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História " As Long As We Are Together " - Bônus de Amor - Grandmother


Escrita por: itzandysrc

Capítulo 30 - Bônus de Amor - Grandmother


Uma semana depois de Lexa e eu termos voltado da lua de mel, Annabeth e Ashanti ainda dormiam em nossa cama, com a desculpa de que ainda estavam com saudade. Eu não podia, de forma alguma, negar aquilo, já que era adorável.

Quando acordei, observei a forma que estávamos dormindo por um tempo, não conseguindo evitar o sorriso. Annabeth abraçava minha cintura, e sua cintura era abraçada por Ashanti, que tinha a cabeça repousada no peito de Lexa, que estava acordada. Belos olhos verdes me encaravam com adoração, um sorriso de canto em seus lábios.

Tão adorável...

—Bom dia, olhos azuis — Sussurrou. Mordi o lábio tentando segurar meu sorriso totalmente bobo.

—Bom dia, olhos verdes.

Minha esposa suspirou, antes de bocejar e se encolher, chegando mais perto de Ashanti, que ronronou em seu sono. Lexa não estava satisfeita em incomodar o sono da menina. Espalhou beijos em sua bochecha e empurrou com o nariz, tudo com um sorriso brincalhão no rosto.

—Mamãe...— A garotinha resmungou, rindo quando a morena começou a beijar seu pescoço — Para, mamãe! Me deixa dormir!

—Nah, se eu estou acordada, todas tem que estar.

—Então a Anna tem que acordar!

—Exatamente. Me ajuda a acordar ela, vai? Você sabe o quanto sua irmã ama te ver quando acorda.

Ashanti sorriu, convencida, ainda de olhos fechados. Annabeth sempre sorria assim que acordava, mas quando ela via a irmã... era mágico.

A criança sentou na cama, seu cabelo cacheado solto e bagunçado, natural, como nós adorávamos ver em todas as manhãs. Quando ela se inclinou para perto da loirinha, eu pude ver o sorriso aumentando gradativamente em seu rosto.

—Anna? Pssst, Anna. Acorda, Cinderela.

A mais nova abriu os olhos devagar, e como sempre, pareceu confusa assim que acordou. Mas logo depois, abriu um sorriso enorme.

—É Bela Domessilda, Shanti! — Ela riu, e puxou a irmã para um abraço. Minhas bochechas já doíam de tanto sorrir. Nada como acordar com aquela sessão de fofura.

Suspirei quando levantei os olhos e Lexa ainda me encarava, com um sorriso bobo. O tempo parecia parar quando ela fazia aquilo.

—Maaaaaaaaaaaaaaama — Annabeth segurou meu rosto e sorriu quando conseguiu fazer com que nossos narizes se encostassem — É sábado. Vamos ver a vovó, vamos.

Um arrepio percorreu meu corpo. Depois da lua de mel, o assunto Abby havia sido conversado uma vez com as meninas, e depois ignorado por nós. Por mim. Fiquei feliz com a carta. Fiquei feliz que aquilo aconteceu. Mas depois de um tempo, eu descobri que perdão é algo maior. Algo que ainda não havia acontecido. Meu medo, e talvez minha mágoa eram maiores do que a vontade de vê-la, de realizar o desejo das garotas de conhecer a avó. Era tão errado, mas o certo era tão assustador.

—Nós conversamos sobre isso depois, ok? — Sussurrei para Anna, beijando seu nariz, e ela ficou séria na mesma hora. Bem, tentou ficar, mas aquilo sempre parecia fofo demais. Braços cruzados e um bico enorme.

—A senhora sempre diz isso, e nós nunca conversamos depois — Esbravejou, rastejando para o colo de Lexa — Mama Lex, vamos ver a vovó, vamos?

—Eu não posso decidir isso, meu amor. Só Mama Clarke pode.

—A senhora sempre diz isso, e ela sempre diz que nós vamos conversar depois. Eu estou de mal com vocês duas — A pequena loirinha pulou da cama ainda com os braços cruzados, e ficou de costas para nós. Eu riria se não fosse aquele assunto.

—Anna...

—Ash, diz pra a mamãe que eu não estou falando com ela.

Suspirei pesadamente. Eu sempre fazia de tudo para que minhas filhas ficassem satisfeitas ou felizes, para que seus desejos se realizassem. Mas daquela vez, realizar um desejo significava enfrentar um dos meus piores pesadelos. Algo dentro de mim me chamava de egoísta. Algo dentro de mim me chamava de covarde. Minha mãe não era mais aquela mulher. Por que eu estava com medo?

—Você me perdoou todas as vezes em que eu errei — Lexa sussurrou. Olhei em seus olhos. O verde claro iluminando minha escuridão. Segurei sua mão como se precisasse segurar em minha sanidade, ou ela iria embora naquele mesmo momento — Me fez sentir como se eu fosse digna do sentimento mais puro que já existiu. E quando você me perdoou, não sentiu como se sua alma estivesse sendo curada? — Assenti, incapaz de falar — Eu também. E é exatamente isso que Anna quer que você faça. Perdoe a mulher que errou, mas que agora foi humilde o suficiente para pedir seu perdão. Você não tem que fazer isso agora, nem lá. Mas se você começar a trabalhar consigo mesma... eu juro que vai valer a pena.

Quando tirei meus olhos dela, foi como se voltasse a colocar meus pés no chão depois de um tempo flutuando. Anna tinha os cotovelos apoiados na cama e me olhava com uma carinha triste, mas os olhos azuis brilhavam. Ashanti me olhava da mesma forma, sentada no colo de Lexa. Ela era a mais quieta sobre tudo, mas seus olhos diziam o quanto estava ansiosa para aquilo.

—Nós nem temos dinheiro para ir para Londres... — Suspirei.

—Você tá brincando? Depois daquele best seller nós temos dinheiro até para comprar um país. Ok, não tanto, bem menos, mas de qualquer forma, sim, nós temos.

Ela só podia estar brincando. Olhei para as três e seus olhares ansiosos, me sentindo encurralada, e pareci respirar pela primeira vez em anos quando disse "nós vamos". Annabeth e Ashanti comemoraram pulando juntas em cima da cama, e nós tivemos que derrubar as duas para que não quebrassem.

—YAY. Mamães, vou fazer minhas malas! Vou colocar tudo, tudo mesmo, vocês nem precisam me ajudar... — A loirinha foi dizendo enquanto saia do quarto, e Ashanti apenas rolou os olhos antes de ir atrás dela.

—Eu sabia que você faria o certo — Disse Lexa, quando as meninas já estavam no quarto. Ela ficou de pé, e deu a volta na cama para me pegar no colo como tinha adquirido o costume de fazer na lua de mel. Ri quando fui levantada da cama e recebi um rápido selinho nos lábios — Você não aguenta muito tempo vendo a Anna manhosa.

—De forma alguma. Aquele bico, aqueles olhinhos brilhantes. Ugh. Ela é meu ponto fraco. Acho que se Ashanti também estivesse assim eu tinha aceitado muito antes. Não ia suportar não ver aquelas covinhas que aparecem quando ela sorri. Não ia mesmo.

—E se fosse eu? — Ela falou baixo, me colocando no chão em frente ao banheiro. Abracei seu pescoço e beijei sua bochecha delicadamente. E ela sorriu. Ah, aquele sorriso sempre me derrubaria. Ela sempre me derrubaria.

—Eu teria feito qualquer coisa para ver seu sorriso. Como sempre.

xxx

Nós tomamos o café da manhã respondendo perguntas das meninas e mostrando fotos de Londres. A curiosidade e animação delas parecia não ter fim; até mesmo Ashanti que sempre era calma estava eufórica.

—E lá tem uma Rainha Obama? — Ashanti perguntou, com os cotovelos apoiados na mesa.

—Não, meu amor. Obama é presidente daqui. O nome da Rainha é Elizabeth.

Anna gritou, fazendo com que a irmã quase caísse da cadeira pelo susto. Foi uma longa conversa explicativa sobre porque nós não tínhamos Reis e Rainhas, que acabou com Anna perdendo o interesse e Ashanti no colo de Lexa aprendendo sobre política. Aquela garotinha não tinha só sete anos.

Os dias se passaram. Não se podia ir até Londres de repente. Uma semana inteira se arrastou com noites mal dormidas; Lexa adiantando todo o trabalho, e eu fazendo companhia, duas garotinhas impacientes algumas vezes, e bem, ansiedade. A ansiedade que nos consumia por dentro e se mostrava em cada olhar ou conversa. Mas no sábado, ás quatro da madrugada, quando nós chegamos ao aeroporto, fizemos o check-in e nos sentamos para esperar, eu jurei que a ansiedade me faria desmaiar.

Lexa lia um livro ao meu lado, e eu só conseguia observá-la e invejar sua calma. Ou a de Annabeth, que dormia tranquilamente em seu colo, abraçando sua jaqueta de couro. Ou a de Ashanti, que dormia em meu colo com uma das mãos entrelaçadas em meu cabelo. Todas elas estavam em paz. Por que não eu?

—Clarke? —Lexa chamou, tirando os olhos do livro para me olhar — Como você está?

—Nervosa — Falei baixo, minha voz saiu rouca e trêmula. Droga.

—Do que você tem medo?

—Rejeição.

—Por que?

—Aconteceu antes.

—Compare quem vocês eram com quem são agora.

Fiquei um tempo em silêncio. Eu definitivamente tinha mudado. E bem, minha mãe também aparentemente. Do que eu tinha medo?

—Largue seu emprego. Psicologia é seu ramo.

Ela soltou uma gargalhada gostosa, e aquele som foi quase como um calmante, entrando por meus ouvidos e percorrendo o corpo inteiro. Quando entrelaçamos nossas mãos, eu sorri, me sentindo calma por alguns minutos pela primeira vez desde que decidimos viajar.

—Contanto que estejamos juntas — Sussurrou, com os lábios colados em minha testa, e eu assenti, deslizando minha mão livre pelas costas de Ashanti devagar. E a calma veio. E ficou. Nada poderia ser tão ruim contanto que estivéssemos juntas.

Logo nosso vôo foi anunciado. Tivemos que acordar as meninas e elas andaram um pouco sonolentas até o avião, mas quando chegaram lá, falaram o tempo inteiro.

—Mamãe, eu vou poder abrir a janela lá no céu, né? — Anna perguntou quando finalmente achamos nossos assentos. Um ao lado do outro.

—Não, Anna. Não dá pra abrir a janela, e o avião vai estar tão rápido que se você colocasse a mão para fora, ela sairia voando.

—Eu quero sair voando!

—Não é tão legal assim, pequena.

—A senhora já saiu voando? — Ashanti perguntou, fazendo com que Lexa gargalhasse. Nós conversamos sobre coisas bobas e eu esperava que elas continuassem falando para que não prestassem atenção na decolagem, que normalmente assustava criancinhas. Mas elas perceberam. O avião subiu e de repente voar não parecia mais tão divertido para as duas garotinhas que começaram a chorar de medo. Seriam sete horas até que chegassemos em Londres, e eu só esperava que minha mãe valesse a pena.

xxx

Quando chegamos até lá, as meninas praticamente pularam do avião e correram para a saída do aeroporto, nos puxando pela mão. Depois que Lexa e eu conseguimos acalmar as duas, elas começaram a perceber o quão tedioso um vôo de sete horas podia ser. Brincaram de todas as brincadeiras que se pode brincar em uma cadeira, pediram pra ir ao banheiro pelo menos 20 vezes, perguntaram o nome de todas as aeromoças que passaram por nós, e depois daquilo tudo, dormiram. 

Enquanto isso, eu tentava ficar calma. Lexa dividiu um fone comigo, e nós ouvimos Pink Floyd por um bom tempo, até que conseguimos pegar no sono. Enquanto eu dormia ao seu lado, era como se nada pudesse me machucar. 

Pelo menos enquanto eu dormia. Quando saímos do aeroporto e um vento gelado passou por nós, eu senti como se tivesse levado um soco na barriga. E a dor só aumentava. 

  —Mamãe, a vovó é legal? — Ashanti perguntou, meio distraída, enquanto estudava um mapa de Londres. De repente, eu me senti sufocada por não ter a resposta. Tentei formar uma imagem de Abby em minha mente mas nada veio. Nada. Depois daquela carta, as coisas foram ficando confusas até que eu não soubesse mais quem ela era. Mas eu precisava dar uma resposta.

  —Ela... ela faz um chá incrível.

Foi a única coisa que eu consegui dizer. O taxista dirigia devagar, me deixando tonta. Eu odiava que tivesse tempo para pensar, porque aquilo me forçava a pensar nela, e eu não queria pensar nela. Não agora. Não quando todo o peso de ter que perdoar estava sobre meus ombros. 

Lexa deslizou uma mão pelo meu braço até que encontrasse meus dedos, e então os entrelaçou com os seus. Sem me olhar ou dizer nada. Sem bagunçar meus pensamentos já bagunçados. Eu não sei como ela sabia exatamente do que eu precisava, mas isso me deixava infinitamente grata.

  Não demorou muito até que chegassemos até a pousada. O lugar chamado Apple House era simples e bonito ao mesmo tempo.  Tradicional, com alguns móveis de madeira, e um cheiro de casa. Uma senhora com sotaque inglês forte chamada Grace nos recebeu da forma mais simpática possível, e nos mostrou os quartos. 

  —P-pareece ca-casa de b-bo...boneca — Anna falou baixinho, meio envergonhada e nervosa por ter a atenção da Senhora Grace. 

  —Então está perfeito, porque eu vejo duas bonequinhas aqui — Respondeu, sorridente. As meninas sorriram e abaixaram a cabeça, sussurrando um "obrigada" quase inaudível. 

—Desculpe, elas ficam tímidas às vezes. Mas obrigada por tudo. A senhora é muito gentil — Lexa agradeceu. Acho que depois elas se despediram, e Grace disse que se precisassemos estaria lá em baixo. Acho, porque eu não estava realmente ali. Estava longe. Bem longe. 

Depois de tudo, quando todas nós tomamos um banho quente, as meninas foram para o quarto com duas camas de solteiro em frente ao nosso para "explorar", Lexa fechou a porta e me lançou um olhar sério, cheio de preocupação.

  — Eu não consigo ver você assim, Clarke.

  — Estou bem — Sussurrei, mais para mim mesma do que para ela. 

 — Não, você não está. Nós podemos conversar...

  — Eu não quero falar sobre isso, Lex. E-u só preciso descansar.

— Você não vai conseguir descansar com todos esses pensamentos e com todo esse peso nas suas costas — Ela se aproximou devagar, e eu só conseguia pedir mentalmente que se afastasse, que me deixasse sozinha com minha confusão — Eu só quero...

 Um impulso. Quando ela tentou me abraçar, quando seu cheiro começou a me deixar calma, um alarme soou dentro de mim fazendo com que eu pulasse da cama e me afastasse. Todos os pensamentos que eu evitei o dia inteiro me atingiram com força. E eu explodi.

  — Eu só quero ficar sozinha! Você não pode me ajudar, ninguém pode. Sou só eu e meu peso, eu e meu orgulho. Eu não consigo perdoá-la assim! Eu não consigo fazer o que você quer que eu faça, e eu não quero te machucar com isso, Lex. Por favor, me deixe sozinha. 

Eu continuei ali, tremendo e chorando, olhando nos olhos da mulher que não se movia, só me encarava de volta. Continuei implorando mentalmente para que ela fosse embora e deixasse que eu me torturasse, que não tentasse cuidar de mim.

Mas Lexa Woods era uma pessoa realmente teimosa quando queria.

  — Você não é essa pessoa —  Ela falou, a voz firme e calma —  Essa pessoa que precisa da solidão para ficar melhor, ou só pra esconder a tristeza e transformar em vazio. Não. Minha esposa, a mãe da Anna e da Shanti, que lançou um livro sobre como nós poderíamos superar qualquer coisa contanto que estivéssemos juntas — Eu estava tão concentrada em suas palavras que nem percebi que ela já estava em minha frente, segurando meu rosto e limpando as lágrimas — Definitivamente não é essa pessoa. Não mais, amor.

  — Eu não aguento mais carregar isso, eu não aguento mais, Lex. — Sussurrei entre as lágrimas, quase cedendo, quase. 

  — Então nós iremos até lá agora, e nós vamos tirar isso das suas costas. 

 Outro impulso. Tentei afastar suas mãos e seu corpo de todas as formas, mas não consegui. Não consegui porque em algum momento ela olhou em meus olhos com tanto carinho e tanta preocupação, que eu me senti desmoronar por dentro, e desmoronei em seus braços.

 Ela me pegou no colo e deitou comigo na cama. Cantou alguma coisa baixinho, e me fez cafuné. E foi tudo o que eu precisei para aceitar qualquer coisa que ela quisesse fazer para que eu me sentisse melhor. Às vezes as palavras não serviam. Em alguns momentos, elas precisavam ser esquecidas e dar lugar a alguns gestos. Gestos simples, que faziam um trabalho incrível. Eu ainda estava nervosa, e assustada. Mas sozinha, eu nunca estaria.

xxx 

O táxi nos deixou em frente ao casarão de paredes cor-de-rosa quando uma chuva fina estava começando a cair. Eu não precisei checar se era o mesmo endereço de onde a carta havia vindo. Era o meu endereço. Aquela era a casa em que eu costumava viver.

  — UAU. Essa parece casa de boneca — Ashanti balançou minha mão por um minuto. Só consegui assentir. Ficamos em silêncio, paradas na frente da casa enorme, sentindo a chuva cair como se tentasse nos despertar. 

  — Você está pronta? — Lexa perguntou, erguendo a mão para que Annabeth segurasse. 

  — Eu... — Engoli em seco e olhei para a garotinha que segurava minha mão e me lançava um olhar carinhoso. Depois para a garotinha que parecia estar a ponto de soltar a mão de Lexa e sair correndo em direção a casa. E depois para minha esposa. Eu tinha a resposta — Contanto que estejamos juntas. 

— CONTANTO QUE ESTEJAMOS JUNTAS — Annabeth e Ashanti gritaram ao mesmo tempo, nos surpreendendo. Antes que pudessemos ter alguma reação, elas soltaram nossas mãos e correram juntas até a porta da casa. E eu não me movi para impedir. Apenas para acompanhar. 

Elas bateram juntas depois de contar até três. E depois que ninguém atendeu, bateram de novo. E de novo, e de novo. 

  — Mamãe, a vovó não quer falar com a gente! — Anna reclamou, cruzando os braços e fazendo bico. Ashanti só abaixou a cabeça, desapontada.

  — Amor... dá pra ouvir batidas na porta de dentro, não é? Você sempre ouvia quando eu batia.

  — Quando você não batia na minha janela, sim — A morena riu do meu comentário. Ao lado da porta, haviam seis vasos de planta pendurados, três de cada lado. As plantas estavam mortas agora. Mas eu não precisava delas, de qualquer forma. Só da chave da casa que estava dentro do terceiro vaso do lado esquerdo — Ela nunca perdeu o costume de colocar uma chave reserva aqui caso meu pai chegasse mais tarde.  

  — Espero que isso não seja invasão. 

As meninas quase saltaram quando eu abri a porta, mas recuaram assim que viram a casa. Por dentro, era apenas escuridão e silêncio. Aquilo não me surpreendeu.

  — E-eu n-na-não que-quero entrar... não quero m-mamãe  — Anna gaguejou, tentando se esconder atrás de mim. 

  — Eu estou aqui, pequena. Nós estamos aqui— Me ajoelhei para que ela subisse em meu colo, e quando fiquei de pé novamente, e vi a porta escancarada me esperando, eu soube que teria que enfrentar aquela casa, e todos os seus demônios— Contanto que estejamos juntas — Sussurrei, mais para mim mesma do que para ela. 

Todas as janelas estavam fechadas. Todas as coisas perfeitamente organizadas, mas que pareciam abandonadas ali. A cozinha estava vazia. A sala de jantar também. A longa mesa que só servia para nos distanciar tinha um vaso de flores mortas em cima, e as cadeiras estavam encostadas como se nunca mais tivessem sido usadas. A luxuosa sala de estar também estava vazia. Alguns porta-retratos haviam sido retirados, e haviam vários cacos de vidro espalhados pelo chão. E algumas rosas, mortas.

O fato de que encontramos as flores que minha mãe gostava de ter mortas em quase todos os cômodos não foi o que me deixou mais assustada. O que me fez querer correr para me esconder foi o fato de que em todos os cômodos eu via meus fantasmas. Aqueles fantasmas que eu havia deixado nesta casa há anos atrás. As brigas da família. As horas que passamos juntos naqueles cômodos enormes sem trocar uma sequer palavra. Os gritos. As palavras rudes. A dor. As mentiras. Tudo parecia estar saindo dos móveis, das paredes, do chão, das janelas, e vindo direto para minha mente, fazendo com que eu revivesse cada momento.

Mas incrível era o que acontecia a seguir. Quando eu deixava o cômodo e sentia a mão de Lexa na minha, e os dedinhos de Annabeth brincando com meus fios de cabelo nervosamente, eu sentia que aqueles fantasmas não eram capazes de me atingir. Não mais. Não aquela Clarke. E então eles iam embora, e me deixavam aliviada. 

Quando visitamos o último cômodo do segundo andar, e os fantasmas que traziam imagens da outra Clarke que passava noites em claro se sentindo sozinha, trancada no quarto, fugiram, só restava um. Um em que minha mãe nunca estaria. 

  — Lex, ela não está — Sussurrei para Lexa, me esforçando para que as meninas não ouvissem. Elas já estavam no chão, explorando meu antigo quarto. O medo ia embora quando abríamos as cortinas.

  — Não teremos certeza sem olhar lá.  

  — Minha mãe não ficaria naquele lugar nunca, amor. Ela dizia que era só um quartinho pobre no sótão. 

  — Alô, é um plot twist. Uma mudança radical na história. Você é a escritora, duh, sabe como funcionam essas coisas.

— Histórias não são como a vida real, Lexa.

— Será que estou mesmo ouvindo isso da escritora de As Long As We Are Together? 

 Bufei e rolei os olhos, mas Lexa não pareceu nada incomodada com minha irritação. Pelo contrário, ela pareceu achar engraçado. Por fim, suspirei uma última vez antes de desistir.

— Quando acharmos um quarto vazio, eu vou rir da sua cara, e minha risada vai ecoar nos seus ouvidos sua vida inteira. Se prepare. 

A morena segurou minha mão e chamou as meninas, e nós seguimos até a escada que levava ao sótão. A cada degrau, minha ansiedade aumentava. A porta não estava trancada, mas a maçaneta estava tão enferrujada que tivemos que empurrar com um pouco mais de força, só para encontrar um quarto totalmente escuro e silêncioso. 

 —Há, Woods — Sussurrei para Lexa quando Annabeth e Ashanti abraçaram minhas pernas. Aquele quarto era, definitivamente, o mais escuro de todos. Como estávamos próximas do teto, a chuva que havia aumentado podia ser escutada facilmente, fazendo o ambiente parecer mais assustador do que já era. Não. Ela não podia estar ali. Eu não sabia se me sentia triste ou feliz com aquilo. Minha mente estava uma bagunça. E só piorou quando Lexa achou uma cortina, e abriu, deixando o quarto mais claro. 

Silêncio. Choque. 

Abby estava ali. 

Tentei me segurar na parede atrás de mim quando senti que iria cair. Ela estava deitada na cama de solteiro em um canto mais escuro do quarto, com um vestido branco, usando seu colar e seus brincos de pérolas favoritos. Seu rosto estava pálido de uma forma que eu nunca havia visto. Oh, não.

  —Clarke... — Lexa chamou, a voz falhando. Eu não fazia ideia de onde ela estava no quarto. Eu só conseguia olhar para Abby. Para Anna indo em direção a Abby. Para Anna, subindo em cima da cama, sentada ao lado de Abby — Anna, não...

— Vovó? Ei, vovó. Acorda, é a Anna. A gente veio te ver mas você ficou dormindo. Não é hora de dormir, sabia? — A garotinha falou rápido, olhando fixamente para o rosto da mulher na cama. Imóvel — Vovó, já chega de dormir! Vamos tomar chá! Eu vim de a-avião v-ver vo-você. 

Suas palavras ficavam mais enroladas a cada minuto. E Abby não reagia. De todos os resultados, de todas as possibilidades, essa era a única que eu não havia pensado. Não. Ela não pode ter...

— Vovó, não tem graça, p-para — A pequena subiu em cima de Abby, e Lexa se moveu para tirá-la de lá. Seu desespero só aumentando — Você tá parecendo a ma-mãe Anya, p-para com isso...agora.

  — Clarke? 

A voz fraca e rouca chegou aos meus ouvidos e derrubou todas as minhas defesas no mesmo segundo. Respirei fundo como se fosse a primeira vez. Como se respirar fosse algo novo. E sorri, assim que Anna riu baixinho. 

— Eu não sou a Clarke coisa nenhuma, Vovó. Você tá com soninho. 

— Oh, Clarke. Olá, minha filha — A mulher na cama ergueu as mãos enrugadas, bem devagar, e acariciou o rosto da garotinha, segurando seu cabelo por um tempo, antes de deixar a mão cair de volta na cama. 

  — Nah, Vovó. EEEEEu sou Annabeth Woods Griffin.  EEEEEEla é minha mamãe, Clarke. E ela é sua filha. Eu sou sua... sua... mamãe, o que eu sou da Vovó? 

No instante em que Abby colocou seus olhos azuis em mim, eu não pude responder. Não pude responder mais nada. Eu era só a pequena Clarke de novo. Crescendo, crescendo, quebrando aos pedaços para me reconstruir de novo e me tornar mais forte do que nunca. Forte para esse momento. Forte para perdoar. 

Os fantasmas saíram voando.

  — Clarke —  Ela chamou baixinho, tentando levantar a mão em minha direção. Quase corri até lá.

— Sou eu. Estou aqui.

— Você está aqui.

Abby repetiu aquela frase mais algumas vezes, até que seus olhos se fecharam. Anna me olhou confusa.

— Ela tá com sono, mamãe. E a senhora me disse que o dia é pra dormir e a noite é pra acordar.

—É ao contrário, boba — Ashanti corrigiu, chegando mais perto devagar — Vamos ter que ir embora? 

  — Tem algo errado com ela —  Sussurrei, para mim mesma. A respiração da mulher na cama estava lenta e parecia ser difícil para ela respirar mesmo assim. Seu rosto estava mais pálido do que antes, como se isso fosse possível —  Lexa..

  — Meninas, nos esperem no antigo quarto da Mamãe Clarke, ok? 

  — Mas eu quero... — Anna tentou reclamar, mas Ash disse alguma coisa em seu ouvido, e então elas foram para o quarto sem dizer uma palavra. Eu nunca sabia o que ela dizia mas sempre funcionava, e eu sempre agradecia. Talvez fosse só a conexão que as duas tinham. 

Quando saíram, Lexa se aproximou da cama e observou a mulher deitada. Eu sempre conseguia interpretá-la, mas dessa vez, era quase impossível. Depois de um longo suspiro, ela me olhou por baixo dos óculos.

— Precisamos acordá-la. Ela não está bem.

— Você jura? 

A morena rolou os olhos e se aproximou da cama. E respirou fundo, como se aquela fosse a tarefa mais difícil do mundo.

— Senhora Abby? Está se sentindo mal?

— Oh, minha Clarke. Ela não voltou então eu decidi deitar e esperar minha morte. Não está longe... não.

— Ela voltou. Está aqui.

Abby abriu os olhos e me olhou novamente. Seus olhos vazios brilhavam mesmo assim, como se dessa vez ela realmente notasse que eu estava ali. Não que isso tenha mudado muito. Minha mãe desmaiou no segundo seguinte. Lexa me ajudou a reanimá-la, e foi terrívelmente difícil fazer com que comesse. Tivemos que ajudar com o banho, já que ela quase não conseguia ficar em pé. Mas depois disso, Abby parecia se sentir muito melhor.

— Clarke... — Sussurrou, quando eu estava escovando seu cabelo. Lexa estava com as meninas e nós estávamos sozinhas ali. A tensão era clara — Você veio.

— Eu... sim. Elas queriam conhecer a senhora. 

— Você me perdoou?

Aquela pergunta gelou tudo dentro de mim. Eu havia perdoado? Todas as palavras cruéis, todas as críticas, e todas as noites em que 
eu não dormi, porque aquelas palavras não paravam de ecoar em  minha mente. O estranho era que, de repente, não doía tanto. Era só uma dor distante, latejando fraquinho, desaparecendo em algum lugar com todos os meus fantasmas. Eu estava perdoando aquela Abby. Me libertando.  Libertando-a. 

—Não chore, minha menina — Ela disse antes que eu percebesse que chorava. Soltei a escova e me sentei na cama. Os olhos azuis me encaravam cheios de amor e arrependimento. Eu tinha certeza que a encarava da mesma forma.

—Eu não queria que a senhora ficasse desse jeito. Eu não queria que nós ficássemos desse jeito. Nós perdemos tanto tempo...

—Shhh. Você veio. Vamos recuperar.

Então ela me abraçou, e quebrou uma barreira. Me encolhi em seu colo como se fosse só uma garotinha. E as lágrimas foram indo embora com a dor. Até que eu tivesse perdoado. Até que nós estivessemos curadas.

xxx

Minha mãe estava realmente muito fraca, então precisei chamar as meninas para o sótão. Annabeth correu na frente, feliz que finalmente conseguiria falar com a avó, mas tropeçou no primeiro degrau da escada, caiu e começou a chorar. E nem Ashanti conseguia acalmá-la daquela vez.

—M-ma-ma-mãe eu q-quebrei a perna. Tá saindo sangue.

—Não tem sangue aqui, Anna. Tenta ficar calma, respira fundo...

—TÁ DOENDO MUITO MINHA PERNA VAI CAIR — Ela começou a chorar mais alto e se jogou no meu colo. Lexa apontou com a cabeça para o sótão, e eu entendi. Subimos as escadas, Ashanti indo na frente em passos delicados, sempre olhando para trás como se pedisse permissão.

      Abby estava sentada na cama, encarando a parede com um pequeno sorriso. Quando ela nos viu, o sorriso tornou-se grande. Anna desceu do meu colo e mancou até a cama, então subiu e se encolheu no colo da avó.

—Vovó... eu me machuquei. E doeu. 


—Já vai passar, pequena Annabeth — A emoção era visível na voz dela — Eu estava ansiosa para te conhecer, sabia? Você e sua irmã. Venha aqui, Ashanti.

Ashanti se aproximou timidamente, e subiu na cama. Seu olhar era desconfiado e curioso ao mesmo tempo.

—Oi, pequena Ashanti.

—Oi vovó. E eu não sou pequena. Vou fazer oito anos.

—Igualzinha ao livro. Vocês já leram o livro?

—A mamãe estava lendo para a gente mas não teve tempo. Lê pra gente! — Anna pediu, já havia esquecido da dor. Minha mãe colocou seus óculos de leitura e pegou o livro, que estavam no criado mudo que eu não havia notado, e abraçou as duas netas para começar a ler nossa história.

No instante em que senti aquelas mãos em minha cintura, e aquele cheiro, um sorriso largo se abriu em meus lábios, e eu precisei fechar os olhos. Deus, como eu amava aquela mulher.

—Parece que as coisas deram certo, hm? — Ela me abraçou por trás, e afastou meu cabelo com o nariz para beijar minha nuca.

—Pode apostar. Tudo está... tão... — Gemi baixinho e tentei empurrá-la quando ela começou a dar beijos mais firmes em meu pescoço — Meu Deus, se controle...

—Só porque eu preciso dizer uma coisa — Ela veio até minha frente e segurou meu rosto, me olhando nos olhos — Estou orgulhosa de você.

Meu sorriso se abriu e meu coração se aqueceu. Os olhos verdes transbordavam em amor e orgulho. Meus olhos verdes. Olhei para a cama em que minha mãe e minhas filhas estavam, distraídas com o livro, com a nossa história, com aquele encontro. As duas meninas estavam no colo da mais velha, que lia devagar, explicando qualquer palavra que não entendessem com toda a calma do mundo. Não existiam ressentimentos. Só existia paz.

                     xxx                                   
     
Lexa e eu deitamos na cama para ouvir a história que já sabíamos de cor, mas que ainda soava nova. Foi um tempo incrível. Minha mãe estava tão empolgada em nos ter ali que se perdia entre sorrisos às vezes.

Nós iríamos descer e comer alguma coisa, mas minha mãe havia passado dias sem se alimentar e não tinha forças para descer escadas, então Lexa e eu descemos para preparar algo. E é claro que minha esposa tentou me agarrar lá em baixo, enquanto faziamos o chá. Quase perdi o tempo da água que fervia na chaleira porque ela me puxou pela cintura e me deu um beijo que levou embora todo o meu ar, e tive que forçar a concentração na água caindo nas xícaras enquanto ela beijava meu pescoço.

—Amor... vai fazer as torradas.

—Eu já terminei.  Por isso vim aqui tirar sua concentração. E acho que está funcionando, hm?

—Você acha? Idiota.

Terminamos as coisas e colocamos tudo na bandeja para levar para o sótão. Lá, as três riam de alguma coisa do livro.

—O que é engraçado? — Perguntei, colocando as coisas no criado mudo.

—Quando a Anna foi para a cirurgia e a mamãe Lex levou a senhora para sair, e a senhora não queria ir. Ela é engraçada.

Ri e deitei a cabeça no ombro de Lexa, que passou um braço por minha cintura. Eu tinha certeza de que ela estava sorrindo.

—Amai vossas esposas teimosas, certo? — Lexa disse. Abby olhou para nós e sorriu carinhosamente.

—Certíssimo, Sra. Woods-Griffin. Devo agradecer-lhe por isso. Obrigada por cuidar da minha menina.

—É uma honra, Sra. Griffin.

As duas sorriram e quebraram outra barreira. Mas não tivemos muito tempo para aquilo. Anna e Ashanti começaram a se agitar porque queriam comer, e então nós sentamos na cama e tomamos nosso chá com torradas.

Eu me sentia livre. Livre de todos os meus fantasmas, e todos os meus demônios. Eu realmente teria que agradecer minha esposa e minhas filhas por terem me feito viajar até ali para me libertar, mas depois. Naquele momento, eu só iria aproveitar minha família. E minha liberdade.



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