Alice não conversou com Absolem. Alice não matou o Jaguadarte.
Ela deixou Wonderland no domínio da Rainha Vermelha, depois de ter certeza que era apenas mais um de seus sonhos, decepcionando todos os seres de lá, inclusive um certo Chapeleiro.
"Nem tudo o que reluz é ouro, Alice", tia Imogen disse numa época em que a pequenina de cabelos dourados a via como a pessoa mais sábia entre todas. Agora uma lady da sociedade, como sua mãe costumava dizer, Alice pouco se recorda da sua infância além de seus sonhos fantásticos e daquele fatídico momento com tia Imogen. Fora o último em que a vira sã, empurrando-a no balanço do jardim secreto.
"Você vê este livro? As bordas das páginas gastas, sua capa desbotada... tudo esmaece com o tempo, exceto as emoções das estórias que ele carrega. Foi um presente do meu noivo, o príncipe de quem eu lhe falei. Guarda todos os segredos de sua terra natal."
O rosto de Alice se retorceu ao ver tanto a grossura quanto a aparência simplória do livro.
"Agora, veja este anel aqui", ela disse mostrando suas mãos não tão enrugadas, de dedos longos e finos.
"É lindo, tia."
"É de rubi, simbolizava a paixão de Fergus Aberdeen, o último pretendente a bater na minha porta."
"Por que não se casou com ele?"
"Tão tarde ele chegou que já não havia espaço no meu coração para outro. Meu pai aceitou o pedido de casamento, eu o recusei, e tão orgulhoso ele era que se recusou a receber o anel de volta. Você entende o que eu quero dizer, pequena?"
Alice balançou sua cabeça em negação.
"Este anel maravilhoso e até escandalosamente grande, alguns diriam, está carregado de capricho, remorso e culpa. Ele é pesado. Já este livro batido é leve, cheio de amor, sonhos e esperanças."
"Se é pesado por quê a senhora usa?"
"É a minha penitência. Eu magoei muitos para ser feliz de verdade. Já o livro me conforta."
"Como o papai e a mamãe. Quando eu tenho pesadelos eles me abraçam até eu dormir de novo."
"Exatamente."
"Tia Imogen, esse livro tem gravuras?"
"Das mais belas."
"Pode ler pra mim?"
"Mas é claro que sim."
Alice inclinou-se sobre a sacada, observando a paisagem e contemplando o passado. Aos poucos ela começava a compreender mais e mais sua tia. Talvez na terra dos loucos, onde tudo está de cabeça para baixo, tia Imogen fosse a única a fazer sentido das coisas. Até mesmo dele, com seu olhar cativamente, palavras indecentes e espírito tenro.
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