— Vinte anos, majestade — disse o espelho mágico. — O feitiço de proteção que as fadas lançaram no castelo de Branca de Neve durará vinte anos.
A rainha desviou os olhos, brilhando como tochas acesas. Mas o espelho viu seus músculos do rosto se contraindo. Ela estava furiosa.
— Maldita Branca de Neve…sempre se escondendo por trás dos feitiços idiotas das fadas — disse ela, e então se virou, aproximando-se do espelho com passos lentos e ameaçadores. — Por que tanto tempo?
— Não sei, majestade. Sinto muito.
— Imbecil…você nunca sabe de nada — ela rangeu os dentes e quase atirou uma bola de fogo contra o objeto falante, mas se conteve.
Uma raiva fria e amarga pairava em seu coração já endurecido. Ela ergueu a taça de vinho e em vez de levá-la aos lábios, atirou contra o espelho. A taça desapareceu. Parecia ter sido engolida pelo rosto aprisionado do outro lado. Mas o líquido não atravessou o confim, se espalhou pelas bordas como sangue.
— Rumpelstiltskin! — o grito saiu mais alto do que ela pretendia.
E numa fração de segundos, o mago corrompido e ganancioso apareceu. Deixando escapar o seu já tão conhecido sorrisinho, ele inclinou levemente o tronco para frente, fazendo uma reverência diante dela.
— Majestade, a que devo a honra do seu chamado?
— Você sabe perfeitamente o motivo de estar aqui. Não se faça de bobo, nem me faça perder a paciência.
— Ora, ora. Além de não responder suas perguntas, seu espelho de estimação ainda rouba o bom humor de vossa alteza. Acho que ele está com defeitos. Quer um conselho? Deveria espatifá-lo!
— Por que o feitiço de proteção que as fadas lançaram no castelo e em todo o reino durará vinte anos? — ela indagou, ignorando completamente o comentário dele.
— Essa informação tem um preço…
— E o seu silêncio também.
— Um filho. Ou melhor, uma filha — notando o desconserto e o espanto nas feições da rainha, Rumpelstiltskin sorriu antes de ir adiante. — Vossa majestade vai ganhar uma nova inimiga: a salvadora. A filha de Branca de Neve e do príncipe encantado. As fadas vão agraciar a criança com um dom esplêndido ainda no berço: beleza, força, bondade, dignidade, inteligência, perspicácia…
Enquanto ouvia o discurso do feiticeiro, a rainha má jurou que viraria essas qualidades contra a própria salvadora, e que elas não lhe trariam nenhuma felicidade. Até mesmo a bondade lhe causaria angustia e ela nunca teria paz.
20 anos depois…
Durante vinte anos, Branca de Neve conseguiu proteger o seu povo das crueldades e vontades insanas impostas pela rainha má. Com essa longa atuação, ela reafirmou seu direito não apenas ao trono, mas também ao lugar do lado do marido. Ela provou para a rainha que já não era aquela garota ingênua e inocente que assistiu a morte do pai sem poder fazer nada. Mas os perigos e as exigências na floresta encantada só aumentaram enquanto Branca de Neve tentava prolongar o feitiço ao lado das fadas, mas era impossível. Já havia durado demais. E quantos inimigos, conhecidos e desconhecidos, ela fez com o passar do tempo? Branca de Neve sabia que a rainha conseguira montar um exército e dominar os reinos vizinhos sem qualquer dificuldade. O mesmo aconteceria com a floresta encantada? Regina e seu exército atacariam o castelo e assumiriam o poder?
— Branca, o que você tem?
David se levantou da cama e lentamente se dirigiu até ela. Ele engoliu em seco, enquanto as mãos pesadas pousavam devagar sobre os seus ombros tensos. Girando-a, ele fitou seu rosto. Perplexo, notou um grande desespero nos olhos da esposa, algo que nunca vira antes.
— Quando o sol raiar, não haverá nenhuma magia para proteger o castelo e o nosso reino. Temo pelo meu povo, e principalmente pela nossa filha.
— Não haverá magia, mas haverá você, eu, nossa filha, as fadas e o nosso povo. Juntos, lutaremos e nos protegeremos.
— Emma só tem vinte anos…
— Não importa. Ela é uma guerreira, uma mulher. Ela sabe manejar uma espada melhor do que eu.
O sorriso de ambos foi forçado e tenso. Embora tentasse, Branca de Neve não conseguia acreditar nele, mas, ainda assim, confirmou em silêncio, fazendo de tudo para conter as lágrimas. Estariam eles condenados à ruína como um último sacrifício ofertado no altar da rainha mais poderosa de todo o reino?
[…]
— Não adianta, Emma! Você pode me vencer na espada, mas nunca me vencerá na corrida — com os braços cruzados, Ruby esperava a amiga recuperar o fôlego. O sorriso vitorioso sempre brotava em seus lábios quando a princesa a desafiava e perdia o desafio.
— Não valeu — retrucou Emma, ainda ofegante. — Você usou suas habilidades sobre-humanas e por isso venceu.
— Ora, princesa! Você também usa o seu dom sobre-humano quando me desafia na espada!
— Eu não tenho nenhum dom sobre-humano. O único lobo aqui é você. E não me chame de princesa…você sabe que eu não gosto.
— Bom, você faz parte da realeza e gostando ou não, é uma princesa.
— Eu sou uma guerreira.
— Está bem, guerreira! Agora é melhor voltarmos para casa porque já vai escurecer.
Ruby começou a se afastar, no entanto, Emma a alcançou, segurou-lhe o braço e lhe girou o corpo para que as duas se olhassem.
— Você está vendo isso? — questionou Emma, enquanto a vista estudava a luz suave da noite que se aproximava.
Ela notou os campos abertos diante de si, desdobrando-se em ondas de um verde-escuro até se encontrar com milhares de hectares de floresta negra que seus olhos jamais registraram.
— Isso o quê?
— Tudo isso… — ela abriu os braços indicando aquele novo espaço. — Essa parte da floresta…sempre viemos aqui e eu nunca a vi, não dessa forma.
— Emma, a derrota e o cansaço estão te fazendo enxergar chifres em cabeça de cavalo. Não há nada diferente na floresta…agora vamos embora porque já vai anoitecer.
— Espere. Eu quero ir um pouco mais adiante… — disse ela, perguntando-se o motivo de o crepúsculo naquele momento parecer tão diferente dos dias anteriores.
A vista do que parecia ser uma nova parte da floresta encantada era exuberante, mais selvagem e muito convidativa. Dando um passo à frente, Emma se concentrou nos sons: era uma coletânea de sons completamente diferente da que ela ouviu ao longo de sua vida. E com isso, ela fez menção de seguir um pouco mais adiante, no entanto, o toque suave da mão de Ruby em seu ombro a deteve.
— Não vá… — a voz saiu temerosa e nada convincente.
— Por quê? — os olhos verdes se estreitaram, seguros de que havia muita coisa por trás daquele pedido.
— Já disse…está escurecendo…
— Desde quando você tem medo do escuro? Aliás, você enxerga bem melhor no escuro do que na claridade do dia.
A ausência de uma resposta deu a Emma a certeza de que não, não era a vista e nem os sons que tornavam o crepúsculo daquele final de tarde tão diferente do crepúsculo dos dias passados. Era algo muito mais além do que ela conhecia e poderia imaginar.
— Fale, Ruby.
— Eu não posso.
— Eu sou a princesa herdeira desse reino e estou te dando uma ordem.
Os olhos de Ruby adquiriram um tom avermelhado de tanta indignação.
— Ah, agora você é uma princesa?!
— É isso mesmo. Sou uma princesa guerreira. Agora comece a falar o que sabe.
— Eu não sei de nada, vossa majestade!
— Está bem, vamos voltar para o castelo. Mas amanhã bem cedo, ao nascer do sol, voltarei aqui e descobrirei o que você está me escondendo…
— Tudo bem!
Emma começou a rir. Essa era mais uma batalha que ela sempre vencia: Ruby nunca conseguira mentir para ela.
— Estou esperando…
— Essa noite irei ao castelo e te conto tudo o que eu sei. Mas agora vamos dar o fora daqui…
E elas pegaram o caminho em direção ao castelo, cujo telhado vermelho desenhava um perfil excêntrico contra o céu que escurecia. Embora amasse o seu lar, Emma preferia a floresta onde tinha liberdade, longe do domínio sufocante dos pais.
— Emma! — a voz preocupada de Branca interrompeu seus passos no meio dos degraus da escada longa e curva que conduzia ao andar de cima, onde ficavam seus aposentos privados.
— Oi, mãe. Aconteceu alguma coisa?
— Onde você estava? Já disse para não se afastar tanto do castelo.
— Eu não me afastei do castelo. Além disso, eu estava com Ruby.
— De qualquer forma, não quero vê-la se aventurar nessa floresta. Há muitos perigos escondidos nessa selva, Emma.
— Mãe, eu não sou mais uma criança. Vou tomar um banho e já desço para o jantar.
…
Após o jantar, Emma se recolheu para o quarto com o pensamento por vezes se voltando àquela parte obscura da floresta. Era impossível não tê-la avistado antes. Piscando continuamente, ela tentou se concentrar em outra coisa, mas então alguém bateu à porta.
— Você demorou — disse Emma, abrindo e fechando a porta rapidamente assim que Ruby adentrou o cômodo.
— Eu desconhecia esse seu lado curioso e impaciente, vossa majestade.
Revirando os olhos, Emma a puxou pela mão e as duas acabaram afundando na cama.
— Estou esperando, Ruby.
— Antes, você vai ter que me prometer que não falará disso com ninguém, muito menos mencionará o meu nome.
— Não seja boba. Você é minha única melhor amiga. Agora para de enrolar e fala de uma vez.
— Olha, eu não sei a história direito. O que eu sei é o que ouvi de minha avó e…
— Ruby…
— Está bem, calma — ela respirou fundo, como se buscasse coragem. — Antes de você nascer, as fadas lançaram uma magia muito poderosa em torno do castelo. Todos os habitantes deste reino ficaram protegidos por vinte anos, mas agora, a magia acabou e estamos todos vulneráveis.
Com o cenho franzido, Emma desviou o olhar por um instante, pestanejando enquanto absorvia a revelação surpreendente.
— O que tudo isso tem a ver com aquele lado negro da floresta? — indagou Emma, tomada por uma inexplicável sensação de intranquilidade.
— É lá que vive a maior e pior inimiga dos seus pais: a rainha má. Você não via antes porque a magia das fadas separou os dois lados da floresta. O bom e o ruim. Mas agora tudo será como antes.
Emma encarava a amiga e remexia-se na cama, como se acometida por um repentino desconforto físico.
— Rainha má? — repetiu Emma. Levantando-se da cama, ela deu alguns passos pelo quarto e então voltou sua atenção novamente para Ruby. — Por que essa rainha má é inimiga dos meus pais?
Ruby suspirou, levantou-se e foi até a janela. Era noite de lua cheia e ela sorriu, agradecendo às fadas por ensiná-la a controlar sua mutação.
— Ruby?
— Desculpa. Eu me distraí um momento.
— E então?
— Eu não sei qual é o motivo da inimizade delas. Só sei que essa mulher foi a segunda esposa do seu avô, e por isso se tornou rainha. Mas então, algo aconteceu quando o seu avô morreu, e com a ajuda das fadas boas, sua mãe conseguiu expulsar a rainha má do castelo e assumiu o trono.
— Porque será que a minha mãe nunca me contou nada disso?
— Certamente o fez para te proteger e se eu fosse você, não ultrapassaria àqueles limites. A rainha má pode te usar para se vingar da sua mãe.
Emma deixou escapar uma risada e em seguida deu um salto, e de forma ágil, ela desembainhou a espada.
— Você acha mesmo que uma bruxa velha é párea para mim? — ela movimentou a espada com habilidade e circundou a amiga.
— Ela não é uma bruxa, e nem é velha. Dizem que ela é a mulher mais bonita de todo o reino. Uma beldade de outro mundo.
Emma devolveu a espada à bainha enquanto uma sensação familiar de aperto em seu estômago crescia sem freio. Ela engoliu em seco, tentando imaginar as feições dessa temida e misteriosa desconhecida.
— Você já a viu?
— Não. Mas já ouvi relatos de quem a viu. Até hoje não se sabe se as pessoas a obedecem por medo ou pela beleza fascinante que ela possui.
Emma se obrigou a manter um ritmo regular do seu coração enquanto ouvia as palavras da amiga. Embora tivesse tentando, ela não conseguiu reprimir um sorriso que invadiu seu rosto.
— Do que é que você está rindo? — Ruby perguntou, mas antes que Emma pudesse responder, batidas na porta se fizeram presentes. Era o mordomo, avisando que Eugênia aguardava sua neta para irem embora.
Depois que Ruby foi embora, Emma se jogou em sua cama e repassou lentamente tudo o que a amiga contara. Ainda que quisesse questionar sua mãe a respeito dessa história, ela prometeu a si mesma que não o faria, não sem antes encontrar a rainha má.
[…]
Na manhã seguinte, quando o sol já havia raiado há um bom tempo, Emma montou em seu cavalo e atravessou os portões do imponente castelo. Depois de uma longa cavalgada, ela deixou o animal em um lugar seguro e desapareceu pela floresta negra. Com sua espada afiada em punho, ela desferia golpes pelos ramos das árvores que dificultavam o caminho. Foi enquanto descia uma pequena colina que Emma notou uma silhueta mergulhando num lago a poucos metros adiante. Aproximando-se cuidadosamente, ela se escondeu atrás de um arbusto e se pôs a observar. Foi então que Emma a viu emergir do lago pouco tempo depois, parando de pé na margem e jogando a cabeça para trás para tirar o excesso de água dos cabelos negros, nua como viera ao mundo e audaciosamente confortável com isso. De repente, ela desapareceu e Emma quase chegou a pensar que se tratava de uma miragem. Mas a voz grave e rouca bem atrás de si fez com que ela desse um salto.
— Ora, ora... Temos uma espiã aqui…
Virando-se de súbito, ela se desequilibrou e caiu sentada no chão. Ficando onde estava, Emma tirou um instante para se recompor, sabendo que a sua reação não era nada adequada. Seu olhar sustentou o da mulher à sua frente por um momento longo demais antes de descer pelos seios desnudos e prosseguir o caminho até parar entre as pernas, assimilando toda a aparência dela. Regina deixou escapar o seu sorriso perverso, e Emma sentiu uma onda de calor sair da base de sua coluna e viajar até seu rosto enquanto os olhos continuavam vidrados naquela mulher inteiramente nua na sua frente.
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