Semanas depois já estávamos seguindo nossas rotinas. Uma manhã Thor me procurou.
— Irmão tenho um pedido para lhe fazer — falou com uma expressão sombria.
— Sou todo ouvidos. Ajudarei no que for possível — tentei parecer o mais solícito o possível.
Vinha me esforçando ao máximo para parecer redimido e arrependido. Eu ainda queria o trono de Asgard e faria de tudo para consegui-lo. Parecer o “bom irmão conselheiro” não estava sendo fácil. A espera por minha oportunidade de governar definitivamente Asgard estava sendo longa demais.
— Eu preciso ir a Midgard ver Jane — começou a falar com aquele seu jeito apaixonado. — Sendo assim, preciso que fique no meu lugar. Que cuide de tudo e tome as decisões necessárias em meu lugar — revelou. — Espero poder contar com sua ajuda — o tom pareceu levemente receoso.
Fiquei surpreso. Thor iria pela primeira vez confiar a mim, voluntariamente, o poder sobre Asgard. Quase deixei escapar um sorriso vitorioso. Seria a oportunidade perfeita para demonstrar a minha “mudança”.
— Claro que posso cuidar de tudo — abri um sorriso tímido, tentando conter minha empolgação. — Você sabe que sei administrar Asgard — lembrei-o.
— Lembre-se de que se tentar me trair, não terei piedade — alertou-me. — Nem Aredhel poderá lhe salvar. Pense nela, que é sua esposa e confia tanto em você.
— Já que não confia em mim, acredite, pelo menos, em meu trabalho — rebati. — Sabes muito bem que eu soube conduzir divinamente o governo de Asgard depois que Odin entrou em seu sono — afirmei convicto.
— É exatamente em suas habilidades de governança que estou depositando minha confiança — encarou-me visivelmente desconfiado.
— Garanto que não se arrependerá — falei calmamente.
— Assim espero — retrucou.
No dia seguinte, Thor me entregou a Gungnir de Odin. Mal podia conter a excitação. Aredhel, Sif, Fandral e Volstagg estavam lá nesse momento, tinham ido se despedir de Thor. Todos, com exceção de Aredhel, me olhavam de soslaio, claramente desconfiados.
— Diga a Jane que mandei um abraço — disse Aredhel para Thor e lhe deu um abraço.
— Direi, pequena... — ele sorriu de volta.
— Não se preocupe, ficaremos de olho em seu irmãozinho — Volstagg soou sarcástico.
— Se não confia nele, então confie no que eu digo — interferiu Aredhel. — Ele não o decepcionará — declarou austera.
— Obrigado a todos. Até breve — respondeu Thor se encaminhando para a Bifrost.
Mais tarde naquele dia eu estava sentado no trono com o pensamento distante, quando Aredhel entrou.
— Então — deu seu característico sorriso cínico —, como é estar novamente sentado neste trono? — cruzou as mãos à frente do corpo e me encarou.
— Igual — dei de ombros. — Ele continua não sendo meu. A única diferença é que dessa vez não estou fingindo ser outra pessoa. Bom... Não muito... — disse ironicamente.
— Sei — ela riu de leve. — Esse seu jeitinho conformado nunca me enganou. Pense que, pelo menos, isso o aproxima de seu objetivo — fez uma pausa com um semblante pensativo. — Acho que sei algo que poderá acelerar essa sua escalada ao poder — lançou-me um sorriso cínico e se aproximou.
— Continue — pedi curioso.
— Você já pensou na possibilidade de devolver a Casket para Asgard? — perguntou arqueando uma sobrancelha com um brilho malicioso no olhar.
— E por que eu faria isso? — inclinei-me na direção dela e estreitei os olhos.
— Bom, acredito que Thor ficaria impressionado com sua atitude — começou a falar de um jeito displicente. — Diria até orgulhoso — fez um floreio com as mãos. — Você não precisa dela. E ela ficando em Asgard, logo estaria sob seu comando, assim que virasse rei — explicou.
A astúcia de Aredhel às vezes me surpreendia. Lembrei-me dos livros de Midgard que ela me deu para ler. A sua maioria eram de estratégia e domínio. Eu tinha que admitir, os Midgardians eram mais espertos do que eu imaginava. Eu os subestimei demais. Poderiam ser bem menos inteligentes e mais atrasados, mas alguns deles eram dotados de uma perspicácia superior aos dos demais, que os tornavam levemente interessantes.
— Bom... — dei um pigarro. — Talvez dê certo — concordei pensativo. — Thor é bobo o suficiente para não enxergar as reais intenções por trás deste ato — não contive a ironia.
— Não devia falar assim dele — ralhou. — Ele é seu irmão e ama você. Quer confiar em você — meneou a cabeça.
— Eu sei Aredhel — deixei escapar um suspiro impaciente.
Por mais que eu tivesse “mudado” meu comportamento, meu relacionamento com Thor não voltara ser o que era antes. Aredhel esforçava para nos aproximarmos, mas, na verdade, eu duvidava que um dia voltaríamos a ser como éramos quando mais jovens.
— Mesmo não tendo tido a intenção — ela prossegui —, fiquei feliz de você ajudar seu irmão. Ele sofre muito por viver distante de Jane — comentou.
— Ele sofre porque quer — bufei. — No lugar dele eu já a teria trazido à força.
— Ah! — espantou-se. — Então se fosse eu na Terra, você teria me trazido a força? — perguntou meio rindo.
— Aredhel... Você não faz ideia do quanto eu queria tomá-la para mim... — ri. — Eu nunca lhe contei, mas antes de lhe trazerem de volta, eu já estava planejando seu sequestro. Eu já tinha decidido, iria até seu mundo trazê-la de volta. Você seria minha. Custasse o que custasse — confessei.
Aredhel fitou-me surpresa.
— Custasse o que custasse? — repetiu. — O que você quer dizer com isso? — perguntou estreitando os olhos.
— Você sabe — falei calmamente e ela continuou me encarando aturdida. — Faria tudo. Não importaria se você se oporia ou não... Se ainda me amava ou me esquecera... Querendo ou não, eu a teria — fui sincero. — Como seu povo diz... Os fins justificariam os meios — sorri.
Ela ficou boquiaberta, visivelmente chocada.
— Você me conhece — aproximei meu rosto do dela. — Desistiria de minha alma por você.
Ela engoliu em seco, deu um suspiro e depois ficou meio pensativa.
— Então — falou repentinamente —, vai entregar a Casket?
— Vou — revirei os olhos. — Tomara que seu plano dê certo. Vamos esperar Thor retornar.
Nos dias seguintes estive bem ocupado, mas, ainda assim, notei certa mudança no comportamento de Aredhel. Ela andava sombria e melancólica. Ao entrar no quarto uma noite a encontrei sentada na varanda olhando para o céu com um semblante triste.
— Quando você vai me dizer porque anda tão distante? — surpreendi-a.
Aredhel virou-se de supetão e forçou um sorriso para mim.
— Eu não estou distante, estou bem — respondeu desviando o olhar do meu.
Aproximei-me dela e ergui seu rosto fazendo-a me encarar.
— Aredhel, você mente tão mal — meneei a cabeça. — O que anda lhe deixando tão triste?
— Meu aniversário... — murmurou — Ele está chegando... — revelou tristonha.
— Humm. Costume dos Midgardians — fiz um muxoxo. — E quando será?
— Sexta-feira — disse cabisbaixa.
— Mas vocês não costumam comemorar? Não entendo sua tristeza.
— Vou fazer vinte e nove anos — bufou meio contrariada.
— E qual é o problema? — perguntei meio impaciente com aquele mistério todo.
— Só agora percebi uma coisa — ela parou e me olhou. — Eu vou envelhecer mais rápido que você — franziu o cenho. — Agora já não sei se quero viver muito — deu de ombros e riu nervosamente.
— Isso não importa. E não fale besteiras — retruquei irritado e abracei-a.
Ela ficou quieta e pensativa. Eu, por outro lado, fiquei angustiado.
— Eu vou continuar te amando — sussurrei ao seu ouvido —, mesmo velhinha — beijei sua fronte.
Chegara o dia do aniversário de Aredhel. Levantei-me cedo e saí para procurar algumas flores para Aredhel. Colhi as que eu sabia que Aredhel gostava, como jasmim e rosas e fiz um grande buquê. Também aproveitei para lhe presentear com outras que só existiam em Asgard. Ordenei que preparassem um café da manhã especial e levassem para o quarto.
Aredhel ainda estava dormindo quando retornei dos preparativos. O café já esperava em uma mesinha. Sentei-me na cama e acariciei seu rosto.
— Aredhel, acorde... — chamei-a baixinho.
Ela acordou meio sonolenta, mas logo me deu um sorriso.
— Bom dia amor — murmurou se espreguiçando.
— Feliz aniversário — falei em meio a um sorriso e entreguei as flores.
Ela abriu um largo sorriso. Radiante como o sol. Pegou as flores e as cheirou, toda corada.
— Obrigada Loki... São lindas... — murmurou envolvendo o buquê como se o abraçasse.
Sentamos para tomar café juntos. Ela também adorou essa parte da surpresa. Fiquei feliz de vê-la tão animada e diferente do que estava nos dias anteriores. Era bom poder esquecer da efemeridade dela, mesmo que fosse por um dia.
Infelizmente, terminado o café, passei o resto do dia sem vê-la, pois estava muito atarefado. À noite, quando finalmente poderia reencontrá-la, ela já estava dormindo. Senti-me meio culpado por passar esse dia, tão especial para ela, longe. Prometi a mim mesmo recompensá-la depois.
Passei o resto dos dias, até o retorno de Thor, extremamente ocupado. Acabei deixando de lado tanto Aredhel quanto minhas visitas à biblioteca. A arrumação dos livros ficou suspensa mais uma vez, assim como a busca pela longevidade de Aredhel.
Duas semanas depois de partir, Thor retornou. Conforme o combinado eu entreguei a Casket a ele. Thor recebeu a relíquia de forma animada, chegou a me dar um abraço, todo orgulhoso de meu ato. Isso me deu a certeza de que eu avançava mais rumo a minha meta: a conquista do trono.
Após seu retorno, Thor me deu um dia de folga. Como estava em dívida com Aredhel pelo aniversário, aproveitei a ocasião para compensá-la. Pensei em levá-la para passear na floresta próxima ao palácio. Ela já vinha montando a cavalo regularmente, mas só no local de treinamento dos cavalos, então imaginei que era hora dela ganhar mais confiança e constatar o que aprendera.
— Que tal um passeio na floresta? — sugeri. — Quero ver como está montando e o quanto evoluiu.
— Ah! Eu adoraria! — respondeu toda sorridente.
Fomos até o estábulo e pegamos os cavalos. Saímos despreocupadamente trotando pela floresta. Aredhel, mais uma vez, estava encantada com a paisagem. Ela pouco saía do palácio. Vivia estudando e treinando muito.
Aos poucos fomos aumentando a velocidade e ela demonstrava dominar bem o animal. Cheguei a ficar surpreso ao vê-la correndo em zigue-zague por entre as árvores, sem perder a postura. Mais do que parecer à vontade, ela parecia livre e feliz.
Ao final do passeio, na saída da floresta, paramos por um tempo à sombra de uma árvore frondosa.
— Estou muito orgulhoso de você — disse com sinceridade. — Antes era toda medrosa, tinha medo dos animais. Agora já corre — comentei empolgado.
— Eu disse que ia me esforçar — falou orgulhosa. — Aprendi a gostar da sensação de liberdade que sinto quando estou montando. Além disso, eu amo velocidade.
— Por falar nisso... Você já corre muito bem Aredhel. Que tal apostarmos uma corrida até o estábulo? — sugeri.
— Não é justo — fez uma careta. — Você já monta a mais tempo que eu. Muito mais tempo — deu ênfase a palavra “tempo”. — Vai ganhar com certeza — fez um muxoxo.
— Eu lhe dou uma pequena vantagem... Alguns segundos...
— Sendo assim, o que vamos apostar? — questionou esfuziante.
— Um desejo. Quem perder terá que fazer o que o outro pedir — dei um sorriso provocativo.
— Qualquer coisa? — perguntou com um brilho cínico no olhar.
— Qualquer coisa! — confirmei.
— Certo! Então está apostado! — sorriu maliciosamente.
Alinhamo-nos e Aredhel partiu na frente. Segundos depois eu disparei em seu encalço. Ela seguia bem a minha frente, mas aos poucos a vantagem foi sendo reduzida, até que, alguns metros antes de uma ponte, eu a ultrapassei com facilidade.
Eu já estava quase chegando aos estábulos quando ouvi um cavalo relinchar, seguido de um baque surdo e o barulho de algo caindo na água. Olhei para trás e vi o cavalo de Aredhel sozinho na ponte.
Senti uma pontada no peito e um calafrio percorrer minha espinha. Rapidamente presumi que ela caíra no rio. Aquilo não estava acontecendo. Dei meia-volta e cavalguei desesperadamente em direção da ponte. Repetia mentalmente para mim “Que ela esteja bem”, tentando conter meu desespero. Eu não poderia perdê-la.
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