Nagisa
O Aoi se atrapalha com a chave, não conseguindo acertar a fechadura de jeito nenhum, está faltando pouco para eu arrancar a chave da mão dele.
- Quer ajuda? – Pergunto irritado, estou assim nos últimos tempos.
- Não... – Ele responde, acho que não notou o meu tom de voz. – Consegui...
Ele abre a porta e dá a volta por mim, indo para trás da minha cadeira. Meu primo começa a me empurrar, tenho certeza que ele deve estar andando igual uma formiga.
- Mais rápido! – Exclamo, batendo minha mão no apoio da cadeira, até parece que ele não quer entrar.
- Você está muito estressado, sabia? – Ele interroga, sem alterar seu tom de voz. – Fica calmo, nós já estamos na porta!
- É, mas, desse jeito, não vamos entrar nunca! – Retruco, tentando me controlar, estou com vontade de socar alguma coisa. Me sinto um pouco mal quando penso em bater no Aoi, ele só está me ajudando. – Desculpe... Estou sendo um chato...
- Não se preocupa com isso. – Ele me tranquiliza, consigo visualizá-lo sorrindo. – Meus irmãos também ficam muito chatos quando estão doentes, então já estou acostumado.
- Mas eles são seus irmãos... Eles podem fazer isso... – Argumento, afinal, como irmão mais velho, é a responsabilidade dele cuidar dos outros.
- E você é meu primo. Quase a mesma coisa. – O Aoi afirma, arrancando um pequeno sorriso meu, o máximo que consigo dar desde que acordei. – E eu entendo sua pressa, está ansioso para voltar para casa. Hospitais são horríveis.
- Não é bem por isso... – Nego, inclinando a cabeça para o lado. – Estou ansioso para ver o Karma, estou com muitas saudades dele.
Ele não diz nada, não faz nenhum tipo de comentário ou piadinha, o que eu acho estranho.
- Eu não entendo porque ele não foi me visitar. – Completo, tocando, pela primeira vez, nesse assunto. Não falei antes porque não queria que o Aoi e o Hibiki se sentissem menosprezados, mas eles não são o Karma. Não são o homem que eu amo. – Você sabe? É tão estranho ele não ter aparecido nenhuma vez...
- E-Ele apareceu. – Ele conta, viro minha cabeça ao máximo, porém não obtenho sucesso em enxergá-lo. – Mas você estava d-dormindo.
- Sério?! Mas ele só foi uma vez?! – Exclamo, se o Karma só tiver ido uma vez, eu vou arrancar a pele dele.
-N-Não, f-foram várias. – Meu primo me corrige, agora eu quero matar o destino.
- Como foi possível eu estar dormindo todas as vezes?! Ele ia de madrugada pro hospital?! – Questiono, me exaltando novamente, mas dessa vez eu tenho um maravilhoso motivo.
- Vamos entrar logo. – Ele diz, desviando do assunto e empurrando a cadeira de roda, nos levando para dentro. – Depois você e ele se resolvem.
Karma
- Levanta. Levanta. Levanta. – Insiste a ruiva, chutando-me na perna. – Levanta. Levanta. Levanta.
Eu não digo nada, só tento ignorar as duas fantasmas. Eu só queria saber o que eu fiz pra merecer tudo isso.
- AKIKO! – A voz grita do lado de fora, chamando pela minha irmã, que conseguiu adormecer há poucos segundos. – O NAGISA ESTÁ CHEGANDO! TEM CERTEZA QUE NÃO QUER FALAR COM ELE?!
- Sua irmã eu não sei, mas você vai levantar daí e vai ir falar com o Nagisa. – Afirma o novo espírito, que consegue ser mais irritante que a Kimi. Olho para a Aki e vejo que, mesmo com o grito da Miko, ela continua dormindo. Deve ser seguro falar.
- Eu não vou levantar daqui. – Afirmo, encarando a garota na minha frente.
- Isso mesmo Karma, fica aqui comigo. – Concorda a Kimi, me abraçando de lado, já não tenho mais forças para tirá-la de cima de mim.
- Você vai escutar ela?! – Exclama a menina, apontando para a Kimi. – Prefere a loira sem sal da Kimi do que um homão como o Nagisa?!
- Prefiro ficar com qualquer mulher do que com um homem. – Retruco, olhando para o chão, tentando controlar minha dor de cabeça.
- Escuta aqui pirralha, loira sem sal é a sua mã... – Começa a Kimi, porém interrompe a sua própria frase e não fala mais nada.
- Você não está usando o cérebro! – Exclama a ruivinha, se ajoelhando na minha frente. – O que mudou? Ele tem a mesma personalidade e a mesma aparência. É a mesma pessoa pela qual você se apaixonou!
- Claro que não. – Retruca a Kimi, mexendo no meu cabelo. – E onde fica a confiança? Como você pode voltar a confiar nele?
- Você não pode reclamar. Você também esconde muita coisa do Nagisa. – Afirma a garota, contradizendo o que a Kimi falou. Está sendo sempre assim, uma logo rebate o que a outra disse. – Ele mentiu pra você, mas você fez o mesmo! Por que não joga o orgulho de lado e vai conversar com ele?
- Vocês duas, desapareçam! – Ordeno, cansaço de ouvir as duas discutindo na minha frente. – Não quero mais assombrações me perturbando!
- EU NÃO SOU ASSOMBRAÇÃO. – As duas gritam ao mesmo tempo, daqui a pouco eu vou me tacar pela janela.
- Eu tenho nome, sabia?! – Exclama a ruiva, que ficou mais incomodada do que a Kimi por ter sido chamada de assombração. – É Tomiko.
- Então tá. – Concordo, fechando os olhos. – Tomiko e Kimi, dá para vocês duas sumirem? Ou, pelo menos, ficarem sem brigar e caladas?
Não sei se elas foram embora ou não, já que continuo de olhos fechados, mas eu não escuto mais suas vozes. Suspiro, silêncio é muito bom, porém, com barulho, eu não conseguia pensar em nada e, agora, meus pensamentos e lembranças correm soltos...
Flashback on:
- Filho, acorda.
Abro os olhos e vejo o rosto da minha mãe, ela me dá um pequeno sorriso.
- O café da manhã está pronto. – Ela conta, dando um beijo na minha bochecha. Sento, contra a minha vontade, na cama.
- Eu sonhei com o papai. – Falo, enquanto ela acorda minha irmãzinha, que começa a chorar em protesto.
- E como foi o sonho? – Mamãe pergunta, pegando a Aki no colo e tentando acalmá-la.
- Foi legal... – Murmuro, sem conseguir me lembrar direito. – Eu, você e o papai estávamos na praia...
- E a sua irmã? – Ela indaga, a ruivinha para de chorar e olha para mim, como se entendesse o que estamos conversando.
- Sei lá. Ela devia estar dormindo em algum lugar, já que essa é a única coisa que ela faz. – Respondo, fazendo minha irmã recomeçar a chorar, ainda mais alto que antes.
- Calma filha, seu irmão está só brincando. – Minha mãe diz para a Aki, sacudindo-a levemente, porém ela não se acalma. Engatinho pela cama, até chegar nas duas.
- Me dá ela. – Peço, estendendo os braços para pegar minha irmã. Minha mãe me entrega a bebezinha, minha irmãzinha. Quase que na mesma hora, a Akiko para de chorar.
- Ela gosta de você. – Afirma minha mãe, sorrindo para nós dois. Ela se senta do meu lado e faz carinho no meu cabelo, em seguida me abraça de lado. – Você é um ótimo filho e um irmão maravilhoso.
- É... Mas bem que você podia ter me dado um irmão, né? – Questiono, minha mãe começa a gargalhar. – É sério! O que eu vou fazer com uma irmãzinha?!
- Muita coisa... Por exemplo, quando ela crescer, vocês podem brincar de boneca! – Exclama a mamãe, ainda rindo.
- Eu não quero brincar de boneca! – Digo, quase me esquecendo que ainda estou segurando minha irmã.
- Quando ela crescer, vocês vão poder brincar de qualquer coisa. – Ela conta, se levantando e pegando a Akiko de volta. - Vem, vamos tomar café da manhã.
Saímos do quarto e andamos pelo corredor, até chegarmos na imensa escadaria. Mamãe passa a segurar a Aki com apenas uma mão e, com a outra, ela segura uma de minhas mãos, me ajudando a descer.
Passamos pela sala e entramos na cozinha, enquanto a mãe coloca a Aki na cadeirinha, a campainha toca. Vou até a porta para abrir ela, mas paro com o grito da minha mãe.
- NÃO ABRE A PORTA. – Ela manda, entrando na sala.
- Por que? – Pergunto, com a mão na maçaneta.
- Porque eu quero abrir. – Ela responde, me guiando até a cozinha. A campainha toca novamente, seguida de uma batida na madeira da porta.
Ela tira a Akiko da cadeirinha e entrega-a para mim, deixando-me confuso.
- Você e ela vão se esconder ali. – Minha mãe conta, apontando a porta que dá para a nossa despensa. – Não faça som algum e não saia até eu mandar, entendido?
- Mãe, tá tudo bem? – Interrogo, um pouco assustado, mesmo essa não sendo a primeira vez que ela nos manda fazer isso.
- Tá sim filho. – Ela me tranquiliza, afagando meu cabelo ruivo, igual ao dela. – Só faça isso que eu te pedi... Tudo bem?
Concordo e vou para a despensa, quando estou prestes a fechar a porta, vejo minha mãe indo para a sala, com um facão na mão. Tento manter a calma, mas a verdade é que estou com muito medo.
Um tempo se passa e, de repente, a porta é aberta, me fazendo dar um pulo. A Aki também se assusta e volta a chorar, se remexendo nos meus braços.
- É para você. – Conta minha mãe, parada na entrada da despensa, sem a faca. Entrego minha irmã para ela e vou até a sala, tentando controlar meus tremores, que começaram por causa do susto.
Chego na porta e a primeira coisa que vejo é um vestido rosa choque, marca registrada de uma única pessoa. Meus olhos sobem do seu vestido para seu rosto, que está abaixado, dando-me apenas a visão do seu cabelo preto.
Ela levanta a cabeça, deixando-me preso no seu olho vermelho, mais vermelho que o meu cabelo. A mesma nem me cumprimenta, apenas entra e agarra o meu pulso, me puxando pela sala até a escada.
- CUIDADO PARA NÃO CAIREM NA ESCADA! – Alerta minha mãe, enquanto sou puxado escada acima, quase caio várias vezes.
- Vai com calma! – Peço pra ela, que continua me arrastando. Paramos embaixo da porta que dá para o sótão, que fica no teto. Ela se afasta de mim, encostando na parede oposta.
Suspiro e junto minhas mãos, para lhe dar apoio. Ela corre, para pegar velocidade, e pula, caindo sobre minhas mãos. Dou mais impulso para ela, que agarra a argola de ferro da porta.
Seu peso trás a porta para baixo, fazendo descer a escada de ferro. Ela aterrissa perfeitamente no chão, já estamos pegando o costume de fazer isso. Não espero-a e subo, entrando no sótão.
- K-Karma. – Sua voz treme ao falar meu nome, ela está zanzando de um lado ao outro, desviando de tudo que tem aqui em cima.
- Que foi Iza? – Indago, me sentando em um sofá velho que tem aqui. Ela se aproxima de mim e se ajoelha na minha frente, sobre o tapete que tem no chão.
- Eu quero te contar uma coisa... – Ela diz, tirando o cabelo preto da frente do seu olho esquerdo, expondo a imensa cicatriz, juntamente com seu olho vermelho desbotado. – Quer dizer... Eu quero desabafar com alguém tudo que eu descobri...
- Pode falar. – Incentivo, já curioso para saber o que é tão importante a ponto dela vir aqui em casa tão cedo.
- Vou começar pelo que eu sempre soube. – Ela avisa, ainda ajoelhada no chão, tenho que olhar para baixo para conseguir vê-la. – Eu não me chamo Izanami, meu verdadeiro nome é Ichiro. E-Eu sou um m-menino.
Analiso a menina na minha frente, quer dizer, o menino. Não dá para entender, ela não pode ser um garoto.
- Você é um menino? Igual a mim? – Questiono, tentando absorver a informação, só que não dá.
- S-Sou. – Ela gagueja, não olhando para mim. – Mas eu nunca me senti um menino... Desde bebezinha, eu nunca atendia quando me chamavam de Ichiro. Quando ia comprar roupas, eu sempre gostava dos vestidos... E-Eu sempre me senti uma menina.
Fico me perguntando há quanto tempo ele se veste e age como uma menina, porque nós só temos 4 anos.
- E-Eu já me mudei várias vezes por causa disso. – Ela relata, não vou, nunca, conseguir vê-la como um menino. – Sempre implicavam comigo... Então, quando nos mudamos para a casa em frente a sua, decidimos não contar para ninguém que eu sou um menino. Só assim eu consegui ter meu primeiro amigo, que foi você.
- Mesmo sendo um menino, você é uma das meninas mais bonitas que eu já conheci. – Conto, já que não poderia ficar calado. – É a terceira mais bonita. Minha irmã e minha mãe são mais bonitas.
- Terceira?! Sério?! – Ela exclama, com um sorriso brilhante no rosto. Concordo, o que só aumenta seu sorriso. – Você... Não se incomoda deu ser um garoto?
- Não... Eu me incomodaria se, agora, você começasse a agir e se vestir como um garoto. – Respondo, se ela fizesse isso seria muito estranho, eu não iria me acostumar.
- Eu nunca vou fazer isso. – Ela me garante, se levantando com seu vestido rosa choque imenso. A Iza ajeita a saia e se senta ao meu lado, no mesmo sofá.
- E o que mais você tem para me contar?
- Bem... É... – Ela pronuncia, sem formular uma frase. – Meus pais não são meus pais.
- Você é adotada? – Interrogo, já conheci pessoas adotadas, um exemplo é a minha mãe.
- N-Não... E é aí que entra o resto da minha história. – Conta a Iza, passando um dedo pela cicatriz do seu rosto. – E-Eu tenho um irmão gêmeo que, de acordo com o que me contaram, é igualzinho a mim, só que numa versão masculina...
Ela é um menino, os pais dela não são os pais dela e a Iza tem um irmão gêmeo. Ou meu ouvido tá muito ruim, isso é um sonho muito louco ou a minha amiga tem sérios problemas familiares... Porque isso tá muito doido.
- Já acabou né? Ou ainda tem mais coisa? – Pergunto, com bastante medo da sua resposta.
- E-Essa cicatriz, e-eu não g-ganhei ela em um a-acidente de carro. – Ela gagueja, tirando a mão da cicatriz, que passa por todo o seu rosto. – M-Meus verdadeiros p-pais que fizeram.
- De propósito?! – Exclamo, não consigo imaginar como um pai ou uma mãe possa fazer isso com a própria filha. E não é apenas uma cicatriz que a Iza tem, esse corte em seu rosto deixou-a cega de um olho.
- Eu não me lembro de nada... – Ela relata, torcendo a saia do vestido. – Ontem, eles me contaram a verdade... M-Meus pais batiam em mim por causa do meu jeito... D-Do meu jeito a-afeminado. Um dia, meus pais f-fizeram esse corte, e-e meu padrinho e minha madrinha viram... E-Eles ameaçaram denunciar meus pais, s-só não f-fariam isso se eles p-pudessem me levar com eles.
- Seus pais concordaram, não foi? – Indago, entendendo, então, quem são os falsos pais dela.
- Sim, meus padrinhos me levaram para outro estado e me criaram como filha deles... Sem nunca me contarem a verdade...
- Você quer descobrir quem são seus pais?
- Sinceramente, não. – Ela responde, muito rápido. – Eu pensei nisso a noite inteira... E cheguei a conclusão que eles não gostavam de mim. Meus padrinhos me aceitaram do jeito que eu sou e sempre foram excelentes pais, por que eu iria atrás de outros pais? Ainda mais pais que me machucavam...
- Pra mim, não importa se você é menino ou menina. – Afirmo, me virando para vê-la. – Nós sempre seremos amigos. E eu nunca vou te tratar mal.
- Você me perdoa por ter mentido? – Ela pede, em meio as lágrimas. – Eu nunca quis mentir para você, mas, quando vi, não tinha como contar a verdade... Você ouviu meus pais me chamando de Izanami e não tinha mais como desmentir...
- Espera aí... – Mando, saindo do sofá. Ando entre as tralhas do sótão, parando perto de uma caixa de bijuteria. Vasculho-a até encontrar o colar de duas partes, pego os dois e volto pro sofá. – Aqui.
Passo a parte preta com um pontinho branco sobre sua cabeça, botando o colar nela. Seus dedos vão parar no pingente, enquanto seus olhos me encaram.
- É o Yin e o Yang. – Explico, lembrando do que a mamãe me disse. – São forças opostas, mas que se completam. Tipo nós, eu e você somos diferentes, mas nos damos perfeitamente bem. Somos melhores amigos.
Coloco a minha parte, que é o meio círculo branco com a bolinha preta. Pego a minha parte e a dela, em seguida junto-as, mostrando o desenho que forma para ela.
- Eu conheço esse símbolo. – Ela afirma, segurando a sua parte. – É a luz e a sombra... O bem e o mal... O sol e a lua...
- E nenhum desses existiria sem o outro.
Flashback off:
Não posso comparar o caso da Iza com o do Nagisa... São diferentes. A Iza foi sincera, eu ouvi a verdade da boca dela e, além disso, nós éramos apenas amigos.
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