Nagisa
- Seu primo me contou o que aconteceu.
Me encolho na cama, ainda com os resquícios daquela sensação, não consegui me recuperar completamente, apesar de estar um pouco melhor.
- Ei Nagisa, fala comigo. – Ele pede, logo sinto a cama balançar, deve estar ao meu lado. – Eu estou preocupado.
- Preocupado que eu esteja enlouquecendo? – Sussurro, sem encontrar outra explicação para aquilo. - Eu sempre fui maluco.
- Estou preocupado com o seu bem-estar. – Ele responde, envolvendo minha cintura, virando-me na sua direção. – O que aconteceu?
- Não sei. – Confesso-lhe, com meus olhos se enchendo de lágrimas novamente, apenas a lembrança me é sufocante. – Eu só... Não se-sei, re-realmente não sei.
- Independente do que for, saiba que eu estou aqui. – Ele afirma, puxando-me contra si, o Karma se deita ao meu lado. – Divorciado e completamente apaixonado por você.
Dou um mínimo sorriso ao ouvir a primeira característica, os dois já devem ter assinado os papeis, o que torna o Karma somente meu.
- Por que está chorando novamente? – Ele interroga, se remexendo ao meu lado.
- Felicidade. – Digo, dessa vez as lágrimas não são de tristeza, é a mais pura alegria, mesmo que esteja difícil expressar. – Finalmente, tenho alguém na minha vida que me faça feliz.
- Dessa vez, eu vou fazer as coisas de forma certa. – Ele conta, passando a mão pelo meu cabelo, fazendo-me fechar os olhos e soltar um baixo suspiro, completamente relaxado. – Vou perguntar a sua mãe se posso namorar com você.
Dou um salto da cama, sentando-me em seguida, suas palavras me levaram do relaxamento a tensão em um piscar de olhos.
- De jeito nenhum. – Nego na mesma hora, sacudindo veemente minha cabeça. – Você e minha mãe são duas palavras que não se encaixam numa mesma frase, muito menos em um mesmo cômodo.
- Me deixe tentar.
- Ela vai descontar tudo em mim assim que você for embora. – Afirmo, tendo que forçar as palavras para saírem, ainda é estranho falar abertamente com ele sobre esse assunto.
- Eu não vou te deixar, porque você vai morar comigo, ela querendo ou não.
- Então para que falar com ela? – Suspiro, sem entender o motivo de tudo, o Karma já tomou sua decisão, independente do que minha mãe disser.
- Quero tentar estabelecer uma trégua entre você e sua mãe.
- E o que te faz pensar que conseguirá? – Interrogo, o Karma não tem noção do tipo de pessoa que é minha mãe, nem eu mesmo sei direito. Por isso prefiro não arriscar, sabe se lá o que ela fará se descobrir que estou namorando com um garoto.
- Eu não vou resolver, mas posso dar um empurrãozinho para que vocês consigam se entender. – Ele responde, dando de ombros. – Precisa admitir que você mudou nesse tempo, não é mais o garoto que sua mãe conhece, e essa mudança pode ter sido boa.
- Não importa o quanto eu mude, nunca serei quem minha mãe quer que eu seja. – Falo, com uma pitada de amargura na voz. – Ela quer que eu seja a minha irmã, e isso é algo que eu nunca poderei ser.
- Talvez você não possa ser a garota que ela tanto deseja, mas, agora, tem uma filha com a Kamiko, está dando uma neta para e...
- Minha mãe não irá chegar perto da minha filha. – Interrompo-o, essa é uma ideia fora de cogitação. – Posso ter medo dela, e não ter coragem suficiente para desafiá-la de frente, mas perto da minha filha ela não chega. Se depender de mim, ela nunca conhecerá a neta.
- Não está pegando pesado demais?
- Deixaria o pai da Kayano conhecer sua filha? – Pergunto, calando-o na mesma hora, claro que não faria essa loucura. – É a mesma coisa, nós não queremos que nossos pais abusivos conheçam nossos filhos, porque temos medo do que eles possam fazer.
Ficamos os dois encarando o teto, em um silêncio que eu não sei como definir, porém acabo por decidir acabar com isso, perguntando a primeira dúvida que me vem à mente.
- Você e a Kimi já chegaram em um acordo sobre a Tomiko?
- Sim... – Ele confirma, alongando a palavra, deixando-me na expectativa. – Vou deixar a Kimi levá-la para a França.
- O que?! – Exclamo, verdadeiramente surpreso, nunca imaginei que o Karma tomaria essa atitude. – Por que?!
- Não consegui. – Ele suspira, dizendo uma frase sem sentido. – Eu não sei como é ser pai, eu queria tentar com a Tomiko... Mas, a verdade, é que só um de nós dois pode criá-la. Eu não vou sair do Japão e ela não pode ficar, também não dá para envolver a justiça... Eu não consigo arrancar a Tomiko dela, todas as minhas ameaças foram vazias... Eu não consigo tirar um bebê da mãe.
- Mas isso significa não vê-la. – Afirmo, me pondo no lugar dele, o que não é tão difícil levando em consideração que também tenho uma filha que eu não vi por dois anos. – Seria exatamente como foi comigo e com a Kamiko, eu perdi dois anos da vida da minha filha e você pode perder muito mais!
- Não necessariamente. – Ele fala, acredito que saiba que está mentindo, o Karma deve estar tentando se enganar. – Eu tenho dinheiro, posso ir visitá-la na França de vez em quando.
- Sim, você pode. – Concordo, tornando minha voz incrivelmente fria. – Aí, você chega para visitá-la e ela te chama de Karma, enquanto chama o outro de papai.
- Eu sei, mas...
- Mas? – Pressiono, visto que parou de falar. – Você não tem um motivo.
- Estou fazendo o que acho ser o certo. – Ele afirma, porém ainda não consigo entender o Karma, ainda mais depois de tudo que a Kimi fez contra nós. – Mesmo que isso signifique abrir mão da minha filha.
Logo após suas palavras, a campainha toca, encerrando nossa discussão. Meu cérebro demora um pouco para adivinhar quem é, mas só pode ser uma única pessoa.
- É a Kamiko. – Penso em voz alta, saindo correndo da cama e me dirigindo a sala que, impressionantemente, está vazia. Destranco a porta rapidamente e abro a porta, deparando-me com ela. – Você voltou.
- Por que não voltaria? – Ela questiona de forma confusa, confesso que, depois daquela ligação, fiquei com medo dela fazer alguma loucura.
- Porque... – Começo, mas detenho-me ao focar-me em outra pessoa, em um par de olhos bicolor. – Aki?
- Oi. – A garotinha responde, com a cabeça totalmente virada na minha direção. – Quem é você?
- Eu sou... – Começo, mas a Kamiko começa a negar com a cabeça, além de movimentar a boca falando um não sem som. – Um amigo da sua mãe.
- Como o Laiden e o Yukki?
- Quem? – A rosada pergunta, olhando para a menina em seu colo.
- Laiden e Yukki mama. – Ela repete, o primeiro nome é um pouco esquisito, acho que está pronunciando-o de forma errada. – Seus amigos.
- Não tenho amigos com esses nomes.
- Claro que tem! – A pequena exclama, cruzando os bracinhos e ficando emburrada, a cena quase me faz rir, ela ficou extremamente fofa assim. – São meus papais postiços.
- De onde está tirando tudo isso? Você nunca teve pai postiço.
- Você é a pequena Aki?! – O Karma surge, do nada, ao meu lado, em seguida pega-a no colo, tirando-a dos braços da Kamiko. – Eu sou o titio Karma.
- Kalma...
- É Karma. – Ele conserta-a, aparentemente ela troca o R pelo L, é capaz daquele nome ser Raiden, e não Laiden.
- Kalma! – Ela repete, só que, dessa vez, foi para provocar. – Kalma, Kalma, Kalma!
- Está bem. – Ele fala, fazendo-a parar de provocá-lo. – Vocês ouviram a mocinha, agora meu nome é Kalma.
- Kalma é englaçado. – Ela conta rindo, se dando incrivelmente bem com o Karma, acredito que seja uma boa coisa.
- Que tal nós irmos brincar? – Ele propõe, botando um enorme sorriso no rosto dela.
- De que?!
- Podemos ver o que tem no seu quarto.
- Eu tenho um qualto?! – Ela dá um pequeno gritinho, bem ao pé do ouvido do Karma, não sei como ele continua mantendo o sorriso no rosto depois da Aki tê-lo quase o deixado surdo.
- Sim, você tem um quarto bem bonito.
- Eu quelo vê! – Ela pede, sacudindo as pernas sem parar.
- Então vamos. – Ele concorda, saindo da sala com ela, só depois noto o quão estranha foi toda a interação.
- O que acabou de dar no Karma?
- Acho que ele percebeu, diferente de você... – Ela murmura, tão baixo que mal escuto-a.
- Não percebi o que?
- Isso. – A Kamiko mostra, levantando uma sacola plástica, consigo ver parcialmente seu conteúdo, mas não identifico porque ela está balançando-a, impedindo-me de ler o que está escrito em uma caixa ali dentro. – Bem... Vamos começar.
Dito isso, ela coloca a mão dentro da sacola, tirando de lá uma caixa.
- Positivo. – Ela revela, botando-a sobre a mesa e pegando outra, do mesmo tamanho da anterior, porém diferente. – Negativo. Positivo. Positivo. Positivo.
No fim, tem cinco caixas sobre a mesa, e eu ainda não consegui conectar elas com suas palavras.
- Que?
- Positivo, negativo, positivo, positivo e positivo. – Ela repete, apontando para cada caixinha, uma de cada vez. – Esses foram os resultados.
- Resultados do q... – Paro de falar, finalmente compreendendo. – Resultado dos testes de gravidez.
- De acordo com esses resultados... – Ela começa, olhando para qualquer lugar, menos para mim. – Existe 80% de chance deu estar grávida e 20% deu não estar.
- Testes de farmácia não são confiáveis.
- Por que acha que eu fiz cinco?
- Mesmo assim, não é o suficiente. – Nego, me agarrando nesses 20%, a porcentagem é baixa, mas pode mudar se fizermos um exame direito. – Temos que ir pro hospital.
- Não, não vou para nenhum hospital.
- Dai-lhe me paciência com essas grávidas que se recusam a se cuidar... – Murmuro, tão baixo que quase não me escuto, muito menos ela. – Se estiver mesmo grávida, precisará de cuidados médicos.
- Não. – Ela rebate, nunca tinha percebido como ela e minha prima são parecidas. – Sobrevivi muito bem a gravidez da Aki sem ter ido para hospital... Só fui uma vez, quando caí das escadas.
- Como ela nasceu?! – Exclamo, pelo que a Kamiko disse, significa que nem o parto foi feito no hospital.
- Em casa.
- Como?
- É... – Ela abre a boca e a fecha, fica me encarando durante um tempo até voltar a falar. – Não sei.
- Não sabe? – Repito, sem entender como alguém esquece como teve a própria filha. – Isso é impossível.
- Foi parto normal, isso eu tenho certeza. – Ela garante, parecendo pensar profundamente. – Alguém fez o parto... Mas eu não lembro quem foi.
- Que?
- Não foram meus pais, eles eram cientistas, não médicos... – Ela pensa em voz alta, esquecendo-se de mim. – Então... Quem fez o parto?
- Realmente não lembra?
Karma
- Parece que ela gostou da outra. – Comentam atrás de mim, viro-me rapidamente e dou de cara com a Iza. – De onde elas surgiram?
- A mais nova é a minha filha, a outra é a filha do Nagisa. – Conto, supervisionando as duas meninas, a Aki parece realmente entretida fazendo a Tomiko rir com os bichinhos de pelúcia. – É bom elas se darem bem, afinal são quase irmãs e...
- E?
- Como me achou? – Pergunto, dando-me conta que não tenho a mínima ideia de como Izanami me encontrou. – Eu poderia ter sido adotado por qualquer família, estar em qualquer parte do mundo.
- Claro que não. – Ela nega, rindo como se eu tivesse dito alo engraçado. – Sabia exatamente em qual família estava, e descobrir o endereço não foi tão difícil assim, a família Kaede é muito conhecida.
- Como poderia saber? – Insisto, sem conseguir ver o que para ela parece óbvio. – Nunca mais te vi depois que minha mãe morreu, nem vi os seus pais. Era impossível você saber onde eu estava.
- Ele não... Te contou? – Ela questiona, seus olhos se arregalam quando não dou nenhuma resposta, porque não sei o que dizer. – Você não sabe.
- Não sei o que?
- Ele deveria ter te contado. – Ela afirma, sem me responder. – Quer dizer, ela que deveria ter te contado, mas como ela não contou... Ele deveria ter contado, era responsabilidade dele depois que sua mãe morreu.
- Quem tinha que ter me contado o que? – Interrogo de forma dura, esse suspense está me deixando extremamente preocupado, visto o nervosismo dela.
- Isso não vai ser fácil de ouvir... – A Iza começa, enrolando demais. – Sua mãe... Previu o que ia acontecer, e ela não poderia deixá-los desamparados... Então conseguiu arranjar um lugar para vocês ficarem, sinceramente não sei porque o processo de adoção demorou tanto se ele tinha um papel assinado por sua mãe que dava a guarda dos dois para ele, ma...
- Espera aí. – Interrompo-a, querendo me certificar que ouvi bem. – Minha mãe, sabendo que ia morrer, deu a minha guarda e a da Akiko para Kaede Noburo?!
- É, e...
- Por que diabos minha mãe faria isso?! – Estouro, quase gritando. – Ela nem o conhecia! Nunca faria isso!
- É isso que estou tentando te dizer Karma. – Ela diz, de forma curta e fria, cessando meu ataque. – Sinto muito ter que te contar dessa forma, mas... Eles se conheciam, eram amantes há anos, antes mesmo de você ou a Akiko nascerem.
Suas palavras me atingem com força, deixando-me completamente desnorteado. Sinto como se tivessem pego meu passado, o quebrado e o remontado de forma completamente errada, fazendo as peças não se encaixarem e formando um cenário grotesco.
- Repita. – Peço, com uma calma que, claramente, não possuo. – Repita.
- Sinto muito por te contar assim Karma, mas sua mãe traía seu pai.
- Não. – Nego, sem distinguir o que é mais surreal, minha mãe ter traído meu pai ou ter tido um caso justamente com ele. – Minha mãe amava meu pai, eu lembro... E-Ela ficou arrasada com a morte dele! Fi-Ficou de luto! É im-impossível!
- Nunca disse que o relacionamento de seus pais foi uma mentira. – Ela explica, mas, ao dizer que minha mãe pulou a cerca, é o mesmo que dizer que todas as minhas poucas memórias de um casal feliz e apaixonado são mentiras. – Seu pai amava demais sua mãe, e ela idem... Mas ela também o amava, amava os dois da mesma forma.
Iria seguir com essa linha de discussão, é impossível se amar duas pessoas, você ama uma delas ou não ama nenhuma, porém algo muito pior surge na minha mente.
- Antes deu e da Akiko nascermos... – Repito, absorvendo bem essa informação, ou ao menos tentando. – Minha mãe... Minha mãe sabia quem era o pai?
- Seu pai é o seu pai. – Ela garante, porém não sei se acredito mais nisso. – Sua mãe pensou que alguém te contaria antes e, caso você não acreditasse, providenciou de guardar dentro de um banco, ao qual eu sei onde fica e tenho a senha, o resultado do exame de DNA que ela fez com a Akiko quando a mesma nasceu, Akabane Akiko é mesmo filha de Akabane Chion.
- E eu?
- O que tem você?
- Minha mãe só fez exame de DNA da Akiko? – Pergunto, não recebendo nenhuma resposta da Iza, o que aumenta meu pânico. – Ela não fez um exame de DNA comigo?!
- Ela não tinha dúvidas sobre a sua paternidade, somente a da Akiko.
- E o que isso significa? – Interrogo, escorando-me na parede. – Significa que minha mãe tinha certeza que eu sou filho do meu pai ou tinha certeza que eu sou filho dele?
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.