História Victuri!!! On Music - Pesare

Pesare

Após minha conversa com Minako, que não conseguia disfarçar a alegria, ficou resolvido que começo na próxima segunda-feira(estamos na quarta), para que arrumem minha sala com os métodos de estudo e separem o melhor piano para mim. Não que eu tenha pedido por isso, mas se ela insiste tudo bem.

Com essa questão resolvida, volto a pensar em Yuri enquanto coloco o roupão. Agora que repasso o que ele disse, muitas coisas me vem a mente, mas o que mais me intriga foi ele ter referido a si mesmo como sujo e impuro. Onde ele é sujo e impuro? O que mais me chamou a atenção no Yuri foi sua liberdade, seu jeito único de ver as coisas, até sua impulsividade  como ele mesmo disse, do tipo 'que age primeiro e pergunta depois'. Ele me fascinou desde a primeira vez em que coloquei meus olhos nele. Sua impulsividade que tanto me irrita e apavora ao mesmo tempo me excita... Pensando em excitar, seus beijos tem o sabor do pecado, seus toques tem o dom de incendiar cada célula do meu corpo... Ele me intriga, de fato. Sinto que o Yuri guarda um grande segredo... Segredo este tão ruim que chega ao nível de ele achar que é tão pouco. Ele sujo? Jamais!

Sujos são os pensamentos que não consigo esquecer, sujos são as fantasias que passeiam pela minha cabeça. Sujo é o fato de eu, o ser mais hipócrita e covarde do mundo dizer para ele nunca mais me tocar. Será que conseguirei resistir a ele?  Bem, não faço a menor idéia, mas de qualquer forma tenho que me preparar para essa nova fase. Pela primeira vez me sinto ansioso pelo desconhecido

O restante da semana passa como um borrão. Entre definir cronogramas de estudos intensivos, separar por níveis de dificuldades, métodos de interpretação e etc. Como as aulas são individuais, devo ter um grande arsenal de estudo, pois cada aluno tem um perfil específico. Deixo tudo arrumado em casa e separo minha roupa. Amanhã  eu começo essa nova etapa.

Acordo cedo para me preparar. "Estou ansioso." Chego com uma hora de antecedência no conservatório, onde Minako me mostra minha sala de aula, bem como as salas de descanso e dos professores. Minha grade de alunos está pronta , com muitos horários preenchidos.Yuri terá aula comigo toda sexta-feira. Terei aí  4 dias para me preparar psicologicamente para ficar em uma sala sozinho com ele. Eu acho.

Após o almoço, depois das aulas da manhã, resolvo andar pelos corredores para espairecer um pouco e observar a rotina, observo aulas de outros instrumentos e fico impressionado com o nível de qualidade. Sigo andando sem me dar conta que me aproximo daquela sala... Sim.... A sala que em Yuri estava no outro dia... No dia em que me deixou excitado com sua interpretação.

Escuto uma música melancólica que me arremete um aperto no coração e uma vontade absurda de chorar... Um estilo conhecido, porém com uma interpretação nova. É a música de Yuri, eu sei que é ele que está tocando... Mas por que soa tão diferente? Por quê? Me aproximo da sala e reconheço a música. Tristesse  de Frederich Chopin(Link nas notas finais). "Por que sinto essa dor? Por que sinto desespero?É isso que você sente Yuri?" . Não me atrevo a entrar pois sinto que é outra faceta do Yuri que ainda não vi. Quero entendê-lo e sei que esse momento dele é bem íntimo e algo que ele nunca mostraria facilmente para mim. Observo da porta sua expressão e fico assombrado... Esse é o mesmo Yuri que tocou de forma tão sensual a Ballade Nº 1 em Sol menor (música interpretada por Yuri no capítulo 05)no outro dia? Ele está de olhos fechados e cerrados, como se estivesse em um lugar cheio de tristezas... Como se estivesse vivenciando algum trauma. De seus olhos começam a cair algumas lágrimas e nesse momento minha mente vê as palavras, 'culpa, dor, imundo, monstro,escória'....

”Por que está assim Yuri? Por que transborda tudo isso? O que aconteceu para que você ficasse desse jeito?..."

Sinto lágrimas molharem meu rosto e percebo o quanto aquilo me atingiu. A música está chegando ao fim... Saio silenciosamente, antes que ele perceba minha presença.

Volto para minha sala abarrotado de pensamentos sobre Yuri... Quantas facetas ele tem? O que ele esconde? O que aconteceu com ele que fez aquele rosto cheio de vida expressar dor? Por que estou sentindo dor também? Eu preciso saber. Não consigo tirar isso da cabeça mas também sei que devo ir com calma.

Não consigo expressar a dor que senti. Isso me deixa com ainda mais vontade de descobrir mais sobre ele.

O dia de sua aula chegou como num passe de mágica. Sua aula é a última do dia, o que me deixa ansioso e ao mesmo tempo apreensivo. O conservatório a noite é vazio.

Yuri entra na sala com um sorriso brilhante no rosto. A mesma faceta de quando  o vi pela primeira vez.Está usando calça jeans uma camisa acobreada que realça muito bem seu tom de pele, e pela primeira vez vejo que usa óculos. Uma aparência totalmente nova para mim...

-Boa noite, sensei.- diz com uma pitada de bom humor. "O que aconteceu com o jeito sarcástico e sedutor? Será que ele está tentando manter o que disse de não encostar um dedo em mim?... Por que estou preocupado com isso?! Foco Victor! Você pensou em algo para essa aula,coloque em prática!"

-Boa noite, Yuri. Confesso que sinto-me estranho com você me chamando de sensei- digo sorrindo, fazendo seu olhar se intensificar em minha boca por um breve momento-mas essas coisas fazem parte do momento. Bem, pode se sentar ao piano.

Acompanho ele até o piano e digo...

-Eu tenho uma noção de como está a sua técnica e sua interpretação é muito boa, porém, hoje eu gostaria de ver como condiz sua musicalidade em músicas com uma abordagem mais melancólica e introspectiva. Pegue essa peça.-entrego a ele a partitura- Hoje gostaria que tocasse Tristesse de Chopin.-digo sentindo-me culpado e ele arregala os olhos e me encara. Está sem ação. Um misto de sentimentos passa em seu olhar.

"Será que ele descobriu que eu ouvi ele tocar? Não, acho que não.."

Percebo Yuri travando uma batalha interna, essa música mexe com ele. Trás lembranças ruins. Estou sendo cruel, eu sei, mas se não fizer isso, como saberei? Como poderei ajudá-lo? Não digo só como professor, mas como homem... Homem este que está desesperado para descobrir mais sobre ele.

Yuri treme por alguns instantes, respira fundo e diz com um olhar onde vejo vontade de dar o melhor e medo...

-T-tudo bem, sensei.

"Eu sou um cretino.Me perdoe, Yuri. Mas agora não tenho como voltar atrás e você não tem ideia do quanto me dói cutucar suas feridas."

Percebo que ele ainda treme levemente enquanto coloca a partitura na estante embutida do piano. Abaixa os dois braços, respira fundo e toma a posição para começar a tocar... Nos primeiros acordes sinto insegurança e um misto de medo. Ele está tentando disfarçar para eu não perceber o quanto o machuca tocar essa música. Está suando muito. Suas sobrancelhas e olhos estão serrados, como se fosse alguém com problemas de visão tentando ler algo, mas sei que nesse caso é uma tentativa de não deixar transbordar seus segredos. Ele sabe que se fizer isso eu descobrirei e ao mesmo tempo em que me sinto mal por estar forçando-o a fazer isso, também me sinto completamente impotente por não poder fazer nada.

Em dado momento da música o vejo engolindo em seco como que se estivesse segurando o choro. Não agüento assistir isso.

-Já pode parar, Yuri. Está bom.-ele para no mesmo instante e solta um suspiro de alívio.

-Eu estava tão ruim assim?-diz tentando descontrair

-Não, de forma alguma. Foi uma interpretação densa. Cada pessoa interpreta sua musicalidade à sua maneira. Você gostaria de me ouvir tocar essa peça?-digo pegando-o de surpresa. Pode ser cruel, mas preciso mostrar para ele, preciso que ele veja a minha versão dessa música. Ele assente com a cabeça e vai se sentar aonde eu estava.

Sento no banco do piano, respiro fundo, me posiciono e fechos os olhos. Deixo todos os sentimentos que tenho no momento me inundarem e começo os primeiros acordes deixando a música falar por mim.

"Você não é sujo, Yuri. Não é um monstro. Sinta tudo o que não posso dizer abertamente..."

Conforme toco transbordo tudo que sinto... Vejo seu rosto triste se transformando em um sorriso. Vejo a luz do seu olhar, sentimentos de liberdade e alegria... A inocência ausente nele se transformando em sabedoria. Sentimentos e sentimentos... Minha vontade de apoiar, entender e de saber mais sobre ele e minha impotência por não poder fazer nada. Sentimentos e sentimentos... Risadas de felicidade, carinho, vontade de proteger... São tantas coisas dentro de mim que a música não é o suficiente para dizer e finalizando a peça musical transbordo até aquilo que ainda não entendo... Desejo, paixão, amor...

Dou o último acorde da música surpreso e impressionado com tudo o que eu acabei de expressar. Será que ele foi alcançado também?

Assim que me pergunto olho para ele e me surpreendo mais uma vez. Seu rosto completamente  corado e um olhar vulnerável que nunca achei que poderia ver.

(Continua...)