Nathaniel, completamente recomposto, agradeceu-me mais uma vez pela ajuda e, em seguida, prolongou o nosso diálogo:
— Então, você já se decidiu? — Perguntou Nathaniel, mostrando muita gentileza.
— Sobre o quê? — Questionei, confusa e surpresa.
— Vai continuar aqui na escola? — Insistiu, com um riso afável.
— Ah... Bem, não sei ainda. Sinto-me deslocada, como se fosse uma intrusa... — Expliquei, com alguma inibição.
— Mudanças nunca são fáceis, porém, são necessárias. Fazem-nos crescer, amadurecer... Claro, no início são estarrecedoras, mas depois, tudo se ordena — Discursou, como se fosse um versado no assunto.
— Sim, eu sei... Para ser sincera, sempre me senti uma intrusa, até mesmo na minha antiga escola... — Confessei impensadamente.
— E por quê? — Indagou, um pouco espantado — Quero dizer... É... Responda se você se sentir à vontade... — Completou, corrigindo o tom.
— Não, não, absolutamente. Sempre me senti deslocada porque... Porque... Enfim, tenho alguns gostos, digamos, atípicos — Respondi, caminhando entre a incerteza e a educação.
— É mesmo? E quais seriam? — Questionou, com certo entusiasmo.
— A maioria das garotas da minha idade gosta de falar sobre... Sobre assuntos... Femininos... E estes me deixam aborrecida... — Confessei, ainda arredia.
— Femininos? — Insistiu, fixando-me atentamente.
— Sim, sabe... Maquiagem, moda, boy bands, garotos, divas pop. Esse tipo de assunto — Expliquei francamente.
— Hum... — Ponderou, como se duvidasse do que eu dizia — E você gosta de falar sobre...? — Perguntou desafiadoramente.
— Música, literatura, artes plásticas, teatro, cinema, tecnologia, na verdade, tenho diversos interesses... — Argumentei, cruzando os braços.
— Literatura é? Gosta de Crepúsculo? — Questionou, com um olhar visivelmente desafiador.
— Não! Que horror! Literatura barata de mercado me dá asco. E outra, é uma história de menininha, tola, sem elaboração... — Rebati, sentindo-me um pouco ofendida.
— Nossa! É a primeira garota que não se interessa por esse livro! — Exclamou maravilhado.
— Então, pelo visto, nesta escola vou continuar sendo a “esquisitinha” — Concluí, fazendo aspas com os dedos para assinalar a última palavra.
— Depende... — Refletiu, com ar de interesse — Diga, quais livros te fascinam? — Perguntou, fitando-me atentamente.
— Gosto de clássicos, mas também de alguns autores contemporâneos... Os românticos e realistas me maravilham. Ah, difícil escolher apenas um livro! — Respondi, perdida entre sonhos e encantos — O último que li foi Dom Quixote de La Mancha. Que história extraordinária! Difícil saber se ele era realmente um insensato ou se apenas interpretava a figura de um louco... Tantas análises e teorias possíveis em apenas uma história! — Concluí, ainda mais entusiasmada.
— Dom Quixote! — Exclamou, mostrando-se espantado.
— Sim... Algum problema? — Indaguei, novamente com o pé na realidade.
— Não, nenhum, só que... Entenda, sem querer generalizar, a maioria das pessoas da nossa idade não se interessa por um livro tão longo e complexo como esse — Explicou, um pouco intimidado.
— Sim, eu sei... — Lamuriei, certa de que estava diante de outro rapaz qualquer.
— Mas, diga-me, o que você acha de Edgar Allan Poe? — Perguntou, ajeitando o colarinho da camisa.
— “Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais! Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais” — Recitei altiva.
— “Disse o corvo, Nunca mais” — Completou, em júbilo.
— Nossa! Você foi o único rapaz que completou corretamente isso! — Exclamei radiante.
— Viu? Você já não é mais uma estranha, ou uma solitária nessa escola. Assim, pode matricular-se tranquilamente — Argumentou, com um brilhante sorriso.
— Hum... Quem sabe... — Disse misteriosamente, mas sem esconder a satisfação que sentia — De qualquer forma fiquei feliz em saber que há mais alguém neste mundo que se interesse por literatura — Completei, descruzando os braços.
— Eu digo o mesmo! Quero dizer, converso muito com Melody sobre literatura, mas temos gostos um pouco diferentes... Ela gosta mais de livros com histórias de amor, já eu... — Esclareceu, ainda sorridente.
— Bem, eu também gosto de histórias de amor — Disse receosa.
— Mas, só de histórias de amor? — Perguntou, já não parecendo muito contente.
— Não. Gosto de histórias de magia, mistério, ficção científica... Em resumo, leio o que parece ter qualidade — Expliquei firmemente.
— Então, esta é a questão: gosto de romances policiais, de histórias com mais ação e suspense. Mas, também me interesso por outros tipos. Já Melody gosta apenas de romances românticos — Respondeu, com o tom de alguém que julga secretamente.
— Mas, isso não é grave, é apenas uma questão de gosto — Refleti tranquilamente.
— Sim, mas é bom encontrar alguém com gostos mais próximos dos meus — Justificou, novamente deixando a sua face se iluminar — De qualquer forma, se você por acaso não matricular-se, pelo menos não deixe de aparecer por aqui... De vez em quando... Para falarmos mais sobre livros... — Completou embaraçado e um pouco enrubescido.
— Com prazer! Bem, com licença, agora preciso ir. Vou passar a tarde pesando os prós e contras. Pretendo tomar uma decisão hoje à noite — Disse educadamente, tentando finalizar a conversa.
— Muito bem! Ah, se você resolver ficar, não deixe de passar na minha sala — Convidou, timidamente — Sabe, sou o presidente do Grêmio Estudantil. Então, bem, se precisar de algo... — Justificou, como alguém que não deseja ser mal interpretado.
— Obrigada! Você parece ser alguém prestativo e responsável, então, se eu precisar de algo... — Respondi educadamente, realmente agradecida pela cortesia.
— Bem, então... Até logo! — Despediu-se, com um sorriso simpático.
— Até breve! — Finalizei, tentando retribuir o sorriso.
Saí calmamente do prédio, que estava praticamente vazio. Restavam apenas alguns poucos alunos — que ou estavam flertando, ou falando ao celular. Que sensação estranha. Era a primeira vez que tinha conversado tão calmamente com um rapaz. E por tanto tempo! E sobre um assunto fora do comum. Claro, Ken não conta, ele era quase um irmão mais novo. Gostaria de ter tido essa conversa com o professor Faraize... Mas, enfim... Pelo menos Nathaniel era um belo rapaz: olhos cor de mel — e devo dizer que pareciam ter a mesma doçura —, cabelos loiros e lisos, com uma feição calma, gentil e séria. Muito cortês, admito. Pelo nível da conversa, deve ser inteligente, com ótimas notas. Vestia-se de modo atípico, com roupas sociais, algo incomum para um rapaz daquela idade: camisa branca, calças e sapatos marrons e gravata azul... Nossa! Gravata! Isso sim é algo fora do comum!
Estava já fora do prédio quando ouvi alguém chamar-me. Era Ken — que surpresa! Nossa, ele não era um parasita, mas sabia bem como viver agarrado em alguém.
— Carmen! Como estou feliz em te ver! — Exclamou festivo, correndo em minha direção.
—Nossa! Você fala como se não me visse há séculos! — Ironizei, olhando-o com aborrecimento.
— Qualquer minuto longe de você é uma eternidade! Escuta, estava esperando você sair para te fazer uma proposta irresistível — Explicou, sem se importar com a minha postura fechada.
Essas palavras foram como lâminas quentes para os meus ouvidos. Tinha medo do que iria ouvir...
— É mesmo? — Indaguei, esperando o pior.
— Queria acompanhar você até o seu prédio! — Disse, com olhos faiscantes.
— Ah... Então...
Rápido, Carmen, pense em uma desculpa! Vamos, você é inteligente, não é preguiçosa, diga algo, escape desta situação!
— Ah, sinto muitíssimo, porém, não vou para o meu apartamento agora — Repliquei, dissimulando grande tristeza.
— Não tem importância! Diga para onde você vai que eu te acompanho sem problemas! — Rebateu, insistente como sempre.
— Eu vou ao parque. Mas, gostaria de ficar sozinha hoje, tenho que refletir... Espero que entenda... — Argumentei, com um ar mais sério.
— Ah... — Respondeu desapontadamente.
— Quem sabe outro dia... — Disse, dissimulando uma proposta gentil.
— Sem problemas! Até amanhã! — Despediu-se, novamente contente.
— Bem, não sei se vamos nos ver amanhã... — Observei imperturbável.
— Por quê? — Questionou, quase gritando.
— Como eu disse, não sei se vou ficar nesta escola... — Relembrei, com um tom mais sério.
— Mas, sabe, não importa! Se você resolver continuar na nossa antiga escola, eu saio desta também! — Respondeu, com um grande sorriso amoroso.
— Bem, a decisão é sua — Disse após suspirar, visivelmente incomodada.
— Seria capaz de fazer como Dante: descer até o mais profundo inferno por você. Sabe, estou lendo A divina comédia por sua causa — Explicou, aproximando-se de modo insinuante.
— Hum, interessante... — Observei desinteressada, afastando os nossos corpos.
— Bem, vou indo... Até! — Despediu-se novamente, com um sorriso ainda mais apaixonado.
— Até — Respondi, suspirando aliviada.
Rapazinho mais incômodo. Até gosto de sua companhia, porém tem vezes que ele simplesmente desconhece o significado da palavra limite. Bem, pelo menos me livrei dele. Não iria me agradar que Ken descobrisse onde moro... Estranho como é...
— Se quiser, dou uma surra no imbecil e deixo tu livre dele pra sempre — Disse uma voz estranha.
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