Harry se remexeu na cama, ainda meio sonolento, enquanto se espreguiçava e sorria consigo mesmo, pela noite maravilhosa que havia compartilhado com Genebra.
E então ouviu a voz dela...
Aquela mulher da qual sabia que não poderia fugir para sempre, mas, que evitaria encontrar o máximo que lhe fosse possível.
Talvez se ficasse quietinho ali em sua cama, não precisaria descer e ter que encará-la depois de tantos anos, sem nenhum tipo de contato. Claro que sabia que aquilo era coisa de Liam, que jamais ia desistir de fazer com que os dois se acertassem. Harry podia entender os motivos dele, mas não queria ser forçado a algo para o qual não estava pronto ainda. Era difícil olhar aquela mulher e não sentir a mágoa presa em seu peito. Ainda não estava pronto para perdoar.
Fechou os olhos, sentindo sua bolha de felicidade sendo rompida de maneira brusca e inaceitável. Parecia que quanto mais tentava fugir de seu passado, mas ele voltava para assombrá-lo.
Harry lembrava nitidamente do dia em que perdeu totalmente a calma e perdeu todo o respeito por aquela mulher. Talvez ele já tivesse percebido que as coisas não iam bem naquele casamento, mas preferiu ignorar.
Até o dia em que descobriu que Anne estava traindo o marido, com um homem mais jovem, que morava no mesmo prédio que eles. Ela disse a todos que passaria o fim de semana fora, em um Congresso. Ninguém jamais desconfiaria , afinal ela era médica e não era a primeira vez que precisava viajar para algum seminário fora da cidade.
Ela fez um lanche para Harry, que estava estudando. Beijou seus cabelos encaracolados carinhosamente e disse que ia sair um pouco. Cansado de estudar, ele mesmo decidiu dar uma volta. E foi quando viu a bolsa de sua mãe pendurava na entrada da casa do vizinho. Este correu apavorado quando o notou espiando para dentro de sua casa, mas tudo piorou quando Anne surgiu enrolada apenas em um lençol. Não precisava ser um gênio para perceber que a mulher não usava roupa nenhuma e sabia o que estiveram fazendo.
Anne estava branca, feito papel, por ter sido pega no flagra. E gritou apavorada quando Harry entrou no apartamento como um touro bravo e socou a cara de Javier com toda sua força. Sabia que o filho tinha um temperamento indomável, mas, naquela noite, foi a primeira vez em que ela teve medo do que Harry era capaz de fazer, quando perdia o controle.
Não conseguia se mexer e apenas tremia e chorava, enquanto observava seu filho socar seu amante, como se quisesse mata-lo. Javier nem ao menos tentou defender-se, talvez tomado pela culpa. E Harry continuou batendo, enquanto o xingava , aos berros. O lugar todo estava quebrado, vidros espalhados por todo canto e Javier quase desmaiado em um canto, não estava muito melhor do que restou de sua casa.
Anne estava no quarto, andando de um lado para o outro, apavorada. As lagrimas molhando seu rosto e o medo apertando seu peito. Não podia culpar o filho pelo descontrole e a maneira como ele a olhou ao entrar no quarto, a fez se encolher na cama e fechar os olhos.
Harry tinha os punhos fechados e ensanguentados por quase ter matado o amante de sua mãe. E ainda tinha aquela fúria presa dentro dele e enxergava tudo vermelho, como se fosse um touro enfrentando seu inimigo nas touradas. Ele queria fazer com Anne o mesmo que havia feito com o homem semi inconsciente, no chão da sala. Chegou mesmo a se aproximar da cama com essa intenção, mas uma vozinha de sanidade ainda gritava no fundo de seu cérebro, como se o lembrasse que aquela era sua mãe, uma mulher e não podia lidar com ela com a mesma violência.
Então apenas virou as costas e saiu dali, antes que fizesse algo que se arrependeria para sempre. A farsa de Anne durou mais algum tempo. Harry não falava mais com ela, mas decidiu não contar nada ao padrasto ou a Liam. Os dois a idolatravam como a mulher perfeita e o garoto rebelde, não queria que os dois passassem pela mesma decepção que ele passou.
Mas a convivência tornou-se insuportável e ela mesma acabou contando a verdade ao marido e ao enteado. Logo em seguida saiu de casa, deixando Liam arrasado e tentando consolar o pai, que ainda era muito apaixonado por ela.
Foi quase na época que Harry se encantou por Barbara e tiveram um violento episodio algum tempo depois, quando depois de convencer a garota a matar aula para sair com ele, teve a infelicidade de parar em um sinaleiro e ver sua mãe e Javier, parados em um carro bem ao seu lado.
Barbara não sabia da história e se apavorou quando Harry acelerou a moto feito um louco, quase levantando voo na pista, enquanto ela gritava e implorava que ele parasse, porque ia acabar matando os dois.
Harry pareceu ouvi-la em algum momento, embora em sua cabeça o que realmente ouvia eram os gritos de sua mãe, implorando que parasse de bater em seu amante. Parou a moto e saiu chutando tudo ao redor, porque precisava colocar aquela fúria toda pra fora. Barbara estava apavorada porque nunca tinha visto Harry tão fora de controle como naquele momento. Mesmo assim, se agarrou as costas dele e implorou que ele se acalmasse. Depois de se debater mais um tempo, ele parou, fechou os olhos e pareceu prender a respiração.
__ Quem era aquela mulher? – ela ainda estava assustada.
__ Aquela mulher era minha mãe. – disse com olhos lacrimejantes.
Barbara apenas o abraçou forte e o deixou chorar em seu ombro. Agora ele parecia tão exposto e tão frágil que ela quis dar colo a ele. E foi a primeira vez que ele contou a verdade sobre sua mãe a alguém...
Agora aquela voz vinha assombrá-lo novamente...
__ O vinho está bom? – Liam perguntava.
__ Sim, maravilhoso.
Harry desceu as escadas, enquanto vestia uma camiseta.
__ Um dia é um dia, mamãe.
O garoto travou, observando seu irmão e sua mãe, rindo juntos enquanto tomavam vinho. Liam engoliu em seco ao notar o irmão descendo as escadas e algo em sua expressão o denunciou, porque Anne virou-se e um meio sorriso se formou em seu rosto.
__ Meu filho... – disse emocionada.
__ M-Mãe... – ele queria correr, mas, seu corpo não obedecia.
Harry sentiu toda aquela mistura de sentimentos em seu peito. Decepção. Mágoa. Amor. Saudade. Mesmo assim se encolheu quando Anne veio até ele e o envolveu em seus braços. Harry tinha os punhos fechados ao lado do corpo. Não se afastou, mas, também não retribuiu o abraço.
__ Você está ainda mais lindo do que podia me lembrar. – disse acariciando o rosto sério do filho – meu amor, já passou muito tempo...algum dia teremos que falar sobre isso. Vou esperar seu tempo, mas isso não pode durar pra sempre, certo?
__ Isso está parecendo cena de novela mexicana! – Liam quebrou o silencio deixado pela resistência de Harry, enquanto censurava o irmão com os olhos – todos à mesa, porque isso aqui está de lamber os dedos.
__ Não, Liam. – Anne soltou Harry – vou deixar que saboreiem o almoço juntos .Guarde um pouco disso para que eu possa provar.
__ Mãe fique, por favor. – Liam pediu, mais um vez censurando o irmão com os olhos por tratar a mãe com tanta frieza – em algum momento ele vai parar de resistir.
__ Ainda não é momento, Lee. – Anne beijou sua bochecha antes de sussurrar – deixe-o em paz!
Liam suspirou frustrado e olhou o irmão, parado lá, fingindo que nada estava acontecendo ali. Harry era teimoso e nunca perdoou a mãe pela traição. Geoff, seu pai e marido traído, havia perdoado, depois de algum tempo. Liam ficou decepcionado e odiou ver o pai sofrendo tanto, mas acabou perdoando também e nunca se afastou dela de verdade. Mas com Harry tudo era mais complicado, tudo mais intenso. Ele era rebelde e ter visto a mãe quase nua com outro homem, foi algo que ele jamais esqueceria. Isso sem mencionar a surra que ele deu em Javier.
__ Me ligue assim que estiver pronto para essa conversa, promete? – Anne disse olhando Harry, que apenas assentiu.
Ela despediu-se carinhosa de Liam e se foi depois de olhar Harry mais um tempo, sem coragem de tentar abraça-lo novamente.
__ Até quando vai continuar com isso, Hazz? – Liam o encarou, bravo – nãos sabe o que ela tem passado e veio até aqui, para tentar consertar as coisas com você.
__ Não tem jeito da merda que ela fez ser consertada , Liam! – disse com o maxilar travado.
__ Ela cometeu um erro. Está arrependida. Por que não pode perdoar? – Liam suspirou, frustrado – não somos perfeitos, irmãozinho. Todos nós cometemos erros. Você devia saber disso mais do que ninguém...
Harry o olhou magoado. Sim, ele havia cometido muitos erros e se arrependia da maioria deles todos os dias. Sabia de todas as vezes que se meteu em encrencas e arrastou os pais ou o irmão para um tribunal, porque ainda era menor ou irresponsável demais. Mas ainda assim, tinha dificuldade para perdoar a traição de sua mãe.
Liam desistiu de argumentar e então sentou-se à mesa para almoçar, esperando que Harry fizesse o mesmo. E ele o fez em silencio. Nenhum dos dois disse mais nada, porque não havia mais nada a ser dito sobre o assunto. Liam poderia dizer ao irmão que a mãe estava muito doente, e por isso tentava, de todas as formas, acertar as coisas com seu filho. Mas Anne o proibiu de dizer isso a Harry. Queria o perdão dele e não que tivesse pena porque ela estava morrendo...
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