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História A Morte de Karla - Capítulo cinco


Escrita por: alemaya

Notas do Autor


Oi!
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Capítulo 5 - Capítulo cinco


Fanfic / Fanfiction A Morte de Karla - Capítulo cinco

Camila

 

Foram raras as ocasiões em que vi qualquer outra parte do México durante o dia, fora a fortaleza. Javier não gostava muito de turismo, nem mesmo de sair de carro nas manhãs de domingo. Passei boa parte da vida presa atrás daquelas cercas, e só saía quando Demi e eu éramos realocadas com as outras garotas, antes que perigosos chefões do tráfico fossem visitar Javier. Era o modo de Javier de nos manter “a salvo” caso algum acordo desse errado.

Mas sempre viajávamos à noite, por isso, apesar da situação em que me encontro agora, fico levemente admirada ao ver pela janela do carro a luminosa paisagem mexicana passando.

Estamos rodando há duas horas.

— Estou com fome — digo.

Alguns segundos de silêncio se passam antes que ela responda:

— Não tenho nada aqui no carro.

— Bom, a gente não pode parar em algum lugar?

— Não.

Se eu conseguisse ao menos fazê-la parar de responder às minhas perguntas desse jeito, ficaria quase satisfeita.

— Se você tem medo de que eu tente fugir — digo, me virando de lado para vê-la melhor —, vá a um drive-thru. Não como nada desde ontem de manhã. Por favor...

— Não tem nenhum drive-thru por aqui.

— E onde é aqui, afinal? — De repente, minha fome fica em segundo lugar. — Pelo menos me conte onde passei os últimos nove anos da minha vida.

Vi uma placa de trânsito há vários minutos, mas não reconheci o nome de qualquer coisa que tivesse visto nos mapas que olhei muitas e muitas vezes, a maioria de um livro escolar americano de 1997.

— Estamos agora 8 quilômetros ao sul de Nacozari de García.

Suspiro, frustrada comigo mesma por não fazer ideia de que lugar seja esse também.

— Você está a menos de duas horas da fronteira americana — diz ela, e isso me deixa atordoada.

Eu me viro completamente no banco, com as costas contra a porta do carro.

— Mas você disse que eu estava... você fez parecer que eu estava a dias da fronteira.

— Não. Eu só informei que a distância era maior do que eu pretendia percorrer com você como companhia.

Cruzo os braços furiosamente. Nem imagino de onde tiro coragem para ficar com raiva de alguém como ela e dar alguma indicação disso, ainda por cima. Lembrando rapidamente onde estou e com quem estou, assumo minha expressão tímida de novo.

— É para lá que você vai? — pergunto. — O homem que você deve matar para Javier está nos Estados Unidos?

— Sim.

Silêncio.

Eu caio no choro. As lágrimas vêm do nada, queimando meus olhos e nariz. Mas não estou chorando porque estou muito perto de casa, estou chorando porque a personalidade estranha e indiferente dela e suas respostas monossilábicas são o suficiente para que eu queira, figurativamente, me matar. Soluço na palma das mãos, pondo para fora meu medo e minha frustração com a americana, com tudo mais que trago em mim: o alívio por ter finalmente fugido, o medo de ser mandada de volta para lá, a preocupação pela surra que Izabel vai dar em Demi, o simples fato de eu estar em uma situação muito longe de ser fácil de resolver, meu estômago vazio, minha garganta seca, os dois dias sem banho, o fato de que posso morrer a qualquer momento. A única coisa boa que me ocorre é que ainda estou de fato viva e não tão longe de casa quanto pensava.

Sinto o carro virar à direita quando ela pega outra estrada.

Olho para ela, fungando para engolir o resto das lágrimas. Enxugo as bochechas com as mãos. Ela não diz nada, não tenta me consolar nem faz perguntas. Não parece se importar, e eu também não me importo muito com o fato. Não esperava mesmo isso dela.

Mais ou menos meia hora depois, paramos na frente de uma velha loja de conveniência à beira da estrada. Só há uma picape parada ali, um Ford branco com as portas enferrujadas.

— Se quiser comida — diz a americana, desligando o motor —, entre e coma.

Fico surpresa por termos parado, e para que eu possa comer. Ela vai até meu lado do carro e abre a porta, provavelmente para ficar junto de mim o tempo todo, e não por cavalheirismo.

Fica de pé ali, esperando pacientemente que eu saia. Eu saio, por fim, depois de enfiar os pés descalços nos meus chinelos de dedo, que esperam no assoalho do carro.

O lugar não pode ser chamado de lanchonete de beira de estrada; acho que precisaria de algumas mesas a mais para isso, mas tem um lugar para sentar e comer, em um canto escuro perto da única porta. Peço um sanduíche: é de frango daqueles congelados, para esquentar no micro-ondas; a americana, nada além de café preto. Nós duas parecemos perdidas aqui.

Ambas, é óbvio, ela usando uma calça jeans preta cara e coturnos pretos, que já devem ter sido lustrosos, mas que agora estão cobertos por uma fina camada de poeira. Sei que devo estar cheirando muito mal. Nem lembro quando foi à última vez que usei desodorante.

Engulo metade do sanduíche e tomo quase toda a garrafa de água. Aprendi há muito tempo a jamais tomar água por aqui. A não ser que venha de uma garrafa lacrada, provavelmente me fará passar mal.

A americana toma seu café aos poucos, lendo algum tipo de jornal local. Se eu não soubesse a verdade, poderíamos quase passar por um casal lesbico tomando café da manhã em qualquer cidadezinha americana. Eu só tenho 23 anos, e ela parece ser mais velha do que eu, 25/26 anos, talvez. Se eu não soubesse o que ela era e apenas a visse sentada aqui um dia, como ela está agora, com os pés no chão e os cotovelos em mangas de camisa social apoiados na mesa, com os cabelos jogados de lado, eu a acharia atraente, para alguém mais velha. Ela tem maçãs do rosto salientes e olhos verde-azulados penetrantes que parecem conter tudo sem revelar nada. Acho notável como ela me apavora mais do que Javier jamais apavorou, mesmo sem precisar dizer uma palavra. Ao mesmo tempo, sinto que estou melhor com a americana do que jamais estive com alguém como Javier.

Ao menos por enquanto. Isso vai mudar, tenho certeza, quando ela tentar me devolver para Javier.

Mas eu morro antes de permitir que isso aconteça.

— Você pretende me dizer seu nome? — pergunto.

Ela ergue os olhos do jornal sem mexer a cabeça.

Sinto imediatamente que ela não quer me contar e se envolver tanto com sua “refém”, mas por fim resolve me agradar:

— Lauren.

Fico tão surpresa por ela ter me contado que levo um segundo para pensar no que dizer a seguir.

Tomo um gole d’água.

— De onde você é? — pergunto.

Vale à tentativa.

— Por que não termina de comer? — sugere ela, voltando a ler o jornal.

— Você sabe meu nome. Sabe de onde sou. Por que não me distrai um pouco, Lauren? — Meu tom amargo de voz não foi acidental.

Imagino que, se ela fosse me matar, eu já estaria morta, então não tenho tanto medo dela quanto minha consciência diz que eu deveria ter.

Ela suspira, entediada, e balança um pouco a cabeça.

— Nasci em Boston — diz ela. — Tenho uma irmã. Um ano mais nova que eu. Minha mãe está em algum lugar de Budapeste. Meu pai está morto. Ele foi o primeiro que eu matei.

O pouquinho de bravura que eu havia reunido se esvai pelos poros na hora. Olho cuidadosamente para ambos os lados, procurando o homem atrás do balcão que nos vendeu a comida. Ele está do outro lado da loja, varrendo o chão, sem prestar um pingo de atenção em nós.

Olho de novo para... Lauren, engolindo nervosamente o que me resta de saliva na boca.

— Você matou seu pai? — Tenho que acreditar que foi por algum motivo óbvio: o pai batia na mãe dela, alguma coisa desse tipo.

Ela assente.

— Por quê? Quantos anos você tinha?

— Acho que você já sabe o suficiente a meu respeito — diz ela, tomando um gole de café, segurando delicadamente o copinho branco de isopor com seus dedos longos e bem cuidados.

— Você pediu para saber mais sobre mim e eu contei. Foi um favor. Não um convite para fazer mais perguntas.

Eu me pergunto por que ela me contou uma coisa dessas, para começar. Talvez só esteja tentando me dominar pelo medo, para que eu pare de falar de uma vez.

Eu me levanto da mesinha. Ela ergue os olhos do jornal de novo.

— Preciso usar o banheiro — informo.

Deixando o jornal na mesa ao lado do café, ela fica de pé para me acompanhar. Ela me segura delicadamente pelo pulso e eu encolho o braço, fazendo que não com a cabeça.

— Posso ir sozinha — insisto.

— Sim, mas eu vou com você.

Cruzo os braços e pisco, surpresa.

— Você não está falando sério. Não vou usar o banheiro com você ali.

— Então não vai usar, sou uma mulher também se não percebeu.

Minha boca se abre e eu inspiro rápido. Meus olhos vão e vêm entre ela e a porta atrás, que espero que seja de um banheiro, não há nenhuma placa clara indicando nada. Percebo seu aborrecimento comigo transparecer um pouco em seu rosto; eu me sinto como se tivesse interrompido seu ritual noturno de tomar um copo de vinho ouvindo música clássica.

Não levo muito tempo para entender, na verdade.

— Duvido que vá ser como nos filmes — digo. — Eu fugindo pela janela depois que você toma a decisão infantil de me deixar usar o banheiro sozinha. — Tento não bancar a espertinha; só estou salientando o óbvio. Espero que ela entenda isso.

— É pegar ou largar — diz ela. — Se você não for agora, vai ter que segurar por um bom tempo.

Mordo a bochecha por dentro.

— Tudo bem — aceito, cedendo, e começo a andar à sua frente.

Ela me segue até o banheiro. Há apenas uma privada, que parece nunca ter sido lavada nas décadas desde que está ali. Quatro paredes sujas com tinta descascando e uma marca de queimado perto da janela minúscula, através da qual duvido que eu consiga me espremer se tivesse a chance de tentar. O cômodo é tão pequeno que, estendendo a mão, eu poderia tocar no bumbum (e que bumbum) da Lauren, parada na porta de costas para mim, com as mãos unidas na frente do corpo. Fico apenas um pouco constrangida, infelizmente, fazer xixi diante de uma maníaca também não é algo novo para mim, abaixo o short e a calcinha e me sento. Quando termino, preciso esperar até parar de pingar. Papel higiênico é realmente um luxo que os americanos passaram a achar corriqueiro.

Enquanto me visto, noto de trás que os ombros de Lauren ficam tensos. E então ouço vozes, como se alguém tivesse entrado na loja.

Lauren enfia a mão na parte de trás da calça, por baixo da camisa, puxando uma arma, seu dedo indicador já no gatilho.

— O que foi? — pergunto, amedrontada; minhas mãos já estão tremendo.

Lauren abre uma fresta da porta e olha para fora, pondo a mão livre para trás, como que me pedindo para ficar quieta.

Então ela se vira para mim rapidamente e sussurra:

— Fique aí.

E antes que eu possa questioná-la ou protestar, desaparece porta afora, e mais uma vez estou escondida dentro de um banheiro. Só que este não tem uma banheira para ajudar a me proteger de balas perdidas, e eu não acho isso nada reconfortante.

Apesar do medo, não consigo deixar de tentar ver o que está acontecendo, por isso vou até a porta, abro uma fresta, como Lauren fez, e encosto o corpo nela, espiando. Meu hálito quente e irregular preenche o pequeno espaço entre a porta e meu rosto. Mal consigo enxergar o balcão onde o dono da loja está encostado, com a vassoura ainda nas mãos envelhecidas e gorduchas. Mas não consigo ver o rosto dele. Nem Lauren. Vários longos segundos cheios de ansiedade se passam, e ainda nenhum tiro. Interpreto isso como um bom sinal. Noto uma silhueta passando pela minha linha de visão, mas não é Lauren. Então um homem aparece.

Ouço vozes falando em espanhol, embora não sejam totalmente claras para mim aqui atrás da porta. Algo sobre uma peça de carro, e alguns segundos depois o dono da loja diz que tem a peça, mas que vai precisar pegar nos fundos. Ainda não vejo sinal de Lauren. Será que ela me largou aqui? Pensar nisso, estranhamente, me deixa com mais medo ainda, e eu abro a porta só mais um pouco, tentando ver melhor. De início, meu pânico injustificado de ser deixada sozinha aqui me faz questionar minha sanidade, mas depois percebo mais uma vez que, apesar de Lauren ser uma assassina e de eu estar sendo usada como moeda de troca em um perigoso jogo de pague-ou-morra, ainda sou uma garota sozinha nas partes mais perigosas de um país que não é o meu.

Gostando ou não, Lauren é minha única proteção até eu cruzar aquela fronteira, e vou ficar com ela o tempo que puder, apesar de precisar desesperadamente fugir dela também.


Notas Finais


E ai?????
Desculpe os erros.
Aviso que camren vai demorar só um pouquinho pra acontecer, pois elas se conhecer pouco tempo para morrer de amores uma pela outra.
Logo, logo terá pov Lauren
Abraços


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