1. Spirit Fanfics >
  2. A perdição dos deuses >
  3. Capítulo 2 - No início não havia nada...

História A perdição dos deuses - Capítulo 2 - No início não havia nada...


Escrita por: JSommer

Capítulo 3 - Capítulo 2 - No início não havia nada...


  OUVIA-SE O TILINTAR  das espadas de metal no Campo de Treinamento no território do Castelo dos Reinos do Norte. Passos pesados de pés firmes pisavam grosseiramente sobre o gramado verde, que se encontrava entre o castelo e o início da Floresta Enfeitiçada.

  Os guerreiros do reino encontravam-se em seu treinamento rotineiro com o líder do Exército Real, Nick. Nicholas Henderson estava no auge de seus 30 anos e havia sido escolhido pela própria rainha para liderar seu exército três anos atrás. Supunha que havia sido apontado por sua melhor amiga, mas não se importava. Se a rainha aceitara a ideia, é porque realmente era bom no que fazia.
 
  Nick já se mostrava bastante promissor como guerreiro na época, aos 20 anos de idade, e hoje era considerado o melhor de seu esquadrão.

  Naquele momento, Nick estava ensinava a uma centena de seus subordinados a manutenção adequada da espada em batalha, enquanto outros guerreiros mais experientes estavam distribuídos pelo reino para garantirem a segurança da população.

  Dentre tal centena de guerreiros estavam três membros da família real, Filhos de Zeus, o deus líder de Først — planeta onde as divindades reinavam entre os mortais. O primeiro planeta criado pela Consciência Cósmica, a Mente Suprema, o Todo-Poderoso, Deus, Caos, a Divindade Suprema, o Arquiteto do Universo... existiam diversas denominações para Ele, mas os deuses preferiam se referir apenas como o Criador.

  No início não havia nada... e então a Grande Divindade, O ser mais poderoso de toda a existência realizou Seu projeto e criou todas as coisas hoje conhecidas. Sua primeira criação foram Seus filhos mais semelhantes: as divindades conhecidas como deuses. Após criar alguns deles, criou também um lugar onde eles pudessem coexistir: um planeta chamado Først com localidade na galáxia de Andrômeda. Nele, o Ser Supremo abrigou Seus primeiros filhos e os deixou por conta própria, para assim poder trabalhar nas outras criações de Sua grande obra: o Universo.

  Enquanto o Todo-Poderoso criava as outras galáxias, planetas e formas de vida, Seus filhos divinos faziam o mesmo em Først, criando seus próprios filhos e projetando suas próprias espécies que futuramente viriam a coexistir em seu próprio ciclo. Conforme as décadas foram se passando, mais espécies foram surgindo e sistemas de hierarquia foram sendo criados para uma melhor organização. Até criaram o seu próprio Conselho para assuntos importantes do planeta e relacionados às suas criaturas, em um lugar onde apenas deuses podiam habitar: o Monte Olimpo, também conhecido como Reino dos Deuses, em Olympus.

  Quando, em um momento da história, os deuses se viram enfraquecidos pela ligação com sua própria prole, decidiram manter a mesma longe para que continuassem liderando seu império. Feito isso, Zeus, o Senhor dos deuses, decidiu que a Quarta Geração dos deuses — ao menos alguns deles — deveria viver entre os mortais, mas ainda com alguns privilégios divinos. Tendo isso em mente, um grupo de deuses viera para Først e dominara os oito reinos criados pelos mortais, impondo-se sobre todos eles, escolhendo bruxas e bruxos habilidosos para serem as rainhas e reis dos respectivos reinos — já que eles deveriam voltar para Olympus — e ainda responsáveis pela proteção dos deuses da Quarta Geração.

  Após tê-lo feito, uma nova era começou, a Era dos Deuses. Deuses, bruxas e mortais vivendo juntos em oito dos Nove Reinos de Først. Porém, nem todos poderiam viver em paz para sempre, por isso os exércitos foram criados como precaução. Afinal, possuir sentimentos humanos incluía não só o amor e a confiança, como também a ganância e o orgulho. Nunca se sabe em quem podemos confiar.

  Nick apenas sabia sobre toda a história da Criação graças a sua melhor amiga, membro da família real e uma das Filhas de Zeus. A favorita, até onde se sabia. Ela lhe contara tudo sobre o assunto que descobrira em suas aulas na Academia Real quando criança, afinal, mortais, e principalmente meninos, desconheciam de toda essa história, pois acreditavam que os deuses haviam sido responsáveis pela Criação, e não um único Deus todo-poderoso.

  Zachariah e os gêmeos Vision, Filhos de Zeus e da deusa Thefity, estavam entre os mortais do exército. As espadas em mãos, a sujeira grudada ao rosto e a escuridão da noite que se aproximava caindo sobre eles. Os três irmãos estavam divididos entre os guerreiros, lutando com as espadas e suportando com facilidade o peso da armadura de couro rústico.

  Stuart, um dos guerreiros mais velhos, estava treinando com vigor junto de um de seus colegas. Sua respiração estava ofegante, o suor deslizando por sua pele suja e os olhos negros vidrados nos ataques do oponente. Ele não fazia idéia de que a ameaça que deveria lhe promover uma bela noite de prazer com uma das princesas sairia mais caro do que esperava.

  Há uma semana atrás, uma das princesas de Altiorem — capital dos Reinos do Norte — fora pedida em casamento por um dos descendentes do rei de Tellus, dos Reinos do Noroeste. Ele viera até os Reinos do Norte para pedir a mão da princesa em casamento, e alguns dias depois, quando voltou novamente para visitar sua noiva, Stuart se lembrava muito bem de vê-lo entrando, mas não saindo do reino. E pouco depois do anoitecer, enquanto voltava para sua casa, o soldado viu a princesa levando o rapaz desacordado para a floresta com a ajuda de seu superior, Nicholas. Depois daquela noite o jovem nunca mais foi visto e autoridades de Tellus fizeram questão de fazerem buscas nos territórios de Altiorem, mas não o encontraram.

  Com essa valiosa informação, Stuart não perdera a oportunidade de subornar uma das mais belas princesas do reino e seu superior para que ficassem em suas mãos.

  Noite passada, Stuart aproveitou o momento em que todos os guerreiros voltaram para as suas casas após o treinamento diário e viu Nicholas e a princesa conversando nos jardins do castelo. Ela e o líder do Exército Real tinham uma espécie de ligação oculta que ninguém tinha conhecimento, ninguém exceto Stuart. Aproveitando o momento, o soldado foi até eles e informou que sabia o que haviam feito com o pobre rapaz noites antes, e ainda por cima ameaçou contar para a Rainha e para todo o reino sobre o ocorrido se os dois não seguissem as suas vontades a partir dali.

  Dentro de algumas horas, após o treinamento, Stuart pretendia que a princesa fosse até sua casa para lhe proporcionar uma noite de prazer a qual ele ansiava há anos ao ver a mesma apenas através das janelas do castelo. Porém, mal sabia ele que os planos dela eram totalmente diferentes destes.

  A alguns bons metros do Campo de Treinamento, onde se iniciava a Floresta Enfeitiçada, olhos castanhos espreitavam por trás das árvores os guerreiros se retirando de seu longo dia de treino. Hela, a deusa da Morte, estava esperando o momento certo para agir e se livrar de mais um estorvo em seu caminho.

* * *


  Enquanto isso, em Inferis, capital dos Reinos do Leste, a noite caía sobre a população como sempre fazia: quente e impiedosa. Inferis era o mais quente dos Nove Reinos, tanto durante o dia quanto durante a noite. Hades, o deus do Mundo dos Mortos, fizera questão de refazer o reino que dominava há décadas baseado na imagem do próprio Submundo: quente, sem vegetação ou animais, e tenebroso como se fosse habitado pelas próprias almas dos mortos.

  Porém, mesmo com essas peculiares características, Inferis não possuía uma população triste e moribunda. Eles levavam suas vidas de acordo com as leis e se baseavam no que podiam realizar no limitado reino, dependendo muitas vezes da rainha para sobreviver. Para sua sorte, a Rainha Katerina era uma Bruxa Divina e uma mulher benevolente. Escolhida pelo próprio Hades para governar os Reinos do Leste, não por sua personalidade, mas por sua beleza encantadora; o que apenas somou como vantagem para a população. 

  Katerina Roberts sempre fora uma boa pessoa, uma boa bruxa, e quando foi escolhida como Protetora dos filhos de um deus sentiu-se honrada e não fora capaz de recusar a oferta, mesmo estando ciente de quem teria de servir daquele dia em diante.
 
   Kate cuidou dos jovens deuses tão bem quanto cuidaria de seus próprios filhos se pudesse tê-los. Ela os educou, lhes ensinou sobre o mundo em que viviam, a origem dele e lhes ensinou a se defenderem de pessoas cruéis.

  Porém, há dez anos atrás a rainha recebeu ordens do próprio Hades para sequestrar um mortal de outro reino, mas um mortal em especial que o deus garantiu ter muito a agregar. Receosa, Kate cumpriu as ordens de seu mestre e mandou três de seus melhores soldados buscarem o tal garoto e trazerem-lhe. Assim o fizeram, e quando o mortal chegou, Kate forçou-o secretamente a se manter em Inferis com um Feitiço de Aprisionamento ao qual não conseguiria escapar a menos que ela o libertasse ou morresse, e ainda um Feitiço de Camuflagem que impedia qualquer forma de poder ou magia chegar a ele.

  Conforme o tempo foi passando, a Roberts notou que ele era apenas um garoto, um bruxo e também um guerreiro habilidoso. Passou a ter afeição pelo jovem e levou-o para o castelo, colocando-o junto de seus Protegidos. Kate cuidou dele, treinou sua magia — já que o garoto conhecia ainda mais sobre todo tipo de magia do que ela — e permitiu que ele se tornasse parte do Exército Real. Mais um havia se tornado o seu filho em sua jornada como serva se Hades.

  A rainha conseguira conter o rapaz durante os últimos dez anos, mas sentia que as coisas logo sairiam de seu controle. Kate queria estar preparada para quando esse momento chegasse, queria preparar seus Protegidos para esse momento.

  Naquela noite, a negritude enevoada do céu de Inferis estava turbulenta, esperando para libertar sua ira sobre os segredos ocultos dos divinos.

  – No que está pensando, minha irmã? – Chris perguntou se aproximando da irmã mais velha. – Aparenta estar um tanto... aérea.

  Héstia, a deusa do Fogo, primogênita e filha favorita de Hades estava sentada à uma das grandes janelas do castelo que se erguia na vertical até metade da parede de 20 metros feita de pedras grandes e escuras. Seus cabelos loiros ondulados estavam soltos sobre os ombros, envoltos por uma tiara trançada do mesmo. O corpo de 1,68m de altura coberto por um longo vestido rosa-claro feito de um tecido liso e macio. Os pés estavam agasalhados com uma sapatilha simples de mesma cor e as mãos se encontravam batendo o dedo indicador levemente contra o vidro. Ao ouvir a voz de seu irmão favorito, a deusa virou-se e o encarou calmamente com seus olhos vermelho-vivo.

  – Algo está a me atormentar, Chris. – Informou a mais velha, voltando a olhar para fora do castelo.

   As nuvens avermelhadas de todos os dias naquele reino atípico haviam sido substituídos pelas pesadas nuvens negras que diminuíram um pouco o calor do dia, um pouco mais que o de costume.

  — E o que seria? — questionou o loiro, sentando-se na frente da deusa.

  Christian era o deus da lava, um recurso curiosamente disponível em fissuras de terra do seu reino, tão comuns quanto a própria água. Filho caçula da deusa Teka com Hades, herdara o dom de sua mãe e assim como Héstia, as características físicas. Seus cabelos eram loiros e os olhos verdes, mas mudavam para um tom alaranjado quando usava seu poder.

   Ela suspirou.

  — Não tenho idéia. — Disse por fim. — É como uma... uma sensação um tanto diferente dentro de mim.

  Héstia baixou o olhar, angustiada. Sentia em seu peito algo que jamais sentira antes, uma sensação de alerta, de perigo; algo quente que parecia lhe encher o corpo, como se tomasse conta dela. Algo inexplicável para a inocência da divindade. Chris, ao ver a aflição da irmã que era sempre tão amigável e alegre, segurou-lhe a mão e a acariciou com o polegar, transmitindo-lhe tranquilidade.

  — Tudo há de ficar bem, irmãzinha. — Disse a Héstia ao lançar-lhe um olhar mais calmo. — Hei de garantir-lhe. — A loira soltou uma risada nasal.

  — Sabe que sou quatro anos mais velha que ti, não sabe, meu irmão? — Indagou com um sorriso tranquilo no rosto claro.

  — Pode até ser mais velha — disse Chris, ainda segurando a mão da loira —, mas sempre será minha irmãzinha e eu sempre estarei aqui para ti.

  Héstia então curvou os lábios rosados em um sorriso labial e inclinou-ss calmamente para frente, enquanto o irmão mais novo fazia o mesmo, colando suas testas gentilmente uma na outra enquanto ambos fechavam os olhos e suspiravam, sabendo que não importasse qual fosse a situação, estariam ali um pelo outro.

  — Irmãos? — ouviu-se uma voz vinda do corredor em que estavam. — O que estão fazendo aqui?

  — Mack — cumprimentou Chris ao se afastar da deusa do Fogo. — Salve.

  — Estamos apenas conversando. — Informou Héstia, ainda segurando a mão do irmão. — Aceita se juntar a nós?

  — Recuso, obrigado. — Disse a morena, observando os dois.

  Macária nascera dois anos antes de Christian, mas eles eram filhos de mães diferentes. A deusa da Boa Morte era filha do deus do Submundo e da deusa da agricultura, Perséfone. Suas características físicas eram todas herdadas da mãe, desde a pele morena até os cabelos e olhos negros. Porém, diferente das trigêmeas, Macária não era tão má quanto as pessoas acreditavam.

  — Por que, minha irmã, sempre é tão reclusa da própria família? — Indagou Chris.

  — Não sou reclusa — defendeu-se Mack —, apenas não me sinto confortável entre pessoas cujos dons remetem à vida enquanto os meus, não. Não gosto de estar muito presente durante a vida das pessoas.

  — Apenas na morte, não é mesmo? — indagou Chris, olhando para a irmã.

  — Dou às pessoas paz em sua morte — explicou Mack. — Trago-lhes tranquilidade em sua hora de partida, acredito que mereçam ao menos uma morte pacífica para compensar sua vida de batalhas. É o mínimo que posso fazer pelos mortais.

  — Nossa — exclamou Héstia. - Isto é... surpreendentemente gentil de sua parte, minha irmã. — A morena deu um sorriso labial.

  — Não somos tão opostas quanto os mortais pensam, afinal, minha irmã. — Disse Mack calmamente e Héstia retribuiu o sorriso.

  Estava usando um longo e rodado vestido preto, cobrindo-lhe o corpo e deixando os braços visíveis. Ela era alta, muito alta se comparado aos dois. E parecia muito magra. Seus cabelos cacheados estavam presos em um coque alto e ela parecia desconfortável. Héstia sabia que Mack detestava usar aquele tipo de roupa, mas como calças, botas e blusas não eram feitas para mulheres, não possuía muita opção.

  — Ora, ora, ora. — Ouviram uma voz feminina exclamar ao corredor adjacente que vinha em direção à eles. — Se não são o casal de irmãos mais amável de Inferis e... — olhou para Macária com certo desprezo — uma intrusa. 

  — O que há de querer aqui, Aleto? — Perguntou Chris olhando para a irmã.

  Aleto, uma das três deusas da Vingança, era tão cruel quanto o nome podia sugerir. Acreditava que o sangue de Hades que corria em suas veias os tornavam superiores aos outros, sendo mais poderosos e dominando aqueles que julgavam inferiores. Seus cabelos compridos castanhos e olhos de mesma cor, com pele bronzeada e lábios carnudos rosados a tornavam uma bela mulher; porém apenas por fora.

  — Não posso mais falar com os meus irmãos favoritos? — Perguntou sorrindo tão docemente que chegava a ser amedrontador para aqueles que a conheciam de verdade.

  — Despejando tanto veneno quanto uma rastejante, creio que seja melhor não, Ale. — Interveio Mack com o mesmo tom e o sorriso da mais velha desapareceu.

  — Sempre intrometendo-sr onde não deve, não é mesmo, Filha de Perséfone? — Rebateu Aleto, desafiadora.

  — Saiba que esta designação não me ofende, se era esta sua intenção. — Disse calmamente, colocando as mãos juntas sobre o vestido preto comprido. — É melhor do que não ter mãe, afinal. — Sorriu orgulhosa e Aleto pareceu ficar furiosa.

  — Por que sempre há de procurar nos provocar, irmã? — Questionou Héstia olhando para a mais nova.

  — Ó, querida Héstia. — Aleto quase cantarolou desviando o seu olhar para a loira. — Faço o que faço para provar a todos, incluindo a vocês, que não importa o quanto tente, você nunca será tão poderosa quanto nosso pai deseja que seja.

  — Não há como saber o que nosso pai deseja de nós, Ale. — Acusou Chris, irritadiço.

  — Eu sei, e acredite, meu irmão — garantiu a deusa da Vingança —, sua querida irmãzinha não é metade do que ele queria que fosse.

  — Não use o nome de nosso pai para delimitar o que devo ser. — Interveio a deusa do Fogo, levantando-se e ficando cara a cara com a irmã. Elas eram da mesma altura, e seus olhos ficaram vidrados um no outro. — Nem ele e nem ninguém tem o direito de dizer quem eu sou. — Seus olhos vermelhos ficaram tremeluzentes à escassa luz das tochas nas paredes, parecendo até mesmo com a própria chama delas.

  Aleto riu.

  — Pode até tentar parecer forte, mas... — disse olhando nos olhos da irmã. — Você definitivamente não é nem um pouco parecida com nosso pai, Héstia. É ingênua e fraca!

  — Está bom por hoje, não concorda, Ale? — Escutou-se uma voz masculina vinda do corredor onde estavam, no lado oposto ao qual Mack aparecera. — Deixe Héstia em paz. — Era Miguel.

  — Já que insiste, meu amor. — Disse Aleto com um sorriso e desviou o olhar do garoto para os irmãos. — Creio que nosso joguinho tenha acabado por hora.

  — Kate está convocando-nos no Salão Particular dela. — Informou Miguel aos outros. — Sugiro que não percamos tempo.

  Miguel DeRan era um jovem mortal, se é que podia ser chamado assim já que era um talentoso bruxo, era melhor amigo de Héstia desde que chegara em Inferis. A forma como viera parar nos Reinos do Leste ainda era nebulosa para Héstia, pois Kate sempre lhe dissera que ele se mudara por necessidade, mas conforme fora amizade notara que ele parecia não querer ficar ali.

  Ele era belíssimo! Seus cabelos loiros e olhos azuis foram bem recebidos pelas trigêmeas e se adequaram rápido a Família Real já que Héstia e Chris tinham praticamente as mesmas características. Logo quando chegou, era um jovem de 17 anos de idade com uma impressionante habilidade em campo de batalha e no uso de magia. Conforme os anos foram passando, ele foi desenvolvendo massa muscular com os treinos de combate e foi ficando impressionantemente mais belo. Até onde Héstia sabia, Miguel era apenas um mortal de Altiorem que fora criado pela Rainha Queen, e até mesmo recebera o seu sobrenome por ser órfão de pai e mãe. Uma história de vida um tanto peculiar, mas ainda Héstia não entendia o porquê de ele precisar ficar em Inferis.

  — Concordo plenamente. — Declarou Aleto animada e caminhou até o rapaz, inclinando-se sobre ele e depositando-lhe um beijo em seus lábios. — Aguardo-te lá, querido. — E então começou a caminhar pelo corredor rumo ao Salão Particular da rainha.

  — Agradeço — disse Mack. — Não sei o que faria se ela continuasse a nos perturbar.

  — Não foi nada. — Garantiu Miguel, simplista e com as mãos nos bolsos da calça. — Sei o quanto ela pode ser irritante.

  — Todos sabemos, e não é pouco. — Respondeu a morena com um tom brincalhão, aproximando-se do loiro e lhe dando um tapinha no ombro. — Agora, se me dão licença, vejo vocês no Salão. — Cumprimentou-os fazendo uma leve reverência e retirou-se.

  — Como estão? — Perguntou Miguel aos irmãos, que agora estavam em pé lado a lado.

  — Melhor agora que Aleto retirou-se. — Comentou Chris, parecendo realmente aliviado. Lidar com esta irmã em específico lhe era irritante, pois ele a achava muito imatura e presunçosa, Héstia sabia disso. — Novamente, agradecemos. — O bruxo apenas assentiu com a cabeça. — Bom, creio que seja melhor irmos logo para o Salão. Kate parece ter algo importante para contar-nos. — Depositou um beijo na bochecha de sua irmã, fez uma reverência formal aos dois e então começou a se afastar.

  — Parece incomodada com algo, Héstia. — Observou Miguel com a voz neutra. Ele se tornara assim na maior parte do tempo desde que pareceu se conformar com o fato de que não poderia voltar para sua terra de origem. — Está tudo bem?

  — É algo tão visível assim? — indagou a loira, sorrindo. — Ambos me disseram isso ao me ver.

  — Decerto que sim. Ao menos para os que lhe conhecem bem. — Afirmou ele com um sorriso leve e tirou as mãos dos bolsos, estendendo-as para a deusa. — O que a aflige?

  Héstia lembrava-se de quando ele chegara aos Reinos do Leste, com raiva e desorientado. Lembrava de ser gentil e amigável, de acolhê-lo como um deles e tratar-lhe como o amigo mais próximo faria. Eles então logo se viram em uma amizade duradoura e agradável, que ainda hoje perdurava. Se preocupavam tanto um com o outro quanto o próprio Chris e ela.

  Héstia suspirou e segurou suas mãos.

  Uma das melhores habilidades de Miguel como bruxo eram as suas capacidades telepáticas de ler a mente das pessoas quando as tocava, e algumas vezes mesmo a distância ele poderia fazê-lo caso se concentrasse o suficiente.

  O mortal suspirou ao compartilhar a aflição da amiga.

  — Creio que logo sua aflição será compreendida. — Disse ele e Héstia ficou curiosa.

  — Como há de ter certeza disso? — questionou a loira, interessada. O bruxo trouxe suas mãos para perto de seu peito, depositou um beijo no topo da cabeça da garota e sorriu.

  — Assim como você — revelou ele —, eu sinto que algo importante está por vir. — A deusa sorriu de volta, acolhida pela aura de compreensão do amigo.

  Os dois então, como que em um ato planejado, olharam em direção à janela. O céu estava esfumaceado e negro, com nuvens que brilhavam fracamente em clarões rápidos. Em qualquer outro lugar aquilo seria o sinal de uma implacável tempestade, mas não ali. Em Inferis, a chuva era tão escassa que nem mesmo chegava a ocorrer em tempo algum. Nem o mesmo o frio de um inverno se atrevia a aparecer por aquele reino.

  Aquilo... aquele temporal representava outra coisa. Algo grande, perigoso e... inevitável que estava por vir.

  — Vamos? — Chamou Miguel, quebrando o silêncio e eles voltaram a se olhar, como se tivessem saído de um transe. — Kate está nos esperando. — Héstia assentiu com a cabeça, agora mais tranquila, e ele soltou suas mãos e estendeu-lhe o braço, o qual a loira envolveu com o seu e logo os dois começaram a caminhar pelo corredor em direção ao salão.

* * *


  Todos os guerreiros do Exército Real agora caminhavam com esforço pelos jardins da propriedade do castelo em direção à saída do mesmo, cansados pelo dia exaustivo. Os gêmeos e Zachariah pareciam tão cansados quanto alguém que faz um único movimento costumeiro, como movimentar um braço. Como deuses, eles possuíam um vigor inabalável que lhes permitia treinar como soldados noite e dia sem ao menos parar para recuperar o ar. O poder dos deuses, conhecido como Auto-Sustento, lhes privava de necessidades que para os outros seres era imprescindível, como se alimentar, dormir e até mesmo respirar. Mais um dia de treino para eles não representava nada.

  — Como se saíram? — Thomas, um dos gêmeos deuses da Visão, perguntou aos irmãos que agora estavam juntos próximo ao Jardim.

  — Bem, mas preferia não ter que fazer isso. — Respondeu Zachariah.

  — Você sempre foi fresco, meu irmão. — Reclamou Tom, sentindo uma brisa fria vinda da floresta passar por ele.

  — Eu sou o deus da Cura. — Argumentou Zach, tirando o elmo da cabeça e revelando seus cabelos castanho-escuros. — Deveria salvar as pessoas e não treinar para matá-las.

  — Isto é uma preparação para o caso de precisar se defender um dia. — Justificou Tom, tirando o seu elmo e revelando seus cabelos louro-escuros.

  — Ainda assim, não sou muito fã de ver homens tentando se matar todos os dias. — Falou Zach de forma sarcástica, olhando para o irmão.

  — Você sempre foi sem graça, Zach. — Retorquiu o deus da Visão e então olhou para seu irmão gêmeo. — E quanto a você, Jay? Como foi seu treinamento?

  Jason, o mais velho dos gêmeos Vision por cinco minutos, era também três centímetros mais alto e tinha os cabelos negros e um pouco mais compridos que o de seu irmão, mas ambos compartilhavam os olhos verdes de sua mãe. A pele clara e o corpo esguio o faziam parecer fraco, mas sua força vinha da própria raça divina, cujo todos os deuses possuíam capacidades físicas sobrenaturais. Já seu poder, os dois também compartilhavam: o dom da Visão. A Visão Absoluta, como fora denominada, era um poder que permitia a eles verem tudo com exímia clareza e detalhes, permitia-lhes ver partículas em todas as coisas, em qualquer distância; permitia alcançar o passado e o futuro se bem utilizado e concentrado, mas eles nunca chegaram a tal ponto.

  Naquele momento, Jay estava concentrado em um único ponto a quilômetros de distância, em uma outra direção, em um outro reino. Em Inferis, para tratar com precisão. Ele estava a observar a mesma figura que vinha admirando há cinco anos.

  — Está observando aquela donzela, não é mesmo, meu irmão? — Questionou Tom e seu gêmeo apenas assentiu quase imperceptivelmente com a cabeça.

  Jay estava com os olhos verdes fixos na obra de arte que mais gostava de contemplar. Os cabelos louros da jovem caíam-lhe sobre os ombros em ondulações, o corpo esbelto coberto por um vestido delicado em tom rosa-claro, um andar elegante e uma aura pura. Ela é perfeita, ele pensava em seus mais altos delírios. Quem me dera um dia poder cortejá-la.

  — Me parece um pouco obsessivo, não concorda? — Comentou Zach, fazendo careta.

  — O que esta jovem poderia ter de tão interessante? — Questionou Tom, fazendo pouco caso. Ele não compreendia a obsessão do irmão em ficar observando uma garota que nem daquele reino era enquanto poderia ter todas as garotas que quisesse ali mesmo.

  — Tudo. — Sussurrou Jay, quebrando o contato visual apenas quando a loira entrou em um salão e largas portas de carvalho fecharam-se atrás dela.

  O deus então começou a aproximar novamente seu olhar ao longo dos quilômetros, passando pela negritude da Floresta Enfeitiçada e em seguida pelo Rio Vitalli, entrando na parte mais próxima da floresta e vendo algo inesperado: sua irmã mais velha.

  — Aquela... é a Hela? — disse para ninguém em específico, apresentando uma feição confusa.

  — Onde? — perguntou Zach interessado.

  Hela e Zach possuíam uma relação tão próxima quanto os próprios gêmeos, passando um bom tempo juntos e compartilhando histórias. Porém, ter uma boa relação não desfazia o fato de que eles eram completamente opostos. Zach era o deus da Cura, mostrando em si um dom de sua mãe e trazendo consigo o bem e permitindo que a vida continuasse mesmo após ser afetada por algo. Já Hela, sendo a deusa da Morte e da Destruição... estava destinada a trazer apenas caos.

  — Na floresta. — Respondeu Jay, ainda olhando para a irmã.

  — O que ela está fazendo? — Perguntou o mais novo, tentando enxergar em meio à escuridão.

  — Não tenho idéia. — Admitiu Jay e seu gêmeo espreitou o olhar para a floresta. — Mas seja lá o que for, não é uma coisa boa.

  — É a Hela — interveio Tom, vendo a irmã escondida atrás do tronco escuro de uma árvore. — Em momento algum na eternidade ela fará uma coisa boa.

  — Seja como for — sugeriu o mais velho dos gêmeos, quebrando o contato visual e finalmente olhando para os seus irmãos —, imagino que seja melhor não nos intrometermos.

  — Tem razão, meu irmão. — Concordou Tom, olhando para o gêmeo. — Ela sabe cuidar dos próprios assuntos. Vamos.

  Os gêmeos tinham uma boa relação com Hela também, não tão profunda quanto Zach, mas ainda assim boa. Os três costumavam realizar façanhas juntos, como "pegadinhas" com os funcionários do castelo desde os seus dez anos de idade. Os gêmeos costumavam ser bem atentados e Hela possuía boas idéias para que eles gastassem essa energia, e os quatro se sentiam satisfeitos com isso.

  Em certo período, durante um ano mais ou menos, a deusa da Morte se manteve distante de distrações desse tipo, depois que um dos seus — um amigo muito íntimo deles — havia sido morto. Depois que finalmente se recuperou desse trauma, o que levou mais de um ano, ela voltou a realizar essas façanhas com os gêmeos em maior intensidade, como uma forma de distração. Porém, conforme foi crescendo, Hela se viu realizando feitos mais atrevidos e perigosos do que o comum; atos sombrios. Seus irmãos tinham conhecimento sobre isso, mas ninguém mais sabia.

  A deusa da Morte havia criado amizade com o líder do exército quando ele ainda era apenas um adolescente. Ela tornou-se melhor do que todos os guerreiros do exército ainda aos 15 anos de idade. Desde os 10 anos treinava algumas noites por semana com seus dois amigos mortais mais próximos, evoluindo secretamente enquanto eles faziam o mesmo, sem nem ao menos passar perto das capacidades dela. Quando tornou-se o melhor do seu esquadrão, Nick foi nomeado líder do Exército Real e desde então os dois tinham uma amizade oculta aos olhos de todos, para que não pensassem que ela intervinha no exército através dele. Se bem que Jay desconfiava que fora justamente por isso que ela permanecia amiga de um mortal, já que os desprezava.

  Não demorou muito depois da morte do amigo da Família Real para Hela se envolver com vinganças pessoais e atos cruéis que cumpriam com o nome com o qual fora denominada a todos: a deusa da Morte. Tendo inúmeras mortes "nas costas", esse era um peso que ela tinha de carregar sozinha.

  Atrás das árvores, sobre a luz prateada do luar que passava por entre as copas das mesmas, Hela observava sua vítima com atenção. Agora que o último soldado havia ido embora, Stuart estava completamente sozinho enquanto despia sua armadura de treinamento. Está na hora.

  A deusa pegou seu arco de madeira de Arfem — uma árvore sagrada que se encontrava na propriedade do castelo e que era usada para feitiços exclusivos das bruxas reais — e em seguida tirou uma flecha da aljava de couro marrom em suas costas. Ela posicionou a flecha de madeira no corda do arco e a puxou para próximo de seu rosto, apontando exatamente para a cabeça de Stuart, despida de seu elmo.

  Quando estava prestes a disparar a flecha, Hela ouviu um estalar de galhos quase inaudível alguns metros atrás de si e se voltou nessa direção imediatamente, soltando a flecha com velocidade e precisão. Porém, do outro lado, o alvo foi tão rápido quanto e conseguiu segurá-la a centímetros de seus olhos com uma das mãos de forma tranquila, como se previsse o ataque.

  — Loki! — exclamou Hela, surpresa. Ao vê-lo, um sorriso animado surgiu em seu rosto.

  A deusa sem poderes soltou o arco e correu em direção ao mais velho, alcançando-o e pulando em sua direção. O Odinson teve reflexos rápidos e, logo após soltar a flecha, segurou a morena, que envolveu as pernas ao redor de seu corpo e os braços ao redor de seu pescoço pálido. Hela inclinou-se sobre o deus da Mentira e colou seus lábios aos dele, beijando-o com vigor. O moreno mordeu seus lábios e ela arfou, separando-se após algum tempo em união.

  — Não pensei que viesse me ver hoje. —Comentou Hela com um sorriso eufórico.

  — Sou imprevisível, lembra-se? — disse Loki com um sorriso presunçoso e depositou selinhos nos lábios da deusa enquanto colocava uma mecha do cabelo dela atrás da orelha. — E então – falou afastando um pouco o rosto e olhando nos olhos da jovem. - Quem pretendia matar desta vez?

  Loki Odinson era o mais velho dos três filhos do deus da sabedoria, Odin. Tendo sido criado a maior parte de seus 28 anos pela mãe, Frigga — até ela ser convocada por seu marido para juntar-se a ele em Olympus —, Loki possuía habilidades mágicas ensinadas por ela e muito bem adaptadas por ele para as suas artimanhas. Seus cabelos negros o diferenciavam de seus pais, mas os olhos verdes eram puramente herdados de sua mãe, assim como os de seus irmãos.

  Ainda assim, sua personalidade deixava prevalecer o nome com o qual fora agraciado: o deus da Mentira, da Trapaça, das Travessuras e das Histórias. Loki era muito esperto e astuto, gabava-se por ter sangue divino e possuía estratégias e ilusões impensadas pelos outros que sempre lhe davam vantagem; e o mais importante: ele nunca, jamais se mostrara digno da confiança de alguém.

  Seu comportamento perante Hela era um tanto... diferenciado. Hela era a única pessoa que Loki considerava "de seu nível", por assim dizer. Ele a considerava digna de seu respeito pelo fato de a mesma não ser confiável e ser tão hipócrita quanto ele próprio. Estes atributos o atraíam de alguma forma, fazendo-o cobiçá-la. Loki já dissera a Hela uma vez: se Queen não o desprezasse tanto por ser o deus menos confiável de todos, ele pediria sua mão em casamento com enorme prazer.

  Eles se conheceram em uma visita real a Asgard, quando Queen pretendia conseguir seu líder como aliado e sua lealdade. Hela, Zachariah e os gêmeos foram com ela para a negociação e fizeram um tour pelo castelo, onde encontraram Thor e Loki pelos corredores e trocaram conversas. O deus da Mentira se viu interessado pela Filha de Zeus assim que a viu, e ainda mais após estar ciente de como ela realmente era. E mesmo que ela tivesse aproximado-se inicialmente de Thor, desde lá iniciou-se uma relação secreta entre os dois, no qual o deus da Trapaça a visitava disfarçado de um camponês qualquer para conseguir entrar nos Reinos do Norte; assim como naquele exato momento. 

  — Um soldado medíocre do exército. — Respondeu Hela com desprezo.

  — E o que este pobre coitado fez para merecer este trágico fim? — questionou o deus, olhando para os olhos da morena enquanto a contemplava sobre a luz do luar.

  — Ele afirma ter me visto executando o principezinho de Tellus com a ajuda de Nick. — Informou com rancor na voz. — Ameaçou contar para Queen que matei o rapaz se eu não fizer o que ele ordenar.

  Loki sorriu ao compreender o instinto assassino da deusa ao tentar livrar-se de uma possível ameaça.

  — Com isso decidiu expurgá-lo de uma vez por todas para salvar-se. — Observou e Hela assentiu com a cabeça, fazendo um biquinho leve como se buscasse punição por ser uma "garota má." O sorriso do mais velho se alargou. — Compreendo sua decisão - comentou passando a mão pelo rosto da garota. — Sabe? A maior verdade da humanidade é que ela anseia por submissão. Serão dominados como uns covardes. E no fim — acrescentou tranquilamente —, eles sempre se ajoelharão.

  Hela sorriu orgulhosa.

  O poder divino corria em suas veias desde sua criação, uma deusa entre mortais e era visível sua diferença de força e resistência diante deles. Loki estava certo, ela acreditava, os mortais são frágeis demais.

  — Mas não há de preocupar-se com este mortal, não neste momento. — Loki tornou a falar, voltando a colocar a mão de volta na perna da deusa e acariciá-la. Hela estava usando sua roupa favorita: calças de couro, botas e blusa de mangas compridas; a descrição do preto que adorava. — Cuidaremos dele mais tarde – fez uma pausa, olhando nos olhos castanhos da princesa de forma maliciosa. — Agora temos coisas mais interessantes para fazer. — Hela compreendeu de imediato e, assim como o Odinson, sorriu com malícia, inclinando-se novamente sobre o moreno e selando seus lábios em um beijo voraz enquanto Loki deslizava as mãos por seu corpo com exímia habilidade. 


Notas Finais


Iniciando a história agora hehe
Apresentando nossas protagonistas, pessoal!
E aí, qual foi a primeira impressão de vocês?
Boa, ruim?
Deixem aí nos comentários que eu vou responder com carinho ;)


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...