definitivamente não é alucinação.

 

Engulo em seco, sentindo meu coração martelar no peito que nem um maldito pedreiro. Eu vou ter um treco, certeza.

 

Devo fugir? Continuar imóvel? Quais são as chances de eu sair dessa viva? Mas, e se... Rumino a possibilidade de ser algo sobrenatural, o que me seduz e me amedronta ao mesmo tempo.

Desde que eu me entendo por gente – o que, para ser mais exata, deve ter sido por volta dos sete anos –, enquanto meus primos e as crianças ao meu redor faziam caretas ou gritavam ao assistir filmes como Coraline ou A Noiva Cadáver, eu sentava na frente da televisão, na sala apertada da minha avó, e absorvia as cenas com fascínio. Provavelmente Igor tenha um dedo nisso. Quem é que deixa uma criança de seis anos e meio assistir a Yu Yu Hakusho?

 

Talvez pelo mesmo motivo eu amasse ir ao cinema. Nossa, que saudade da sensação de estar imersa naquele universo transmitido na tela. Era como sonhar de olhos abertos.

 

E se há outro sentimento que é a ruína da humanidade é a esperança.

 

Respiro fundo e aparto as pálpebras, encarando o canto da minha cama grudada à parede para reunir a pouca bravura que me resta. Me amparo no colchão, primeiro com os antebraços, depois com as mãos, me erguendo para sentar na cama.

 

Não sei o que é pior: virar e não ver nada ou virar e ver um Chupa-cabra.

 

A curiosidade matou o gato, Alice, fica na sua, volta a dormir, caceta.

 

Minha visão se habitua aos poucos com a meia-luz e então eu torço o rosto para o meu guarda-roup... Ai. Meu. Deus.

 

Expiro devagar pelo nariz, tentando me manter calma – em vão, obviamente –, ao passo em que distingo a fisionomia de um homem encostado no armário. Os braços firmes cruzados na altura do peito e uma das pernas longas apoiadas na porta, os olhos resolutos de magnetita cravados em mim.

 

O estranho é alto... Quer dizer, qualquer um é alto para mim em comparação aos meus míseros um metro e cinquenta e cinco, mas sua estatura se encaixa perfeitamente com o porte abrangente, ajustado em uma camiseta escura, com as mangas encolhidas até os cotovelos, o que exibe seu antebraço definido. Engulo em seco outra vez.

 

Seus cabelos negros repicados se mesclam à penumbra do quarto e deixam ainda mais evidente a pele pálida em contraste. As sombras parecem acomodá-lo, mas seus olhos…

 

Um pequeno sorriso íngreme rompe seus lábios bem delineados, combinando com seu rosto quadrangular. Que delícia de maxilar.

 

Por que eu estou tarando o cara que invadiu meu quarto?!

 

— Oi. — Ai, Jesus, ele percebeu que eu estou olhando!

 

Óbvio, é difícil não reparar quando uma pessoa está na sua frente te encarando, Alice!  Devo estar vermelha, porque minhas bochechas estão ardendo como se eu tivesse caído em um arbusto de urtiga. E um arbusto grande.

 

— Assim você vai me deixar com mais sede do que já estou.

 

O jovem abre mais o sorriso ardiloso, mostrando seus caninos longos e afiados demais para serem normais. Eu estava começando a cogitar a ideia de ele ser um fantasma, mas agora, ou ele é um vampiro ou é um psicopata bancando o vampiro. Ou um fantasma de um vampiro.

 

Sabe o pior? Perceber que isso não me deixou aterrorizada.

 

Um sorriso se expande nos meus lábios antes mesmo que eu possa reprimi-lo. O sujeito vinca as sobrancelhas grossas, arqueando uma delas em seguida.

 

Mordo o lábio e tiro a coberta de cima das minhas pernas, colocando-as para fora da cama, pronta para ficar de pé se necessário. Os olhos do rapaz descem devagar nelas e pressiono os lábios unidos, sentindo meus zigomáticos doerem ao abaixar minha cabeça e a vergar de lado.

 

Um ser sobrenatural está olhando minhas pernas! Espera, isso pode ser ruim. Oh, meu Odin, não consigo ficar preocupada! Tem um provável vampiro no meu quarto! Olhando minhas pernas!

 

Limpo a garganta.

 

— Você... me entende, certo? — indago, mordendo o lábio inferior.

 

Ai, Senhor, estou falando com um vampiro! Ou fantasma-vampiro. Melhor dia da minha vida! Bem, muito provavelmente também será o último, mas com certeza é o melhor! Eu vou chorar!

 

Da. Digo, sim. — Ele repuxa um dos lados dos lábios para cima contra aquelas maçãs um tanto proeminentes, o que faz meus ossos vibrarem.

 

— Você... — engulo em seco — você é um vampiro, não é?

 

Espero a resposta e observo, então suas íris esplenderem sob as sobrancelhas negras e as pontas do cabelo caírem sobre elas.

 

Chorar? Eu vou ter um AVC!

 

Da.

 

O que... Ah é, significa “sim”. Eu enrugo um pouco a testa.

 

— Você não é daqui, é? — Por que não consigo formular uma pergunta decente que seja?!

 

Ai, meu Rá! Por pouco não pulo de susto quando o sujeito se desencosta do armário e anda na minha direção. Seus ombros largos se movem como os de um leopardo, e seus olhos afiados permanecem fixados nos meus, saindo da escuridão como se ela fosse sua mera serva.

 

Nu. — Provavelmente isso é um não. Ou ele quer meu corpo nu. Vai com calma aí, jovem.

 

— Er... E de onde você é?

 

— Romênia. Vem cá. — Opa, opa, perto demais! Ele se dobra para frente, apoiando as mãos nos próprios joelhos. De repente seu rosto está a centímetros do meu. Os olhos cinza, estreitados, me forçam a retroceder. Não cora, Alice, nã... Espera, cinza? Olhos cinza? Isso existe?! — Você não está com medo de mim?

 

Eu com certeza enrubesci, pois além de notar o lento passar da língua dele em seu lábio superior, vejo suas íris como duas luas cheias em seu perigeu se transformarem em duas luas de sangue. Elas passam para amarelo, logo tomam um tom alaranjado, então se concentram na cor escarlate. Eu não sei o que me deixou mais sem palavras.
Pisco para sair do transe e pigarreio.

 

— Medo? — Batalho para não gaguejar. — Não.

 

Nu? — O rapaz ajeita a postura. — Fată ciudată.

 

— O que é isso? Que você falou. — Inclino sutilmente a cabeça. Eu tenho que saber se ele estiver me xingando, certo?

 

Fată ciudată? — Ele descansa as mãos nos bolsos. — Garota estranha.

 

— Ah. — Levo instantes para processar a informação, e, por fim, dou de ombros. Não é a primeira vez que me chamam disso.

 

— Você não se importa? — Ele arqueia uma sobrancelha grossa.

 

— Como já dizia as Bratz: — empino o nariz — “Quem liga se falam mal de mim, desde que escrevam meu nome certo”.

 

Ambos rimos contidamente. Ou pelo menos eu contive minha risada, antes que ela se transformasse num som de cabrito asmático e o fizesse fugir de mim.

 

Devagar, o vampiro se move, retirando as mãos do bolso com casualidade, e senta ao meu lado. Ganesha do céu, tem um vampiro sentado ao meu lado! Garoto, você não sabe a força que eu estou fazendo para não te abraçar! Suas íris já não estão mais vermelhas e, reparando bem, eu não lhe daria mais de vinte e três anos. Vinte e dois? Não sei, no escuro é difícil dizer.

 

— Parece idiota, mas... — volto a falar, um pouco mais centrada. — O que exatamente você pretende entrando aqui?

 

— Ah, não sei. Pegar um livro emprestado, talvez. — Ele logo abaixa o queixo para mim. — Senti cheiro de sangue.

 

— Ah. Faz sentido.

 

Nossa, que olfato potente, hein. Abaixo o olhar e analiso minha mão, girando-a. O corte ainda está visível e arde um pouco, mas nada que precise amputar. Eu acho. A mão do sujeito invade meu campo de visão e toma a minha delicadamente.

 

Não consigo deixar de hastear os supercílios conforme acompanho o trajeto que ambas fazem. Sua temperatura é oscilante, nem fria e nem quente. O vampiro não desvia os orbes cinéreos de mim enquanto suspende minha mão até a sua boca, onde a sensação velosa da língua dele roça ao redor da ponta do meu dedo.

 

Ele retira meu dedo da boca, fazendo questão de envolver toda a circunferência com os lábios macios e sugá-lo lentamente. Minha Santa Britney Spears.

 

— Por que você estava dormindo com a cabeça embaixo do travesseiro? — o homem questiona daquele modo frisado, principalmente no “s” e “r”, enquanto me solta.

 

Como essa criatura saída de um catálogo de moda vampírica espera que eu responda a uma pergunta assim logo depois de uma das cenas mais sensuais que já me aconteceram? Não que tenham me acontecido muitas cenas sensuais. Pisco algumas vezes e inspiro fundo, recuperando o foco.

 

— Porque... bem, porque eu quis. Espera — guino a cabeça franzindo o cenho —, por isso me achou estranha? Sério?

 

— Não só isso. — Ele cruza os braços. — Você estava dançando e rindo sozinha. E não está com medo de um cara que invadiu seu quarto à noite.

 

Meus olhos se arregalam e aos poucos minhas bochechas queimam.

 

— Você estava me espionando?!

 

— Eu diria estudando.

 

O que eu sou para ele? Uma nova espécie de pássaro?

 

Ah! Ele poderia responder todas as minhas perguntas e confirmar minhas teorias!

 

O vampiro puxa o ar, expandindo o tronco delicioso que deve portar por debaixo da blusa – para de olhar, Alice! –, e entrelaça os dedos, estalando-os.

 

Deci, vamos ao que interessa.

 

O rapaz se aproxima, descaindo seu corpo para frente, mas eu o interrompo erguendo uma mão.

 

— Espera. — Ele trava no lugar e arqueia uma sobrancelha. — Posso te perguntar algumas coisas antes que você me mate ou faça sei lá o que comigo?

 

O vampiro hesita por um instante, então estala a língua entre os dentes e retorna à posição de antes. Ele tende para trás, usando seu braço de apoio com a mão espalmada no colchão.

 

— Fale — diz ele. Dou um sorriso inseguro e encolho um pouco os ombros.

 

— Bem, eu queria saber como é ser vampiro.

 

— Chato.

 

— Não, não assim. Como é de verdade. Todos os poderes, quais os tipos de morte que... bem, matam vocês. — Eu meneio de forma vaga, um tanto nervosa. — Como e onde vivem, reproduzem, dormem...

 

Hei, vai com calma aí, Anne Rice. — Ele enruga de leve a testa.

 

— Desculpa. — Encolho os ombros de novo.

 

— Tudo bem. — O jovem toma fôlego. — Bine... Nós, vampirii, costumamos sair à noite, mas isso não quer dizer que o sol nos mate. Em temperaturas muito elevadas ficamos instáveis, porque nos superaquece. Isso serve para o extremo frio, mas não é exatamente mortal. Talvez seja para quem estiver por perto. Um deslize e... — Ele traça uma linha horizontal com o dedão na altura do pescoço e emite um chiado. Engulo em seco mais uma vez. — Por isso gostamos mais da noite, que é fresca, e do escuro, para fins sanguinários. Água benta, inútil. Alho, nem pensar. Estacas realmente nos matam. Como qualquer outra coisa que atravesse um corpo e deixe esvair muito sangue. Claro que temos mais resistência que vocês, mas não é nada que nos torne imortais.

 

— Intrigante. — Concordo com a cabeça, concentrada.

 

— O sangue nos dá uma espécie de energia diferente da que vocês estão acostumados. — O vampiro abre um sorriso matreiro. — É como uma vitamina de banana com vodca e um pingo de alguma coisa mais etérea. Quanto mais absorvermos, mais força nós teremos.

 

— Entendi. — Eu deveria pegar um bloquinho?

 

O homem gesticula com descaso, como se estivesse cansado de falar sobre isso.

 

— Nada de teletransporte, controle de mente, virar morcego... Ah. — Ele me encara outra vez. — Somos muito competitivos. Nossa raça não se dá muito bem uns com os outros. Por vários motivos, mas o resumo é que somos um bando de filhos da puta. No máximo temos comparsas, aliados temporários, mas nunca amigos. Não entre nós. E, provavelmente pelo mesmo motivo, só alguns têm seus parteneri. Geralmente são aqueles que mais carregam consigo um resquício de humanidade. Assim, eles podem sentir o Nödi: um vínculo de lealdade e contraparte que os atraem como um imã.

 

— Então como vocês têm filhos? Ou vocês não têm? — Ajeito a perna, puxando-a para flexionar uma sobre a outra na cama.

 

Ponho uma mecha de cabelo atrás da orelha e... Meu Barong, agora que me lembrei como deve estar essa juba! Começo a deslizar o elástico pelo cabelo completamente desalinhado.

 

— Como qualquer um? — o vampiro indaga retoricamente e me faço de cética.

 

— Perdão se eu pensei que pessoas mortas não pudessem ter filhos. — Passo os dedos por entre as mechas, desembaraçando-as.

 

— Só porque temos que repor o sangue quer dizer que estamos mortos? — Oi?

 

— Mas... Como assim? O coração não bate, não bombeia o sangue...

 

— Isso é minciună — diz ele, displicente.

 

— Mintchi-quem? Mentira? — Comprimo as sobrancelhas, conforme meus dedos ocupam-se em desatar o nó.

 

— Todos os nossos órgãos funcionam normalmente. Bebemos sangue porque precisamos ficar com mais...

 

— Espera, mas se precisam repor, como vocês acumulam sangue como tinha dito antes?

 

Ele respira fundo.

 

— O sangue anterior que bebemos esfria com o tempo. Nosso corpo suga toda a energia que ele pode oferecer muito ávida e rapidamente. Precisamos de sangue quente para ir rodando as engrenagens.

 

Ele termina como se explicasse para um bebê.

 

— Ainda assim, pra mim, uma pessoa que bebe sangue — eu torço meu cabelo para deixá-lo de lado sobre o ombro —, é pálida e continua de pé está morta.

 

Sua feição paira entre algo como entediada e irritada ao escorar o queixo na mão e o cotovelo no joelho.

 

— Aí você já está confundindo com zumbis.

 

— Mas zumbis não bebem sangue. Eles comem... — Arregalo a vista e me inclino para frente. — Espera, zumbis existem?

 

Ele apenas me encara.

 

— Não. Enfim... — Observo seu tronco largo expandir-se ao inspirar fundo e passar a mão pelo cabelo. — Podemos ter filhos, só que é mais difícil.

 

— Por causa da variação de temperatura?

 

Ele assente e ergue uma sobrancelha. Queria saber fazer isso.

 

— Mais alguma pergunta?

 

— Hum... — Olho para cima por um instante, mas logo volto a fitá-lo. — Que eu me lembre não. — Entorto um pouco a cabeça. — Você ainda está com sede?

 

Ele passa a língua pelo lábio superior e lentamente abre um sorriso mordaz.

 

Da.

 

Assisto suas íris se tornarem citrinos, logo duas cornalinas e depois um par de rubis vibrantes. Então, respiro fundo e bato em minhas pernas.

 

— Tudo bem. — Vejo o sorriso desaparecer de seu rosto, instantes antes de eu lhe dar as costas. Puxo meu cabelo para frente, expondo o lado esquerdo do meu pescoço.

 

Remexo em minhas madeixas com movimentos inquietos. Ele vai mesmo me morder, né? Quer dizer, pescoço vampiro = mordida.

 

Por que meu coração decidiu bater tão forte? Ah é, deve ser porque eu dei as costas para um vampiro sedento por sangue.

 

— Se-se puder não me matar ainda, sabe... eu... eu meio que gostaria de te ver outra vez. Nesse plano. — Afinal, a ideia de ter um amigo vampiro não é tão ruim, é?

 

Talvez seja um pouco.

 

Posso sentir a mudança de peso na cama às minhas costas e, logo depois, um calor ameno me encobre. Aperto os olhos e as mãos ao redor do meu cabelo, minha estrutura tesa. Não enxergo sua reação, mas o leve toque de seus dedos na pele do meu braço e seu hálito acariciando a minha nuca me arrepiam inteira.

 

Fată ciudată.

 

Seu tom sai cavernoso, quase como um eco profundo.

 

Eu quero que ele me morda, no entanto... AI, CACETE!

 

Doeu, e doeu para um cacete, no momento em que as presas dele perfuraram minha carne como duas agulhas de mais ou menos sete malditos milímetros de espessura! Se você acha que uma agulha normal incomoda, pense de novo. Recuei por reflexo, mas conforme ele suga, parece que me seda, me entorpece.

 

Logo seus dentes saem do meu pescoço e uno as pestanas ao sentir o lento passar da sua língua molhada onde eles estavam antes.

 

O vampiro transfere a mão que estava no meu bíceps esquerdo para o antebraço e a outra engancha pela frente em minha cintura. Ele me suspende com uma facilidade invejável e me coloca sentada em suas pernas. Minha cabeça pende em seu ombro, deixando meu nariz próximo ao seu pescoço, meu corpo sem forças. Humm, cheirinho bom. Ele emana uma essência adocicada, mas forte. Lembra florestas e também concreto.

 

— A propósito, meu nome é Zaph. — Seu sussurro se assemelha a um trovão distante.

 

— Zaph? Nome legal. O meu é Alice. — E, pelo visto, a minha voz também. Mas a minha está mais para uma capivara distante.

 

 

 

 

— Foi bom te morder, Alice.


Notas Finais


Meus. A-mo-res.

Eu não sei nem como falar isso, como começar a dizer...

Para quem não me acompanha nas redes sociais, graças ao incentivos dos mais de seiláquantos leitores queridos "Minha Vida com um Vampiro Estrangeiro" virou um livro, sob o novo nome de VERMELHO INTENSO. Sim, isso mesmo, senhoras e senhores, Alice e Zaph estão agora disponíveis no Kindle e em livro físico! A compra do físico é comigo mesmo, tem o link no meu perfil e no Insta.

Estou super feliz e ao mesmo tempo apavorada kkkk muito animada e ao mesmo tempo neurótica. Dormir? Sei nem mais o que é isso.

Infelizmente, como a história se tornou algo comercial, eu precisei retirar a maior parte do Spirit, mas vou deixar alguns capítulos como degustação em prol da divulgação. O que mais me doeu foi perder os comentários de vocês T.T amo ler os comentários de vocês, então vão lá no Kindle e o avalie! Me sigam no Insta (@dmbraur) ou no Tiktok (também @dmbraur) e fiquem atento às novidades.

P.S: tem cenas hots novas heheheh

Para garantir o seu exemplar, você pode entrar contato comigo por aqui mesmo, pelas mensagens, pelas DM do Insta, pelo Telegram (@dmbraur) ou pelo e-mail [email protected] 😉 vejo vocês lá!


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