As estantes estavam lotadas de livros, a silhueta deles iluminadas pelas velas espalhadas pelo comodo. Em alguns pontos tinha-se a impressão de que as prateleiras poderiam explodir de tantos volumes enfiados, jogados e espremidos lá. As cortinas estavam entreabertas, deixando passar vez ou outra o brilho de um relâmpago ocasional. Na escrivaninha bagunçada, de costas para uma das grandes janelas, Swain lia e analisava compenetrado documentos e relatórios.
Beatrice se encontrava empoleirada em seu ombro, com as penas levemente molhadas, parecendo tão compenetrada nos papeis quanto seu mestre.
A porta do escritório abriu repentinamente, e o vento que encanou quase apagou as velas subitamente. Beatrice se agitou, batendo as asas e reclamando, mas o Grande General continuou com os olhos baixos.
– Como eu precisava desse banho, esse cheiro de Zaun parece que vai ficar por mais 3 gerações, pelos Deuses! - A mulher que entrou na sala exclamou, pisando descalça, mas ainda assim firme, em direção a mesa. Usava uma calça preta e blusa roxa confortáveis, e seus cabelos negros molhados estavam presos com uma piranha, no topo da cabeça. Colocou os óculos quando se sentou na mesa, empurrando e deixando cair alguns papeis.
– Ops...! Sabe, isso é perigoso, todas essas velas.- Ela declarou quando juntou os documentos, que caíram perto demais de um toco de vela em cima de uma pilha de livros. - Se alguém não tivesse desativado a energia elétrica daqui, não teríamos esse risco.
A mulher olhava acusadoramente para Swain, que fechava uma pasta e procurava outra especifica no meio daquele caos.
– Não sabíamos quanto tempo ficaria fora, energia elétrica é cara, Layla.
Ela sabia que não teria outra resposta além dessa, então resolveu persuadi-lo diferente.
– Então por favor peça para que ativem novamente, eu pretendo ficar em Noxus por um boooom tempo agora. Acho que mereço um descanso depois de tudo isso não é? Afinal eu e Darius fizemos todo o trabalho sujo para você hoje, e não fazia nem 5 minutos que eu havia chegado de viagem... ai, como foi cansativo.
Layla jogou-se numa poltrona próxima a mesa, e ficou uns minutos apenas parada, observando o homem. Ela realmente parecia esgotada, pensou Swain, mas com Layla nem tudo era o que parecia.
Beatrice havia se ajeitado novamente em seu ombro. Ele não estava usando a ombreira projetada para ela que geralmente utilizava, então suas garras estavam machucando seu ombro. Porém não mexia um músculo e nem deixava isso transparecer.
–Sabe – Layla começou,olhando distraída para as gotas apostando corrida no vidro da janela. - Eu poderia ter levado tudo isso amanhã para o Bastião sem problemas. Estava tão ansioso assim para vir até a minha casa,hein?
A maga piscou sensualmente para ele, mesmo sabendo que seria inútil: estava tão concentrado lendo seus relatórios que era capaz de não ter ouvido nada, muito menos olharia para ela. Suspirou, e se encolheu na cadeira, apoiando a cabeça nos joelhos.
– Um dia você vai ser meu Swain. Sua cabeça vai estar lindamente enfeitando minha coleção junto com todas as outras. - Ela lambeu os lábios maliciosamente após sussurrar, e recebeu um olhar sombrio em troca.
– Mal posso esperar por esse dia, Milady Layla. - Se a mulher não tivesse certeza de que o Grande General não sorria, poderia apostar que viu um sombra de sorriso naqueles olhos rubros.
Como que por satisfeita, ela se levantou sorrindo, batendo forte no encosto da poltrona, e anunciando:
– Estou indo dormir, preciso do meu sono de beleza. Você sabe o caminho, aparece lá quando terminar aí. - Foi em direção a porta rebolando, soltando o cabelo e os bagunçando para secarem melhor. Antes de chegar no batente da porta, Swain a chamou.
– Posso saber, para o que você planeja usar isso?
Layla sorriu vitoriosa, antes de se virar com um floreio, tirando um frasquinho pequeno de um dos bolsos da calça larga. O líquido que a garrafinha continha era roxo e espesso. Uma pequena etiqueta estava presa nele com um barbante, escrito “Me beba.”
– Ah, isso? - Layla disse com a maior inocência do mundo. Sacudiu o frasco contra a luz das velas, e completou alegre:
– É apenas um presente para a nossa Alice.
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Puxando as cobertas por cima da cabeça, Riven virou-se na cama, cerrando forte os olhos e evitando acordar. Mas por mais que lutasse, sentia o sono indo embora de vez. Conseguia ouvir o espalhafatoso do Draven gritando, como se estivesse no seu lado, e a iluminação do quarto estava clara demais para o seu gosto. Espreguiçou-se preguiçosamente, por de baixo das cobertas ainda, até que parou no meio do gesto, arregalando os olhos.
Espera aí, Draven?
Jogando as cobertas para o alto, sentou-se na cama, olhando em volta. Não estava na sua cama, e aquele definitivamente não era o seu quarto. Demorou uns instantes para se lembrar com clareza da ordem dos acontecimentos na noite anterior. Darius lhe oferecera o quarto para dormir, apenas isso.
Suspirou pesadamente, um pouco decepcionada. Com a cabeça caída, bocejou e passou as mãos nos cabelos, tentando criar alguma ordem naquele caos de fios prateados.
A porta no lado oposto da cama se abriu subitamente, revelando um Darius recém-saído do banho. Riven automaticamente cobriu o torso com o lençol, até perceber que estava usando ainda a mesma roupa da noite anterior. Sentindo-se estúpida, largou o lençol, torcendo para que ele não tivesse notado.
– Te acordei? Com o chuveiro, digo. - Darius perguntou, se dirigindo ao armário. Riven o acompanhava com o olhar, achando a situação tão absurda que até parecia um sonho.
Se alguém tivesse lhe dito que acordaria onde acordou hoje, ela teria rido da cara desse ser iludido. Ok que a situação não havia sido nas circunstancias que imaginava, mas ainda assim...
– Não, imagina. Nem notei que havia entrado. Acordei com o Draven falando alguma coisa, nem sei o que era …
O general rolou os olhos, já abotoando o uniforme militar por cima da camisa branca. O cabelo ainda molhado caia pela sua testa, mas ele parecia não se importar.
– Ignore-o. Quando vim para cá ele tava tendo mais uma daquelas conversas com a Sona... deve estar irritado por algum motivo idiota e sem fundamento, como sempre.
Riven sentou-se melhor na cama, arrumando a postura.
– Está indo para o Bastião? Me de 5 segundos e já me apronto, não me demoro--
– Sim, e não. Você vai para o teatro. - Pressentindo o olhar de duvida da soldada através de sua nuca, Darius concluiu: - Preciso que todos os pertences de Sona sejam deslocados para cá com segurança, e também preciso que transmita algumas ordens para os homens que ainda estão lá.
Riven iria retrucar, pois não achava que o trabalho de burro de carga de uma demaciana mimada fosse muito digno. Mas a segunda parte do que ele disse pareceu importante, então se calou. Um pouco menos animada, deixou os ombros caírem novamente, enrolando o dedo distraidamente no lençol. Ouviu distraída as instruções do general, e respondeu simplesmente:
– Sim, Senhor.
Darius virou-se para ela, e por um instante ela pensou que havia esquecido como se respirava. Por curtos instantes ele a avaliou, e ela desejou que tivesse pelo menos tido a decência de ter se levantado da cama, que nem ao menos era dela.
Analisando bem, vendo-o assim, uniformizado e saindo de casa, e ela naquele estado jogada na cama, não parecia...? Bem, era bobagem, mas.... dava a impressão de serem um casal de recém-casados.
Sentiu seu rosto arder como o inferno com esse tipo de pensamento infantil, e virou o rosto, tentando esconder em vão. Darius suspirou pesadamente, e foi até a saída. Riven ainda estava escondendo o rosto quando ele chegou até a porta, por isso não viu a cara de deboche do general, quando anunciou:
– Não me espere para o jantar hoje, ok?
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Sentada na mesa da cozinha, Sona terminava seu café sozinha. Riven e Darius já haviam saído a cerca de meia hora, e a casa estava bem silenciosa.
Bebericava apenas uma caneca de café com leite, bem suave e adocicado. Draven a mandara para alguns lugares não muito agradáveis quando ela o acordou, mas não se importava. Darius comunicou que de tarde algum transporte seria mandado até aqui para levá-la até Swain. Será que ela iria até o Bastião Imortal? Observou o conteúdo da caneca balançar com as suas mãos trêmulas, e tentou se acalmar. Estava tão nervosa que obviamente teve pesadelos pelo resto da noite, e não aguentou mais ficar na cama.
Deveria estar com uma aparência horrível. Precisava mesmo acordar cedo, se recuperar e se preparar para seja lá o que a esteja aguardando.
Aparentemente Draven não concordava muito com a parte de “acordar cedo”, então depois de todas aquelas palavras gentis proferidas pelo carrasco, ela o deixou dormir mais um pouco.
Mas assim que terminou de tomar o seu café, voltou para o quarto, o encontrando no mesmo estado inconsciente na cama.
“Ai, Draven...” Ela apoiou o rosto na palma da mão, pensando em como acordá-lo. Algumas ideias mais cruéis – e clássicas – lhe vieram a mente, como jogar água, bater panela, ou tocar Etwahl o mais perto possível dele. Mas decidiu que não iria tentar fazer nenhuma maldade, e voltou a sacudi-lo , dessa vez com mais força.
“Draaaaaaven, acordaaaa...”
Conseguiu ouvir um resmungo, e ela aceitou como um sinal de que estava dando certo.
– Vai se foder, sua vadia miserável.
“Sempre tão romântico. Eu sei que só está falando da boca pra fora, Draven, por isso te perdoo.” Sona disse, com um semblante praticamente divino.
– Você não queria ir embora, então vai, tô nem aí. - Draven escondeu o rosto no travesseiro, buscando paz.
“Precisamos nos preparar para hoje de tarde Draven, vamos...”
– “Precisamos”? Como assim, “nós”? Não vi o meu nome no convite para o Chá-da-Tarde-do-Swain. Você vai sozinha, querida. - Draven virou-se para ela, ficando de barriga para cima, e a encarando com os olhos semicerrados.
Sona o encarou, incrédula. Durante todo esse tempo, ela sempre imaginou que ele a acompanharia. Não foi assim até agora? Sentiu seu estomago despencar, imaginando essa nova realidade.
Droga, quando que se tornara tão dependente dele? Desde a primeira vez que o viu, uma voz dentro dela respondeu, mas ela tentou ignorar.
“Mas.. Achei que viria junto. Pode ser perigoso... se algo acontecer comigo, eu não sei se...” Ela mal conseguia juntar as palavras para formar as frases que desejava. Suas mãos voltaram a tremer, e as escondeu, as apertando entre as coxas.
– E eu com isso? Por acaso tá achando que eu sou algum guarda-costas teu? Não tenho nenhuma obrigação contigo.
Sona engoliu o choro. Ele tinha razão, na verdade. Desde o começo só o estava usando. Se firmando em Draven, achando que se ficasse perto dele, buscasse a proteção dele, conseguiria sobreviver. Mas ela realmente estava enganada sobre como as coisas funcionavam naquele lugar.
“Tem razão.”
Draven continuou a encarando, enquanto via todos aqueles sentimentos transparecerem no rosto delicado da garota. Suspirou contrariado, passando as mãos no rosto. Por algum motivo não suportava a ver em agonia.
– Tá. Vem cá. - Estendendo um braço pra Sona, ela prontamente se jogou para ele, alinhando-se perfeitamente, com a cabeça no seu peito. A garota fechou os olhos, e inspirou fundo, sentindo o cheiro dele.
“Acho que me acostumei mal... assim que cheguei em Demacia, comecei a receber muita atenção, algo que nunca tive na vida... Depois de 2 anos sendo mimada, acho que peguei o hábito” Ela sorriu tristemente, percebendo como estava sendo mesquinha. Afinal quando Draven a chamava de mimada, ele não estava totalmente errado.
– Se continuar com esse pensamento, não vai durar mais 5 minutos. Mesmo que eu quisesse, não teria como ficar de guarda-costas teu.
A garota fez um biquinho, mas enfim disse:
“Ok, vou sozinha.”
– Sei que é difícil ficar muito tempo longe do Draven, entendo mesmo. Mas tem que ter Draven para todas né? Não posso te culpar por insistir tanto...
Sona o empurrou de leve, de brincadeira. Apesar de parecer brava, estava sorrindo quando falou:
“Cala a boca! Já disse que eu vou sozinha, então eu vou oras.”
– Que seja. Mas já que você me acordou, poderia fazer valer a pena não é? - Ele a puxou de volta, a apertando firme.- Podemos dar uma utilidade a essa sua boquinha tão lindinha...
Sona vacilou um pouco, sentindo o toque suave nos seus lábios. Expirando fundo, se afastou novamente.
“Desculpe Draven, não estou com animo pra isso.”
Draven a observou em silencio, enquanto ela flutuava suavemente para fora do quarto. Se pegou pensando se ela conseguiria flutuar ainda, se lhe cortasse as pernas fora.
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Terminando de amarrar os cabelos num ponytail lateral, Sona analisou-se novamente no espelho do banheiro. O local ainda estava com cheiro de morango da noite anterior, e isso a acalmou um pouco enquanto se vestia. Pegou o pincel com o pigmento vermelho e passou no olho, exagerando propositalmente na parte inferior, para disfarçar mais ainda as olheiras. A maquiagem estava bem exagerada e até inadequada para aquela hora do dia.
Exatamente como queria.
Pisou firme para o quarto, os tecidos esfarfalhando por onde passava. Suas coisas haviam chegado no final da manhã, e ela anotou mentalmente que iria fazer algo para agradecer a Riven por ser tão prestativa, mesmo que Sona soubesse que a soldada não teve muita alternativa.
Escolhera uma roupa que ganhara de suas amigas no orfanato, quando ela estava indo para Demacia. O kimono era divinamente detalhado, com estampas magnificas, e Sona nunca tivera coragem de usá-lo, ou não achava que nenhuma ocasião merecedora.
Draven saiu de um comodo paralelo a sala, quando ouviu Sona descendo com os tamancos de madeira na escada. Ela descobriu que aquele local era uma especie de sala de treinamento ou algo assim, quando passou por ali logo depois da conversa que teve com ele. Mas como percebeu que não era bem-vinda , foi embora.
– Você parece um presente de natal mal embrulhado. - Foi tudo o que disse ao vê-la.
Ele genuinamente não sabia como todas aquelas camadas de tecido e faixas funcionavam. Só conseguia ver o tecido detalhado com muitas estampas, e um laço grande demais nas costas.
“Não consigo vestir todo ele sozinha. Infelizmente você está vendo apenas uma parcela de toda a minha glória.”
– Continue assim, psicológico é tudo. Ou algo do gênero.
Parou na frente da porta de entrada, e firmou os pés. Não levaria o Etwahl. Sabia que se fosse necessário ele iria de encontro a ela. Iria sozinha, e iria conseguir aguentar seja lá o que mandarem.
Repetia isso para si mesma como um mantra. Essa desaventura veio para provar e esfregar na cara dela como era covarde, mimada e dependente. Estava cega, sempre imaginou que era uma adulta resolvida e matura, mas não era assim que se enxergava agora.
Queria mudar e evoluir, e ela iria. E ela iria encontrar esse homem, que todos chamam de monstro, e o enfrentaria se fosse o necessário. Porém, tentava não pensar nos resultados disso.
Uma coisa de cada vez.
Estava com a mão repousada na maçaneta, quando se lembrou subitamente:
“Draven! Preciso de um favor seu.” - Virou-se, procurando o carrasco. Estava um pouco espantada de ainda o encontrar parado no mesmo lugar.
–...É sério isso?
Sona correu até a sua bolsa, que estava jogada de qualquer jeito no sofá. Pegou uma folha dobrada de lá de dentro, e entregou para o homem.
“Preciso mandar essa carta até Demacia, mas não faço ideia como. Poderia dar um jeito pra mim?”
Draven a encarava, como se o favor que havia sido pedido fosse tão inacreditável quanto “Por favor Draven cuide dessa ninhada de 6 gatinhos cegos.”
– Por que eu faria--
“Vamos... eu juro que te recompenso mais tarde, quando eu voltar.”- Sona não ficou para ouvir resposta. Deixou um Draven indignado olhando para um folha, e saiu em disparada porta a fora.
O que Sona não imaginava, é que talvez esse mais tarde, fosse demorar mais do que o esperado.
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