Chinatown não havia sido fundada para coreanos, tanto que o nome da maldita era Chinatown e não Koreatown. Os coreanos eram excluídos feito o inferno pela sociedade chinesa que tinha aquela fresca ilusão de posse naquele pedaço de terra que na verdade era americano, e isso logo enxotou os coreanos para o subúrbio de Chinatown, que fedia pra caralho. A pele das mulheres por ali já não era tão bonita e seus olhos não continham tanta esperança, mas era onde podiam viver em paz. Fedia a peixe e gente morta o tempo inteiro, já que não havia um dia sequer em que alguém não levasse uma bala bem no meio das fuças. Era de uma decadência que beirava o poético.
E haviam aqueles moleques. Quando as mães chegavam com as barrigas arredondadas, seus umbigos apontando para as estrelas borradas de poluição, prometiam que seus filhos não sairiam, que eles não se misturariam com aquela corja nojenta que empesteava todas as ruas e seriam coreanos legítimos e de bem; mas a esperança se esvaia aos poucos. Logo os moleques estavam correndo por aí se enfiando em buracos quando roubavam ou haviam batidas atrás de alguma gangue não tão discreta. E entre esses moleques, haviam Chanyeol, Sehun e Baekhyun.
Chanyeol era o mais velho de todos eles, e o mais sem noção do certo e errado. Estava sempre a um passo de cometer um delito, mas sem nunca o concretizar de fato. Apenas havia uma aura na pele sardenta de sol que passava essa impressão a todos que o rodeavam, de que ele não conhecia limites e, se os conhecia, estava sempre a um passo de rompê-los. Já Sehun era sensato demais pra um moleque de onze anos. Sua mãe sempre dizia para passar um creme nas malditas costas pálidas mas ele nunca lembrava então estava sempre vermelho. Chanyeol costumava dizer que ele era uma bandeira da China que andava, e Sehun ria mesmo que não achasse graça nenhuma.
Baekhyun era diferente deles. Não do jeito diferente que se destaca na multidão mas sim do jeito que se afoga nela e se perde para nunca mais achar. O cabelo dele era de um amarelo meio desbotado, e mesmo sendo o menino do meio (Sehun era um ano mais jovem), era consideravelmente menor e indefeso. Vivia em um mundo só dele, e pelo que Sehun podia notar, Baekhyun fazia de tudo para enfiar Chanyeol dentro desse mundo também, mas os pés do outro garoto eram fincados demais na realidade para que ele se permitisse sonhar um pouco.
Era um dia como todos os outros. Sehun estava mais míope, Chanyeol estava mais puto e Baekhyun ainda mais irritante. Ele seguia Chanyeol como uma sombra há anos e Sehun só veio se dar conta de como isso devia ser enfadonho de uns tempos pra cá. No meio do sol infernal que fazia com que as sombras deles parecessem cada vez mais uma parte obscura de si mesmos desprendendo do corpo, sentaram na calçada de uma mercearia que Sehun já tinha saqueado antes. Sorte de todos que ele havia crescido e mudado as feições o suficiente. Olhou para as próprias pernas e viu que cresciam pelos escuros nelas.
“Sehun-ah.” Chanyeol tinha aquela mania de irromper com o silêncio. Havia apenas eles dois na rua e isso só podia significar que alguém tinha levado bala por perto. As pessoas gostavam de esbanjar coragem mas fugiam quando acontecia. Sehun chegou a conclusão de que eles não esbanjavam coragem, eles viviam-na cotidianamente. “Sehun eu tô falando contigo.”
“Eu não entendi de primeira.” Ele tirou os óculos pra limpar as lentes no tecido gasto da camisa de herói. Pensou em como eles podiam existir na vida real e foder de vez com a Chinatown.
“Eu tô perdendo o jeito do coreano.” Chanyeol falou em um tom triste. “Vi que tem gente que perde de vez. Eu tô tentando falar mas o inglês fica dentro da cabeça.”
“O que tu queria mesmo dizer?” Sehun era ríspido. Assim que Chanyeol começava a derreter em sentimentos que não eram de seu feitio, Sehun lhe puxava as rédeas. Ele não podia se dar ao luxo de dois Baekhyuns no mesmo círculo de amizades.
“Eu acho que o Baekhyun é veado.” Ele falou olhando para os lados como se tivesse medo de ser pego. Ambos sabiam que não tinha.
“Por que tu acha isso?”
“Porque sim. Nunca reparou como ele é estranho?”
“Eu sou estranho e não sou veado.”
“Tu não entende de merda nenhuma, Sehun. O que eu tô falando, é que se o Baekhyun é veado, a gen-”
“Não tinha nada de amendoim nem pimenta, aí eu peguei caramelo mesmo.” Baekhyun fez barulho quando saiu do estabelecimento atrás dos outros garotos com as mãos pequenas cheias de doces e um inglês arriscado nos lábios. Chanyeol encarou Sehun e um pacto de silêncio entre os dois fora selado naquele instante.
“Não fala inglês comigo, porra. Eles falam essa língua de merda na tua casa?” Chanyeol levantou, tomando os doces das mãos dele e sentando novamente. Dividiu um pouco com Sehun, que deu um pouco do seu pouco para Baekhyun, que sentou em meio aos dois como se não fosse bem vindo ali. E ninguém sabia ao certo se era.
“Desculpa Chanyeol.” Baekhyun pediu meio baixo. Chanyeol sorriu sem humor e virou o corpo parcialmente pra ele que se acuou na direção de Sehun como se buscasse algo que o protegesse dos instintos do outro amigo. Não encontrou muita coisa.
“Você é algum tipo de veadinho, Baek? Você quer um beijinho meu? Ou do Sehun? Porque ninguém te quer aqui e você continua vindo atrás da gente igual um cachorro.”
“O que é o veadinho?” Não por não saber o que era, mas o som das palavras em coreano não lhe era nada familiar. Chanyeol levantou e apontou para o fim da rua com a boca cheia de caramelo e um olhar que nem Sehun nem Baekhyun jamais iriam esquecer.
“Vai embora, caralho. Agora!” A última parte dita tão alto que o dono do mercadinho saiu, fazendo a sineta balançar e parecer muito mais alta do que realmente era. Baekhyun levantou-se, encarou Sehun tão fundo que ele sentiu falta de ar e mesmo assim o moleque não fez nada. Só manteve a mesma expressão neutra de sempre, como se estivesse congelada. Correu.
“Você não leva ele de ônibus pra casa toda vez que vocês vão embora?” Sehun perguntou uns três minutos depois. Baekhyun havia sumido das vistas e como Chanyeol não parecia preocupado não haveria de ficar também. Eles moravam na mesma rua, só que em outro bairro, e por mais que o mais velho já houvesse ensinado mil vezes como se tomava a condução, Baekhyun sempre se fazia de burro apenas para ter a companhia dele por mais tempo. Chanyeol havia notado naquele mesmo dia.
“Ele não é doido, que volte sozinho.” Disse, sentando ao lado de Sehun e sentindo os caramelos pegajosos entre os dedos.
Quando Chanyeol chegou na rua onde moravam e viu as luzes da polícia na porta da casa de Baekhyun, sentiu um arrepio gelado no meio das costas, desagradável a ponto de causar ânsias. Andou devagar, mas não havia ninguém que pudesse vê-lo, então correu até em casa, onde sua mãe o abraçou com as mãos sujas de molho de tomate.
“Ainda bem que você está aqui querido.” Ela disse abafada pelo corpo magro do menino. Chanyeol fechou os olhos com força.
“O que aconteceu?”
“O Byun Baekyun, seu amiguinho. Ele sumiu, Chanyeol.”
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