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História A confusão do meu coração - Cada um desenvolve uma amizade do seu jeito


Escrita por: BiadeAsa

Notas do Autor


Se eu fosse vocês, queridos leitores, teria medo dessa escritora que aqui escreve.

Capítulo 39 - Cada um desenvolve uma amizade do seu jeito


As tradicionais palmas foram dadas ao final da breve apresentação da nova professora. Renata era o nome dela. Parecia ser uma pessoa legal, pelo menos à primeira vista. Só não havia gostado da última frase. Jogar bola? Ah, não. Já não bastava ter dois dias seguidos com aula de educação física, a gente não poderia receber uma folguinha?

Pelo visto, não.

Os alunos começaram a se distribuir pela quadra, pegar bolas e formar times. E eu só queria morrer por uma hora.

— Vai ficar aí parada? — Me assustei com a presença de Jennifer. Ainda estava no processo de adaptação à essa nova amizade.

Prestei melhor atenção ao meu redor e vi que Camila e Maria Luísa já estavam longe, se movimentando. Qualquer um poderia me confundir com uma mancha de tinta do círculo central da quadra já que estava tão imóvel.

— Vamos, Raquel. Eu te ensino tudo o que sei. — Jennifer, esbanjando disposição, jogou a bola no chão, rebateu com o pé e pegou de volta com as duas mãos.

Eu quase não acompanhei o rápido movimento. Senti uma leve preguiça só de observar.

— Ih, nem tenta — me neguei. — Vou dizer pra professora que tô com dor de barriga aí ela vai me dispensar.

Dei meia volta. Jennifer segurou meu braço.

— Vai dar as boas-vindas pra ela assim, é? Essa Renata é novata, pode até cair no teu papo nas primeiras aulas, mas logo vai desconfiar. Quer mesmo passar essa impressão de garota desinteressada?

— Ué, mas eu sou uma garota desinteressada.

— Nem todo mundo precisa saber.

Eu ri um pouco. Bolas começaram a sair voando por cima da minha cabeça. Não conseguiria ludibriar mais ninguém, mas pelo menos queria voltar inteira pra casa.

— Vamos fazer assim — sugeri —, a gente muda de quadra, vai pra menos movimentada, você se certifica logo que eu sou um zero à esquerda nos esportes e todos ficamos felizes.

— Bem, isso já é melhor que nada.

Fui com Jennifer para a outra quadra.

Juro que tentei me esforçar ao máximo para dar uns belos chutes na bola — mentira —, mas parecia que meu único dom era o de chorar. De resto, não tinha nenhuma habilidade em especial.

— Ah, que agonia! — pude escutar Malu gritar do outro lado da quadra. Ela vinha correndo na minha direção, suada, com uma bola na mão. Camila tentava inutilmente acompanhar seu ritmo. — Meu Deus, Quel, você e a Cami fariam uma bela dupla. Ambas sabem o mesmo sobre futebol: nada. —Maria Luísa me alcançou. — Eu até tentei outras modalidades com a Camila, mas...

— Com essa daqui eu não vou nem arriscar um vôlei ou basquete — comentou rindo a Jennifer.

— Ei, ei, vocês tão falando de mim na minha frente? — me indignei.

— Aff... Maria... Você... — Camila finalmente se aproximou, quase caindo, sem fôlego. — Corre demais! Eu não tenho mais disposição pra nada.

— Maria Luísa, quer dizer então que a senhorita também é a maníaca da bola? — eu disse fingindo decepção. — Caramba, Cami, estamos enrascadas com essas duas.

— Nem me diga... Malu, acho que você e a Jennifer devem pegar uma bola e jogar sozinhas porque vocês são ótimas e tal... Já eu e a Raquel vamos somente assistir.

— Boa tentativa, mas não — Jennifer falou. — Vamos fazer assim, a Malu e eu tentamos treinar vocês pra ver se melhora alguma coisa.

— Gosto — Maria concordou.

— Não! — gritei junto com a Camila, como se tivéssemos combinado a fala.

— Vocês não têm opção — Luísa advertiu.

— E se eu não aceitar? — desafiei.

— Quer mesmo que eu te responda? — Pela primeira vez Maria Luísa usou suas técnicas ameaçadoras para cima de mim. Ela realmente conseguia ser assustadora quando queria.

— E-eu tô machucada! — apressei em arranjar uma desculpa mostrando o curativo que ela havia feito em mim na noite anterior. — Não pretende me deixar correr riscos, né?

— Ora, Raquel Oliveira, não foi você mesma que disse que isso não era nada?

Tudo bem, não tinha para onde fugir.

Troquei um olhar de rendição com Camila que ainda tentava normalizar a respiração. Tivemos que ceder.

Jennifer e Malu pareciam estar se sentindo as maiores treinadoras da seleção feminina de futebol. E eu tinha que admitir que até que estava sendo legal. Pela primeira vez eu tinha um time na aula de educação física, tinha amigas legais que me queriam por perto. Sim, eu estava me sentindo bem.

— Uau, parabéns! — Já estava tão envolvida na atividade que não notei que a professora Renata estava perto de mim. — Eu estava observando de longe esse quarteto. Ainda não sei o nome de vocês, mas gostei muito das duas mais velhas. — Indicou Maria Luísa e Jennifer Jinks. — Elas mandam bem e estão ajudando vocês. — Indicou a mim e Camila. — É esse espírito esportivo que eu gosto de ver!

Mais de perto Renata era mais bonita. De certa forma me transmitia confiança, como Elisa um dia me transmitiu quando a vi pela primeira vez. Mas a comparação se encerrava por aí, minha Elisa era uma fofa tanto no porte como na personalidade, tinha a aparência e gestos delicados. Já Renata parecia ser mais firme e imponente. Tipo aquelas soldados que aparecem em banners bonitinhos de propaganda. De qualquer forma, não me assustava, ela tinha um charme indiscutível.

— Ai, tô cansada — declarei porque estava mesmo.

— Eu também — Camila deixou a bola sob os pés.

— Tudo bem, meninas, já treinaram muito por hoje — disse a professora. — Vão se dar bem, os jogos serão divertidos, vocês vão ver, além de somar pontos na avaliação.

— Acha que a gente tá se submetendo a isso por quê? — falei de forma inaudível para ninguém me escutar.

— Já que estamos aqui, me digam o nome de vocês.

Renata sorria como se nossa presença realmente fosse muito entusiasta. Lembrei que cerca de um ano atrás a professora seria exatamente o tipo de pessoa que eu odiaria ter por perto. Quando minha vida somente refletia as puras trevas, eu não suportava ver alguém sorrir à toa perto de mim, me dava agonia, não conseguia entender como era possível alguém ser tão feliz a ponto de sorrir por qualquer besteira. Depois que eu conheci a Elisa isso mudou em mim, os melhores momentos do dia eram os quais eu podia ter aquele maravilhoso sorriso diante dos meus olhos.

Maria Luísa também incrementou isso no meu cotidiano. Agora, com a entrada da Camila e da Jennifer no meu círculo, era super confortante ver qualquer uma das quatro sorrir, ainda mais quando eu sorria com elas.

— Eu sou a Jennifer — se apresentou a mencionada.

— Maria Luísa. — Sorriu de forma simpática e acenou.

— Me chamo Camila. — Me deixando surpresa, Cami trocou um cumprimento de mãos com a professora.

— Meu nome é Raquel Oliveira — disse por último.

Falar meu próprio nome e sobrenome fez meu estômago se contorcer como se estivesse pressentindo algo. Ou sentindo outra vez uma coisa que já me aconteceu.

— Que nome bonito, Raquel! — comentou ainda sorrindo a Renata.

Essa última frase foi o estopim para as lembranças se agitarem na minha mente eu ter um sentimento nostálgico me preenchendo por um instante.

— Ah. Meu nome é Raquel, Raquel Oliveira.

Elisa segurou minha mão e sorriu mais uma vez.

— Bonito nome, Raquel — ela disse.

Cerrei os punhos, não com raiva ou me sentindo mal. Somente havia mergulhado numa recordação não tão antiga, mas que agora parecia ter acontecido há um trilhão de séculos. Meu coração apertou um pouco, mas consegui me recompor a tempo de ninguém perceber que eu havia marejado os olhos. Quer dizer, uma pessoa notou e essa foi a Jennifer.

Se formulou ideias na sua cabeça, não pude saber, ela me dirigiu um olhar rápido e eu logo agi como se nada tivesse acontecido.

— O-brigada — consegui dizer.

Renata iniciou uma conversa com Maria Luísa e Jennifer sobre alguns assuntos esportivos e eu me retirei de mansinho com Camila na minha cola.

— Finalmente, sossego — comemorou minha amiga.

Meneei a cabeça em concordância. Fomos para o banheiro tirar o uniforme de educação física e colocar o meu preferido de atividades que se faziam sentadas e comportadas dentro de uma sala com ar-condicionado.

Antes de entrar na minha sala para as duas últimas aulas, Jennifer me parou no corredor.

— Ei, Raquel, espera só um minuto.

Eu a escutei.

— Eu queria te pedir uma coisa. — Ela parecia um pouco sem jeito. — Só se não for incomodar — apressou em acrescentar.

— Pode falar, Jennifer.

— No final do mês eu vou ter uma prova muito difícil de matemática, e já que você é a garota mais inteligente que eu conheço, pensei que, sei lá, talvez, quem sabe, pudesse me ajudar.

Nunca imaginei que algum dia veria Jennifer Jinks tão cuidadosa com as palavras como naquela manhã.

— Não tem como você saber se a prova será difícil se ainda nem a fez — falei. — Obrigada, mas acho que você tá conhecendo poucas pessoas pra me considerar a mais inteligente. — Nós duas sorrimos sem graça. Eu não estava planejando deixar Jennifer na mão, ela foi muito legal comigo mais cedo me ajudando na quadra. Mesmo inicialmente eu bancando a chata ela teve paciência e eu gostei. — Claro que eu posso te ajudar. Podemos iniciar nessa tarde, a gente vem pra cá, na biblioteca, e você me diz em qual assunto tem maiores dificuldades.

— Ah, mas são tipo todos. — Riu depois que o gelo foi quebrado.

— Não esquenta. Eu sou péssima com todos os esportes e mesmo assim você não desistiu de mim.

— Mas confesso que foi por pouco.

— Ah, para de graça. Vai pra tua turma, a gente se vê nessa tarde, beleza?

— Sim!

Poderia ter sido impressão minha, mas pareceu que Jennifer esboçou um enorme sorriso com as chances de ficar um período sozinha comigo. Então entrei na sala de aula antes de formular conspirações na minha cabecinha muitas vezes criativa.

♀♀

POV Maria Luísa

Odiava ficar em casa sem a Raquel por perto, isso significava que ou eu ficaria sozinha por algum tempo ou sofreria com o desprezo que a Giovanna ainda me dava mesmo que sem maldade. É horrível morar com alguém que procura te evitar, ainda mais pelos motivos dela.

Ainda não entrava na minha cabeça o fato da Gio estar apaixonada por mim. Eu trabalhava incansavelmente pra ver se a Raquel sentia algo, mas, mesmo nas tentativas, era estranho quando via alguma resposta. Na noite anterior, quando a Raquel me beijou, eu senti meu corpo inteiro formigar, era algo bom e ruim ao mesmo tempo. Eu queria tê-la cada vez mais perto, senti-la de todas as formas, mas também queria manter distância porque é um pouco esquisito ser retribuída num sentimento tão intenso.

Mais esquisito ainda quando uma pessoa que você nem imagina gosta de você e confessa. Primeiro foi a Jennifer, agora a Giovanna. Por que essas coisas aconteciam comigo? Quem sou eu para despertar sentimentos em outra garota? Será que realmente merecia ter sido alguém tão importante para a Jennifer? Será que sou digna de ter uma admiradora tão legal como a Giovanna? Pior ainda, será que eu podia sonhar em ter a Raquel ao meu lado?

Sinceramente, eu não sabia responder. Todas as vezes que me olhava no espelho não via muita coisa não. Ok, não posso dizer que me considero uma garota feia porque eu não sou, mas não é como se eu tivesse algo a mais. Eu não tenho algo a mais.

Lembrava dos tempos em que meu cabelo era mais escuro, agora ele permaneceu no tom castanho e eu o preferia assim. Raquel sempre menciona o quanto meus olhos são bonitos e parecem variar entre o verde e o azul. Eu não considero isso como um atrativo. Eu não sou inteligente, pelo menos não quanto a Quel. Também não sou tão espetacular nos esportes quanto a Jennifer. E com certeza nunca serei tão firme e legal como a Gio é.

Talvez meu destino seja passear entre diversas áreas e nunca me identificar de verdade com uma. Só há uma coisa que eu gosto de fazer e essa coisa é estudar espanhol e ler poesias nessa língua. Mas nem um escritor preferido eu tenho, só gosto de ler umas aleatórias e de vez em quando sair recitando quando estou sozinha.

O que há de bom em mim? Não gosto de me depreciar, lembro que ficava muito mal quando via a Raquel triste por motivos semelhantes. Ela parecia gostar de me ver alegre e disposta, muito diferente de como me encontrava nessa tarde, agarrada à uma almofada do sofá, com a televisão ligada no volume mudo sem explicações. E senti uma gota quente escapar dos meus olhos. E em seguida outra. E outra. E outra...

Logo eu estava chorando. Sozinha como quase sempre. Chorar não é legal, principalmente quando se é um choro assistido. Melhor ficar quieta no meu canto e me conter para evitar ruídos. Daqui a pouco terei que me levantar e me arrumar para ir ao curso de espanhol. Me distrair será bom. Sinceramente, nem sabia ao certo por que estava ficando entristecida.

— Luísa, eu vou sair depois de você, deixei comida pra janta na geladeira, quando a Raquel voltar vocês podem... — Estava tão preocupada em ficar acomodada que nem percebi a Giovanna na sala. Interrompeu sua fala provavelmente vendo meus olhos vermelhos. — É... tá tudo bem? — Arriscou perguntar mesmo um pouco indiferente. Apenas assenti. — Tá tudo certo, então.

Podia ver nos seus olhos o quanto doía para ela dispensar esse momento para falar comigo. Só que a entendia, ela não queria sofrer, eu era apaixonada pela sua prima-irmã, eu ira fazê-la sofrer de alguma forma. Não queria isso.

Fiquei calada. Giovanna se aproximou um pouco mais a ponto de conseguir tocar meu ombro. Ela não falou nada, não emitiu uma palavra sequer. Em um curtíssimo instante nosso olhar se cruzou. Pude sentir a energia percorrer do seu corpo para o meu, como se uma inédita conexão tivesse acabado de acontecer ali, naquela sala deserta e silenciosa — eu literalmente estava só assistindo à TV.

Giovanna poderia estar querendo me dirigir uma palavra de conforto, mas não o fez. E eu não queria que fizesse. Se afastou um pouco atordoada com sua atitude de me tocar e saiu da sala após proferir suas palavras:

— Eu volto tarde da noite. Avisa a Raquel quando você chegar e... fica bem.

Limpei minhas lágrimas e fui para o quarto que dividia com Raquel. Troquei de roupa e fiz uma ligação antes de sair. Como a minha garota preferida passaria a tarde na biblioteca da escola com a Jennifer, eu não queria ficar entediada em casa. Marquei com a Camila um passeio para depois da minha aula. Ela topou. Eu teria ocupação até umas sete da noite. Ainda bem.

♀♀

POV Raquel

Ir para a escola fora do turno das minhas aulas me deu uma sensação esquisita. Jennifer já estava no portão me esperando. Como obviamente não era obrigatório o uso de uniforme fora de horário de aula, ela trajava uma calça jeans básica, uma camiseta branca e óculos escuros. A única diferença da minha vestimenta era que eu não usava um óculos e vestia uma camisa amarela com mangas — devidamente bordada com uma imagem do pica-pau berrando “fui tapeado!”.

Com os óculos na face e o caderno na mão, Jennifer me cumprimentou quando me aproximei:

— E aí, Raquel, tudo certo?

— Sim. Você está bonita. — Não havia explicações para eu estar dizendo isso, mas tudo bem.

— Obrigada, então. — Sorriu envergonhada. — Vamos pra biblioteca?

Não precisei responder, segui portão adentro ao lado de Jennifer. Nosso local de estudos seria numa das mais escondidas salas da escola. E mesmo assim quase sempre estava lotada de alunos e professores, mas eu sabia que não era nem tanto pelos livros, e sim pela disponibilidade da internet nos computadores.

Contudo, naquela tarde, havia somente a bibliotecária, um auxiliar e mais dois alunos além de Jennifer e eu. Nos sentamos, Jennifer tirou os óculos escuros, colocou o caderno e o livro de matemática sobre a mesa e eu senti uma leve saudade da Julie. Como ela estaria agora? Provavelmente bem mais perto da Elisa do que eu. Melhor não começar a pensar, afinal, foi a Elisa que rompeu de vez comigo, supostamente sempre foi livre já que nunca tivemos algo sério.

— Eu sinceramente não sei como algumas pessoas conseguem gostar de matemática. É um troço tão complicado! — Jennifer reclamou passando rapidamente as páginas do seu livro.

— Nem é tanto assim, muitas coisas são fáceis de assimilar. Eu gosto — falei. Jennifer parou de passar as folhas e me encarou cética.

— É sério isso? Gosta da matéria mais complicada do mundo? Meu Deus, nesse planeta há muita gente louca mesmo. Acho que o raciocínio da Maria Luísa deve ser parecido, ela gosta de você que é toda complicada. Se bem que isso também se encaixaria a mim, já que gosto de ti mesmo sendo desse jeito.

— Ah, uau! Jennifer Jinks gosta de mim? Há poucos dias atrás eu era a pessoa que você mais odiava, estou certa? — incitei uma provocação “da paz”, rindo.

— Bem, acho que quem diz que amor e ódio estão muito juntos no cérebro está certo.

Meu riso debochado formado anteriormente foi murchando. Uma coisa era aceitar a Jennifer me odiar, outra era entender qualquer outro tipo de sentimento positivo vindo dela. E, quando citou amor, senti um frio na barriga que me fez estremecer. Seria muito cômico agora descobrir que minha ex-arqui-inimiga nutre uma paixão por mim. Seria como ler uma fanfic yuri.

— Vamos para o que importa — desconversei. — Tem uma lista dos últimos exercícios que a professora te passou? A gente pode começar resolvendo uns juntos pra eu ter noção do que você não tá entendendo bem.

— Toda a matéria é como um labirinto pra mim. Eu ando, ando, ando, leio, leio, faço contas, mas nunca chego na saída correta.

— Então, vamos dizer que a matemática pra você é o Labirinto de Dédalo e eu vou ser como uma mortal que vê os caminhos certos.

— E eu sou uma corajosa filha de Afrodite que se arrisca nessa aventura.

— Acho excelente! Viu só, estudar matemática pode ser divertido se a gente usar a imaginação.

— Não abusa desse bom começo. Aposto que vai desistir de mim na primeira resolução de cálculo.

— Por incrível que pareça, eu não desisto fácil.

— Veremos, então?

Dei um sorriso confiante e dei uma olhada nos deveres da minha mais nova amiga. Para começar, fiz como havia dito, a acompanhei nas primeiras contas e vi como se saía nas demais.

Não precisei de muito tempo para chegar a uma conclusão: Jennifer não era nenhuma ignorante sem solução, sua dificuldade era para se concentrar. Quando começamos, o ritmo foi bom, ela estava atenta e seus erros foram mínimos. Conforme os minutos foram passando ela se dispersava e conversava comigo sobre assuntos aleatórios. Eu muitas vezes me deixava levar e só depois me dava conta de que já havíamos saído e muito do foco.

Não foi uma tarefa muito fácil, Jennifer precisaria de muitas outras assistências. Sua dispersão deve tê-la dificultado há muito tempo. Contudo, se ela se dedicasse realmente, matemática não seria mais uma assombração para ela.

Cerca de uma hora e meia depois concordamos que já estava na hora de encerrar as atividades. Jennifer se empolgou nos agradecimentos direcionados a mim e eu fiquei um pouco constrangida, afinal, não era todo dia que alguém precisava muito da minha ajuda e eu me sentia útil. Voltamos a conversar sobre outras coisas e eu percebia a cada fala que Jennifer era uma garota muito legal.

— Raquel, tinha uma coisa que eu queria te perguntar, mas não sei se devo — falou um pouco receosa.

— O que foi? — eu perguntei levemente preocupada.

— Você se sentiu mal hoje de manhã quando a professora Renata veio falar com a gente? Eu vi como você de repente ficou meio paralisada e com o semblante fechado.

Ah, era isso. Sabia que ela havia percebido algo.

— Eu só tive uma recordação que me apertou um pouco o coração, nada demais.

— Posso saber que tipo de recordação foi essa que te deixou tão desolada?

Não, eu não queria que ela soubesse. Jennifer especulava sobre Elisa e eu, mas decerto que toda a sua implicância para com a coordenadora somente era para me afetar, ela não desconfiava com firmeza que Elisa e eu tivéssemos algo. E eu não estava com vontade de contar outra vez a história do nosso amor que teve mais descidas que subidas.

Estava preparando uma desculpa na minha cabeça quando Renata e uma outra mulher entraram na biblioteca.

— Olha, olha! — Jennifer sussurrou me cutucando. Pareceu ter deixado para lá o assunto anterior. — Aquela é a minha professora de matemática!

— A que tá do lado da de educação física? — inquiri me inclinando para escutar Jennifer melhor.

— Uhum, essa mesma! Será que ela adivinhou que eu viria pra cá e tá me perseguindo?

— Que paranoia, Jennifer, vai me dizer que tem medo dela?

— Eu tenho total pavor de qualquer um que use a matemática como meio de tortura.

— Com certeza ela não faz isso.

— Ah, ela é tipo o Sr. D no meu acampamento meio-cálculo. Mas no meu caso, não é D de Dionísio, mas de Destruidora.

Uni as sobrancelhas não entendendo a viagem.

— A professora destrói e eu sou a destruída — complementou.

As duas professoras nos notaram e mudaram o passo para a nossa direção. Jennifer segurou minha mão por baixo da mesa.

— Que cena legal essa que estou vendo! — comentou primeiramente a professora de matemática. Jennifer conseguiu forjar um sorriso simpático. — Jennifer, que legal te ver aqui estudando, ainda mais acompanhada. Isso significa que você está de fato se empenhando em melhorar. Parabéns pra você e pra sua amiga.

— Essa é a Raquel — Renata me apresentou e eu me senti até importante por ela se lembrar do meu nome. — Já está no último ano do ensino médio, acho bom que se dedique às suas amigas de outras séries. Mostra o quanto você é uma boa garota.

Uma boa garota. Para Renata eu era uma boa garota. Quantas pessoas durante toda a minha vida já haviam me dado esse elogio? Em geral, eu era somente uma garota mau com conduta irregular.

— Nós meio que estamos trocando conhecimento — falei. — A Jennifer é muito boa no futebol, ela me ajuda na quadra. Nada melhor do que retribuir essa ajuda do jeito que posso.

— Bem, se continuarem assim, as duas sairão ganhando sempre — disse a professora de matemática antes de ir para as prateleiras procurar um livro.

— Já acabaram? — A professora de educação física parecia interessada em continuar a conversa.

— Acho que sim... — Jennifer olhou para mim. — Não é?

— Sim, terminamos. Já estamos indo embora.

Jennifer suspirou aliviada e começou a arrumar suas coisas.

— Posso acompanhar vocês até o portão de saída — Renata sugeriu. — Se importam?

— Não — Jennifer respondeu despreocupadamente já se levantando.

Eu fiquei em silêncio. Biblioteca... gentileza... docente nova... muito bonita...

Eita!

Parecia que eu estava assistindo o começo de um filme outra vez. Que novamente eu era uma garota indefesa descobrindo o carinho de alguém. Meu Deus, para Raquel, para!

Fiquei ao lado de Jennifer para sairmos, procurando manter uma distância segura entre Renata e eu, vai que uma aproximação maior me leve a sentir coisinhas? Jennifer estava mais tranquila após encerrar o breve diálogo que teve com a professora de matemática, eu esperava que tivesse também mais confiante para fazer a sua prova no final do mês.

A professora de educação física não soltou uma palavra até chegarmos ao portão. Entretanto, seu ar de simpatia não se extinguia.

— Boa viagem de volta pra vocês — Renata finalmente disse algo. — Nos vemos semana que vem na próxima aula.

— Valeu, prof! — Jennifer abraçou a professora que recebeu bem o carinho. — Mais uma aula, aí começam os jogos. Vou treinar bastante com meu time. — Se virou pra mim e eu senti uma preguiça...

— Esforce-se, Raquel — me pediu com um sorriso acolhedor. — Você tem duas ótimas jogadoras por perto, aquela outra menina, é Luísa o nome dela, não é? Ela é muito boa. Chamem a Camila pra jogar, vejo potencial onde vocês não enxergam. Tchau!

Se aproximou de mim e me abraçou. Por um instante fechei os olhos como faria se estivesse tendo contato com outra pessoa. Acontece que Renata não era essa outra pessoa. Ninguém seria capaz de substituir Elisa.

Me afastei sentindo meu corpo tremer. Se nenhuma pessoa era capaz de roubar o espaço que Elisa tinha no meu coração, como poderia explicar o fato de me sentir tão segura e especial perto da nova professora? E a gente acabou de se conhecer! Será que eu era uma garota tão carente a ponto de querer pra mim todas as pessoas que agissem de forma gentil para comigo?

Isso estava me enlouquecendo. Eu não deveria ser assim, tão dividida.

Uma coisa que todos devem saber sobre mim: eu sou totalmente suscetível a carinho e gentileza. Se alguém me tratar bem, vou idealizá-la como a melhor pessoa do mundo. Algum dia isso ainda irá me destruir.

Parecia que a profecia que eu havia dito sobre mim mesma meses atrás, no primeiro dia em que vi Elisa, estava de fato se cumprindo na minha vida. Mas isso iria me destruir mesmo algum dia? Para o bem ou para o mal, eu teria que descobrir.


Notas Finais


Façam uma conta aí, rapidinho. Raquel tinha a mãe, o pai, a diretora, a Taísa, a Jennifer e quase a escola inteira como seus inimigos. A mãe foi afastada, o pai está preso, a diretora se explodiu, Taísa nem mais é falada, Jennifer se converteu para o lado purpurina da força, Raquel mudou de escola e tem amigos de verdade.
Quem é o vilão dessa história agora? Hum? Alguém arrisca?
Revelarei no próximo capítulo.
Eu falei pra vocês terem medo de mim. Até eu tenho.


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