História A Carta - O garoto sonhador

Enquanto folheava as cartas, um pequeno envelope escrito a mão chamou-lhe a atenção e seu coração começou a bater, ele passou os dedos calejados pelas letras floreadas que compunham um nome e um endereço que ele há muito não tinha notícias, depois de tanto tempo uma carta dela deveria deixá-lo animado, mas o que sentia era um tipo de medo... medo de não ter o mesmo sentimento de antes.

Ele embolsou o envelope enquanto arrastava um olhar periférico pelo navio em busca de alguma cabeleira ruiva, que por algum motivo ele preferia evitar nos próximos minutos. Com pressa se dirigiu à Oficina fechando a porta atrás de si.

No ninho do corvo Nami baixou a luneta, os braços frouxos rente ao corpo, mordendo o lábio inferior ela pensava rapidamente, vira a expressão no rosto de Usopp mudar de surpresa para introspecção, era algo quase inédito, absolutamente incomum em alguém que vivia rindo e brincando, ou correndo e gritando, ela deu as costas para a sala vazia e desceu ao encontro do atirador, havia algo naquela expressão que a estava incomodando.

Sentado na bancada de ferramentas, Usopp terminara de ler as últimas linhas, era uma carta curta e ele sentia-se um pouco triste, mas aliviado de alguma forma, se fosse sincero consigo mesmo admitiria que já esperava por isso, a emoção que o invadiu foi de alívio... e por incrível que pudesse parecer, tinha vontade de rir, pois não esperava que estivesse tão vazio sobre este assunto.

Nesse momento a porta arrebentou com estrondo contra a parede, e um furacão ruivo adentrou, um par de olhos castanhos pousaram nele e brilharam em expectativa, e assim Usopp notou...

— Né... Nami... sabe quando você espera sentir uma coisa, quando você está ansioso para sentir isso, quando você até chegou mesmo a sonhar sobre determinada emoção... mas ela não acontece?

Ele voltou os olhos escuros e a observou ali parada, era impossível ler sua expressão, os cabelos longos ondularam quando ela deu um passo à frente o encarando, o coração dele falhou quando o cheiro cítrico dela chegou ao seu nariz sensível.

— Era uma carta da Kaya? — Nami perguntou sem rodeios, a voz flutuou indiferente, mas fez Usopp sorrir do mesmo jeito.

— Era sim. — Ele respondeu e Nami desviou o olhar sentindo algo frio em seu peito, Usopp se levantou e caminhou até uma pequena janela redonda.

— Você... está triste? — Nami perguntou tentando manter a voz firme.
Usopp voltou-se para ela, um sorriso lento formou-se em seu rosto moreno.

— Estou... — Ele disse encarando os pés. — Estou triste por não me sentir mal...

Nami abriu e fechou a boca, seu cérebro trabalhando velozmente, Usopp se aproximou e segurou o pulso dela saindo da Oficina, levando-a consigo, eles chegaram na mureta do Navio, e Usopp jogou os olhos para o céu, então apertou-os, o cheiro de Nami misturado ao mar, gaivotas voejavam barulhentas, o Sunny estava silencioso, e o sacolejo das ondas dava um toque calmo a toda a cena, ele escorregou a mão do pulso de Nami e entrelaçou seus dedos nos dela, encontrando a maciez e o calor que ele precisava.

Então o atirador sentiu um soco na cabeça.

— Está me irritando aí olhando para o céu como um sonhador imbecil! — Ela disparou, o incômodo de antes se tornando impaciência.

— Só queria ficar aqui com você um minuto... — Usopp alisou o local dolorido e a observou, os cabelos sacudindo com a brisa do mar, o sol do final do dia criando um brilho rosado na pele dela.

— Você... vai escrever uma resposta? — Ela perguntou e o olhar era frio novamente.

— Vou sim. — Usopp ofereceu sorrindo.

Nami virou o rosto e tentou se desvencilhar da mão dele, mas Usopp a apertou sem deixar que ela se fosse, aborrecida Nami o fuzilou com os olhos.

— Nami... vou responder, oferecendo a ela tudo o que posso... — Nami apertou os olhos o observando, Usopp passou a língua nos lábios, o coração martelando no peito. — ...minha amizade sincera.

Nami soltou o ar que nem sabia que estava segurando.

— O... quê? — Ela relaxou os ombros que antes estavam tensos, a confusão estampada em seus olhos. — Ela... está esperando você!

Era praticamente uma acusação, Usopp a puxou para si em um abraço, ele notou que o corpo de Nami suavemente encaixou-se no dele.

— Aquele que ela espera... não existe mais... eu não sou mais aquele garoto sonhador, Nami...

Ele empurrou-a gentilmente ainda segurando nos ombros dela, e banqueteou-se com a visão, as sardas suaves que sarapintavam o nariz delicado formavam um desenho diferente todas as vezes que ele observava.

Um sorriso sutil formou-se no semblante da ruiva, inclinando-se para a frente ela roçou seus lábios nos dele e puxou-o mais para si, Usopp rodou os braços na cintura graciosa, segurando com firmeza os quadris arredondados, o coração dos dois batendo audivelmente enquanto Nami abria a boca em um convite que Usopp aceitou embevecido, e embriagou-se dela.

Eles sentiram o gosto um do outro e brincaram até que o coração ameaçasse explodir, Nami afastou-se colando as testas e suspirou.

— Realmente, você não é mais aquele garoto...

Usopp a ergueu e deu uma pequena pirueta, o vestido curto oscilou como uma bandeira de perdição, eles sorriram um para o outro, e Usopp tinha a emoção que ele tanto ansiava, a emoção que só sentira com Nami e mais ninguém, quando a risada dela chegou aos ouvidos dele algo quente se instalou em seu peito, e era exatamente o que ele sempre buscou.

Ele a depositou no chão e a girou abraçando-a por trás e afundando o longo nariz nos cabelos alaranjados, Nami sorriu satisfeita, toda a apreensão de antes totalmente esquecida, parecendo parte de uma outra vida.

A carta escorregou do bolso de Usopp e flutuou levada pelo vento, perdida para sempre, assim como a expectativa de algo que se acabou.