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História A Caixa - PORTA 2


Escrita por: sanacomunista

Capítulo 3 - PORTA 2


O despertar pela terceira vez havia sido tão desagradável quanto o da primeira, no corredor, e da segunda, no universo em que elas descobriram ser criminosas. A quarta vez, no entanto, após atravessarem uma nova porta aleatória, fora mais amena. Para Jihyo, pelo menos. Sana ainda se sentia meio enjoada. Ela reconhecia, porém, que os sentidos estavam voltando mais rapidamente conforme as viagens aumentavam.

Isso não significava que gostaria de participar de muitas outras. Ser perseguida era cansativo, e tudo em que ela conseguia pensar no momento era em deitar e dormir por dois dias seguidos.

Assim que seus olhos se acostumaram à escuridão, infelizmente familiar, da Caixa, ela sentiu o olhar relutante da outra mulher cruzar com o seu.

Será que devemos ir? Ele dizia. E se não for seguro lá fora?

A mais velha alcançou a mão dela e a apertou, procurando passar uma segurança que nem mesmo existia em seu coração. Não custava nada tentar. Cuidadosas, as garotas saíram da máquina.

O ambiente que encontraram dessa vez poderia muito bem ser uma paródia do porão do universo passado: uma espécie de laboratório, modesto mas extremamente organizado, sem fios à vista, possivelmente encapados e escondidos por trás dos aparatos tecnológicos. O local não parecia muito grande, de modo que Sana pôde deduzir que não se tratava de um lugar exclusivo para pesquisas, como era o Laboratório S&C. Por isso, ela não se surpreendeu quando se depararam com um apartamento comum, embora luxuoso e maior do que jamais pisara, ao saírem do cômodo que abrigava o aparelho de transporte interdimensional.

- Você reconhece esse lugar? - A Park a fitou, certamente deslumbrada pela decoração. Antes que a japonesa pudesse responder e negar, ela atravessou a grande sala, os dedos correndo por um piano preto repousado próximo à varanda. - Esse parece um modelo antigo e raro de órgão... Uma peça valiosa. Me pergunto quanto pagaram por ele.

- Não sabia que você era uma entusiasta dessas coisas clássicas.

- Ora, há muitas coisas que você não sabe sobre mim, Minatozaki. - A voz divertida e arrogante da mais nova parecia querer provocar. Era um jogo que Sana não pretendia jogar, não aqui e não agora. Ambas sabiam que a derrota dela era evidente.

Ela deixou escapar um suspiro alto.

- De qualquer forma, pianos sempre são caros. Eu não pagaria ainda mais por um só porque ele é velho. Não é... burrice?

Sana não podia ver seu rosto, mas sabia que ela sorria. Um sorriso incrédulo, indignado, talvez. Observou as mechas vermelhas balançando de um lado para o outro, de um lado para o outro, de um lado para o outro... A mais nova negava com a cabeça.

- As pessoas pagam absurdos por uma garrafa de vinho antigo, querida, e um instrumento é um produto muito mais duradouro que uma bebida alcoólica envelhecida.

- Não é a mesma coisa. - Sana protestou. Por que diabos estavam discutindo sobre isso em um apartamento desconhecido, ao invés de apenas descobrirem se pertenciam àquela realidade ou não? - Todos sabem que os vinhos ficam mais saborosos com o passar do tempo. Instrumentos musicais não.

Isso calou Jihyo. A Minatozaki deu as costas, pensando ter vencido a batalha, e se dedicou a examinar as paredes repletas de quadros daquele canto do aposento, procurando qualquer pista que indicasse que o imóvel pertencia a algum colega.

Então ela ouviu.

Os sons tímidos, hesitantes. Dedos explorando e desbravando um território novo e desconhecido. Uma tecla e outra, e então um acorde. A melodia adquirindo ritmo aos pouquinhos, acelerando e incorporando novas oitavas. Uma canção que tomava forma, se espreguiçava pelo chão, pelo teto, pelo ar, e deixava carícias em sua pele.

Jihyo tem razão. Ela pensou. Nunca escutei um som tão cru, sensível e puro. Quase consigo sentir o gosto da música na boca.

Uma batalha vencida não significa vitória na guerra.

Ela só percebeu que estava segurando a respiração quando a performance se encerrou e o silêncio voltou a assolar o apartamento. Tudo parecia mais vazio agora, a extensão da residência impregnada de uma solidão que antes não existia, a monotonia palpável. Sana desejou que a companheira voltasse a tocar.

Mas ela não podia pedir isso.

Murmurando qualquer coisa que a coreana não distinguiu, ela entrou em um dos quartos.

...

Jihyo não saberia dizer se a garota de cabelos castanhos demorou. Ela estava muito ocupada admirando a vista de Seul através da enorme janela, completamente imersa em seus pensamentos. A canção que havia tocado ainda vibrava em seu coração e lhe trazia lembranças dolorosas. Ela não queria lidar com elas. Não queria, especialmente, pensar nela, porque era ainda mais doloroso. Agradecia silenciosamente por não estar sozinha ali. Simplesmente não sabia se conseguiria se manter de pé por tanto tempo, caso fosse abandonada à própria sorte. Isso a levou a pensar em Sana. Será que havia a chateado tocando o piano? Talvez ela também tivesse recordado de momentos que não gostaria. Parecia um pouco complicado para a outra esconder as emoções.

Bem, era verdade que às vezes a japonesa a distraía, com seu jeito bobo e o sorriso largo que se revelava com facilidade, mas era difícil não voltar para lá. Era difícil manter a sua mente muito tempo longe de casa.

- O apartamento tem três quartos. - Escutou a mais velha revelar, aparecendo no seu campo de visão. - Um deles está trancado, e eu tenho quase certeza que é o principal. Computadores e quaisquer informações que nos sejam úteis devem estar lá, mas não posso arrombar a porta.

- Claro, é compreensível. Eu não gostaria de ser presa como cúmplice por invadir e vandalizar o apartamento de um estranho.

- Ah... Quando eu digo que não posso arrombar a porta não é no sentido moral... Eu literalmente tentei. Não posso fisicamente, Hyo. Não tenho força para quebrar a tranca.

A mais nova não pôde segurar uma gargalhada. Sana não era para amadores.

- O que você sugere que façamos?

- Eu encontrei algumas roupas no quarto de hóspedes - o que eu imagino ser o quarto de hóspedes - e outros acessórios que podem nos ajudar. - Ela lançou um objeto na direção de Jihyo, que o agarrou antes que caísse no chão. A menina o segurou diante dos olhos.

Uma máscara?

- Você não pretende sair daqui depois do que aconteceu no universo passado, não é?

- Aquilo te traumatizou tanto assim? Você sabe que não tem outro jeito. Nunca descobriremos se essa é a nossa realidade se ficarmos trancadas aqui. Além disso, não tem como saber a quem a Caixa pertence nessa dimensão. Não é porque eu a desenvolvi em outro lugar que todos os outros seguirão a regra, e eu não quero estar aqui para descobrir se o indivíduo simpatiza ou não conosco.

A Park sabia que ela tinha razão. Por mais que ela odiasse a ideia, a física estava certa. Ainda assim, ela não queria ceder tão fácil.

Minatozaki Sana pareceu perceber isso na expressão da mulher. Um casaco preto voou pela sala até repousar na cabeça de Jihyo. Ela bufou. Sana riu.

- Vamos lá, senhorita mal humorada. Se vista e desmanche essa carinha emburrada. Prometo que vai ser rápido e voltaremos assim que notarmos qualquer indício de que essa não é a nossa cidade. Aliás, pode me culpar se qualquer coisa bizarra acontecer. Eu assumo a responsabilidade.

- Isso não faz muita diferença. - Resmungou.

Dessa vez uma calça de moletom foi a peça que se chocou contra o rosto da coreana.

...

O apartamento não estava trancado por um motivo que ficou claro para as mulheres: assim como o imóvel, o prédio era extremamente pomposo, para não dizer majestoso. O corredor possuía diversas câmeras e parecia um ambiente tranquilo e seguro. Muito seguro. Como se segurança tivesse sido um fator determinante na escolha do alojamento. Com uma máquina daquela em mãos, era bem possível que fosse.

Jihyo se surpreendeu com outro não tão pequeno detalhe. O andar só continha um outro apartamento além daquele do qual elas haviam emergido, que ficava logo à frente. A garota sabia que ele ocupava uma boa extensão, mas não imaginava que fosse metade de um andar.

Adentraram o elevador espaçoso e Sana se encarou no espelho. O moletom grande e vermelho cobria boa parte de seu corpo, e o capuz combinado com a máscara branca deixava apenas seus olhos à mostra. Ela dirigiu seu olhar para Jihyo. A coreana se encontrava em situação parecida, mas...

Uma risadinha baixa chamou a atenção da mais nova.

- Hum? Conte a piada para mim também.

- Não é piada. Você só parece...

- O quê??

A japonesa voltou a rir.

- Sana! - Ela exclamou, visivelmente incomodada.

- Mil perdões, mas você parece uma espécie de Oompa-Loompa com essas roupas largas...

Ela grunhiu, analisando o próprio reflexo.

- Você não deve ser mais que dois centímetros maior que eu! Pare de agir como se eu realmente tivesse saído da Fábrica de Chocolate, sua nanica. - Protestou, o que apenas instigou ainda mais o humor de Sana.

- Não foi uma ofensa, Jihyo, pare de ser chata. - Ela observava o mostrador de números diminuindo enquanto desciam pelos andares, reparando que antes estavam na cobertura. - Só achei que você ficou fofa. Como um filhotinho de coelho.

- Você está apelando para diminuir minha irritação. Ninguém pode reclamar ao ser comparada com um filhote de coelho.

- E você continua reclamando, por Deus, Park! Estou sendo sincera. Aceite de uma vez e carregue o pesado fardo que é ser um Oompa-Loompa-Filhotinho-de-Coelho. - E puxou o braço da menor, que escondia um sorriso, para o saguão de entrada.

Assim como o resto do edifício, era enorme. Ao longe uma piscina imensa podia ser vista, vazia. A época fria do ano desencorajava até mesmo os maiores nadadores a arriscar um mergulho. O céu tinha aquela aparência cinzenta básica.

Impossível apontar alguma diferença da "verdadeira" Seul.

O porteiro pareceu não notar ou fingiu não notar as mulheres atravessando o local nos trajes supostamente discretos.

Talvez ele esteja acostumado às pessoas não falarem com ele, pensou Sana. Considerando o tipo de gente que deve viver aqui.

Apesar da segurança no portão, de cara fechada, e do outro na cabine da portaria, não foi necessário nenhum interrogatório para que elas pudessem sair. Afinal, elas já estavam no interior do prédio, o que significava que eram moradoras. Além do mais, todos sabem que interessa muito mais aos vigilantes quem está tentando entrar em um lugar protegido, não o contrário. Se você já está lá dentro quer dizer que você faz parte, porque eles presumem, arrogantemente, que só pessoas autorizadas poderiam adentrar um recinto sob a supervisão deles.

Mais uma vez o egocentrismo humano salva o dia. A mais velha se deleitou com a própria piada em silêncio.

...

Ainda era manhã, resultado do fato de que haviam quase madrugado para escapar de Tzuyu há poucas horas atrás. Sana direcionava alguns olhares à Jihyo, que tinha a expressão de alguém que está com a cabeça em outro planeta, e provavelmente estava, enquanto andavam pelas ruas do bairro nobre. A Minatozaki nunca tinha estado ali, mas reconhecia alguns edifícios comerciais, escritórios de advogados e empresas importantes. Ela se questionava qual deveria ser o próximo passo. Pegar um ônibus novamente? Procurar a sua casa e conferir se ela está lá? Tentar contato com Mina?

Seu estômago protestou. Ela se lembrou de que a última refeição que havia feito tinha sido um pouco de sopa no Laboratório de Chaeyoung. Bem, ela poderia começar por aí. No fim da rua, a japonesa avistou uma pequena cafeteria, um pouco menos esnobe que as outras lanchonetes pelas quais tinham passado. Parecia perfeito.

- Está com fome? - Perguntou.

A mais nova considerou.

- Não muito. Eu tomaria um café ou um chocolate quente, no entanto. - Isso bastou para que a outra optasse de uma vez por fazer uma parada em seu alvo pré-determinado.

A cafeteria era um espaço relativamente modesto comparado ao resto do bairro, mas muito bonito, e passava uma sensação de conforto. A decoração rústica, com as mesinhas de madeira e a arquitetura antiga, harmonizava com o cheiro gostoso de grãos moídos na hora que pairava no ar. Logo na entrada, a Park inspirou profundamente, procurando absorver aquelas sensações para dentro de si. A temperatura também era agradável, contrastando com o ar gelado da cidade.

Um café e uma boa companhia é tudo o que você precisa para se perder um pouco da realidade. Era algo que seu pai costumava dizer e, possuindo ambos neste instante, ela sinceramente esperava que fosse verdade. Ela fitou a outra cientista, as bochechas já mais vermelhas e os olhos revelando o sorriso oculto pela máscara. Sana bem que poderia ser um Oompa-Loompa-Filhotinho-de-Coelho. Na verdade, combinava muito mais com ela e essa energia caóticamente feliz que ela exalava. Ela decidiu que se permitiria esquecer o real motivo para estarem ali enquanto não voltassem a perambular pelas ruas.

Mal sabia ela que não seria fácil assim.

- Vou querer um bolinho de baunilha com limão e um expresso sem açúcar. E para ela... - A maior esperou que ela completasse o pedido para o atendente que anotava tudo por trás do balcão de mármore.

- Um chocolate quente com bastante creme, obrigada.

O rapaz assentiu.

- E qual é o seu nome?

- Para quê você precisa dessa informação? - Ela cortou, desconfiada. O evento passado tinha, de fato, a traumatizado um pouco.

Sana percebeu isso e colocou a mão sobre seu ombro para acalmá-la.

- Ele precisa do nome para chamar quando estiver pronto. - Respondeu com uma voz suave. Para o jovem assustado com a rispidez, ela disse: - Desculpe, ela está naqueles dias. - E procurou o nome do garoto em seu avental vermelho - Pode registrar como Mina, Chan, obrigada pela compreensão.

- Eu não estou naqueles dias. - Murmurou a de cabelos vermelhos, magoada, quando se acomodaram em uma das mesas.

- Eu sei, Hyo, mas tente explicar para aquele colegial a verdadeira razão para a sua reação exagerada diante de uma simples pergunta. - Minatozaki Sana estar sempre certa estava começando a ferir o orgulho da coreana. Ela deixou escapar um suspiro. - Ei, vai ficar tudo bem. Relaxe um pouquinho.

Esse era o plano inicial da mais nova, que decidiu acatar a sugestão.

- Me fale sobre você.

- Hein? - A solicitação pegou Jihyo desprevenida.

- Não é isso que as pessoas fazem em encontros?

- Isso não é um encontro, Mina.

- Mina?

- Não é esse o nome que você deu para o balconista?

Sana sorriu. Ela era uma mulher irritantemente fascinante.

- Mina é o nome da minha irmã. Achei que seria mais seguro não revelar o meu.

- Mina é um nome bonito. Sua irmã é bonita?

- Está interessada na minha irmã, Park?

- Talvez eu esteja. Ela é?

- Oh, sim. Sempre chamou muito mais atenção que eu, e os meninos faziam fila na porta de casa para tentar sair com ela. Nunca conseguiram, aliás.

- Uau. Ela deve ser angelical se consegue ser mais bonita do que você. - E lançou uma piscadela sugestiva para a mais velha.

- Está flertando comigo? - A frase saiu acompanhada de uma risadinha capaz de transportar Jihyo para longe de seus problemas.

- Talvez eu esteja. - Retrucou, e o tom saiu mais sério do que ela pretendia.

Felizmente, uma voz masculina interrompeu o rumo da conversa.

- Mina!

- Opa, sou eu. Por favor, não fuja para o banheiro nesse meio tempo, eu volto em um segundo.

Os olhos da coreana seguiram o percurso da pequena criatura dentro de seu grande moletom vermelho até o guichê, onde ela pagou a conta com o dinheiro "emprestado" da outra Sana, e de volta quando ela caminhou com a bandeja de café da manhã para a mesa.

- Como eu dizia... Mina é o rosto da família Minatozaki, mas eu sou o coração. Sempre fomos bem diferentes nesse sentido. Ela é bastante fechada e racional, nunca se abriu muito comigo. Eu tentei compensar a minha falta de atratividade com a minha personalidade e isso me fez bem popular na faculdade. - Jihyo tentou entender como a outra podia acreditar que não atraía as pessoas. Ela automaticamente fazia tudo em um ambiente orbitar ao seu redor. Era inevitável. - Quando me formei, porém, descobri que não tinha nenhuma amizade duradoura, nenhum laço forte o suficiente. Isso fez eu me fechar um pouco e focar no trabalho. Mina se afastou de vez quando nossos pais faleceram e não vejo ela há alguns anos. Às vezes sinto vontade de ligar e perguntar como ela está, mas não faço. Bem, acho que me tornei um pouco solitária.

A menor sentiu um aperto no coração ao ouvir isso. Ela havia criado uma imagem bem diferente da mulher que se sentava ali com ela, bebericando seu café amargo. Não sabia o que dizer, não sabia como agir diante dessas informações. Desejou ser um pouco mais forte, porque Sana merecia ter alguém para quem pudesse contar esse tipo de coisa. Jihyo queria poder ser essa pessoa, pelo menos durante o tempo indeterminado que estivessem destinadas a vagar por essas realidades.

- Me desculpe, não queria te deprimir. Acho que falo um pouco mais do que eu devia. Estou discursando sobre toda a minha vida e você nem perguntou.

Sem as palavras adequadas, Jihyo segurou a mão da japonesa. Sana a apertou de volta, agradecida pelo gesto.

- Agora você deveria me contar sobre você. Tudo ainda é uma incógnita para mim.

- E-eu n...

- Ei, garoto! Aumente o volume da televisão! Eu quero ver essa reportagem. - Um cliente gritou na mesa ao lado, e ambas as mulheres viraram para a tela citada, curiosas. O rapaz correu para alcançar o controle e aumentar o som, temeroso com o fervor do pedido.

A âncora do jornal apareceu no televisor, um sorriso simpático no rosto. A notícia devia ser boa.

Bom dia, Seul. É com grande honra que anunciamos a seguinte informação. Pela primeira vez na história, um casal de cientistas coreanas é premiado com o Prêmio Nobel de Física.

Sana se engasgou com o seu bolinho quando viu a sua imagem e a de Jihyo surgir. Encarou a química com os olhos arregalados, e constatou que a outra estava igualmente chocada.

A doutora Minatozaki Sana, física de origem japonesa, e a doutora Park Jihyo, engenheira química, desenvolveram uma teoria conhecida como Fenômeno Minatozaki-Park, nomeado em homenagem às próprias, que trata da comprovação teórica de múltiplas realidades, popularmente chamado de multiverso. A teoria pode servir de base para a criação de transportadores interdimensionais...

As duas mulheres na lanchonete subiram suas máscaras para cobrir o rosto de maneira inconsciente. A reportagem continuou, dessa vez cortando para um pronunciamento delas.

Estamos muito felizes, extremamente gratas por esse reconhecimento gigantesco da comunidade científica. A Outra Jihyo disse, o braço ao redor da cintura da Outra Sana. A Jihyo que se sentava na cafeteria, além da surpresa e do sentimento de choque, sentiu suas bochechas corarem. Sabemos que é um avanço para o estudo da realidade e também sabemos da importância da diversidade para as minorias coreanas em se sentirem representadas em uma área tão dominada por homens heterossexuais.

A Outra Sana concordou avidamente.

Espero que possamos servir de inspiração para muitos jovens que sonham em ingressar na pesquisa científica. Vocês conseguem!

O jornal cortou de volta para a âncora.

Em comemoração a essa conquista, uma confraternização com a presença de Minatozaki Sana e Park Jihyo acontecerá a partir das quatro da tarde no Centro de Apoio LGBTQ+ de Seul, aberto ao público. Antes disso, as cientistas estarão dando palestras na Universidade de Seul, mas o evento é restrito aos alunos.

- Hum... tenho a impressão de que as donas daquele apartamento simpatizariam com a gente.

...

O parque central de Seul estava repleto das cores outonais de que Jihyo tanto gostava: as folhas amarelas e laranjas que caíam das árvores, o marrom escuro dos troncos, o verde do musgo sobre as pedrinhas do pequeno lago. Alguns cisnes solitários deslizavam pela superfície da água gelada e bem transparente, de forma que a mulher podia enxergar os peixes, também em tons neutros, que nadavam de um lado para o outro.

Naquele dia, porém, nem tudo estava perfeito.

Elas estavam discutindo. Mais uma vez.

- Nós devíamos tentar, Sana. O que nós temos a perder? - A garota não entendia. A mais velha tinha insistido tanto para que descobrissem mais sobre esse mundo antes de retornarem para A Caixa, tinha assumido a responsabilidade no caso de tudo dar errado. Bom, não tinha dado. Elas não estavam sendo procuradas pela polícia, muito pelo contrário: pareciam muito queridas pelo povo sul-coreano. Então qual era o problema?

- Eu disse para descobrirmos se essa era a nossa realidade ou não. Nós descobrimos. Aquela não sou eu e aquela não é você, Jihyo. Vamos voltar ao apartamento e para o corredor.

- Como, exatamente, você pretende entrar de volta no edifício?

- Não é meio óbvio? - A japonesa gesticulava com a mão na frente do próprio rosto. - Vamos dizer que perdemos nossas chaves ou alguma mentira do tipo. Ninguém vai imaginar que somos clones ou versões alternativas delas. Esse tipo de conhecimento ainda não está em posse da população. Aliás, não está em posse da comunidade científica já que elas - ou nós - ocultamos esse pequeno detalhe.

- O que quer dizer?

- Você não entendeu? Elas ganharam o prêmio pela base teórica. Comprovaram a existência de múltiplas realidades apenas com cálculos e argumentos. É provável que ninguém saiba que elas construíram secretamente a máquina que possibilita a exploração de outras dimensões. Elas sabiam que era perigoso deixar que soubessem. Se você está se questionando para quê ela expuseram a base teórica se tinham noção da delicadeza do assunto, não tenho respostas para isso. - Sana se levantou do banco em que estavam sentadas. - É melhor irmos logo embora daqui.

Mas ela não conseguiu caminhar na direção do ponto de ônibus. Uma mão firme segurou fortemente o seu pulso.

- Por que está agindo como a porra de uma covarde, Minatozaki? - A Park praticamente rosnou. Ela se arrependeu assim que proferiu as palavras. Os olhos da mais velha pareceram suavizar, mas seu rosto assumiu uma expressão amarga que Jihyo ainda não tinha visto. Ela sentiu vontade de se desculpar, de fazer algo para trazer de volta o fogo da raiva que era menos desconcertante que a decepção estampada nos traços da parceira.

Há pouco menos de uma hora ela havia se aberto, exposto um lado mais íntimo.

Droga, Park Jihyo. Por que você sempre precisa estragar as coisas quando as pessoas se aproximam de você? Ela se xingou internamente. Entretanto, não posso pedir perdão por isso. Não posso desistir de minhas convicções para amenizar uma briga.

- Você não quer ir para casa? Não é isso que você quer? - A voz da maior soou baixa, diferente do seu tom normal. Parecia ressentida, cansada. Ela se perguntava como a atmosfera entre as duas tinha se tornado tão pesada de repente.

- É o que eu mais quero. Eu daria tudo para estar lá e não aqui, tendo uma discussão boba com uma mulher que mais parece uma criança quando as coisas não acontecem do jeito que ela almeja. Quero tanto voltar, Sana, que estou disposta a abrir mão de um tempo insignificante, considerando tudo o que aconteceu e o que pode vir acontecer se continuarmos perambulando de dimensão em dimensão sem saber o que estamos fazendo, para buscar orientações. Você sabe muito bem que é o mais lógico a se fazer. Elas criaram a teoria e elas construíram a Caixa. Elas somos nós, mas não exatamente, porque não fazemos a mínima ideia de como essa coisa funciona. Estou propondo que devemos ir para a comemoração, encontrar as duas e conversar privadamente sobre tudo isso. Reunimos as dicas e informações relevantes e, talvez, possamos ter alguma chance de abrir a porta certa da próxima vez. Não entendo do que você tem medo.

Sana também não sabia se entendia. Ela se sentia na defensiva, gostaria de fugir dali. Não queria ter que encarar sua outra metade, ou seja lá como devia chamar aquela pessoa, e queria muito menos ver o que tinha dentro de seus olhos brilhantes e ridiculamente felizes. Ela não era deprimida ou completamente solitária - não, não era. Ela sorria bastante até, e todos diziam que ela sempre parecia alegre. Sua vida não era a melhor, mas era satisfatória. Esses últimos dias também não tinham sido horríveis, exceto pelos eventos estressantes, e ela se sentia particularmente animada por ter conhecido Chaeyoung, Dahyun e... francamente, Jihyo. Ela era uma ótima companhia. O problema principal era que ela sentia nostalgia de vidas que não tinha vivido. Desejava, na maior profundidade de sua mente, ser as outras. Qualquer outra Sana. Ou voltar atrás. Fazer tudo diferente. Insistir em sua relação com Mina, convidar Chaeyoung para um jantar.

Encontrar Jihyo.

Talvez ela tivesse medo de... voltar. Voltar e encontrar tudo do jeito que ela deixou. Descobrir que as coisas podiam ser diferentes, porém era tarde demais.

Mas ela estava sendo egoísta, porque sua nova - amiga? - tinha uma vida para a qual regressar, e ela estava agindo como uma megera e a privando disso. Era uma covarde, e Park Jihyo tinha razão - pela primeira ou segunda vez desde que se conheceram.

Comece a tomar novas decisões a partir de hoje, Sana. Pode ser que existam aspectos que você ainda possa mudar.

Jihyo observou confusa quando a mulher apenas concordou com a cabeça e voltou a se sentar ao seu lado, silenciosa.

...

Ficaram no parque até o horário de almoço, quando, surpreendentemente, Sana pareceu se lembrar que sabia falar e sugeriu que comessem em um restaurante ali perto. Depois disso voltou a ficar calada. Jihyo queria perguntar se estava tudo bem, mas não sabia se estava pronta para ouvir a resposta. E se Sana tivesse decidido que iria ignorá-la a partir de agora? Se ela escolhesse se fechar completamente?

Felizmente a Park teve a brilhante ideia de dizer que elas poderiam passar o tempo na biblioteca pública até a hora da festa, evitando o constrangimento que seria ficar por mais quatro horas olhando para o nada sem trocar meia dúzia de palavras.

- Podemos procurar artigos que elas escreveram e ver se descobrimos algo sozinhas. Além do mais, lá é confortável e não deve ter muitas pessoas para nos incomodar ou descobrir nossa identidade.

- A alternativa é permanecer ao ar livre nesse clima que eu odeio, então parece um bom plano. - Foi tudo o que a Minatozaki respondeu.

É claro que a suposição de que elas poderiam chegar a alguma conclusão importante sobre o aparelho responsável pelas viagens lendo sobre pesquisas de física quântica tinha sido apenas uma justificativa idiota para convencer a japonesa a aceitar a proposta. Elas, contudo, tentaram. Nem que fosse pelas aparências. Como Jihyo havia previsto, e Sana também devia saber, o máximo que conseguiram foi especular sobre como o processo de imersão interdimensional funcionava. Em suma: detalhes técnicos que, a esse ponto, não faziam muita diferença já que elas não estavam preocupadas em construir uma máquina daquelas, e sim entender como poderiam usar os princípios a seu favor para voltarem de onde vieram. O rosto da mais velha parecia impassível, sua única mudança de expressão acontecendo quando ela conseguia conectar os pontos das teorias que levaram à formação do Transportador Interdimensional Sob Indução Alucinógena-Opióide no Córtex Orbitofrontal - para os íntimos, A Caixa. Jihyo a observava com sigilo, esboçando um meio sorriso disfarçado quando as sobrancelhas da outra se arqueavam e ela deixava escapar um "Oh" baixinho em sua voz suave. A coreana, todavia, não estava fazendo tanto progresso em sua leitura quanto gostaria.

Maldita hipermetropia. Sua cabeça já doía pelo esforço de desvendar as palavras desfocadas na sua frente. Que momento conveniente para se ter problemas de visão. Será que existiam outras jihyos que viviam sem precisar carregar essa cruz? Estou com inveja delas, mas confesso que não é tão ruim a vista que posso enxergar muito bem daqui.

Ela se repreendeu.

Só estou dizendo que ela é bonita, Jihyo, eu não sou cega. Isso não significa nada. Não é nenhum crime observar as belas criações do universo.

A Jihyo-Consciência tentou contra-argumentar, mas a mulher a calou.

Melhor assim.

Quando aquela visita à biblioteca finalmente acabava, Sana se encontrava encarando o papel de parede há, pelo menos, meia hora. Poderia ter dormido de olhos abertos. Jihyo, por sua vez, se entretia com um livro infantil de figuras coloridas e letras bem grandes.

Deviam começar a imprimir artigos científicos com a fonte deste tamanho. Eu não reclamaria.

O relógio da biblioteca apitou. Era hora.

...

Sana nunca tinha estado no Centro LGBTQ+ de Seul, mas Jihyo era familiar com sua localização. Ela não entrou em detalhes sobre isso e a maior também não pediu para que ela o fizesse. De qualquer forma, ela agradeceu por não ficar longe, de modo que elas pudessem ir andando.

A mulher achou que Jihyo estava estranha, desconfortável com a maneira como Sana estava se comportando. Ela direcionava, de tempos em tempos, um olhar duvidoso para o rosto da mais alta, e desviava no segundo seguinte, como se tivesse receio de ser flagrada enquanto fazia isso. Sana se amaldiçoou por não saber disfarçar suas emoções tão bem como devia.

Não é de propósito, ela queria explicar, e não é culpa sua, Hyo.

Ela temia que sua voz falhasse e que outras fraquezas também se tornassem aparentes demais. Seria ainda pior se desmoronasse na frente dela, pior do que a sensação de rejeição que se assentava em seu peito. Talvez, se permitisse que isso acontecesse, Jihyo descobriria que ela era uma covarde de verdade. Era tudo o que ela menos queria. Mina a acharia boba por isso, por dar tanto valor à opinião de uma mera conhecida. Mina, Minari, esse nome continuava a assombrá-la. Representava apenas alguém que ela conhecera um dia, alguém que não passava de um fantasma mesmo quando estavam apenas a alguns quilômetros de distância.

Ela gostaria de um conselho agora.

O Centro era um pequeno prédio administrativo com um largo galpão em anexo, onde era perceptível que a festa começara. O dia ainda estava claro, portanto não haviam luzes coloridas escapando para a rua principal, mas a música alta e o som penetrante de conversas pouco discretas denunciavam o início de uma aglomeração por ali. Jihyo hesitou por um instante, acreditando que os jovens que faziam a recepção poderiam reconhecê-la mesmo com toda aquela roupa a cobrindo. Não aconteceu. Todos estavam tão alegres e animados com o evento que só cumprimentavam os recém-chegados com um aceno e indicavam a entrada.

O galpão era totalmente fechado, sem janelas, e estava bem mais escuro lá dentro, o que ambas concordaram ser bem conveniente. O clima também estava mais ameno, quase quente, apesar da temperatura estar caindo junto com o anoitecer na cidade, mas não era seguro retirar as máscaras para respirarem melhor. Elas se sentaram na arquibancada que acompanhava uma das paredes e vasculharam o ambiente.

- Já chegou bastante gente. - Jihyo comentou.

Sana assentiu.

- Você acha que elas já estão aqui?

Sana negou com a cabeça. Jihyo também achava que não.

- Vou buscar uma bebida. Quer uma?

Ela negou outra vez.

Ótimo. E saiu dali irritada. A Park sabia que era melhor não beber quando tinha tantos sentimentos confusos e tantas coisas engasgadas lutando para sair, mas não aguentaria muito mais tempo sóbria na presença da indiferença de Sana. Afinal, o que diabos ela tinha feito de tão grave? Uma frase dita da boca para fora tinha mais importância que o objetivo real delas? A Minatozaki queria voltar para casa também, não queria? Encheu o copo com a vodka barata e retornou para o seu devido lugar.

Aproximou o recipiente de plástico da boca e antes que pudesse sentir o gosto do álcool de qualidade baixa nos lábios, ela escutou a voz da outra, não mais que um sussurro.

- Tem certeza de que quer beber isso?

Ainda não estava sob o efeito do drinque, mas não conseguiu parar a frase que escorregou para os ouvidos de Sana no segundo seguinte.

- Então a gatinha sabe falar? - Por algum motivo ela tinha idealizado um tom muito mais irônico em sua mente, e agora, depois de verbalizada, soava simplesmente como um flerte rídiculo. Uma centelha de divertimento brilhou nos olhos da mais velha e ela falhou em conter um sorriso. Felizmente ainda estava com a máscara.

Jihyo, no entanto, percebeu e isso a fez respirar mais levemente.

- Minatozaki Sana, posso ver pelos seus olhos quando sorri.

Ela não sabia como responder a isso.

- Ok, entendi. Você vai me deixar falando sozinha novamente e voltar a ser muda. - E se inclinou para pegar o copo que havia abandonado.

- Você realmente não deveria beber isso.

- Porra, você é algum tipo de puritana? Se bem que está mais para aqueles anjinhos enjoados que voam sobre o seu ombro e tentam te impedir de fazer merda. Onde está o diabinho?

- Acho que ele está de folga.

- Droga, sabia que devia ter arrastado Dahyun para cá. Ela definitivamente faz o tipo diabinho.

Sana riu sonoramente com a menção à garota. Jihyo queria mais. Queria ouvir esse som de novo e queria dizer qualquer coisa no mundo que pudesse provocá-lo. Ela ficava meio inebriada quando a física se abria e precisava mais do que nunca de um gole daquela substância para acalmar os nervos. Nem parecia que minutos atrás ela estava tão inalcançável e ela nem mesmo parecia ter noção da mudança. A menor tremeu diante da possibilidade de provocar reações involuntárias em Sana, como às vezes acontecia com ela própria.

- Sério, se você não quer que eu beba isso sozinha, você está encarregada de beber metade. Toma.

- Argh, eu odeio o gosto desse troço. Vou passar.

- Deixa de ser fresca, Minatozaki!

- Você se esqueceu por que estamos aqui?

- Elas não vão chegar tão cedo e eu sei que você já raciocinou isso.

- Mas eu também não quero ficar bêbada.

- Ninguém fica bêbada com metade de um copinho de vodka. Além disso, essa porcaria deve ser 90% água.

- Estatísticas confiáveis direto da mente de Park Jihyo, pessoal. Se precisarem descobrir a composição alcoólica de alguma substância, consulte sua engenheira química local. Beba com moderação.

A de cabelos vermelhos revirou os olhos.

- Toma.

- Não quero.

- Tudo bem, mas eu vou tomar tudo sozinha.

Ela pareceu mudar de ideia.

- Que ódio! Me dá isso aqui. - Ela esvaziou metade do conteúdo com uma careta. A Park fez o mesmo. - Sinto que acabei de perder 5 anos de vida.

- É, por aí.

Uma música estourada da Lady Gaga começou a ecoar pelo salão.

I'm gonna marry the night...

- Finalmente é uma comemoração gay de respeito.

- Eu amo essa música. - Sana disse, sem pensar nas consequências daquela declaração banal.

I won't give up on my life...

- Quer dançar?

Elas não podiam, é claro. Era arriscado. E se alguém as reconhecesse? Como explicar quando as verdadeiras donas da festa chegassem? O objetivo era passarem despercebidas e conseguirem a chance de falar em particular com suas outras versões. Sem contar que Sana não tinha esquecido todos os fatores que a atormentavam, por mais que as conversas bestas com Jihyo tirassem o seu foco dos problemas. O melhor e o mais lógico era permanecer quieta e ser a parte racional da dupla.

A situação era séria e tudo devia ser considerado.

É por isso que, quando respondeu, Sana não sabia se era o álcool que lhe subia pelas veias até a cabeça ou se ela estava cansada demais para lutar consigo mesma sobre uma coisa que ela verdadeiramente gostaria de experimentar.

- Quero.

...

Não estava nos planos de nenhuma das duas estarem suadas e ofegantes, a pele avermelhada por baixo da roupa por conta da agitação, quando as cientistas chegassem ao local, mas foi o que aconteceu. Jihyo sabia que já tinha escurecido porque já havia saído duas ou três vezes para observar a movimentação do lado de fora, com receio de que as mulheres poderiam ter chegado e elas não tinham se dado conta. Ela descobriu depois que isso era impossível.

Quando as anfitriãs da festa finalmente adentraram o galpão, as conversas se silenciaram. Tanto Sana quanto Jihyo não podiam vê-las - havia uma multidão de pessoas entre elas e nenhuma das garotas era particularmente alta - mas era notável que se tratava das tão aguardadas protagonistas. O som continuava bombeando a melodia enquanto um sentimento de respeito e admiração pairava pelos convidados. Elas provavelmente fizeram um breve discurso que um grupo seleto de curiosos pôde ouvir e uma onda de aplausos irrompeu por toda a acomodação. Aos poucos os indivíduos voltavam ao que estavam fazendo ou se aproximavam timidamente para proferir "parabéns" e versões gaguejadas de felicitações. A Outra Sana e a Outra Jihyo respondiam com sorrisos e pequenas reverências.

"Precisamos chegar até elas." A mais velha gesticulou.

Jihyo acenou, aproximando o rosto do ouvido de Sana para então sussurrar.

- Não sei se é uma boa ideia fazer isso imediatamente. Vamos para um ponto de observação melhor, como a arquibancada, e esperamos a atenção se dispersar. Precisamos abordá-las quando estiverem sozinhas. Ou quando uma delas estiver. - Sana achou que era uma decisão prudente e ambas se dirigiram para o local indicado.

O problema era que, após 30 minutos, não parecia que elas fossem ficar sozinhas.

- Se é para esperar a noite toda, era melhor que tivéssemos ido para o apartamento e deixado que elas se virassem para entender quando os seguranças afirmassem que elas já tinham subido mais cedo. - A japonesa tinha razão e Jihyo se pôs a pensar. Como chamar a atenção delas sem se enfiar no meio daquela porção de jovens que as idolatravam? Como atraí-las sem causar uma comoção tão grande?

Foi quando a menor teve uma inspiração divina. Ou demoníaca, dependendo do ponto de vista.

Entrelaçou os dedos na mão de Sana e começou a levá-la em direção à saída.

- O que está fazendo?

- Eu te explico quando estivermos do lado externo.

Como a Park previra, poucas pessoas ainda estavam ao ar livre, exceto por alguns organizadores que fumavam encostados na parede. Caminhou se afastando da sede, a mão ainda firme guiando Sana.

- Ok, aqui parece um lugar razoável. É simples: precisamos ativar o alarme de segurança do carro delas.

Sana deu um suspiro de alívio. Já estava imaginando que ela fosse sugerir um sequestro.

- Faz sentido. Você tem certeza que vai funcionar?

- Não, mas veja: alguém vai conferir o que aconteceu e voltar correndo para avisar, pensando que houve uma tentativa de arrombamento ou uma falha, e elas não vão confiar a chave a ninguém para desativar. Pode ser que venham as duas ou apenas uma, não faz diferença.

- E como vamos saber qual é o carro certo?

Jihyo a encarou como se fosse óbvio, e realmente era, Sana percebeu. Aquele não era um bairro nobre e duvidava muito que alguém ali além do casal milionário pudesse ter uma Mercedes branca. A coreana explicou calmamente como seria feito.

- Estamos entendidas?

A mais velha concordou.

Mesmo diante da simplicidade da execução, Sana se sentiu nervosa. Ela não era lá a melhor cúmplice para crimes. Sendo assim, Jihyo a encarregou de ficar escondida na sombra do prédio do outro lado da rua para ter uma visão mais ampla do cenário e indicar caso algum obstáculo pudesse prejudicar o plano. Nesse instante, a mais nova estava agachada atrás do automóvel. Ela aguardou o que julgou ser o melhor momento para entrar em ação.

Com uma rapidez que impressionou Sana, ela esticou o braço e forçou a maçaneta do carro. O som alto do alarme disparou no mesmo segundo e a mulher deu o seu melhor para se esgueirar até o vão entre duas casas e se ocultar na escuridão antes que qualquer um pudesse dar as caras. Em menos de dois minutos ela escutou o som dos passos e um garoto entrou no seu campo de visão. Ele se certificou de que realmente não havia ninguém por ali, fazendo com que ambas se encolhessem ainda mais em seus esconderijos, e voltou correndo para o lugar de onde tinha vindo.

Agora só restava esperar que o resto desse certo. Se elas viessem acompanhadas de outras pessoas, estava tudo arruinado. Sana fixou seu olhar em Jihyo, que tentava enxergar algum movimento no fim da rua sem sucesso. A posição em que ela estava era bastante desfavorável, por isso a japonesa tinha ficado com a função de vigiar o trajeto.

Sana estava bem preocupada com a maneira que a mais nova poderia abordar as outras, porque se a parceira não fosse sutil elas possivelmente pensariam que ela era um assaltante. A última coisa que queriam era que elas gritassem por socorro. Ela se tocou que deveriam ter discutido melhor essa parte quando viu o casal ao lado do automóvel. A Outra Jihyo destravou a porta e se inclinou para dentro, conversando sobre algo com a namorada, e ela avistou a sua Jihyo se aproximar por trás da Outra Sana.

Ela queria poder alertá-la sobre o que estava pensando mas... oh, Deus, era tarde demais.

Tudo aconteceu muito rápido. A mão de Jihyo pousou sobre o ombro da Outra Sana, e a mulher deu um pulo, assustada. Ao se virar, seu punho já encontrava o nariz da coreana, em uma espécie de golpe de autodefesa. A mulher caiu no chão, xingando e se questionando como poderia ter adivinhado que a física dessa dimensão lutava Kung Fu, Karatê, ou sabe sei lá que diabos era aquilo.

Ao menos ela não tinha gritado.

- Puta que... - Ela gemeu, com a dor invadindo a região.

A Outra Jihyo parecia confusa e exasperada, tentando entender o que tinha acontecido durante os trinta segundos em que estivera com a cabeça enfiada na Mercedes. A Sana desta dimensão, para além do medo que corria em sua veias, se perguntou de onde ela conhecia aquela voz.

A Park continuava gemendo com as mãos sobre o rosto e a Minatozaki, que estava em choque e paralisada em seu posto, entendeu que devia tomar uma atitude. Ela atravessou a rua em passos ligeiros, e se agachou para prestar auxílio à mulher.

- O que está rolando aqui?

- Você está bem? - Sana perguntou para a mais nova, apoiada em seus braços.

A Outra Jihyo encarou sua companheira. Essa frase tinha saído da boca dela? Aquela só podia ser a voz de Sana.

- Essa maluca só pode ter quebrado a porra do meu nariz.

A Outra Sana encarou a Outra Jihyo. Algo muito estranho estava acontecendo. Será que elas tinham bebido demais? Jihyo parecia bem sóbria.

- Deixa eu ver. Abaixa a máscara. - A coreana não o fez. Sana, com a maior delicadeza possível, retirou o pedaço de tecido que cobria o rosto da outra. Não parecia quebrado, mas estava sangrando.

- Vamos, façam alguma coisa. - Ela ordenou às mulheres que fitavam a cena, abismadas. Talvez ela tivesse esquecido de que estavam se vendo nelas. - Vocês tem uma toalha no carro para limpar?

A Outra Jihyo, parecendo estar em um estado catatônico, alcançou um pano e o entregou à Sana roboticamente. A maior tocou suavemente a parte superior dos lábios da Park, que estavam um pouco sujos de vermelho, e preferiu não mexer na parte ferida até que pudessem colocar uma bolsa de gelo. Ela resmungou com as pontadas de agonia.

- Bem... - Sana retirou a sua máscara, recebendo uma exclamação chocada das outras duas. - Mudança de planos, queridas. Acredito que possamos pular as apresentações. Temos muito o que conversar, mas posso, e vou, explicar tudo enquanto vocês nos levam até o apartamento de vocês. Inventem alguma emergência por mensagem para as pessoas da festa. Ela - Apontou para a mulher no seu colo - não pode esperar.

...

Jihyo nunca tinha sentido uma dor tão forte, mas as duas aspirinas que ela tomara ao chegarem ao lar, doce lar das cientistas haviam aliviado sua angústia e o latejar não passava de um incômodo. A bolsa de gelo também ajudava. Sana respondia às perguntas das duas, depois de ter contado toda a história na curta viagem até ali, e Jihyo permanecia em silêncio. Doía quando ela falava.

Agora que estava sã e salva, a reação exagerada de Sana parecia engraçada. Ela deu ordens como se Jihyo estivesse em seu leito de morte, e não com uma lesão inofensiva. Uma lesão inofensiva que doía como o inferno, mas ainda inofensiva. De qualquer forma, era grata pela mulher ter assumido a dianteira na ocasião, porque ela só conseguia se segurar para não chorar com a ardência que parecia a impedir de respirar.

- Acho que vocês estão a par de tudo. É a minha vez de fazer alguns questionamentos.

Jihyo observou a si mesma - ou a outra versão de si - levantar a mão em um sinal que pedia paciência de Minatozaki. Aliás, falando na outra Minatozaki, ela poderia aprender a disfarçar um pouco mais. A coreana já estava ficando constrangida pelo tempo sem fim que ela a encarava.

Comparando as minhas semelhanças e diferenças com a amada?

Amada. Era tão absurdamente irônico elas terem vindo parar em um universo onde são quase casadas. O que será que Sana pensava disso? Na verdade, tinha-se algo para pensar? Assim como na outra realidade, havia sido apenas uma coincidência que elas se conhecessem aqui. Que se conhecessem bem demais. Jihyo não era uma fã da palavra destino. E por que consideraria uma opção tão fantástica, reservada para os livros de romances clichês do século passado? Sana não a fazia sentir nada de anormal. Quer dizer, ela tinha impulsos diante de certas situações, mas poderia facilmente culpar a solidão e a carência como responsáveis. E se ela descobria necessidades indizíveis quando via os lábios da mais velha se movendo, o seu sorriso capaz de derreter um iceberg, o que importava? Se a observava por longos períodos apenas porque ela era bonita, era apenas isso: porque ela era bonita, e ninguém negaria. E daí se estava tão emocionalmente próxima dela em pouquíssimo tempo? Qualquer um faria o mesmo se estivesse confinado com alguém pelo multiverso. Eram sensações comuns em circunstâncias incomuns. Não havia nada de mágico nisso.

- Juro que vou responder tudo o que eu puder, mas antes é importante que vocês venham comigo. E coloquem as máscaras, por favor, eu nunca sei quem pode estar por lá... - A Outra Jihyo disse, resmungando o fim da frase para si. Em seguida, as viajantes eram guiadas pelo corredor, até aquele outro apartamento que tinham notado ao chegar naquela dimensão.

A Outra Sana esmurrou a porta.

- Son Chaeyoung. - Praticamente berrou.

Depois de alguns bons minutos e mais batidas, ouviu-se um alvoroço do lado de dentro. Parecia que a mulher falava sozinha. Elas identificaram o som de alguém esbarrando em um objeto e o derrubando. Palavrões preencheram os ouvidos das visitas.

A porta foi aberta. Lá estava ela: os cabelos desgrenhados, muito escuros, na altura dos ombros. O suor escorria pelo pescoço até o roupão de seda, e ela parecia um pouco corada. Nos lábios, um sorriso forçado pendia.

- Boa noite, meninas. - Ela não pareceu notar as outras duas. - Sinto muito em dizer que vocês não vieram no melhor dos moment-

O casal a ignorou, a empurrando para o lado para entrar no aposento. Jihyo e Sana as seguiram sem emitir nenhum som. Chaeyoung tentou protestar mas, por fim, aceitou a derrota com um suspiro. Ela não comentou nada sobre as garotas desconhecidas, dificilmente identificáveis com aquelas blusas de frio e as máscaras nos rostos, mas Sana achava que era mais que indiferença: ela exibia um semblante preocupado e constrangido demais com alguma outra coisa para dar atenção a isso.

Todas se acomodaram nos sofás da sala espaçosa, bem decorada como a do outro imóvel. Chaeyoung continuou em pé, os braços cruzados e um sorriso amarelo.

- Será que vocês poderiam ser breves? Estou resolvendo uns assunt-

Ela foi cortada pela aparição de uma outra pessoa no cômodo, que terminava de abotoar uma blusa social de marca.

- Chou Tzuyu. - Ouviram a Outra Sana pronunciar. Era bizarro ver as duas no mesmo lugar, considerando que no universo anterior elas só estariam a uma distância tão curta uma da outra se Sana tivesse uma arma contra a sua cabeça.

A mulher citada as observou com uma expressão neutra, como se toda a vergonha da situação tivesse sido absorvida por Chaeyoung.

- Minatozaki. Park. - Ela cumprimentou. Nem fez questão de direcionar o olhar para as outras, e Jihyo começava a se questionar se elas eram invisíveis. - Parabéns pela conquista.

- Depois de sermos perseguidas por ela, Chaeyoung parece mais uma personagem de Dormindo com o inimigo. - Sana sussurrou para a menor. Jihyo deixou escapar um risinho baixo. Para a Outra Sana, ela murmurou: - Essa daí não é meio que a presidente da Coreia do Sul?

- Presidente? Oh, não... Tzuyu é prefeita de Seul. - Presidente ou prefeita, era bom saber que ela não queria seu coração em uma bandeja, como a rainha da Branca de Neve.

- Jeong. - A voz de Chou voltou a chamar a atenção das quatro. - Jeong, venha de uma vez.

E outra mulher apareceu, os dedos penteando o cabelo. As mulheres sentadas fitaram Chaeyoung, depois retornaram o olhar para Jeongyeon. As duas pareciam vermelhas como um pimentão.

- B-boa noite. - Ela gaguejou.

Jihyo só viu a expressão de Tzuyu mudar para um sorriso sarcástico, como se estivesse secretamente se divertindo com o clima estranho, quando ela andou na direção de Chaeyoung. Surpreendendo as espectadoras, ela deixou um beijo rápido nos lábios da menor. Jeongyeon apenas manteve a cabeça baixa e seguiu Tzuyu para fora do apartamento.

- Hum... Uau, isso foi...

- Chaeyoung, elas já foram?

Sana sentiu que poderia explodir em uma gargalhada quando viu ninguém menos que Kim Dahyun surgir, vestindo apenas um roupão de seda azul, diante delas. Ao invés de ir embora, a exemplo das outras duas, ela caminhou serenamente até a cozinha, se servindo de um café.

- Parece que o meu palpite sobre ela e ménage foi mais preciso do que eu esperava. - Jihyo se esforçou para sussurrar próximo ao ouvido de Sana, apesar da dor que voltava quando ela o fazia. Ela escutou a japonesa segurar uma risada.

- Son Chaeyoung, eu tenho medo da sua resposta, mas tem mais alguém para sair do seu quarto? - A Outra Jihyo indagou.

A pobre coitada mal teve tempo de abrir a boca antes que Dahyun a interrompesse.

- Oh, não, fiquem tranquilas. Momo não pôde comparecer hoje. - E abriu o sorriso mais sacana que podia.

A mais nova a fulminou com o olhar.

- Tudo bem, já entendi. Estou indo para o quarto.

- Não, Dah. É melhor você ficar. Tem uma coisa que vocês vão querer ver. - Foi a vez da Outra Sana falar.

Pela primeira vez desde que haviam entrado na sala, Chaeyoung e Dahyun notaram a presença das intrusas.

- Não, espera, eu vou adivinhar. Não me diga que vocês trouxeram strippers. - A Kim parecia genuinamente excitada. No sentido de animada, é claro. Ela definitivamente não estava excitada de outra maneira apenas com a ideia de strippers no apartamento. - Chaeng, eu te disse que um dia elas mostrariam as asinhas.

A Jihyo daquele universo apenas suspirou, puxando o capuz de Sana para trás. As mechas castanhas caíram sobre seus ombros.

- O que...

A coreana fez menção de retirar a máscara da mais velha e, no minuto seguinte, as identidades de ambas as mulheres tinham sido expostas. A Minatozaki não imaginou que isso era possível, mas Dahyun e Chaeyoung pareciam ainda mais impressionadas que as cientistas.

- Meu Deus!

- O t-transportador... f-funciona? - A de cabelos curtos balbuciou.

Dahyun se aproximou das visitas como se quisesse tocá-las para conferir se eram reais e não uma ilusão de óptica. A mais nova entre elas afundou em uma poltrona de couro, perplexa.

- Aparentemente funciona.

- Espera. - Jihyo interrompeu a comoção, ignorando o latejar que voltava a incomodar seu nariz. - Vocês não sabiam que ele funcionava?

A Son negou.

- Park estava terminando de desenvolver o substrato que ela chama de Bloqueador de Pseudo-Realidade, que julgamos ser essencial para a viagem. Mesmo que estivesse pronto, não seria fácil encontrar uma cobaia para testar a máquina. Bem, o fato é que agora não precisamos mais. Vocês podem nos contar tudo sobre como acontece.

Sana tirou das costas a mochila que tinha ganhado de Chaeyoung no universo passado e que carregava sempre consigo. A pequena maleta foi retirada de dentro e, em seguida, ela entregou um dos frascos para a Outra Jihyo. Ela o analisou com fascínio.

- Dez mililitros que devem custar mais do que esse prédio.

- É tão valioso assim? - Dahyun questionou.

- Ah, muito mais. Existem duas coisas que podem pôr em risco toda a humanidade: o poder de viajar pelo tempo e o poder de viajar por diferentes vidas. Isto daqui, se você parar para refletir, é uma mistura de todas. Você pode explorar realidades distintas, dimensões com tecnologia e sistemas completamente diversos, mas é mais do que isso.

Cada uma das garotas observava atentamente enquanto a Outra Sana discursava.

- Quem nunca quis tomar uma decisão diferente na vida? Este é o maior defeito de nossa raça: não sabemos aceitar as coisas como são, não conseguimos lidar com erros. Para quê sofrer com consequências negativas de escolhas ruins quando você pode simplesmente ir para um lugar em que o caminho tomado foi outro?

- Eu sei, é uma lógica terrível. Mas isso poderia resultar em um destino tão trágico assim?

- Sim, com certeza. - A Outra Jihyo se manifestou. - Poderia levar ao colapso do multiverso. Não se trata apenas de modificar o equilíbrio natural existente em diferentes dimensões, atente-se a isso. Imagine uma pessoa infeliz, com uma vida miserável. Se, de repente, ela se deparasse com um poder de magnitude imensa em mãos - o poder de ir para uma realidade em que ela descobre ter uma vida digna e ideal. O que você acha que poderia acontecer? Digo, o que você acha que aconteceria com a versão dela que vive naquele lugar?

Sana sentiu seu coração disparar no peito.

- Você não está sugerindo que...

A Outra Sana assentiu, com um gesto de passar o polegar pela extensão da garganta, insinuando uma decapitação.

- Um assassinato? De uma versão com a outra? - A mais velha não tinha pensado sobre isso.

- Oh, é muito provável. Extremamente provável. Agora tente conceber esse cenário em escala mil, dez mil, um milhão de vezes maior e mais caótico. É só pensar na quantidade de indivíduos insatisfeitos com suas vidas no Planeta.

Era assustador. Nenhuma das mulheres tinha parado para refletir sobre os impactos sociais que a utilização daquela ferramenta poderia causar. Não era sem motivo os esforços da outra Chou Tzuyu para colocar as mãos nela. O silêncio pairou pelo cômodo por alguns segundos.

- Eu acredito que vocês estejam morrendo de vontade de despejar suas milhares de dúvidas científicas sobre nós, então é melhor que eu seja honesta. - Todos os olhos se voltaram para Jihyo. - Nós sabemos ainda menos que vocês sobre a dinâmica da coisa. Com total sinceridade, viemos atrás delas - E apontou para o casal sentado junto no sofá claro - porque precisamos de ajuda. Eu insisti que era o único jeito de chegar a algum lugar.

- Como nós saberíamos mais do que vocês? Ok, nós ganhamos um prêmio pela teoria de funcionamento, mas vocês estão aqui no nosso universo, e não o contrário. Claramente são vocês que dominam esse aspecto. - A Park respondeu.

Sana gargalhou, sem humor.

- Eu não tive tempo de explicar as coisas para vocês como elas são. Nós não construímos a máquina na nossa realidade, nós fomos vítimas de alguma conspiração que nos condenou a vagar por essas dimensões. Não chegamos aqui de propósito e não sabemos como voltar para onde pertencemos. Fomos jogadas na beirada do penhasco, ou melhor, na porra de um corredor infinito com infinitas portas.

- Um corredor infinito? É assim que o multiverso se manifesta para a nossa mente?

- Pois é. Eu também estranhei, mas é exatamente o que é. A única questão que importa no momento é: como podemos retornar para casa? Por favor, vocês precisam ter alguma resposta, uma dica, qualquer coisa que nos auxilie. O nosso número de frascos é limitado.

A Minatozaki daquela realidade, com seus cabelos tingidos de loiro, parecia aflita.

- Quão limitado?

- Assim que sairmos daqui, restarão apenas 13 para cada uma.

Chaeyoung e Dahyun pareciam quietas. Talvez não houvesse muito a ser dito.

- Quando vocês pretendem partir? - A Son ousou perguntar.

Sana e Jihyo se entreolharam. Era difícil estimar como o tempo corria de uma dimensão para a outra. A maior se sentia tão esgotada e exausta, tanto fisicamente como emocionalmente. Era provável que a primeira coisa que faria ao colocar a cabeça no travesseiro seria chorar até cair em um sono profundo. Um sono sem pesadelos, sem sonhos, vazio. Um pouco como ela. Considerando tudo isso, ela gostaria de dizer: "Ficaremos uma semana" ou "Ficaremos por tempo suficiente para que vocês possam encontrar uma maneira de nos levar de volta". Ao olhar para Jihyo, porém, ela entendeu. Não podia. Não por si mesma, não por Mina, mas por Park. A mais nova tinha alguém que a esperava, alguém que devia estar sofrendo tanto quanto ela. Minatozaki não sabia se era sua mãe, seu namorado, sua namorada, seu avô, mas ela com certeza pensava muito nessa pessoa. Com o passar dos dias em que ela continuava desaparecida, certamente o desespero aumentava.

- O mais breve possível. - Ela conseguiu dizer. Escutou Jihyo suspirar, aliviada. - Talvez amanhã. Seria bom descansar esta noite e já está meio tarde.

- Você tem razão. Sendo assim, tenho uma ideia. - A Kim finalmente se pronunciou. - Park, Minatozaki, deem algo para elas comerem e preparem um quarto para que elas possam dormir. Ambas parecem fracas e cansadas demais. Chaeyoung, ligue a cafeteira e faça uma garrafa de café bem forte. - A menor se levantou e se direcionou para a cozinha, obediente. - Vocês duas - Moveu o indicador em direção às donas do outro apartamento - voltem assim que elas estiverem bem instaladas, e tragam os notebooks e aquela papelada gigante das pesquisas para cá. Senhoras, teremos uma longa madrugada pela frente.

E bateu palmas, como a organizadora de um grande evento faria para dispensar os funcionários.

...

A sensação de tomar banho era como inspirar ar fresco após muito tempo segurando a respiração. Sana sentia que finalmente recuperava o fôlego. Ela se permitiu fechar os olhos e apenas deixar que a água morna percorresse suas costas e braços, pelas pernas e pés até o chão frio. O jantar tinha sido agradável, com certa diversidade de comida japonesa que a lembrava de sua infância. Boas memórias para se reviver, apesar da dor que elas inevitavelmente carregavam.

Depois de estarem as duas devidamente satisfeitas, limpas e vestidas, as mulheres se encarregaram de cumprir a última parte da lista que Dahyun havia passado antes de voltarem para o outro apartamento. Estavam bastante preocupadas com o conforto de suas versões alternativas, mesmo que Sana tivesse garantido que dormiria feliz até em uma cama de pedra devido ao seu cansaço.

- O sofá está bom, é sério. - Ela insistiu.

- Você tem mesmo um fetiche por eles. - Jihyo brincou.

- De fato, mas fico feliz que tenha superado a sua fobia de camas, Hyo.

As cientistas as encaravam com um misto de confusão e humor.

- Vamos arrumar a suíte maior para vocês, garotas. Acredito que prefiram dormir na mesma cama, certo? - A Outra Sana deu uma piscadela sugestiva.

Isso ia ser constrangedor.

- Hum... Nós não somos um... Entende?

- Oh. Vocês duas não...? Não são...? Meu Deus, mil perdões. Nossa, desculpe mesmo pelo vacilo, eu não fazia ideia. Quer dizer, eu pensei que...

A Outra Jihyo interrompeu o que quer que a namorada fosse dizer para piorar a situação antes que ela pudesse o fazer.

- Imagino que prefiram quartos separados, então?

- Sim, seria melhor. - Sana respondeu de prontidão, com um sorriso encabulado.

Jihyo concordou e tentou afastar o pequeno sentimento de decepção que brotou em seu peito com a firmeza que Sana falara aquilo. As duas Minatozakis, teimosas como eram, decidiram que organizariam ambos os aposentos e que as duas Parks deveriam procurar outra coisa para fazer, por isso Jihyo observava, sentada em um banquinho próxima à ilha da cozinha, enquanto ela mesma - ou a Outra Ela - fazia sanduíches.

- Dahyun pode dizer que tudo o que precisa é de uma garrafa de café, mas em duas horas estará reclamando com fome e enfiando a cara naquelas porcarias que ela e Chaeyoung compram. Juro que se não as convidasse para almoçar aqui quase todos os dias, elas viveriam de comer biscoito recheado e salgadinho. Não que fossem durar muito tempo.

Jihyo soltou uma risadinha. Achava adorável a maneira que elas cuidavam das mais novas.

- Elas moram juntas?

- Ah, sim. Elas eram colegas de quarto na faculdade. Na verdade, eu e Sana nos conhecemos por conta delas, mas não é esse o caso. Elas sempre foram muito próximas e depois de se formarem continuaram morando juntas. Foi natural para todo mundo, ninguém se surpreendeu. As duas se dão muito bem.

- Então elas namoram?

A mulher pareceu pensar em uma resposta adequada.

- Não, eu não definiria assim. Elas não definiriam assim. Talvez não exista uma palavra para descrever o que elas têm. São duas amigas que compraram um apartamento juntas, se amam e compartilham de certas intimidades. Pode parecer um relacionamento romântico para quem não é familiar, mas existem diferenças. Eu nunca vi nenhuma delas falar sobre oficializar aquilo de alguma maneira, e elas são bem liberais quanto a se relacionarem com outras pessoas, como você provavelmente percebeu. Eu não chamaria de relacionamento aberto, porque isso também exige certo grau de comprometimento. Você pode enxergar dessa forma: não existe nenhum tipo de acordo ou declaração, verbal ou oficial, regras ou qualquer coisa que possa limitar a forma que elas se relacionam. Elas são apaixonadas? Eu diria que não, Chaeyoung diria que não, Dahyun diria que não. Mas elas se amam, do jeitinho singular delas.

Bem, isso era exótico. Ia de encontro com muitos padrões que rondavam relacionamentos heterossexuais e homossexuais. Jihyo achou interessante e gostaria de poder conversar pessoalmente com Dahyun e Chaeyoung sobre.

- Gostaria de perguntar sobre o que rola entre você e a sua Sana, mas não sei se devo. - A Outra Jihyo pronunciou a frase rapidamente, como se tivesse tomado coragem para dizer aquilo e precisasse colocar para fora de uma vez, para que não houvesse tempo de desistir no meio. Além disso, ela não tirou os olhos do tomate que estava picando. Aparentava temer o contato visual com a visitante.

- O que quer dizer?

- A maneira que ela... - A mulher se interrompeu, percebendo o que estava prestes a declarar. - É melhor deixar para lá. Esqueça.

Ela não queria esquecer. Se envolvia Sana, ela queria saber.

- O quê? Por quê?

- Não sei. Não é justo com você ou com ela que eu exponha ou interfira na ordem natural e na velocidade de amadurecimento de ideias.

- Diga, está me deixando doente de curiosidade.

A Outra Jihyo queria dizer.

- A maneira que ela olhou para você quando ocorreu o acidente com o seu nariz. Eu achava normal até ela dizer que vocês não são um casal. Agora me deixa intrigada.

- Posso saber o motivo?

Ela demorou uns minutos para dar uma resposta definitiva, embalando calmamente cada um dos sanduíches. Quando falou, Jihyo desejou não ter escutado. Aquilo a faria perder uma boa noite de sono.

- A minha Sana me olha da mesma forma.

...

As vencedoras do Nobel tinham saído há algum tempo e o apartamento estava muito quieto. A televisão, que antes estava ligada para que pudessem se distrair, jazia fora da tomada. Sana decidiu desligar e Jihyo não protestou.

A mais velha, apesar de ter deixado claro muitas vezes que beirava à exaustão, não fora dormir. Estava deitada em uma das poltronas da sala, os olhos voltados para o teto, com aquela carinha de quem está pensando em tudo e em nada ao mesmo tempo. De vez em quando ela soltava um suspiro sonoro, apenas para mergulhar no mais absoluto silêncio novamente. Jihyo achava que ela tinha se fechado mais uma vez. O rosto não assumia mais a expressão descontraída da festa ou a felicidade largada que ela geralmente demonstrava diante das piadas e provocações da coreana. A menor queria saber se ela tinha parcela de responsabilidade, se Minatozaki estava relembrando os momentos ruins do dia, julgando as atitudes dela. Não parecia algo que Sana faria, mas quem Jihyo pensava que era para determinar o que era ou não do feitio da mulher? Elas se conheciam há dois, três dias? Deus, pareciam séculos. Será que o limite entre os universos distorcia a noção de tempo?

- Você toca piano há muitos anos?

A voz arrastada de Sana a pegou de surpresa.

- Desde adolescente.

- Ah, é? Isso é legal. Quem te ensinou?

Silêncio. A menina preferiu não pressionar.

- Gostei de te escutar hoje cedo. Você é boa.

- Obrigada, fico feliz que tenha gostado.

- Jihyo...

- Sim, Sana?

A maior demorou para responder. A Park já imaginava que ela tinha desistido de falar, quando ouviu o pedido baixinho.

- Você poderia tocar alguma coisa?

Sana escutou atentamente quando a mulher se sentou na banqueta que ficava de frente ao instrumento. Após uns segundos de hesitação, uma progressão de acordes surgiu. Ela se sentiu estranhamente em paz. Fechou os olhos, concentrada em cada som produzido. Em meio à hipnose da melodia, ela se surpreendeu com a voz encorpada, forte e extremamente bela que preencheu a sala, provocando sentimentos ainda mais bonitos dentro da mulher.

I don't believe in an interventionist God

But I know, darling, that you do

But if I did, I would kneel down and ask Him

Not to intervene when it came to you

A letra romântica, combinada à voz carregada de emoção, trouxe lágrimas aos olhos da mais velha.

Oh, not to touch a hair on your head

Leave you as you are

If he felt he had to direct you

Then direct you into my arms

Sana a fitou. Os cabelos vermelhos presos em um coque, o perfil sério e os olhos fechados. Ela não entendia o que era aquele tremor em seus próprios lábios, a garganta seca. Queria passar as próximas horas, dias, semanas, meses... Queria passar todo o resto do tempo que vivesse ouvindo aquela voz, observando a paixão com que a engenheira cantava.

Into my arms, oh, Lord...

Into my arms, oh, Lord...

Quando a canção se encerrou, o ar parecia carregado de uma eletricidade incomum. Jihyo tinha medo de se aproximar de Sana e levar um choque, por mais absurda que a ideia fosse. Nesse momento, agradeceu por dormirem em quartos separados. Ela tinha medo do que aconteceria se compartilhassem a mesma cama. Ou melhor, tinha medo do que ela mesma poderia fazer. Provavelmente alguma burrice impulsiva, resultante de toda a conversa com a Outra Jihyo, da solidão e daqueles pensamentos que ela gostaria de afastar. Se ao menos ela soubesse que Sana também lutava contra essa atração inexplicável, tão potente quanto o campo gravitacional da Terra. Se ela soubesse, talvez as coisas seriam diferentes.

- Boa noite, Sana.

- Boa noite, Jihyo.

...

Nove horas da manhã. Todas estavam novamente reunidas no apartamento de Son Chaeyoung. A mesa grande do outro lado do cômodo estava repleta de papéis bagunçados, copos com café frio e alguns aparelhos eletrônicos. As mulheres envolvidas na pesquisa pareciam exaustas, exceto por Dahyun. A Kim parecia sob efeito de muita cafeína. Se alguém não soubesse o quão responsáveis e cuidadosas eram as garotas mais velhas, pensaria que ela tinha utilizado de outra substância que começava com C. Foi a coreana quem iniciou a discussão.

- Não seria adequado enrolar o assunto, então vou ser direta: não descobrimos muita coisa além do que já sabíamos, o que não é de grande ajuda para o problema de vocês.

Jihyo sentiu um gosto amargo na boca. Ela achou que Sana percebera a negatividade que se abateu sobre ela, o desespero que ela tentava controlar para não perder a postura.

- Porém - continuou Dahyun - construímos uma hipótese, quase insignificante, que pode ser do interesse de vocês se porventura estiver correta. Não temos tempo para tentar comprovar ela de alguma forma ou de "lapidar" para que seja mais assertiva, espero que entendam. Foi Park quem a sugeriu.

A cientista se levantou e tomou o lugar da Kim, decidida. As olheiras pareceram se suavizar com a determinação.

- Conversei com vocês ontem, durante o jantar, e pedi que descrevessem o "limbo" - a palavra que Sana usou para definir o limite entre as realidades - com mais detalhes. Imaginei que as portas poderiam ter pequenas diferenças que indicassem algum padrão de distribuição, mas vocês me garantiram que eram completamente iguais. O que possibilitou a formulação dessa hipótese, no entanto, foi um comentário de Jihyo que chamou a minha atenção. Ela disse que "não achava que essa descrição resultaria em alguma informação importante, porque a aparência apresentada pelo 'limbo' era, quase certamente, uma construção da mente humana". Bom, você estava certa, a aparência não nos trouxe nada de relevante, e sim as suas palavras. Fiquei pensativa sobre elas, pois faziam sentido. É óbvio que o limite entre dimensões não é um corredor infinito, ele apenas se manifesta desse jeito porque nosso cérebro não poderia processar sua verdadeira forma. A partir disso, refleti: "De uma maneira ou outra, nós temos o poder de influenciar a manifestação do multiverso". Seguindo essa lógica, montamos esse raciocínio: A realidade "sorteada" é proveniente da escolha de vocês.

- O quê??!! - Jihyo praticamente gritou. Como ela era capaz de dizer uma coisa tão estúpida? Estava insinuando que as duas vagavam por aí apenas porque não queriam retornar para casa? Ela nunca tinha escutado uma conclusão tão idiota, sem sentido e incompatível com a situação apresentada. Era essa versão sua que tinha ganhado a porra do Nobel? Parecia uma piada de mau gosto. Se pusesse as mãos nela... Sana a impediu de se levantar do sofá.

- Deixe ela terminar, Hyo. Vamos ouvir tudo o que ela tem a dizer e depois você terá todo o direito de tirar satisfações.

- Seria prudente, de fato. - A Outra Jihyo continuou, os olhos fixos na Park. - Não estou sugerindo o que você pensa que estou sugerindo. Se o multiverso se baseia em nossa concepção dos objetos, é natural que isso também seja verdade para os desejos. Não os desejos superficiais, mas aqueles que nem mesmo nós temos conhecimento. O que queremos intensamente e está escondido às setes chaves: os desejos do coração. Ao abrir uma porta, é possível que seus sentimentos mais genuínos sejam lidos, e aquilo que predomina internamente determina o próximo universo. Vocês me disseram qual foi a primeira realidade em que vocês pararam, e é compreensível. Estavam com medo e confusas... O resultado não tinha como ser bom. Já esta segunda realidade - A mulher segurou um sorrisinho - quem sabe que tipo de sentimento poderia ter trazido vocês para cá, não é? Se me permitem perguntar, quem foi responsável por abrir cada uma das portas?

Sana levantou a mão, constrangida pelas implicações daquilo.

- Ah. - A Outra Jihyo olhou rapidamente para sua outra versão, como se aquela revelação confirmasse sua história sobre os olhares da japonesa. - Você abriu as duas? - A garota confirmou com um aceno de cabeça. - Entendo. Talvez você queira experimentar abrir a próxima, Jihyo. Parece bem confiante sobre suas intenções e sensações.

Ela acatou a sugestão da Park. Não podia ficar chateada com Sana, sabia que não era culpa dela, mesmo que indiretamente fosse. A mais velha não devia estar tão segura sobre suas decisões. Sobre a manifestação das duas como um casal na segunda realidade... Jihyo preferia não pensar nisso agora, porque precisava de foco.

Sana se sentia ainda pior. Quando refletiu sobre estar privando Jihyo de voltar para casa, ela não imaginou que seria tão literalmente. Agora se questionava se a mulher seria capaz de olhar para ela, se a consideraria uma mentirosa. Se algum dia se permitiria perdoá-la ou conversar sobre aquelas coisas que ela guardava dentro de si. Toda a confiança que tinha conquistado tinha escapado por entre seus dedos. Pelo menos era o que ela pensava.

Agora, naquele corredor imaginário mas tão concreto, ela parecia aliviada por saber que o destino de ambas estava nas mãos da menor.

Jihyo respirou pesadamente. Pensou na sua casa, no quarto familiar e seguro, no cheiro dos móveis. Pensou na sua infância, recordou cada memória especial e essencial para que ela se tornasse aquela pessoa. Pensou nela, seu alicerce. Sentia-se otimista, sentia-se tão perto...

Mas, no fundo, duvidava da veracidade da hipótese das cientistas e temia perder uma das partes mais importantes de sua vida para sempre.

E ela girou a maçaneta.



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