História A base de mentiras - Marcada

Kayano

Nós comemos o bolo em silêncio, parece que ninguém sabe o que falar. Karma nem parece prestar atenção na gente, só encara fixamente o seu celular.

- Liga pra ela. – Digo, tomando a iniciativa de fazer algo acontecer. Karma desiste de vez de comer o bolo e pega o celular, ele vai ouvir o meu conselho.

- Coloca no viva-voz. – Pede a Kamiko, e é exatamente isso que o Karma faz.

- Alô? – O Nagisa pergunta, não deve ter prestado atenção direito no número.

- Nagisa... – Fala o meu irmão, mas é interrompido pelo meu melhor amigo.

- Nem pense em terminar a frase. – Avisa ele, parecendo furioso, mas ao mesmo tempo triste.

- Deixa eu explicar o que aconteceu. – Meu irmão praticamente implora, deixando o Nagisa mudo do outro lado da linha.

- Está falando com quem Nagisa? Aposto que é com o seu namoradinho. – Fala, uma voz masculina, com sarcasmo. Me aproximo mais do celular, sem entender o que essa pessoa estaria fazendo com o Nagisa.

- NÃO TE INTERESSA! SAI DAQUI! – Grita o Nagisa, assustando todos nós.

- Olha como você fala com o seu irmão. – A outra voz retruca, tanto eu quanto a Miko arregalamos os olhos, o Nagisa não tem irmão.

- NUNCA MAIS REPITA ESSA PALAVRA! SENÃO EU JURO QUE TE TACO DESSA JANELA! – Berra o Nagisa, mesmo aqui ele consegue me deixar arrepiada com a frase. O celular do Karma avisa o fim da ligação, o Nagisa deve ter desligado.

- Alguém pode me explicar o que acabou de acontecer? – O Karma se volta para mim, mas nem eu sei explicar.

- Foi uma briga entre irmãos. – Responde a Miko por mim, é de grande ajuda ela estar aqui.

- Que tipo de irmãos discutem daquele jeito? – Meu irmão pergunta, quase me fazendo cair na gargalhada. Levanto a mão esquerda e coloco a palma virada na sua direção, deixando bem visível a cicatriz que tem ali.

- O que você disse? – Pergunto, deixando minha mão bem perto do seu rosto, isso cala ele de uma vez por todas. Recolho a minha mão, botando ela sobre o meu colo e escondendo a cicatriz causada por uma briga entre mim e o Karma, que extrapolou os limites e fez ele, literalmente, enfiar uma faca atravessada na minha mão.

# Quebra de tempo #

Arranjei uma falsa desculpa para sair da sala com a Miko, precisamos conversar sobre aquela ligação. Subo com ela para a cobertura, o melhor lugar para conversar longe dos outros.

- Você ouviu a mesma coisa que eu ouvi, não é? – Pergunto pra Kamiko, enquanto ando em círculos, numa falha tentativa de montar esse quebra cabeça.

- Eu ouvi, mas o Nagisa não tem irmão. Quem será que estava falando com ele? – Ela diz em voz alta a pergunta que me atormentava, me lembrando de uma pessoa que eu tinha esquecido.

- Talvez tenha sido o primo do Nagisa. Os dois primos podem ter ido fazer uma visita, o primo ficou fazendo brincadeirinhas sem graça com o Nagisa e ele perdeu a paciência devido ao transtorno que ele tem! – Concluo, observando o quão óbvia era a resposta.

- Calma aí! Vamos com calma! Que negócio é esse de transtorno? – Ela pergunta, me lembrando de que não contei sobre isso para ela.

- Eu explico uma outra hora, temos que voltar antes que desconfiem de algo. – Digo e começo a andar, mas a Miko me puxa para o mesmo local de antes.

- Não quero contestar a sua teoria, mas não acredito muito nela. O Nagisa nunca conheceu o primo, ele nem mesmo sabe como é o primo! – Ela explica, desmanchando parte da minha teoria.

- Talvez os primos finalmente se conheceram. Se não for isso eu não tenho a mínima ideia do que pode ser. – Conto, mas uma outra ideia, bem maluca, surge na minha cabeça. – Não é possível.

- O que? – Me pergunta a Miko, balanço negativamente a cabeça.

- Esqueça, eu tinha pensado que o Nagisa podia, realmente, ter um irmão de sangue. – Conto, mas tiro essa ideia da cabeça, infelizmente a Kamiko não faz o mesmo.

- Um irmão de sangue? Mas, a mãe dele não consegue ter filhos! – Ela exclama, essa opção é mais provável de estar certa do que a que eu tinha pensado.

- Não por parte de mãe, eu tinha pensado num meio irmão por parte de pai. – Respondo, só depois me lembrando que a Miko pensa que o pai do Nagisa está morto.

- Acho que você tem muita coisa para me contar sobre o Nagisa que eu não sei. – Ela afirma, confirmo com a cabeça.

- Eu vou te contar tudo.

Nagisa

Minha cabeça está explodindo, ficar em casa é insuportável, mas me recuso a ir atrás do Karma e da Kayano. Resolvo sair de casa, nem que seja só para ficar andando pela cidade. Deixo tudo em casa, saio apenas com a minha roupa do corpo.

# Quebra de tempo #

Acabo indo até a minha praça favorita, eu e a Kay volta e meia passeamos nela. Observo as crianças correndo, pulando e brincando, enquanto seus pais conversam com os outros pais. Poucas pessoas da minha idade são vistas por aqui, com a exceção de alguns irmãos que trazem os seus irmãos mais novos. Continuo andando pela praça, até chegar na parte onde os idosos ficam. Sento na beirada do pequeno lago que tem na praça, onde se encontram vários patos, que são alimentados por esses velhinhos. Da outra margem do lago vejo várias mesas de xadrez, me levanto e vou até aquelas mesas. Enquanto me aproximo vejo um garoto sentado numa mesa de xadrez, me surpreendo em encontrar alguém com, mais ou menos, a minha idade nessa parte da praça. Sento na cadeira vaga na sua frente, ele devia estar esperando alguém aparecer para começar a jogar. Nós nos encaramos, nossos rostos denunciam nossa surpresa, mas logo a cara de surpresa do meu inimigo fica neutra.

- Sabia que, um dia, nos encontraríamos. – Diz Yusuke, um dos trigêmeos  que a Kay tanto teme, e que eu tenho vontade de matar.

- Escute bem, se vocês tentarem fazer qualquer coisa com a Kayano, igual ao que vocês tentaram fazer no passado, dessa vez eu mato vocês três. – Digo, minha voz ficando cada vez mais baixa e assustadora, até o meu humor muda radicalmente e fica completamente sombrio. Fico satisfeito ao vê-lo engolir em seco, infelizmente ele se recupera rápido, ou é isso que ele quer que eu pense.

- Do jeito que falas até parece que conseguiu protegê-la de tudo. – Ele fala, sua expressão neutra sendo substituída por uma perversa.

- Do que você está falando? – Questiono, fazendo seu sorriso se alargar.

- Você não sabe! - Ele exclama, dando gargalhadas tão altas que atrai os olhares de diversos idosos. Levanto da cadeira e me inclino sobre a mesa de xadrez, para agarrá-lo pela gola da sua blusa, cessando imediatamente as suas gargalhadas.

- O que vocês fizeram com ela? – Interrogo, sem me importar com os olhares assustados que lançam para nós dois.

- É melhor você me soltar. – Ele sussurra, deixando levemente à mostra uma faca na sua mão, que está escondida debaixo da mesa. Solto ele, com raiva de mim mesmo por não ter trazido a minha faca. – Agora, se não for jogar xadrez, se retire da mesa. – Ele pede, com uma falsa educação. Vou embora extremamente irritado, mas também preocupado com o que pode ter acontecido com a Kayano. Vou até um telefone público e ligo à cobrar pra Kay.

Kayano

Termino de contar tudo para a Miko, que escutou tudo em silêncio.

- Acho que é melhor voltarmos agora. – Falo, me virando de costas para a Miko. Mas, ela me puxa até a beirada da piscina, me empurrando para dentro dela. Só tenho tempo de largar a minha bolsa, que cai na borda da piscina. Prendo o fôlego quando caio com tudo na água gelada, me molhando por inteira. Subo até a superfície, encontrando a Kamiko rindo.

- Que ideia foi essa? – Pergunto quase gritando, a Miko se senta na borda da piscina, colocando só as suas pernas dentro da água.

- Esse é o meu jeito de te chamar para ir na piscina. – Ela responde, me lembrando de que preciso sair daqui de dentro. Sem dizer nada saio da piscina, passando correndo pela Miko, e só parando quando chego na porta que vai dar pro apartamento.

- Não estou afim de ficar na piscina, mas se você quiser eu posso ficar numa das espreguiçadeiras enquanto você nada na piscina. – Falo um pouco rápido demais, mesmo assim sei que a Miko me entendeu.

- Pode ser. – Ela responde, sacudindo suas pernas dentro da água.

- Eu já volto, vou tomar um banho e trocar de roupa, já que você me molhou por inteira. – Digo e não espero uma resposta, disparo em direção ao banheiro.

Nagisa

- Alô? – Pergunta uma voz que não é a da Kayano.

- Quem é? – Questiono, talvez eu tenha discado o número errado.

- Sou eu que devia fazer essa pergunta. – Responde a voz que, pelo que percebi, é feminina.

- Esse é o celular da Kaede Kayano?

- Você realmente não reconheceu a minha voz Nagisa? – Diz a voz, dando algumas risadas no inicio. Só então reconheço a voz, não acredito que foi a Kamiko que atendeu a ligação.

- Eu preciso falar com a Kayano. – Falo, tentando manter a minha voz neutra.

- Agora ela está tomando banho, quer deixar algum recado? – Ela me pergunta, mas eu jamais vou deixar ela dar um recado por mim.

- Onde vocês estão? – Pergunto, planejando ir até a casa da Kay se for preciso.

- Na casa do Karma. – Ela responde, bato o telefone na sua cara e começo a correr em direção ao apartamento do Karma.

Karma

Termino de comer o meu pedaço de bolo, coloco o prato na mesa e resolvo ir pro quarto. Passo pelo banheiro, estranho a luz estar acessa. Vou até lá e abro a porta, que está entreaberta. Encontro a Kay se enxugando, nua e com as costas viradas para mim. Ela se vira rapidamente e dá um grito, enquanto enrola seu corpo com a toalha.

- Nós não somos mais crianças! Você não pode entrar no banheiro assim! – Ela exclama, com seu rosto vermelho, mas o que me chama a atenção é que seus olhos correm de um lado ao outro do banheiro, como se estivesse nervosa.

Nagisa

Bato diversas vezes na porta do apartamento do Karma, que é aberto pela Akiko.

- Nagisa? – Ela pergunta, mas antes que eu possa dizer qualquer coisa escutamos um grito, um grito da Kayano. Tanto eu quanto a Akiko disparamos pelo corredor, deixando a porta do apartamento aberta. Adentramos no banheiro, o local de onde veio o grito. Paramos ao lado do Karma, que encara a Kay, que está apenas de toalha.

- Nagisa? – A Kayano questiona, fazendo o Karma se virar para me ver. – Não sei de onde saiu tanta gente, mas saiam todos do banheiro!

Olho para trás, notando que o Ryo, a Hana e a Kamiko também estão aqui. Me viro para sair, não estou com tanta pressa a ponto de não poder esperar ela se arrumar.

- Kayano, por que você está nervosa? – O Karma pergunta, observo com mais atenção a Kay, noto que ela está realmente nervosa.

- Eu não estou nervosa, é apenas impressão sua. – Ela responde, um pouco rápido demais para quem está falando a verdade. Me aproximo mais, ficando ao lado do Karma. Vejo que a Kay aperta levemente a toalha, uma reação comum de nervosismo.

Karma

Relembro o momento em que entrei no banheiro, encontro nas minhas memórias algo estranho. Por um momento, apenas por um segundo, eu pude ver algo vermelho nas costas da Kay, mas ela logo se virou e se enrolou na toalha.

- O que você tem nas costas? – Pergunto, chegando a conclusão de que isso não foi uma ilusão da minha mente.

- Do que você está falando? – Pergunta a Kay, dando um passo para trás. Seus olhos se focam em qualquer coisa, menos em mim.

Nagisa

Quando o Karma menciona as suas costas eu ligo os pontos, era sobre isso que o Yusuke estava falando.

- Eu sei que você está mentindo. – Falo, atraindo os olhares de todos, mas os ignoro. – Eu sei que eles fizeram algo com você.

- Do que você está falando? – Questiona o Karma, me encarando confuso. Ultrapasso ele, ficando a centímetros da Kay.

- Como você descobriu? – Ela me pergunta, sussurrando para que ninguém nos ouvisse.

- Eu encontrei um deles na rua, e ele deu a entender que eu não impedi tudo. – Respondo, usando o mesmo tom de voz que ela.

- Então você não sabe o que é? – Ela interroga, parecendo um pouco mais alegre.

- Não, por isso que vim até aqui, eu quero saber a verdade. – Peço, mas ela apenas se afasta de mim, andando novamente para trás.

- Eu não posso contar. – Ela diz, dessa vez alto o suficiente para todos ouvirem.

- Você não sai daqui até nos contar o que está acontecendo. – Afirma o Karma, tirando as palavras da minha boca, mas eu as teria dito de uma maneira mais gentil.

- Se eu fizer isso, vocês prometem que me deixarão em paz? – Ela fala, todos os presentes confirmam com a cabeça, eu já estava ficando nervoso com esse assunto. Ela se vira de costas e solta a toalha nas costas, deixando ela apenas cobrir a parte da frente do seu corpo. Meus olhos, assim como os de todos, se arregalam de espanto e horror ao ver o que tem nas suas costas.

CONTINUA...