História A Maldição do Amor - Distração

 Eu sabia que Hades não poderia me encontrar com grande facilidade, Kanon havia deixado isso claro, mas todo cuidado era pouco diante dele.

Mesmo eu estando dentro de uma barreira, totalmente protegida, eu corria riscos de algum dia ser achada, e eu não gostaria de imaginar essas hipóteses…. 

Hades deveria se encontrar furioso, e pensando no que poderia fazer comigo quando me achasse.

Eu esperava tudo, qualquer coisa inimaginável vinda dele. 

Ele poderia muito bem me matar, na verdade, eu me surpreendia por ele não ter feito isso já que Afrodite foi perspicaz em interligar nossos corpos. 

Mas é o Hades…

Eu devo esperar qualquer coisa dele, ele não iria deixar barato eu ter fugido. 

Depois de ter organizado todo o local que iria passar com o cavaleiro até o fim da Guerra Santa, o dia deu espaço para a noite com milhares de estrelas brilhantes que poderiam ser vistas no céu. 

Toda aquela beleza era esplêndida, uma beleza que Hades queria destruir, eu não conseguia entender o porquê, o porquê de tanto ódio. 

Eu tenho o entendimento de que nem todos os seres humanos são bons, assim como os deuses, mas o que Hades estava fazendo era uma tamanha hipocrisia, ainda mais agora que tinha se relacionado comigo. 

Não poderia aceitar um absurdo desses, ver seres iguais a mim sendo mortos enquanto estou do lado do causador. 

Não era algo para se orgulhar sendo um ser humano, seria um tamanho desrespeito. 

Eu e Kanon não conversamos tanto depois da nossa organização, o silêncio seria necessário naquele momento onde as estrelas brilhavam do lado de fora. 

As horas passavam muito rápido quando se estava ali, logo o dia voltou, mas o sol era coberto pelas nuvens, não querendo aparecer.

Era um dia com um clima triste e depressivo, depois que o deixei, mesmo que a sua cor fosse a mesma que eu estava enxergando agora, tudo pareceu mudar diante dos meus olhos, de um jeito diferente, e eu odiava dias tristes. 

– S/N, espere aqui. Irei verificar as redondezas da barreira. – Kanon avisou, após eu ter feito um pedido sobre poder ir ao riacho que existia aqui perto. – Pode ser perigoso! 

– Eu gostaria de ir, quero conhecer esse lugar! – Pedi com grande curiosidade e Kanon pareceu receoso de deixar. – Não quero ficar sozinha aqui. 

– Tem razão, Saga ainda não está aqui. Então fique perto de mim e atenta! – Se virou e caminhou para fora da casa. 

O acompanhei e olhei ao meu redor, encontrando apenas árvores e mais árvores afastadas que nos cercavam ao redor da casa. 

– Mesmo a senhorita Athena tendo colocado essa barreira, eu sinto que não estamos seguros. – Pareceu ler meus pensamentos e eu suspirei. – Seguros em lugar nenhum. – Foi sincero. 

– Então você pensa o mesmo que eu, sabe do que Hades é capaz. – Não era surpresa Kanon pensar dessa forma. – Nada é impossível para alguém como ele. 

– Eu sei por causa das histórias contadas por Athena. – Me encarou em seguida, continuando a andar. 

– Como ela é uma deusa, inimiga dele por tantos séculos, deve ter passado por muitas situações. – Me lembrei desse fato. 

– Muitos cavaleiros deram as suas vidas e todos os sacrifícios parecem ter sido em vão. – Seus olhos demonstravam tristezas aparentes. – E me sinto culpado pelo o que também causei. – Se recordou do seu passado. 

– Pelo o que fez com Poseidon, não foi? – Segurei suas mãos, parando de andar. 

– Eu mexi com um Deus, estava cego pelo ódio, me deixei levar por pensamentos malignos. Não me orgulho do que fiz. – Apertou minha mão.

– Eu sinto muito, depois que conversei com Poseidon, ele… – Kanon me interrompeu. 

– Você se encontrou com Poseidon?! – Arregalou os olhos, não esperando. 

– Sim, e ele me disse que se sente humilhado por ter sido enganado. Não me pareceu muito feliz. – Contei, não querendo esconder o diálogo que eu tive com o Deus. – O próprio Hades o chamou de imbecil. 

– Era de se esperar, nenhum Deus gostaria de ser enganado por meros seres humanos. – Falou o óbvio. – Acabei atiçando a ira de um Deus. 

Poseidon parecia ser bem mais violento e traiçoeiro que o seu próprio irmão, com toda a certeza não seria uma divindade bondosa igual a Athena. 

Kanon se meteu onde não deveria, e me surpreende ele ainda estar vivo depois de tudo que fez para Poseidon. 

– Merecia estar morto uma hora dessas. – Continuou a caminhar e eu o segui. 

– Não diga uma coisa dessas! – Neguei com a cabeça. – Se culpar por algo que aconteceu há muito tempo atrás não faz bem! Além do mais, isso não vai se repetir pois agora você é uma nova pessoa. 

– Meu irmão diz a mesma coisa, ele também passou por muitas situações e se culpa. 

– O que ele exatamente fez? – Perguntei intrigada. – Se não se sentir confortável em me dizer, podemos mudar de assunto, não é bom ficar relembrando de coisas ruins… 

– Me sinto confortável estando com você, e falar desses assuntos me tira o peso dos ombros. – Me ofereceu um lindo sorriso. – Tudo começou por mim, com todo o meu ódio por Athena que sequer havia nascido naquele tempo, tentei fazer Saga concordar com os meus planos, mas meu irmão não suportando todo o meu ódio, me prendeu na prisão de rochas do cabo Sunion. 

Não pude esconder a minha surpresa em saber que Saga prendeu o próprio irmão em uma prisão de rochas pela extrema maldade do mesmo. 

– Enquanto eu estava preso, eu sabia que Saga tinha um lado malvado dentro de si, mas jamais imaginei que fosse ser uma divindade. 

– Divindade? Quer dizer… – Pensei o pior. 

– Meu irmão foi tomado pelo Ares, o Deus da guerra, um dos inimigos de Athena. 

– O Deus Ares? Isso é surpreendente! 

– Ele tomou o posto de grande mestre do santuário no lugar de Aioros de Sagitário que foi o escolhido, desde então, aconteceram muitas coisas e alguns cavaleiros de ouro tiveram a audácia de concordar com os planos de Ares. – Explicou e eu me surpreendia cada vez mais. – Mas Athena conseguiu resolver todo esse problema. 

– Isso é bom! Fico aliviada que tudo tenha se resolvido, Kanon. Eu imagino o tanto de coisas que ocorreram, peço desculpas por não ter conseguido encerrar essa guerra Santa. – Me culpei. 

– Você não tem culpa, senhorita. – Se aproximou da barreira invisível e a encarou. – Hades não costuma desistir de algo com tanta facilidade assim. 

Me calei em seguida, observando Kanon encostar as mãos na barreira que brilhou ao seu toque. Tudo parecia silencioso e calmo do lado de fora, chegava a ser assustador… 

Encostei meus dedos na barreira que voltou a brilhar, e eu pude sentir a grande energia de Athena que fez eu afastá-los rapidamente.  

– Não sinto nenhum cosmo por perto, está tudo calmo. – A densa energia do cavaleiro em alerta se tranquilizou. – Sem nenhum perigo. 

– Kanon, tem certeza que ninguém nos seguiu? – Perguntei, atenta. 

O riacho ficava fora da barreira, por isso Kanon quis verificar se seria seguro. 

– Não, ninguém nos seguiu. – Saiu da barreira. – Pode vir, mas fique perto de mim. – Avisou. 

Engoli em seco, e em passos lentos saí da barreira, sentindo novamente o pequeno choque térmico da mesma ao entrar em contato. 

– O riacho não fica tão longe. – Estendeu a mão e eu a segurei. 

Kanon me levou até o riacho que ficava escondido dentro da floresta, mas a todo momento observava ao nosso redor. 

O local era um tanto bonito, mas ao mesmo tempo assustador pois não havia luz solar e o clima me assustava.

Algumas flores estavam mortas, outras prestes a nascer, e os galhos de algumas das árvores estavam ressecados por falta de chuvas. Provavelmente não chovia nesse lugar há um bom tempo. 

– É estranho não ter nenhum habitante por perto. – Me agachei e molhei minhas mãos que se tremeram pela água ser tão gélida. – Não tem nada por aqui.

É como se estivéssemos em um local desconhecido por todos, nunca antes habitado, ou até mesmo de anos antigos, minha intuição dizia isso. 

– Como Athena soube deste lugar, Kanon? – Perguntei, observando o rapaz que estava apoiado em uma rocha. 

– É uma boa pergunta. – Pareceu pensar. – Sinceramente eu não sei como. 

– Imagino que ela conheça muitos lugares, mas eu me pergunto como. 

Estava achando tudo aquilo muito estranho, não deveria fazer esses questionamentos sabendo que Athena saberia o que estava fazendo, mas era tudo muito estranho…

– Ele parece ser bem antigo, me lembra lugares mitológicos onde deuses costumavam se apossar. – Leu os meus pensamentos. 

Me levantei em seguida e novamente encarei o local. 

– Estava pensando sobre isso, nos livros que eu li, alguns mostravam imagens de muitos templos e locais que eram dos deuses, mas eu nunca acreditei fielmente. – Me lembrei de quando Hades me disse para não acreditar em tudo o que os livros contavam sobre eles. 

Estava criando diversas hipóteses de que lugar seria aquele que Athena nos colocou, algo me dizia que não era um lugar qualquer, e quando pensava nisso, o pequeno ser que estava em meu ventre parecia querer dizer algo. 

– Athena também nos fala sobre isso, muitas mentiras sobre os deuses são contadas por esses filósofos sem nenhum entendimento, eu já li muitas coisas desagradáveis nesses livros. 

– Você lia? – Me surpreendi. – Gostava dos contos mitológicos?

– Quando mais novo, sim. No santuário há alguns livros gregos, e quando eu não tinha o que realmente fazer, me concentrava na leitura, mesmo odiando as diversas mentiras que são contadas, principalmente da nossa deusa Athena. – Não pareceu gostar e eu ri, divertida. – Algumas dessas versões mancham o perfil dos deuses. 

– Nem sempre os filósofos estão certos. – Suspirei. – Tenho muitas dúvidas se eles viram de perto o que é um Deus. 

A fúria de um Deus é algo que eles desconhecem…

– Ou apenas ouviram falar e resolveram escrever todos os contos. – Deduziu. – Alguns deuses evitam aparecer para seres humanos… – Parou de falar e prestou atenção à nossa volta. 

Um barulho quase inaudível à nossa volta chamou a nossa atenção, deixando eu e Kanon em alerta pelo o que seria. 

Corri para perto do cavaleiro assustada, imaginando o pior, e me escondi por trás de suas costas, pedindo mentalmente que não fosse ninguém, apenas algum animal aleatório. 

Meus coração faltava sair pela boca pelo medo de ser Hades, só de imaginar que seria ele, sentia vontade de chorar. 

– T-tem alguém aqui!! – Gaguejei. 

Kanon continuou em silêncio e caminhou para trás, me protegendo. 

– Porque estão fora da barreira? – Surgiu entre a floresta Saga com um grande roupão branco, encapuzado. 

– Você nos assustou, Saga!! – Kanon o repreendeu seriamente. – Não faça mais isso!!

– Que bom, é ele!! – Suspirei, colocando a mão em meu peito, com o coração aliviado. 

– Não era a minha intenção, mas me preocupei quando não os vi na barreira! – Saga parecia realmente ter se preocupado. – Vocês estão bem? – Perguntou. 

– Estamos, nada aconteceu desde então. – Respondeu. – Como está o santuário, Saga? 

– Está agitado, foram vistos pelas redondezas muitos espectros, mas demos um jeito naqueles infelizes. – Se aproximou de nós, encarando o riacho. 

Estavam me procurando, com certeza, Hades provavelmente havia colocado muitos espectros à minha procura, eu não duvidava… 

– Não foi seguido? – Perguntei, preocupada. 

– Não, com o meu cosmo ocultado e com essas roupas não conseguiram. – Retirou o capuz, deixando os seus longos cabelos azulados escuros à mostra.  

– Os espectros conseguem ser bem espertos, eles podem encontrar qualquer pista e levar diretamente para Hades. Tome o máximo de cuidado, Saga! – Avisei por conhecer aqueles seres horríveis muito bem enquanto estava no submundo e Kanon concordou. 

– Fui acompanhado por alguns cavaleiros de prata até o meio do caminho, por segurança. – Saga parecia atento ao nosso redor. – Porque estão fora da barreira? – Perguntou novamente. 

– S/N quis vir para cá, verifiquei toda a área, e não há nada à nossa volta que possa nos prejudicar, Athena nos colocou em um local bastante seguro. – Explicou Kanon em meu lugar e Saga entendeu. 

Ainda não estava me sentindo totalmente segura, Kanon sabia disso, mas tentava me manter tranquila de que tudo daria certo no fim, eu esperava isso, esperava que Athena ganhasse a guerra santa, assim, Hades iria parar com os seus ideais absurdos. 

Ambos corriam grandes riscos de acabarem morrendo no meio disso, e seria difícil aceitar que meu bebê não iria ter um pai, porém, Hades nos perdeu por conta de seu orgulho ridículo e isso serviria como um castigo para ele.  

– Hades não vai encontrá-los tão facilmente assim, visto que ele não sabe da sua localização, e dentro da barreira nem mesmo os deuses gêmeos seriam capazes de os achar. – Respondeu e eu enrijeci a minha postura por ter me esquecido dos seus subordinados. 

Me lembro bem dos subordinados deuses gêmeos de Hades que o seguem fielmente, com uma devoção nunca antes vista por mim, Pandora também comentava dos mesmos para mim. 

– Eles são problemáticos, Saga, a própria Athena nos fala o quanto eles são poderosos. – Kanon não escondeu o seu receio. 

– Quando estava no submundo, Hades discutia sobre a guerra santa com eles, eram diversos planos, meios de conseguir matar Athena, era assustador. – Cruzei os braços, me recordando de quando estava lá. 

– Os deuses gêmeos conseguem ser bem astutos, principalmente Hades, ele não ganhou as guerras santas por um grande milagre. – Saga falava. 

Depois de tantas guerras frustrantes, Hades não desistiu, demonstrava a sua insistência com grande força e paciência. Eu no seu lugar teria desistido ou melhor, jamais começaria uma guerra apenas para fazer mal às pessoas, que é o que ele faz. 

Ele não cansa, desconhecia essa palavra. 

Me meti onde não deveria, estava arrependida de ter confiado tanto em Hades, criando expectativas inexistentes de que tudo iria se acalmar, e que ele iria mudar para o bem, mas essa ingenuidade não daria em nada. 

Além de estar triste com tudo que aconteceu, estava ressentida pelas suas palavras que me machucaram no jantar de Poseidon, o seu arrependimento não serviu em nada. 

Desconhecia o Hades, para mim ele era um completo maluco que pensava no próprio ego, queria que tudo fosse do jeito dele e que estava correto, mas não é assim… 

Me perguntava o que Afrodite estaria pensando agora que nos afastamos, a deusa esperou boa parte do tempo para que chegasse a hora de ver Hades mudar, mas nada aconteceu desde então. 

Nem mesmo ela suportou tanto ódio, era totalmente compreensível ela ter nos juntado, queria ver ele pagar, passar pelo carma de se relacionar com um ser que sempre julgou a vida inteira e assim, poder sentir amor em seu coração frio. 

Um Deus e um mortal juntos não se via todo dia, era extremamente raro, não existia, eu era o único ser humano junto de um Deus mas que no fim acabou não dando certo. 

A culpa não era minha se Hades não entendia… 

Mas eu deveria olhar para o lado bom, em toda essa confusão surgiu meu bebê, meu semideus, que deveria ser protegido de toda a sua maldade sem cabimento. 

Eu e Kanon voltamos para dentro da barreira acompanhado de seu irmão gêmeo, não poderíamos ficar por tanto tempo fora, e o cosmo em mim, por mais que seja calmo, chamaria a atenção. 

Tudo iria se normalizar, eu voltarei a ter uma vida normal, eu esperava…