Regina
Geralmente sou uma pessoa bastante desconfiada, e sei que por um lado isso é ótimo, mas por outro meus instintos exagerados atrapalham mais que ajudam. Foi esse o caso com Augusto Wayne que eu via ser preso naquela tarde atípica na minha vida. Em outro caso, eu estaria dormindo na cama de um quarto alugado em um pensionato como aquele em que as atrizes de Hollywood se hospedavam nos anos 50 e eu nem sei se existe hoje em dia. Na verdade, eu estava trêmula por dentro, disfarçando com muita alegria que o cafetão mexicano finalmente foi pego e isso eu já vinha imaginando há muitos dias. Explicando melhor, desde que soube dos podres ainda mais sujos de Augusto, minhas considerações com ele desabaram completamente. Quando o conheci através de uma de suas garotas com quem topei casualmente num programa e outro, ele não deixou vestígios de que era um homem abominável. Resumindo, quando um homem quer contratar uma mulher para trabalhar para ele em sua rede de prostituição, ele sempre será o ganhador de um prêmio Nobel. Fui recebida em um restaurante cinco estrelas, com uma vista maravilhosa para as colinas de Palisades e as mil e uma promessas já tinham me seduzido há tempo do jantar ser servido.
Quando aceitei morar em um dos quartos do motel de Wayne, não pensava que ia viver uma vida de princesa ou a da favorita do chefe, embora eu não esperasse viver tão aquém disso. Trabalhar para um mexicano era o meio termo dessas duas coisas. O pensionato era bom, eu podia tomar café, almoçar e jantar por conta da casa, recebia pelos programas e era escolhida a dedo para cada cliente. Nunca sofri um assalto, nunca um cliente me agrediu fisicamente ou se atreveu a tal coisa porque o Augusto e seus cães jamais permitiriam esse tipo de coisa com suas garotas. Mas dizer que eu vivia em um paraíso poderia ser considerado um exagero da minha parte. Da de todas as minhas colegas. Nunca cheguei ao ponto de precisar seduzir o chefe para ter uma vantagem, embora ele já tenha experimentado o produto que adquiriu, isso umas duas semanas depois daquele jantar onde até charutos cubanos me ofereceu. Isso nunca foi segredo para ninguém.
O fato de vê-lo sendo preso me deixa contente, pois eu sei o quanto seria difícil sobreviver com a sombra dele no meu encalço. E tudo porque eu sabia o que uma das garotas dele passava. Pessoas são ruins e ponto. Elas usam máscaras, revelam suas verdadeiras faces na convivência e se você pisa no calo delas ou descumpre um dos acordos de um trato, já era. Esse era o tipo do Wayne. Meu conterrâneo que escolheu a vida de explorar mulheres, traficar drogas, agiotagem... E por aí vai. Mais um pouco e aquele pensionato iria se transformar em um grande puteiro. Não me imagino em vantagem alguma.
Emma está olhando a TV quando a reportagem acaba e eu me levanto de novo para respirar depois do baque. Ainda estou tremendo da surpresa. Logo o Killian, vulgo Bolota, colocar meu chefe atrás das grades. Não queria pensar que tinha mais histórias por trás disso, até porque uma vez com ele preso, eu estava teoricamente livre para ganhar meu dinheiro como garota de programa. Eu ligaria para o Bolota quando a poeira baixasse, é claro que sim, mas por enquanto era melhor ficar quietinha esperando contato de clientes que viriam pelo site de acompanhantes. Falando nisso, me lembrei de uma coisa; a loira mais sexy do mundo tinha um trabalho mais tarde e eu certamente ficaria sozinha essa noite. Não que isso fosse um problema, mas a minha sensação era estranha. Eu sentia uma palpitação muito esquisita dentro de mim olhando para ela, como se precisasse muito que ela ficasse comigo independente do motivo. Sei lá, eu não estou bem e não quero que ela saia hoje, mas nunca, em hipótese alguma vou admitir isso para essa mulher que conheci anteontem, e que parece que conheço há o quê... 20 anos?
Olho para ela e cruzo os braços encostando num dos lados do móvel.
— Você precisa mesmo sair hoje?
Ela faz uma careta desconfiada e volta a me observar.
— Tenho um trabalho. Por quê?
— Por nada. Eu só não tô muito confiante de que deva ir mesmo.
— Eu não devo ir? — Emma me investiga com seus olhos brilhantes. Ela fica tão bonita com o rabo de cavalo segurando os cabelos no alto. Fica tão bem com um pouquinho só de maquiagem, exatamente como nesse momento. — Por um acaso está com medo de ficar sozinha?
Quero beijar Emma nesse instante, segurar a cara dela e dizer que ela não pode me deixar ali simplesmente. Ela não tem esse direito, ela não pode ir embora naquela noite. É uma sensação tão única que chega a doer e eu nunca senti uma coisa assim. Sei lá por que estou sentindo tudo, esse turbilhão dentro do meu peito, e a única forma de externar isso é fazendo do meu jeito. Seguro o rosto dela quando avanço com as mãos. A beijo sem pretextos, sem medos e ela não recusa, felizmente. Eu beijo a boca de Emma exatamente como queria que ela me beijasse, e ela corresponde. É tão íntimo e pessoal quando a língua dela procura pela minha e seu hálito de menta se confunde com o meu. Ela entende o beijo que eu intensifico, explorando cada partezinha da boca dela enquanto ela faz cócegas na minha. Então eu sinto as mãos dela nos meus cabelos e vou parando de beijá-la, devagar. Ela me olha quando descolamos os lábios, sem entender nada. E não é para entender mesmo. Respiro fundo, procurando ar enquanto olho para seu rosto lindo. Por um instante quis pegar Emma e dizer a ela que poderíamos fugir juntas para qualquer lugar do mundo, mesmo que eu tivesse apenas um pouco de dinheiro na minha conta. Eu quis tanto Emma que me senti envergonhada. Até aquele momento eu sabia que ela me queria, na cama, na pia do banheiro, na bancada da cozinha, no sofá... Eu também queria. O fato de me sentir uma completa estranha, ao mesmo tempo aquela que eu sempre quis ser ao lado dela me causava um turbilhão por dentro.
Me afastei dela sem dizer uma palavra, sem que precisássemos discutir aquele beijo que tivemos. Um beijo que não era só um selinho como o que dei nela ao saber que Augusto foi preso. Era um beijo que uma mulher cheia de paixão daria. Eu reconhecia o sentimento quando ele existia. Talvez isso estivesse acontecendo apenas porque ela me ajudou, me emprestando um espaço em seu apartamento. Não me apaixono por ninguém, ainda mais em um curto espaço de tempo como era o caso. Isso é uma ideia inviável para uma pessoa como eu. Minha única missão aqui é fazer com que Emma note como é bom ter uma mulher na cama. Ela vai ver só o que eu tenho para ela. Mas aí dizer que isso é uma paixonite já posso considerar um exagero. Ela é muito bonita, a pessoa mais sexy do mundo, isso é inegável e para mim não deve passar disso.
Me tranquei no banheiro por alguns minutos, pensando nessa coisa maluca que estava sentindo. De repente, meu celular toca no bolso da calça e eu dou uma olhada. É uma mensagem do site de acompanhantes e decido abrir. Não deu nem duas horas e alguém queria me ver.
“Endereçado à Warmed: Você tem uma nova mensagem!
Olá, gata quente!
Vi seu anúncio e achei você muito atraente. Podemos nos encontrar? “
Olhei bem para a mensagem e não dava para acreditar, por isso comecei a rir. Fechei o aplicativo do e-mail e desliguei, aquilo só podia ser uma brincadeira de mal gosto. Lavei minha cara, me acalmei e voltei até Emma como se nada tivesse acontecido. Esperava que ela fosse me dar uma bronca por ter abandonado o beijo, mas ela apenas almoçava e meu prato com macarrão fettuccine me esperava ao lado. Quando me viu, ela me mostrou o lugar para sentar e fiz aquilo sem contar a ela que acabara de receber minha primeira mensagem do site de acompanhantes. Na verdade eu não iria contar nada, porque não estava entendendo muito bem como funcionava. Comi em silêncio e quase acabando decidi perguntar a ela se essa coisa de marcar encontros on-line funcionava.
— Escuta, Emma, como você confia nesses caras do site de acompanhantes? É só encontrar com o cara e eles pagam?
Ela limpa os lábios dela e responde:
— Você tem duas formas de receber o dinheiro dos clientes, adiantado ou no ato. O site pede garantia dos homens como foto e documentos, além disso eles recebem nota do que pagam as acompanhante. É bem seguro. Você tem que fazer o seu preço quando alguém te ligar ou mandar uma mensagem. Responda com carinho, seja atenciosa que eles com certeza vão pagar o que você pedir.
— Hum... Tá bem. É que eu ainda me sinto alheia a esse negócio digital, mas dá pra tentar.
— Você vai fazer sucesso, é questão de tempo.
— Espero que esteja certa.
O tempo pelo jeito não era mais a questão. Emma terminou seu almoço, eu terminei o meu e não tocamos no assunto do beijo em nenhum momento. Acho que eu esperava que Emma fosse reagir, me empurrar para a parede como fez na pia do banheiro, embora eu devesse fazer isso. Para ela nós tínhamos atração física e nada mais. Ela estava errada? Não. Então por que queria insistentemente que ela se lembrasse do beijo de ainda a pouco? Resolvi deixar para lá e fui cuidar das minhas poucas roupas apertadas, pensando se demoraria muito para ter um programa para fazer. Eu não estava desesperada para ter dinheiro, tinha minha reserva no banco e não tinha uma mãe e um filho que dependiam do meu trabalho. De uma maneira bem cômoda eu poderia me virar por uns dias.
Num desses momentos de reflexão no sofá, mexendo nas minhas coisas ouvi Emma em seu quarto conversando com alguém até me dar conta de que ela falava com o filhinho dela. Me senti na liberdade de observá-la da porta do quarto e notei o jeito como Emma olhava para o telefone na chamada de vídeo. Os olhos dela brilhavam para o filho que estava vendo do outro lado da tela, como se pudesse tocá-lo. Eu nunca vi uma pessoa com um olhar desses em toda minha vida. Fiquei muito tempo reparando nela, em como falava calmamente com Henry, o menino, e como seus olhos pareciam mais serenos do que o habitual.
Eu poderia entrar ali, esperar ela desligar o telefone, puxá-la para um novo beijo, mas acho que eu estragaria todas as intenções que Emma tinha comigo e as minhas com ela. A intenções boas, tá legal? Não é nada disso que você pensou aí. O fato dela ter me abrigado por esses dias me deixa em uma condição em que me vejo obrigada a ajudar ela e sua família que é tão importante. Se para mim ter uma mãe não faz sentido algum, para ela é um espaço preenchido. Emma se prostitui por eles dois, sua mãe e seu filho. Ela sustenta os dois com 80% do que ganha e faz questão de dizer a mulher no outro lado da linha que fez o depósito daquela semana como prometeu. No fundo eu sinto um pouquinho de inveja desse amor que Emma tem e do conforto que quer oferecer a quem ela ama. Eu não tenho isso. Não tenho um filho, não tenho um pai, não tenho mãe... Bem, a mãe é um caso que eu não vou comentar por enquanto, afinal, eu sou o desgosto da vida dela e sempre lutei para ter atenção naquela casa em Sacramento. Chega de pensar nisso.
Emma desfaz a ligação e suspira quando põe o aparelho de lado. Sorrio um pouco sem jeito para ela e entro no quarto sem ser convidada.
— Seu filhinho está bem? — pergunto de uma vez.
— Sim. Eu só sinto falta dele e da minha mãe. Eu não queria que fosse desse jeito, sabe? — Ela recolhe um dos travesseiros que tem por perto e o aperta contra o peito. — Se algum dia pelo menos eu pudesse ter algo tão rentável para fazer... — Algo estúpido passa pela cabeça dela que a faz rir. — Se um dia eu der a sorte de conhecer um cara legal que me aceite com uma mãe e um filho para criar, do jeito que a May fala... Isso seria bom.
— Entre as duas opções eu preferiria a primeira. Você vai ter muitas chances na sua vida, Emma, não duvide disso. Um dia vai encontrar um trabalho que renda tanto quanto o que faz agora, e que não te desgaste como esse. Vai encontrar também alguém que te aceite, que aceite seu passado e que queira crescer com você.
— Quero ter a sua esperança, é que a cada dia que passa eu me sinto mais cansada. Eu não sei se suporto muito tempo vendendo meu corpo. — Sinto a voz dela vacilar, os olhos ficarem cabisbaixos. — Jurei que seria apenas pelo tempo que Henry estivesse em tratamento. É que anda tão difícil cada dia que passa.
Penso o que posso fazer por ela, se não seria uma boa dar o que eu tenho e não uso só para ela não ter que se prostituir por um tempo. É uma droga! Eu odeio ver uma mulher bonita como Emma sofrendo. Mas é cedo para entregar de mão beijada o que juntei no banco. Esse dinheiro é um pouco do que sobrava dos programas do Augusto, outra parte do que meu pai já tinha me deixado em segredo. Eu poderia não ter propósitos para usar o dinheiro, mas ainda era apegada ao fato dele existir na minha conta. Pensei rápido, vou esperar mais um pouco e ver o que acontece. Não era uma emergência, Emma estava apenas desabafando.
— Olha, vai ficar tudo bem. Tenho certeza de que vai. — Estendo minha mão para ela pegar e a loira reluta a princípio. Ela me olha, estranha mais uma vez uma atitude minha. Eu acho que tenho que parar de ser tão solicita, pois isso dá margens a interpretações que ela pode vir a se arrepender de ter feito.
Emma agradece com um sorriso e aperta minha mão com firmeza. Não quero soltar e ela também não, por isso a deixo confortável para fazer isso primeiro quando se sentir melhor. Não faço nada além de segurar a mão dela. Então do nada, Emma vira meus dedos para olhar para eles. São dedos compridos, não tão delicados quanto os dela, porém são dedos femininos com as unhas feitas das quais eu tenho o maior orgulho. Ela fica olhando, eu permito, mas eu não sei por que diabos ela está namorando os meus dedos, justamente eles. Será que ela quer senti-los em alguma outra parte do seu corpo? Ah, isso tá ficando estranho. Então eu puxo minha mão devagar e pergunto:
— Se sente melhor?
— É, eu me sinto melhor. Você me ajuda a escolher uma roupa para o programa de hoje? — Ela pergunta de uma maneira tão espontânea que não posso dizer não.
Era difícil dizer não para Emma, como se ela tivesse um poder naquele jeitinho dela de ser proibido magoá-la. O Bolota me falou dos encantos da senhorita Hearted. De meiga ela tinha a cara, o jeito, porque na hora do “vamos ver” eram outros 500. De repente eu não estava incomodada com o fato dela precisar sair, de ajuda-la a escolher uma roupa adequada para o programa com um cliente essa noite, eu só queria que ela estivesse bem e se isso significava ajuda-la, ótimo!
Emma desfila com dois tipos de Look, um mais escuro e outro prateado. Seus vestidos são todos do mesmo jeito. Ela não é adepta a coisas muito difíceis de serem colocadas no corpo, então é tudo o que há em seu armário. Estou sentada à vontade no meio de sua cama e ela sai de trás da porta do armário que serve como provador para causar suspense. A diferença do primeiro vestido é que ele tem um pequeno decote na perna esquerda. O segundo, prateado, é por inteiro brilhante que até se ela viesse no fim da Sunset Strip todo mundo notaria. Quando ela para na frente da cama e põe as mãos na cintura, aponto para o vestido sem torcer a cara como havia feito com o modelo mais escuro. Era aquele o tipo de vestido que deixava Emma bonita e com um desses que eu adoraria ter um programa com ela se fosse um homem. Na verdade eu queria tirá-lo do corpo dela e minha língua dessa vez não se comporta como deveria.
Sou mais rápida que a minha cabeça na hora de falar.
— É esse o tipo de vestido que eu adoraria tirar do seu corpo se você fosse a minha putinha da vez.
Emma abre o sorriso mais sacana da face da terra e desfaz a pose, vindo parar debruçada na cama. Ela me encara bem de perto e lambe os beiços antes de falar baixinho:
— Ah, é mesmo? Eu espero que esteja vestida com ele da próxima vez que for beijada por você!
Se isso não era um convite a indecência antes das nove da noite, eu estava ficando doida. No que pensei em avançar para cima dela, o celular vibrou no bolso de novo. De novo. Era a segunda vez que meus planos maliciosos eram interrompidos pelo telefone, mas dessa vez era o meu que fazia barulho. O peguei e não olhei direito para o número na tela, apenas atendi.
— Alô?
— Olá, gata quente! Eu me chamo Howard e vi suas fotos no site de acompanhantes. Há um trabalhinho para você esta noite se topar. — Diz uma voz grossa, parecendo uma coisa mecânica como Darth Vader. — Me encontre no quarto 210 no quarto andar do Hotel Hampton às 10 da noite.
— Ora, ora, mas que pressa! Que tal você me dizer o que mais gostou em mim para querer um encontro tão rápido assim. Sabia que eu tirei essas fotos hoje cedo?
— Isso quer dizer que é desse jeito que vou vê-la esta noite...
— Me convença a aceitar a sua proposta, senhor... Howard, não é isso? Vamos, me fale de você um pouco ou é tímido demais?
— Você terá a oportunidade de ver a timidez, docinho. — Isso soa tão estranho numa voz tão grossa. A julgar pelo timbre, esse cara deve ter uns dois metros de altura e pênis pequeno, porém parrudo.
Dou uma risada.
— Tudo bem então, como você é?
— Alto, grande, gosto de assistir antes do ato. Você é boa com streep tease?
— Excelente. Será um prazer ficar sem roupa na sua frente.
— Você gosta de se tocar?
— Minha especialidade.
— Excelente. Faça o seu preço.
Nesse momento pensei que deveria arriscar um preço alto. Eu não queria sair hoje, mas se o dinheiro valesse a pena, por que não?
— Quero 350 dólares.
— Perfeito, garota quente. Vou esperar por você às 10 da noite. Tenho certeza de que não vai se arrepender... — Ele desligou após isso.
Olhei para o celular e depois para Emma que tentava entender. Cinco segundos depois, recebi uma mensagem do site de acompanhantes.
“Nova mensagem: O usuário @howard3226 fez um pagamento”
— Ah, minha nossa!
— O que houve? — Emma perguntou.
— Acabaram de me pagar por um programa que eu nem sequer fiz.
Emma pega o celular da minha mão e lê a mensagem.
— Creditaram 350 dólares na sua conta do site. Foi com esse cara que você falou?
— É, ele acabou de ligar. Como faço para ter acesso ao dinheiro?
— É simples, você solicita o saque ou transferência para uma agência. Se esse cara já pagou você, isso quer dizer que ele está muito a fim de transar hoje.
— Mas logo comigo? Emma, você mal me inscreveu nesse site, como alguém pode ter acesso assim tão rápido as minhas fotos?
— O seu perfil foi aprovado, não foi? As pessoas estão o tempo todo procurando por sexo. O site não é um agente que te escala para programas, mas uma vitrine de garotas a disposição. Se não quiser fazer esse programa, tudo bem, é só devolver o dinheiro do cara.
— Não, tá bem. Eu vou. Acho que preciso sair da zona de conforto e me acostumar a ideia de que vai ser assim daqui pra frente.
— Isso aí! Gostei de ver, senhorita vulcão! — Ela brinca e se levanta, indo para o banheiro com aquele vestido brilhante.
Fiquei um tempo pensando se estava com sorte ou se tinha me metido em uma enrascada. Eu tinha uma intuição fodida de boa, ao mesmo tempo que uma coisa me falava para ir ao Hotel Hampton às 10 da noite, uma outra me falava para declinar.
Um tempo mais tarde Emma estava pronta e eu também. Nos encontramos bonitas, perfumadas e maquiadas na sala. Ela me olhou da cabeça aos pés enquanto eu sentia seu perfume de mel pairando no ar. Outra vez a língua dela passeou sobre os lábios e isso me deixou com inveja do cara com quem ela ia sair. Ajeitei meu vestido escuro, em contrapartida ao dela e empinei o nariz quando paramos cara a cara. Ela parecia feliz e cantava vantagem na maneira como me investigava. Faltou me mandar dar uma voltinha em torno de mim para saber que eu estava apta ao serviço. Eu não disse que ela daria uma excelente cafetina?
— E aí, vai se virar bem sem mim? — Ela pergunta.
— Sim, eu vou. Já faço desde Sacramento, sair por Los Angeles não será um problema. — Tiro uma caixa minúscula com balas de menta de dentro da minha bolsa e faço cair duas na mão dela. — Você tem bom hálito, isso aqui é só um reforço.
— Agradeço, eu costumo mascar chiclete depois dos jantares para não quebrar o clima. As balinhas devem ajudar. A pergunta que não quer calar é: que hora você acha que consegue voltar?
— Pelo preço que eu cobrei, devo ficar com o cara umas 3 horas. Faça o seguinte, deixe a chave escondida dentro do vaso de planta que tem no corredor. Se você voltar antes saberá onde está e vice-versa.
— Tá, eu topo fazermos assim. — Ela dá de ombros e suspira. — Bem, que você tenha um bom trabalho essa noite, calorzinho. — Emma estende a mão como uma parceira de equipe. Isso me faz rir, mas preciso me concentrar.
— O mesmo para você, coração.
Depois de nos despedirmos, saímos juntas e nos separamos na entrada do prédio dela. Emma pegou um carro que a levaria até o restaurante onde ia se encontrar com o cliente e vê-la indo embora, mesmo que por algumas horas, me doeu como se eu estivesse assistindo ao caixão do meu pai sendo levado. Mórbido, eu sei, mas foi a única coisa que me lembrei conforme ela se afastava. Tratei de chamar um taxi para mim, afinal, eu estava à umas 30 milhas do hotel em questão.
Eu já tinha me acostumado com o trânsito atravancado de L.A. àquela altura e um passeio que normalmente dura uma hora de carro pode levar três dependendo do caminho. Os taxistas adoram pegar o caminho maior para te cobrar mais e foi o que aconteceu, mas eu também tinha deixado o motorista fazer de propósito, porque ainda tinha um pé atrás com aquela história de programa marcado via site de acompanhantes. Cheguei no lugar em cima da hora e me lembrei de que já estive ali um dia. Não ali naquele hotel em questão, mas no restaurante que ficava do outro lado da rua. Aquele trecho da cidade é muito bem frequentado e num dos meus primeiros programas nessa cidade, um dos clientes, um ator quase falido – que aliás adoram garotas de programa – me chamou para jantar com ele. O programa em si foi bom, mas o pós foi algo terrível que não quero lembrar. Só te digo que o cara queria porque queria me enfiar uma seringa com sabe-se lá o que dentro, mas eu não estava nem um pouco a fim de ter uma overdose.
O risco que garotas de programa tem às vezes é o de cair em situações como a do ator fracassado. O cara usava todos os tipos de porcaria e queria uma mulher para se drogar com ele. Conheço algumas histórias muito tristes de moças que se viciaram logo no primeiro teco que deram num cigarro de maconha. Algumas das garotas com quem trabalhei, uma porcentagem bem grande, usa Cocaína e toda essas já foram pelo menos uma vez abusadas ou roubadas depois de fazer uso. Sem contar quando elas apanham. Aliás, esse é meu pavor e eu não sei por que estou pensando nisso logo agora. Tenho que fazer o meu trabalho, ganhar o meu dinheiro e ir embora.
Peço para ser anunciada na recepção e a mulher que me atende faz uma breve ligação para o quarto andar. Ela faz que sim e me encaminha para o elevador, dizendo que eu já posso subir. Aproveito o tempo para me olhar no espelho e ver se estou bem. Meu hálito está fresco. O perfume empesteia o ar. A maquiagem parece no ponto. O vestido é um contrate entre o sexy e o formal. Enfim estou no quarto andar e o quarto 210 é a suíte que fica no fim do corredor à direita. Caminho sem dar alarde pois o piso está todo coberto por um tapete aparentemente caro. O salto do sapato que visto no pé direito se enrosca na porcaria do tecido do chão e preciso me ajeitar antes de bater a porta, só que nem foi preciso. Quando subi meus olhos novamente, vi a madeira encostada. Isso é sinal de que já posso entrar e é o que eu faço. O quarto está quase inteiro no breu, a única luz acesa fica no canto ao lado da cama onde está sentado o homem que me contratou.
— Senhor Howard? — pergunto, passando pela ante-sala.
A porta se fecha atrás de mim como se um vento forte tivesse a empurrado e me assusta.
— Olá, gata quente! — a voz do homem parece mais receptiva dessa vez. — Entre. Pode começar alguns minutos antes do combinado?
Me aproximo e ele continua sentado, meio no escuro, meio na luz do abajur. Eu não consigo ver seu rosto direito. Ele não mentiu quando disse que era grande. Parecia alto e forte pelo tamanho das pernas estiradas. Parei no meio do quarto, alguns centímetros da cama Queen Size muito convidativa. Deixei minha bolsa em cima de uma cadeira por ali mesmo e sorri para o homem misterioso, tentando ver os olhos dele a qualquer custo.
— Como o senhor quiser. Pelo preço que pagou, merece o que pediu e um pouco mais... — Desço as alças do vestido e puxo o zíper da lateral, fazendo a roupa desabar do meu corpo.
O homem parece inquieto na cama, sinal de que está ansioso. Eu relaxo como em todas as vezes e começo meu showzinho a partir do momento em que deixo o vestido largado. Como todo bom streeptease uma música cai bem. Ouço algo ao fundo, uma música bem característica vindo de algum som no ambiente que não vou procurar agora.
Meus passos de pantera me aproximam do homem que subitamente se levanta. É um homem realmente alto, com porte de jogador de futebol americano. Está vestido com uma jaqueta de couro e calça jeans. Ainda não consigo ver os olhos dele. Paro em sua direção e desço o dedo indicador desde meus lábios até meu abdome em um convite para ele chegar perto. A lingerie escura também esconde os meus seios, mas como todo homem que paga 350 dólares por um programa, ele quer o meu traseiro, por isso eu me viro e mostro todo o potencial da bunda que eu tenho.
— O que você gostaria que eu tirasse primeiro, meu amorzinho? Topa um jogo? — Digo isso me curvando para tirar os sapatos. Sinto ele se aproximando, mas ele não diz nada. — Você é tímido não é? Por isso não quer mostrar o rosto. Eu entendo. Se isso o deixa confortável...
Ele está perto o suficiente, então volto a me erguer e olho por cima do ombro. A respiração dele está em cima de mim. Sinto uma coisa esquisita, um frio de repente. O cara tira a jaqueta e eu o ouço. Ele não diz nada. Há apenas sua respiração e a música de fundo que já mudou para algo rápido. Tento me virar, só que isso acontece antes que eu tome atitude...
— Pois é, benzinho, eu sou um homem muito tímido...
Ele me vira e as mãos enormes dele apertam maus braços tão forte que a dor é instantânea. Olho para cima e lá está o rosto dele. Espera! Eu conheço esse cara! É o Will! É um dos cães do Wayne. Cabelos espetados, olhos de bêbado, barba mal feita e um sotaque horroroso de algum país da Europa. Eu não tenho reação. Um pavor se instaura por todo meu corpo e não consigo me mexer. Will me aperta com tanta força que eu mal consigo gritar.
— Eu tenho um recadinho para você, Regina — ele fala com a voz dele e então percebo que caí em uma armadilha. Que estúpida! Eu devia ter ouvido minha intuição. — Wayne quer que você saiba que ninguém sai dessa vida devendo ele.
Quando diz isso, minha única reação é saltar e tentar chutá-lo entre as coxas, mas o que ele tem de força é descomunal para uma mulher como eu. Will me empurra contra a parede e os móveis, foda-se o que estivesse por perto. Sinto minhas costas batendo contra algo duro. É a madeira de uma cômoda atrás de mim. Tento me levantar. Meus braços doem tanto pela força que ele usou, mas eu consigo escapar dele. Eu conhecia aquele homem, ele tinha a fama de ser um dos cães mais insanos do Wayne, justamente porque no passado fez parte de um motoclube onde as regras não existiam. Ele veio na minha direção como um monstro disposto a comer sua presa. No que pensei em fugir por um dos lados ele me agarrou nos cabelos os puxando com tanta violência que me fez urrar e ajoelhar de dor.
— Aaaaahhhhh, seu filho da puta!!
Foi o estopim para ele me pegar de novo e eu sentir como se tivesse levado uma rajada de fogo no rosto. Meu corpo foi novamente jogado no chão e meu rosto queimava, ardia até começar a doer de verdade em alguns segundos. Eu estava tonta, não enxergava nada. O breu do quarto ajudava. Will me puxou pelas pernas e eu voltei a mim, segurando o lado esquerdo da cara, jurando que a minha mandíbula estava quebrada. Se não agisse de alguma maneira eu ia apanhar muito. Isso não podia estar acontecendo. Esqueci da dor no rosto por um breve momento e me debati feito um peixe nas mãos dele. Ele me segurava contra o próprio peito, me esmagando em um abraço de urso depois de ter me virado. Eu balançava tanto as pernas que uma hora iria acertá-lo como queria. Comecei a gritar para chamar atenção.
— Socoooorroooo!!! — Comecei a gritar para chamar atenção.
Will tampou minha boca com a mão dele, abafando o som. Eu estava ficando sem forças, mas lutava desesperadamente para me livrar dele.
— Cala a boca, sua piranha! — ele disse enquanto eu lutava para me soltar. — Eu vou te largar! Só vim deixar um recado!
Isso só fez com que eu me debatesse ainda mais.
Com um braço tendo que prender minha boca e outro me erguendo, ele estava em desvantagem. Tentei uma. Tentei duas. Tentei três e finalmente o meu cotovelo o pegou bem na costela. Ele urrou e me soltou na mesma hora. Cai no chão pela terceira vez, cambaleei até meu vestido e bolsa, correndo do quarto. Tentei sair pela porta mas a fechadura era uma daquelas que se abre com cartão e o desgraçado do Will estava com aquela porra no bolso. Ele se contorcia de dor. Felizmente homens são menos resistentes a elas ainda mais a de um osso quebrado. Eu tinha duas opções, procurar uma janela para pular ou achar o cartão enquanto tinha tempo. Preferi a segunda, correndo até a jaqueta dele que estava na cama. A peguei enquanto ele grunhia e não sabia o que fazer. Se achava logo o cartão ou olhava para ele. Se Will me pegasse de novo, eu não teria a mesma sorte. Foi aí que enfiei as mãos em todos os bolsos daquela merda de jaqueta e a porra do cartão não estava em nenhum deles. Eu suava frio. Sentia uma coisa quente e melada escorrendo pelo meu cabelo, um cheiro forte de sangue. Era sangue. Que merda!
Aquele cartão tinha de estar em algum lugar, não era possível. Voltei a enfiar minhas mãos nos bolsos da jaqueta do Will, revirando todos os cantos possíveis. Will estava se levantando quando o bendito do cartão caiu em cima da cama e o raptei para correr até a porta. Ele me viu e pulou em cima de mim, agarrando um dos meus pés, mas eu fui mais esperta dessa vez. O chutei antes que usasse a outra mão e acertei na cara dele. Quase que eu caio de novo. Passei a mão na minha roupa, perdi um dos sapatos na fuga e abri a porta, batendo a mesma na cara daquele cachorro e o trancando pelo lado de fora.
Eu estava fora de mim. Correndo pelo corredor enquanto colocava o vestido e apertava o botão do elevador. Will gritava dentro do quarto, mas não era burro de fazer isso por tanto tempo. Tudo ficou em silêncio e eu sabia o que estava acontecendo, ele ia ligar para a recepção e alguém viria ao meu encontro, eu seria presa e ficaria fodida para sempre. Pensei duas vezes antes de descer pelo elevador, corri até a porta da escada e desci por ela sem olhar para cima. Cheguei ao saguão e eu não fazia ideia de como estava, se havia muito sangue na minha cara, se estava descabelada, se vesti a roupa ao contrário. Eu sei que estava sentindo muita dor. Nos braços, no rosto, no corpo. Olhei para a recepção e tinham alguns panfletos de turismo empilhados para quem passasse. Sorrateiramente peguei um daqueles e o abri, tampando minha cara enquanto passava até a saída. Ninguém notou o estrago.
Eu finalmente estava na rua, na calçada, a um quarteirão do hotel, escondida debaixo de uma marquise de sorveteria. Fiz sinal quando avistei um taxi e felizmente ele parou.
— Boa noite, senhorita. Para onde vamos? — O taxista pergunta assim que bato a porta e então toma o susto. — Minha nossa! O que aconteceu? O que foi isso, senhorita? Você precisa de um hospital!
— Não, não, não! Por favor, me leve para o Centro Histórico. — Peço com a voz trêmula, quase chorosa. O homem não acredita e reluta por um momento.
— Mas, senhorita... Está ferida!
— Eu sei. Eu estou bem, tá? Não faça perguntas, apenas me leve para o Centro Histórico, rápido. — Abro a bolsa e pego todo o dinheiro que eu tenho, jogando no colo dele. — É tudo o que eu tenho. Por favor, me tira daqui e não faça perguntas.
As notas caem todas na frente dele e seus olhos crescem. O pobre homem que parece ter uns 70 anos me olha e mesmo assustado e desconfiado sai com o carro e faz o que eu peço.
Emma chegou às cinco da manhã e eu não tive coragem de me olhar no espelho desde a hora em que cheguei no apartamento. A dor no meu rosto era uma mistura de dor de cabeça e queimação. Eu fiquei sentada no sofá, esperando por Emma aquele tempo todo, me lembrando dos momentos que eu mais temi a minha vida toda. Por que diabos eu não ouvi meu próprio conselho? Maldita intuição. Eu só não queria mais, eu não quero mais nada dessa vida, eu quero acabar com essa droga de vida para sempre. Eu me sinto um lixo, eu me sinto horrível e não há uma palavra que me convença a ser puta outra vez. Eu não quero mais. Foi a madrugada inteira repetindo para mim mesma, chega dessa porra de vida. Por que eu entre nisso? Por que eu decidi ser puta? Por que eu fui tão burra de aceitar me vender pro Wayne? Eu não quero mais. Eu estou farta de tudo. Eu quero morrer. Alguém acaba logo com isso. Minha dores são maiores internamente. Eu não sei onde vou parar machucada desse jeito. Nem em um hospital eu posso entrar e pedir ajuda. Mas isso foi uma escolha minha, eu aceitei ser uma vagabunda que vende o corpo. Não quero mais. De jeito nenhum eu quero isso de novo.
A loira fechou a porta e trancou, notando que eu chegara muito antes dela. Amanhecia, mas o apartamento ainda estava escuro. Ela entrou, deixando sua bolsa no mancebo perto da porta e tirou os sapatos porque seus passos não faziam barulho depois que chegou. Dois minutos depois, ela me viu, ela me ouviu chorando. Um choro fraquinho, um choro de vergonha e de dor.
— Regina? Você não dormiu? — Ela veio até mim, dando a volta no sofá. Então ela viu. Ela viu o meu rosto, os meus cabelos, o meu estado.
Levantei meus olhos para ela e Emma estava em choque.
— Eu não quero mais viver assim, Emma... Acabou... Acabou... — Sussurro trêmula, sentindo o gosto salgado das lágrimas escorrendo até a minha boca.
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