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História 20 anos depois - A salvação da Escola Mundial - Bônus 4 - Ciriquina


Escrita por: Believe8

Notas do Autor


Preparem os lencinhos, porque a bad vem de um jeito que não vai haver sobreviventes.

Capítulo 30 - Bônus 4 - Ciriquina


Era irônico que logo ela não pudesse ter ido ao baile de formatura. Carma era uma bosta, e tinha certeza de que o seu era terrível. Porque não havia outro motivo para ela cair da escada na noite antes do baile e quebrar a perna.

Claro, podia ir ao baile com o gesso, mas estava sentindo muita dor na perna e não iria aproveitar nada. Melhor ficar em casa, numa boa, do que ir e ficar amarrada na mesa, sem se divertir.

“Maria Joaquina?” Joana entrou no seu quarto sorrindo para ela.

“O que foi, Joana? Tem algum motivo para esse sorriso?” Resmungou a garota, trocando os canais da TV.

“Tem uma visita para você, e acho que você vai gostar.” Contou a mulher, sorrindo ainda mais. “Posso mandar ele subir?”

“Pode, né.” Maria deu de ombros, se ajeitando melhor na cama. Qual não foi sua surpresa ao ver Cirilo passar pela porta logo depois, de smoking e com um embrulho nas mãos. “Crilo?”

“Oi, Maria Joaquina.”

“O que você faz aqui?” Ela perguntou com a voz mais doce, vendo ele sentar na beira da cama.

“Nós todos sentimos sua falta no baile, mas seus pais explicaram que você estava com dor.”

“Eu ainda não acredito que meus pais foram ao meu baile, e eu não.” Ela reclamou, chateada. “Perdi todos os momentos que sempre sonhei.”

“Bom, nem todos.” Cirilo sorriu para ela, se levantando e indo até o armário. “É o seu vestido?”

“É sim, foi feito sob medida para mim e eu não vou usar.”

“Nada disso.” Ele caminhou até a porta. “Joana, ajuda a Majo a se trocar, por favor.”

“O quê? Cirilo, o que você está fazendo? Eu não vou ao baile.” Maria Joaquina o repreendeu, brava.

“Eu sei, Majo. Só troca de roupa, ok? Eu já volto.” Ele saiu, enquanto Joana entrava sorrindo.

“Joana, eu estou ordenando que você me diga o que ele está aprontando.” Ralhou a patricinha, recebendo uma risada em troca.

“Você já deixou essa marra de lado há anos, Maria Joaquina, nem vem.”

“O lado chato de ser uma boa pessoa.” Suspirou a garota, começando a trocar de roupa.

Logo estava pronta, com uma sapatilha prateada no pé bom. Joana chamou Cirilo, que entrou e pegou novamente a caixinha, entregando para ela. Dentro, havia um arranjo de pulso, como dos filmes americanos.

“É lindo, Cirilo.” Ela suspirou, sorrindo. “Você coloca?”

“Claro.” Ele colocou o arranjo no pulso dela e sorriram. “Posso te carregar?”

“Eu não vou conseguir andar de todo o jeito.” Majo deu de ombros, enquanto ele a pegava nos braços com facilidade. “Quando você ficou tão forte assim?”

“Eu não sou mais aquele menino baixinho e inocente há muito tempo, Maria Joaquina.” Ele disse sério, caminhando com ela pelas escadas. “Pronta para a sua surpresa?”

“Que surpresa?” Ela perguntou, enquanto saiam para os jardins dos fundos. “Ah, Cirilo.”

“Foi meio de improviso, mas acho que ficou bom.” Ele parou com ela, observando as luzes espalhadas pelo local. “Os meninos me ajudaram a trazer algumas coisas do baile, mas já voltaram para lá.”

“Você trouxe o baile até mim?”

“Pelo menos uma parte importante.” Ele avisou, vendo-a franzir o cenho. “A valsa, Maria Joaquina.”

“Vai me tirar para dançar, desse jeito?” A garota perguntou aos risos.

“Se você quiser, eu rodopio com você no meu colo.” Ele ofereceu mas ela negou.

“Acho que eu aguento ficar de pé alguns minutos, se você me apoiar.”

Cirilo fez sinal para Joana, que ligou o aparelho de som. Ao invés de uma valsa, começou a tocar “Fico Assim Sem Você” e os dois sorriram. Ele a colocou no chão e a apoiou, já que ela tinha que se manter sob um pé só.

“Eu estou parecendo uma bailarina, no chão com um só pé e rodopiando no lugar.” Maria Joaquina observou, fazendo Cirilo rir.

“Você é mais bonita do que qualquer bailarina.” Ele garantiu, vendo-a corar. “Espero que tenha gostado do seu mini-baile.”

“Tenho certeza que está sendo mais especial do que o baile grande, e o melhor é que é só nosso.” Ela sorriu, recebendo um beijo na ponta do nariz. “Errou.”

“Não errei, mirei certo. Queria ver o que você diria.” Ele sorriu para ela. “Agora vamos nos separar.”

“Quem disse?”

“Qual é, Maria Joaquina, nós vamos para faculdades diferentes.”

“Mas por que isso tem que ser uma separação?”

“Você quer que fiquemos juntos?” Ele arqueou a sobrancelha e ela sorriu.

“Eu quero ser feliz com a pessoa que eu amo, Cirilo. E depois de todos esses anos, mais do que nunca, eu tenho certeza de que essa pessoa é você.” Maria Joaquina se declarou, começando a se emocionar. “Você sempre viu o meu melhor, mesmo quando eu insistia em te jogar o que eu tinha de pior. Um coração como o seu, só existe um no mundo. E que sorte a minha que ele pertence a mim.”

“Eu te amo, Maria Joaquina.” Ele declarou uma vez mais, se aproximando mais dela.

“Eu sei, Cirilo. E posso dizer, afinal, que eu também.” Ela sussurrou, antes de se beijarem.

~*~

Existem dias que ficam marcados para sempre na memória, e aquele era um deles. Quando chegou ao médico, naquela manhã, estava assustada, tendo certeza absoluta que estava grávida aos 19 anos.

Agora, a notícia era bem pior.

Ela e Cirilo começaram a se envolver intimamente com poucos meses de namoro, após praticamente dez anos de enrolação para ficar juntos. Eram cuidadosos, mas quando você começa a ter relações, qualquer atraso é preocupante. Sua menstruação sempre foi desregulada, mas com mais de dois meses de atraso, os dois acharam prudente procurar um médico. E agora, em 10 de janeiro, estavam ali.

Ele a acompanhou, pronto para apoiá-la no que descobrissem. Só não imaginava que seria algo tão chocante.

“Um dos seus ovários está adoecendo, Maria Joaquina.” Explicou o médico, após ter pedido um ultrassom às pressas quando o exame de sangue deu negativo para gravidez. “Você tem ovários policísticos.”

“Mas várias amigas minhas tem isso.” Lembrou a garota, preocupada.

“Sim, mas o seu caso é um com agravamento.” O médico pegou a imagem do ultrassom, mostrando para ela. “Está vendo isso? São os cistos. Nesse, eles estão em um número razoavelmente baixo, mas aqui, no outro...”

“Caraca, tem muitos.” Cirilo observou, chocado.

“Sim, nós vamos ter que dar início imediato a um tratamento, Maria Joaquina. Não é fácil, envolve muitas injeções, remédios, hormônios. Mas, se não conseguirmos melhorar esse quadro, teremos que retirar o ovário.”

“Como?” O casal perguntou junto, surpreso.

“Como vocês sabe, tudo dentro do corpo humano está ligado.” O médico sorriu compreensivo. “Se tem algo doente por dentro, essa doença pode ir se espalhando.”

“Mas isso é câncer.”

“Cirilo, eu não quero usar esse termo, mas é o melhor que eu encontro: caso não revertamos o quadro da Maria, o ovário dela vai apodrecer. E logo, vai apodrecer o útero e o outro ovário também.” O homem assumiu um ar sério. “E então, o que vai ser?”

~*~

Realmente não foi um tratamento fácil. As injeções de hormônio e remédios mexeram muito com Maria Joaquina, física e psicologicamente. Ela começou a engordar, ficou mais irritadiça e bem mais emotiva, ficou suscetível até a mais simples das gripes.

Cirilo a acompanhou de forma fiel durante todo o processo, que esconderam de quase todos os amigos, exceto Davi e Valéria. Com o apoio deles, superaram todas as crises e ansiedades, e agora, aos 21 anos, Maria Joaquina estava se formando estilista e finalmente terminando seu tratamento.

“Onde nós estamos, Cirilo?” Ela estava vendada e ele a guiava por um lugar desconhecido. “Você sabe que eu não gosto muito de surpresas.”

“Sei, Maria Joaquina, mas dessa você vai gostar.” Ele garantiu, animado. Ela ouviu o barulho de chaves e uma porta sendo aberta. “Vem, entra.”

“Entra onde, criatura? Eu não estou vendo nada.” Os dois riram, enquanto ele a puxava e parava de novo. Ouviu a porta se fechando e ficou ansiosa. “Posso olhar?”

“Pode.”

Ela tirou a venda dos olhos e se viu no centro de uma sala vazia. Observou o lugar, que era muito bonito, com algumas portas e uma escada.

“Onde estamos?”

“No nosso apartamento.” Ele sorriu e ela arregalou os olhos.

“Como?” Ela perguntou com a voz estrangulada.

“Nossos pais nos deram esse lugar de presente.” Ele indicou o duplex, sorrindo. “Eles chamaram de nosso presente de formatura da faculdade. Assinei os papéis ontem.”

“E ninguém me contou nada?” Gritou ela, animada.

“Eles queriam que fosse uma surpresa. A decoração está toda a seu encargo, pode fazer o que quiser. Mas peço que faça logo, para nos mudarmos depressa.” Ele falava rápido, tamanha a sua agitação.

“Nós vamos poder morar juntos sem casar?” Ele concordou, sorrindo. “Nossos pais são loucos.”

“Não, eles só sabem que nós nos amamos muito.” Cirilo segurou a mão dela, dando um beijo carinhoso.

~*~

20 de junho era outro dia que ela nunca esqueceria, jamais. Em março o tratamento se encerrou e, após mais uma bateria de exames, o médico constatou que o quadro não havia regredido. Não piorara, mas também não apresentou melhoras.

A ideia então era a cirurgia, mas ele explicou que havia o risco de ela não engravidar, considerando que o outro ovário não estava em boas condições também. Sugeriu, após conversar com Miguel, que Maria Joaquina tentasse engravidar antes da cirurgia, aproveitando que o tratamento de hormônios era recente e poderia facilitar o processo.

Ela e Cirilo conversaram muito, entre eles, com seus pais e com o casal de melhores amigos. Concluíram que conseguiriam lidar com a situação de ter um filho, agora que já eram os dois formados e moravam juntos. E, realmente, como o médico disse, não foi difícil.

No início de junho ela recebeu o resultado positivo que temia alguns anos antes, mas que agora era maravilhoso de ler. Ela e Cirilo mal se continham de animação, e logo na primeira semana já tinham a casa recheada de sacolas e coisas de bebê, mesmo que não tivessem contado para quase ninguém além da família.

Porém, naquela manhã, a alegria se esvaiu. Maria Joaquina acordou chorando de dor, sem conseguir sequer se mexer, e com a cama empapada de sangue. Correram para o hospital, mas já não havia mais o que fazer. Fizeram a curetagem e lhe deram alta, lhe desejando melhoras.

Mas ela suspeitava que nunca mais fosse ficar bem de verdade.

~*~

Tentaram seguir com a vida da melhor forma possível depois disso. Ela começou os trabalhos com sua marca de roupa, ele se dedicou a empresa da família, os dois aproveitavam os primeiros momentos de vida a dois.

Ela sofreu outro aborto, menos indolor que o primeiro porque nem chegou a descobrir que estava grávida. Apenas acordou um dia com dor e sangrando e percebeu que havia acontecido de novo, mas acabou que não se abalou pelo acontecido.

Continuava em um tratamento de hormônios e injeções, mas mais leve. Havia emagrecido novamente, começou a fazer yoga e pilates, viajavam com frequência. O convívio com os amigos ajudava muito e, quando Alicia descobriu estar grávida, deu tudo o que havia comprado na primeira gravidez para ela, mesmo sem revelar qual era a real origem daquilo.

Algum tempo depois que Lucas nasceu, ela descobriu estar grávida de novo. Foram bem mais contidos dessa vez, contaram novamente apenas para os pais, Valéria e Davi, mesmo sabendo que os amigos estavam passando por uma fase complicada no relacionamento.

Com 10 semanas, fizeram um ultrassom e viram que estava tudo bem com o bebê, ficando bem mais aliviados. Naquele momento, se permitiram relaxar e começar a fazer planos.

~*~

8 de agosto se tornou um dia marcante também, por motivos bons e ruins. Saíram jantar, comemorando que naquela manhã Maria Joaquina havia percebido uma leve elevação em sua barriga diante do espelho.

Após comerem, foram passear em um jardim próximo ao restaurante, que geralmente ficava fechado à noite, mas que Cirilo havia conseguido que fosse aberto especialmente para eles.

O lugar era iluminado por algumas luzes de calçada e os dois sentaram em um banco, se abraçando e observando tudo ao redor com um sorriso.

“Eu acho que é uma menina.” Contou Cirilo, todo bobo.

“Hum, eu sempre quis uma menina. Mas não sei porque, eu tenho certeza que é menino.”

“É que você está muito envolvida com o Lucas, e agora que a Carmen está grávida, com o Leo. Acho que você se apaixonou por meninos.” O rapaz acariciou o rosto dela, lhe dando um selinho. “Majo, eu tenho uma coisa para você.”

“O que, Cirilo?” Ele colocou uma caixinha no colo dela, fazendo prender a respiração. “Isso é sério?”

“Eu pensei em fazer algo grandioso para você, mas cheguei à conclusão que não precisava. Eu acho que isso aqui é bem melhor: cercado do que há de mais belo na natureza, banhados pela luz da lua, só nós dois e o nosso filho.” Ele contou, emocionado. “Maria Joaquina Medsen, você aceita se casar comigo?”

“Aceito. Sim, um milhão de vezes sim.” Ela sorriu, o puxando para um beijo longo e apaixonado. “Mas só depois que o nosso filho já estiver grandinho, ouviu? Não quero ficar que nem a Alicia, um balão.”

“Eu acho que você seria a noiva-balão mais linda do mundo, mas concordo.” Ele riu, colocando o anel nela e a beijando novamente.

Foram dormir com um sorriso gigante no rosto, abraçadinhos com a barriga dela. Porém, no meio da madrugada, ela acordou com cólicas muito fortes. Começou a chorar, temendo o que poderia acontecer, e acordou Cirilo, desesperada.

Ela passou dois dias internada e os médicos fizeram todo o possível, mas não houve jeito. Segundo Miguel, o bebê já estava morto quando chegou ao hospital, mas ninguém quis aceitar.

~*~

Ela ficou ainda pior do que na primeira vez. Passou um bom tempo de cama, recebendo o apoio da mãe, da sogra e de Valéria, já que se recusava a contar o que estava acontecendo para os amigos. Ela usava como justificativa que eles já tinham muitas preocupações com a própria vida.

Cirilo fez seu melhor, afinal, ele também estava sofrendo a perda daquela criança que ele aprendeu a amar. Esqueceram completamente do noivado e não falaram com ninguém, mesmo que todos vissem a aliança de Majo.

Algumas semanas depois, cansado de ver todo aquele sofrimento, o rapaz tentou falar com ela sobre o casamento.

“Majo, eu estava pensando em marcarmos a data.” Ele disse casualmente enquanto estavam se aprontando para dormir.

“Nós não vamos marcar a data.” Ela disse simplesmente.

“Como?” Cirilo guinchou, surpreso. Ela sentou na cama, o encarando.

“Nós não vamos marcar a data enquanto não tivermos um filho, Cirilo. Essa doença é meu carma, meu castigo por tudo de ruim que eu já fiz. Todo mundo sempre me dizia que eu era linda por fora e podre por dentro, e isso se tornou realidade. Mas você... Eu não menti quando disse que só havia um de você no mundo, alguém bom e puro como você. E você merece toda a felicidade do mundo, meu amor, com uma família feliz e filhos.” Ela explicou, começando a chorar.

“Eu não me importo com isso, Maria Joaquina. Eu te amo e eu quero você, só você.” Ele se sentou ao lado dela, aflito.

“Mas é essa a minha decisão, Cirilo... Eu e você só vamos nos casar depois que tivermos um filho.” Ela tirou a aliança e colocou na mão dele, se deitando e jogando a coberta por cima da cabeça, deixando-o sem reação.

~*~

“Val, ela é linda.” Suspirou Maria Joaquina, segurando Sara. “Parece muito com você.”

“Graças a Deus, né? Eu não sei se ia aguentar se ela fosse a cara do Davi.” A amiga estava deitada na cama, exausta após o parto. “Ele não deu notícias?”

“Ele mandou isso.” Cirilo entregou um ursinho de pelúcia e Valéria bufou, começando a chorar. “Isso está sendo difícil para ele também, Val.”

“Difícil, sei.” Ela resmungou, encarando a filha e suspirando. “Eu tenho um convite para vocês.”

“O quê?” Perguntou Majo, curiosa.

“Eu queria que vocês fossem os padrinhos da Sara.” Ela deu um sorrisinho pequeno, um dos únicos do dia.

“Vai ser um prazer, Val.” Cirilo beijou a testa dela, sorrindo.

“Vai mesmo. E eu vou ser a melhor madrinha do mundo, ouviu princesa?” Majo beijou a cabecinha da criança, sorrindo para Valéria. “Esse é o melhor presente que você poderia nos dar, Val.”

“E eu quero ser a madrinha do primeiro de vocês, entendido?” Maria Joaquina sorriu triste ao ouvir aquilo.

“Você vai ser.” Prometeu Cirilo.

“Eu acho que vocês são otimistas demais.” Foi só o que a estilista disse.

Mais tarde, sozinhos no apartamento, os dois discutiam pela primeira vez em anos.

“Eu já avisei que eu não vou me casar com você até termos um filho, Cirilo.” Ela gritou, nervosa.

“E eu já falei que não ligo para isso, Maria Joaquina.” Ele gritou de volta, irritado. “Até porque, para se ter um filho, é preciso tentar fazer um.”

“Ah, você está me culpando por não termos um filho?”

“Não, Maria Joaquina, que merda.” Ele agarrou os cabelos, frustrado. “A gente não transa há meses, desde que eu propus tentarmos de novo. Já fazem dois anos que nós perdemos nosso bebê, seu médico está cada vez mais impaciente...”

“Mas eu tenho medo, Cirilo.” Ela gritou, o assustando. “Eu tenho medo.”

“Medo do que, Maria Joaquina?” Ele perguntou, cansado.

“De acontecer de novo.” Ela sussurrou, sentando no sofá e começando a chorar. “Eu não sei se aguento amar tanto alguém e sentir essa pessoa sendo arrancada de mim de novo. Nós perdemos nosso bebê, mas quem teve ele arrancando das entranhas fui. Eu podia sentir ele dentro da minha barriga, e de repente eu não podia mais, ele não existia mais. E eu não sei se aguento passar por isso de novo.”

“Então faz a cirurgia, Majo, e quando estivermos casados nós tentamos de novo.” Ele disse com suavidade, mas ela negou.

“Eu não mudei de ideia, Cirilo, eu não vou me casar com você sem te dar um filho.” Ela foi firme.

“E você quer o que, Maria Joaquina? Terminar?”

“É o que eu deveria fazer. Te deixar livre para encontrar alguém que te ame e que possa te dar tudo o que você merece. Mas eu sou egoísta demais para isso, te amo demais para isso.” Ela confessou, chorosa.

Ficaram ali um tempo, em silêncio, sem se olhar na cara, ouvindo um a respiração do outro. Por fim, ele suspirou, a encarando e segurando sua mão.

“Uma última tentativa, Maria. Se dessa vez não der certo, eu faço o que você quiser.”

~*~

Foram alguns meses até ela engravidar, e isso aconteceu logo depois que Alicia teve a filha caçula. Assim que o exame deu positivo, criaram um plano de ação. Ela tirou férias do trabalho e entrou em repouso absoluto, mudaram a alimentação drasticamente para apenas coisas que fariam bem a uma grávida e eliminaram todo o estresse de sua rotina.

Ela passou a fazer exercícios de yoga recomendados especialmente para grávidas e acupuntura, que ouviu que fazia muito bem.

Novamente passaram bem pelo ultrassom de dez semanas e se permitiram ficar otimistas, mas não se envolver. Esperariam chegar a 12ª semana para começar a se envolver, eles diziam, mesmo que seus corações já estivessem envolvidos no amor por aquela criança.

Ela completou o primeiro trimestre em 18 de novembro, e no dia 19 passou mal no meio da consulta. Novamente a internaram e conseguiram segurar as pontas por uma semana, mas no dia 24 o feto foi declarado morto.

~*~

“Eu falei com o doutor Ricardo hoje.” Avisou Maria Joaquina vários meses depois. “Nós marcamos a cirurgia para daqui seis meses.”

“Tudo bem.” Concordou Cirilo, sem tirar os olhos do que fazia.

A relação estava estremecida, bastante. Nunca haviam conseguido voltar as boas depois do quarto aborto, chegando a passar até algum tempo morando separados na casa dos pais. Mas a saudade acabou sendo maior e, apesar de parecerem dois estranhos, estar na mesma casa já os tranquilizava.

“Eu quero falar sobre a gente, Cirilo.”

Ele suspirou, tirando os óculos e se levantando. Caminhou até o sofá, onde ela estava, e sentou ao lado dela. Se encararam em silêncio por um tempo, até ela colocar uma caixinha no colo dele. A aliança de noivado.

“Você está terminando comigo?” Perguntou ele, tentando segurar o choro.

“Não, eu sou egoísta demais para isso.” Ela riu sem humor. “Mas nós não vamos nos casar.”

“Como?” Ele perguntou, jurando não ter escutado direito.

“Eu não aguento ficar sem você, mas também não posso te prender, Cirilo. Você é livre para ir quando quiser, se aparecer alguém que possa te fazer feliz. Eu não vou te impedir.” Ela disse baixinho e ele a abraçou apertado.

“Você sabe que é a única pessoa que pode me fazer feliz, Maria Joaquina. Eu te amo há quase vinte anos e vou te amar pelo resto da minha vida, não importa o que aconteça.” Ele sussurrou, e a sentiu chorando em seu ombro.

~*~

Aquele deveria ser o último exame de rotina antes da cirurgia. Era um ultrassom comum apenas para conferir uma última vez como estava o ovário, mas acabou se tornando uma grande surpresa.

Porque Maria Joaquina estava grávida de novo.

O médico perguntou se ela queria interromper e fazer a cirurgia, mas ela não conseguia. Por tudo o que havia passado, interromper uma gravidez por livre e espontânea vontade estava totalmente fora do acordo.

Quando contou para Cirilo, ele se surpreendeu tanto quanto ela. Não estavam mais tentando, apenas fazendo amor de forma esporádica e espontânea, como antes de toda aquela loucura.

A cirurgia foi adiada indeterminadamente e tentaram não fazer a vida girar em torno da gravidez. Maria continuou no trabalho normalmente, não conversavam muito sobre o assunto, tentaram não mudar a rotina.

Passaram o ultrassom das 10 semanas, completaram a 12ª e de repente estavam para chegar na 15ª. Começaram a cogitar que, daquela vez, as coisas fossem dar certo. A barriga de Maria Joaquina começou a aparecer e ela sentia movimentos suaves ali dentro.

Fizeram um exame de sangue e descobriram que o bebê era um menino. Começaram a discutir nomes e compraram algumas roupinhas. Fizeram mais um ultrassom e viram que estava tudo bem. Resolveram que o menino se chamaria João, um nome bíblico forte, apropriado para a ocasião.

Mantiveram em segredo para eles, ainda temendo se frustrar. Maria se afastou do trabalho e passou a coordenar tudo de casa, com a ajuda de uma funcionária de confiança. Cirilo e o pai começaram a fazer um berço em segredo, e o casal conversava com o bebê toda a noite antes de dormir.

Parecia que, afinal, a felicidade estava ali.

~*~

No começo de maio, Majo acordou durante a noite assustada. Sentia pontadas fortes na barriga, mas aos cinco meses de gravidez não acreditava poder se tratar de um aborto. Olhou o lençol e viu que estava seco, mas não quis arriscar.

Acordou Cirilo e correram para o hospital. Lá ela foi examinada e viram que ela estava entrando em trabalho de parto prematuro. Antes que pudessem medicar para diminuir as contrações, ela gritou que estava sentindo algo escorrer nas pernas.

Não era o líquido amniótico, a bolsa não havia rompido. Porém, o bebê estava começando a sair. Fizeram tudo às pressas, empurrando o bebê de volta e fazendo uma cerclagem. Internaram Maria Joaquina e decretaram repouso e observação por tempo indeterminado.

Cirilo se afastou do trabalho e passou a ficar no quarto do hospital dia e noite, com os pais dela e dele se revezando em acompanhá-los. Ministraram drogas inibidoras de parto e torceram para dar certo.

Na manhã do dia 13 de maio, Majo acordou passando muito mal. Os médicos a examinaram e fizeram um ultrassom, engolindo em seco. Chamaram o médico dela e Miguel, e os dois praguejaram alto.

“Ela está com uma infecção grave dentro do útero.” Explicou o pai para Cirilo, Clara, José e Paulo. “Quando foram impedir o parto, empurraram o bebê de volta. E com ele, tudo o que havia aqui fora, principalmente bactérias.”

“E agora, Miguel?” Perguntou Cirilo, desesperado.

“Eu não sei, Cirilo. Agora só nos resta pedir a Deus que tudo certo.” Foi só o que o sofro pôde dizer, sofrendo tanto quanto o rapaz.

“Você vai acompanhar, Miguel?” Perguntou José.

“Eu não posso ficar na sala por ser parente dela, mas posso ficar na galeria e por perto.” Explicou o homem, sério. “Qualquer coisa, eu aviso.”

Doutor Ricardo havia explicado tudo aquilo para Maria Joaquina já a caminho da sala de cirurgia, todos apressados. Ele avisou que ela seria sedada e prometeu que faria tudo o que estivesse ao seu alcance para salvar João.

“Eu te amo, anjinho.” Ela sussurrou acariciando a pequena barriga, enquanto era passada para a mesa de cirurgia. “Vai ficar tudo bem.”

Quando Miguel chegou na galeria o anestesista tinha acabado de entubar Maria Joaquina e a enfermeira terminava de esterilizar o local da incisão. Já havia panos para todos os lados e o médico estava colocando as vestimentas.

Miguel juntou as mãos em frente ao rosto e rezou, rezou como nunca havia rezado na vida.

~*~

Na capela do hospital, Cirilo estava sentado sozinho. Os pais e a sogra estavam na sala de espera, ao alcance de Miguel, mas ele queria estar próximo de Deus naquele momento, para se sentindo junto dele, se sentir junto da mulher e do filho naquele momento delicado e importante.

Não viu o tempo passar e nem calculou quanto rezou. Só sentiu uma mão em seu ombro depois de um bom tempo e se virou, encontrando Miguel.

“Cirilo, eu... Eu sinto muito.” O homem mais velho disse, os olhos cheios de lágrimas. “Ele era muito pequeno, não tinha pulmões formados e, mesmo com todo o esforço da equipe médica em reanimá-lo, ele não resistiu.”

O rapaz nada disse, apenas enterrou o rosto nas mãos e começou a chorar com força, sendo abraçado pelo sogro. Sentia a pior dor que jamais poderia imaginar, e só o que pensava era no que Maria sentiria ao descobrir.

“E a Majo?” Ele perguntou depois de um bom tempo, quando conseguiu controlar o choro.

“Ainda não saiu da cirurgia.” Cirilo ficou surpreso. “A infecção foi bem séria, Cirilo, pegou boa parte do útero. Eles vão ter que remover tudo.”

“Como?” O rapaz ergueu a voz, surpreso.

“Ela ia perder o ovário em breve e passar por um longo processo para tratar a infecção, que mesmo assim talvez não melhorasse. A Maria já passou demais, não merece passar por outra cirurgia dessas.” Miguel chorou baixinho, cansado. “Eles estão fazendo uma histerectomia.”

~*~

Ela não precisou que ninguém lhe contasse. Ela soube, no momento em que abriu os olhos, que seu anjinho tinha voltado para o céu. Do contrário, Cirilo não estaria ali, mas sim na UTI neonatal, plantado ao lado da criança como um cão de guarda.

Ficou mais três dias sedada, de tanto que chorava quando despertava. Demorou uma semana para descobrir que tinha perdido o útero graças a infecção, e entrou em um buraco escuro, no qual sua única luz eram os braços de Cirilo e o sorriso de Sara.

Se resignou de que não teria filhos e se entregou de corpo e alma para a afilhada. Não contou para ninguém o que havia acontecido e nem quis visitar o local onde enterraram João. Reafirmou para Cirilo sua decisão de não se casarem e ele respeitou isso, por hora. Sabia que as feridas ainda eram muito recentes para tentar discutir.

Todas as noites, pelos seis meses seguintes, ela chorou até dormir. Por um ínfimo segundo, soube como seria ser mãe. Sentiu uma suave movimentação, mas nunca o bebê mexer. Não enjoou e nem teve desejos estranhos, e nunca soube como seria a carinha dele.

Teve tudo e perdeu tudo, de uma hora para a outra. Quando ligaram avisando da morte da diretora Olívia, sequer conseguiu se sensibilizar, tão destruída que estava pelos próprios demônios.

“Eu não quero ir, Cirilo.” Ela estava na cama, resmungando. A verdade era que, além do trabalho, ela não saia de casa para muita coisa. Nem para Sara, que geralmente vinha ficar com eles.

“Vamos, minha linda, vai te fazer bem.”

“O quê? Ver meus amigos com seus filhos e famílias?” Ela sentiu os olhos cheios de lágrimas.

“Estar com pessoas que te amam.” Ele beijou a mão dela com carinho. “Você sabe que eu acho que você devia contar para eles tudo o que aconteceu. Eles podem nos ajudar.”

“Como? Doando os filhos ou o útero?”

“Maria, não faça isso.” Ele afundou o rosto nas mãos, cansado. “Não deixa o que já ficou no passado destruir nosso futuro.”

“Desculpa, Cirilo, mas isso não é passado para mim. Eu tenho que encarar isso todo dia.” Ela mostrou a cicatriz em sua barriga, chorando. “Isso nunca vai ir embora.”

“Não, não vai. Mas cabe a você decidir se isso vai ser uma sombra que vai te acompanhar, ou um elefante nas suas costas.” Ele disse simplesmente, se levantando e saindo do quarto, deixando ela sozinha com seus pensamentos.


Notas Finais


Gostaria de dizer que isso não foi uma mera invenção da minha cabeça. Eu conheço várias pessoas passando por essa situação, inclusive essa do parto prematuro. Não foi nada criado de forma aleatória, ok?
E bom, esse é o bônus Ciriquina. Guardem as datas, elas vão ser importantes. Eu to muito na bad depois de escrever tudo isso, chorei pacas, e por isso o capítulo ficou relativamente pequeno, com poucas falas e mais descrições. Eu reli o Marilina e senti que ficou pesado, e esse ficaria mais pesado ainda, então dei uma enxugada.
Espero que gostem!
Um beijo e até o bônus Daléria!


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