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História A Terra do Céu Cinza - Mentes Barulhentas (extra - conto)


Escrita por: gabbyxx

Notas do Autor


Mil anos depois venho trazer pra vocês um conto no ponto de vista de Rick que explica resumidamente a história de A Terra do Céu Cinza. Espero que gostem.

Capítulo 27 - Mentes Barulhentas (extra - conto)


Fanfic / Fanfiction A Terra do Céu Cinza - Mentes Barulhentas (extra - conto)

“Pôr do sol. É hora de alimentá-lo/Seus demônios ganham vida/Você tenta, mas não consegue derrotá-los/Está acabado. Diga boa noite/Vejo você tremer/Estamos correndo contra o tempo/É agora ou nunca/Eu estou procurando a faca”. Sever, WE AS HUMAN

“E eu vou te carregar. –meu desejo mais sombrio. Quando a vida cantar para você através do Coral do Diabo. O medo quer roubar o que queima dentro de você. Eu vou te carregar para longe do fogo”. Devil’s Choir, BLACK VEIL BRIDES

 

É comum temer a si mesmo? É normal ter medo do que se é capaz? Apenas nós mesmos conhecemos cada parte do que pensamos... Não, nem mesmo nós nos conhecemos. Como o homem usando apenas 10% do seu cérebro pode conhecer bem a si? Nós nos surpreendemos a cada dia com como nós mesmos somos maus, mesquinhos e insensíveis.

É comum temer a si mesmo. É normal ter medo do que somos capazes, pois nós sabemos de todos nossos erros passados e eles nos acusam. Conhecemos nossas faltas e nossos defeitos gritam em nossa mente, tornando mais evidente quem realmente somos e quem negamos a todo o instante ser, porque sempre queremos parecer bons, mas não o somos de fato.

Realmente, é normal ter medo de si, somos todos humanos, somos todos os verdadeiros monstros cruéis que assombram a nós mesmos.

Meu nome é Rick Traverser e um dia, essa já foi a minha realidade.

 

Naquele dia levantei da cama esfregando os olhos, minha noite havia sido tranquila, sem pensamentos ruins ou pecados, no entanto lembro que me sentia culpado por outros motivos. O que não tive na realidade, em sonho havia me perseguido. Tinha sonhado com Alex de forma indevida, de novo. “Ela é só uma criança” Minha mente insistia em sussurrar em meus ouvidos. “E além de tudo é sua amiga”.

Meus próprios pensamentos rebatiam-me e afirmavam, tentando aliviar um pouco da culpa que caia em meus ombros: “Ela é apenas um ano mais nova que você e serem amigos não quer dizer nada”. Foi nesse momento que suspirei e resolvi levantar enquanto refletia sobre dever parar de falar comigo mesmo. Isso não é bom pra minha saúde mental.

Arrastei-me até o banheiro, bocejando, fui o primeiro a levantar em casa e por isso deduzi então que era cedo. No caminho quase tropecei em algum brinquedo de meu irmão, mas logo cheguei ao meu destino e encarei a mim mesmo no espelho de cima da pia do banheiro. Lembro-me de pensar que eu estava horrível: cara de sono, olheiras, cabelo uma droga.... Esqueça, não tentarei descrever porque não estou diferente agora. Eu sou horrível. Minha pele é uma droga, tenho muitas espinhas e não gosto do tom dela: morena – ela não chega a ser escura, mas também não é clara. Meus olhos são escuros demais, neles quase não vejo cor nenhuma; meus dentes são grandes demais, parecem os de um cachorro raivoso e tenho uma sobrancelha defeituosa que já tentei concertar tirando a voltinha anormal que ela tem, mas não adiantou de nada porque poucos dias depois estava ali novamente.

Meu corpo... Esse preferia nem comentar, no momento que agora narro estava sem camisa, vestindo apenas uma calça de moletom velha. Quando olhei para minha barriga uma careta de desgosto surgiu em meu rosto. Embora todos dissessem que não na época, eu estava ficando gordo. Outra coisa que é uma droga, de fato: meu corpo. Mesmo que eu fosse magro, eu não seria como gostaria, meus ossos são grandes demais, o que não ajuda em nada.

Suspirei e disse a mim mesmo:

– É, cara, não era pra você ser bonito.

Tomei um banho rápido, precisava disso para me acordar. Um erro, se não o tivesse feito, talvez não tivesse pecado. Até aquele momento eu me sentia quase bem, quase completamente limpo porque não o fizera à noite, nem ao acordar. Isso é uma droga. Ao invés de progredir, estava regredindo. Lembro que no início pensava que esse ano ia ser diferente, mas estava enganado e não fora a primeira vez que me enganei. Preciso tomar vergonha na cara e começar a realmente me dedicar a Deus e ser um cristão verdadeiro.

Vesti uma roupa qualquer, não iria à escola naquele dia, minha mãe havia pedido para eu cuidar do meu irmão, porque ela e minha irmã iriam sair. Embora fosse ficar em casa, arrumei meu cabelo com gel, talvez essa fosse minha única parte física de que gostasse em mim. Ele era meio enrolado e bem escuro nessa época.

Aquele maldito dia se arrastava sem parecer ir a lugar algum. Eu vi series, fiz tarefas domesticas, li algum livro, lembro até mesmo de ter tentado ler a bíblia ou fazer coisas úteis para Deus, mas nada fazia com que eu me sentisse melhor, nada fazia eu tirar da cabeça o pensamento de que eu era um monstro. Vinha lutando com esses problemas desde que tinha 11 anos e luto até hoje, mas naquela época, nos meus 15, 16 anos – já nem sei muito bem – era muito pior.

Quando dava quase seis horas da tarde recebi um telefonema do meu melhor amigo Max, ele pareceu meio em pânico, e eu realmente estranhei isso, pois eu nunca o vira assim, ele geralmente era bem neutro em relação a seus sentimentos. Ele disse que era urgente e que eu deveria ir a casa dele para que ele pudesse me explicar melhor tudo.

Minha mãe já havia chegado em casa, de modo que ela não falou nada sobre eu sair – nada além do que estava acostumado, sobre eu só querer estar fora vadiando. Ela era uma pessoa difícil. Max não morava muito longe da minha casa, então cheguei lá uns dez minutos depois da ligação dele. Cheguei cumprimentando sua família e o encontrei no sofá da casa dele, sentei-me ao seu lado.

– E aí, cara. – Foi o que eu disse, aflito pela curiosidade.

– E aí. – Ele respondeu.

Max era um pouco mais alto que eu, tinha pele branca e cabelos e olhos castanhos, vestia sempre calça jeans, camiseta e tênis, e, assim como eu, recebia o rotulo de nerd na escola.

– O que você queria? – Perguntei.

Nunca me esquecerei da maneira que Max me olhou nos olhos naquele dia. Ele estava realmente arrasado e eu nunca havia visto ele daquela maneira.

– É a Alex, ela surtou de vez. – Foi o que ele disse quando conseguiu abrir a boca para falar. – Estávamos tendo aula de português, eu havia saído para pegar grampos pra professora Claudia, como ela havia me pedido. Eu só ouvi os gritos dela, mas Jessica me contou que ela simplesmente surtou e começou a acusar a professora Claudia de múltiplas coisas... Das mais brutais possíveis. Abuso de alunos e outras coisas realmente terríveis. Todo mundo ficou em estado de choque e a professora parecia não fazer ideia do que estava acontecendo. Alex estava agressiva, até mesmo tentou bater na professora, que revidou em legítima defesa, é claro. Tiveram que chamar os pais dela, mas mesmo assim ela continuou, até que desistiram e chamaram especialistas, que deram um sedativo para ela e a internaram.

Fiquei em choque e senti meu coração acelerando como nunca naquele momento. Alex era minha melhor amiga, eu me preocupava mais do que deveria com ela, como se ela de fato fosse minha irmã mais nova, que era como ela costumava me chamar.

– Você quer dizer que mandaram Alex para um hospício? – Meu tom de voz expressava raiva de certo modo, eu sabia que Alex nem de longe era normal e que era muitas outras coisas, mas eu sabia: ela não era louca.

– Sim. Ela está pirada de vez, não tinha outra opção. – Max parecia tão em choque quanto eu e por isso apenas assenti com a cabeça.

Aquilo era péssimo. Várias cenas horríveis surgiram em minha mente naquele momento, eu podia imaginar as atrocidades que fariam com ela e sabia que ela de fato sairia de lá louca se já não estava. Fazia um tempo que não falava com Alex, havíamos tido uma briga feia da qual parecia que não teria mais perdão... Eu costumava pregar à ela sobre Cristo porque me preocupava com ela e via os caminhos errados que ela estava seguindo. Hoje admito que em certos pontos eu exagerava, pois nada tinham a ver com Jesus, mas sim com tradições e doutrinas religiosas que pessoas como eu, burras, insistem em espalhar como se fossem um mandamento de Deus, quando não passam de invenções e burocracias dos homens.

 Alex era uma garota extremamente problemática, ouvia vozes e via coisas sobrenaturais, mas não era louca, ela tinha um dom que outras pessoas não tinham, eu realmente acreditava e ainda acredito nisso. Desde que a conheci, soube que ela era especial, por isso tentava ajudá-la a encontrar a Jesus Cristo antes que os demônios que a perseguiam corrompessem-na por completo e não houvesse mais como ela voltar atrás. Com todas essas coisas, eu tinha certeza que ela seria diagnosticada como esquizofrênica e devido ao seu surto, seria categorizada como perigosa e violenta, o que pioraria ainda mais a situação dela: sedativos, remédios, camisa de força, isolamento, paredes brancas com almofadas. Já podia vê-la e todo o sofrimento que invadiria seu coração. Pensar na dor dela fazia com que eu também a sentisse.

No entanto, ao mesmo tempo, eu sabia que aquela história estava muito mal contata. Alex não costumava agir dessa forma sem motivo. Está certo que ela sempre foi meio vida-loka e agia pela simples razão de querer e se recusava a fazer qualquer coisa que ela discordasse – mesmo quando tecnicamente era obrigada a fazer –, mas suas ações, até mesmo as mais simples, tinham um grande propósito por trás. Eu tinha certeza: ela sabia de alguma coisa que ninguém mais sabia, ela tinha motivos, ela não estava louca e eu sabia que ela não estava... ou pelo menos era isso que eu queria acreditar. Ela era minha amiga e, embora me incomodasse muito e eu estivesse afastado dela, ela ainda me considerava seu irmão mais velho. Eu... eu deveria protegê-la. Eu me sentia de certa forma até mesmo responsável por ela. Eu queria ajudá-la. Eu... eu já não sei mais.

Naquela noite pensei muito sobre Alex, em momento algum consegui dormir, o que me consolou foi que minha preocupação fez com que eu ficasse longe de meus pecados costumeiros e da culpa que com eles vinha. Eu precisava vê-la, eu precisava ir atrás dela. Tudo que eu pensava era que não devia ter me afastado dela, porque era verdade, cada palavra que ela dizia, quando falava que precisava de mim e da minha ajuda para não enlouquecer, porém eu só pude ver isso mais claramente agora. Ultimamente, ela vinha demonstrando interesse em aprender sobre Deus, mas eu já estava perdendo minha paciência e estava com medo de estar magoando ela, pois eu sabia que ela sentia alguma coisa que ia além de amizade por minha pessoa, mas eu não podia corresponder o amor dela, eu não a amava dessa forma. A questão é que eu deveria ter persistido mais, ficado por mais um tempo com ela, ensinando-a e aprendendo junto também. Afinal, quando se trata de Deus é impossível sabermos tudo, e eu admito que não vinha sendo o maior exemplo de todos.

De tanto pensar cheguei à conclusão de que de fato eu queria ir atrás dela, pois queria demonstrar que gostaria muito de cumprir com a promessa que lhe fiz uma vez antes. Havia lhe prometido não ser como os outros garotos que passaram pela sua vida, abandonando-a, deixando-a sozinha quando ela mais precisava deles. Eu realmente queria ir atrás dela porque queria demonstrar o quanto me importava, mesmo não sabendo o porquê de isso ser importante pra mim. Eu apenas precisava que ela soubesse disso, mas não fazia ideia de como iria fazer para chegar até lá para vê-la.

Max havia me dito que ela havia sido internada no hospital psiquiátrico São Pedro, em Porto Alegre, não ficava muito longe de onde morávamos, mas para mim era difícil de chegar, eu não tinha como ir a Porto Alegre. O que iria dizer a minha mãe? Ela já não era a maior fã de Alex – talvez achasse que eu gostava dela –, mas Deus... Eu realmente queria provar pra ela que eu era diferente e que eu podia estar lá quando ela precisasse de mim, porque é isso que os amigos fazem.

Foi quando já tinha se passado três dias desde a noite em que soube que ela havia enlouquecido que Max me procurou para dizer que ele pretendia ir visitá-la no fim de semana e que se eu quisesse poderia ir junto. Já estava perdendo as esperanças de vê-la e começando a me ajeitar para seguir minha vida com mais uma razão para me culpar em minha bagagem já cheia de culpas quando isso aconteceu e então pude ficar feliz por pensar que poderia vê-la.

O fim de semana logo chegou, mas até lá meus dias foram o que eram sempre. Temas, discussões, sorrisos, pecado, culpa, distrações, piadas e tédio. Eu não sabia como seria quando a visse e tinha medo que ela não me reconhecesse, tinha medo que ela me reconhecesse e lembrasse da nossa briga, e isso fosse o suficiente para me querer longe. Tinha medo de que ela não deixasse que eu sequer tocasse nela para lhe dar um abraço, mas principalmente tinha medo de encontrá-la tão acabada que não suportaria olhá-la sem que meu coração se partisse em dois.

Quando chegamos ao hospício recebemos indicações da enfermeira – ela era uma moça gentil e bem jovem que se chamava Skye – que cuidava de Alex quanto a como deveria ser nossa conduta com ela. Encontramos do lado de fora a mãe de Alex. Ela estava arrasada, chorando muito e sendo consolada pelo irmão mais novo de Alex. Ambos eram bem parecidos com Alex, pele branca, mas mudando para o tom que pode ser chamado de moreno, olhos castanhos e cabelo castanho escuro, algumas vezes Alex era confundida com o irmão por se vestir semelhante a um garoto. Conversamos rapidamente com eles, tudo que ela me disse foi que Alex tinha enlouquecido e que não parava de falar de uma terra onde o céu era cinza e o tempo estava congelado, pois todos haviam sido amaldiçoados por terem abandonado a Deus.

Alex pareceu feliz em ver Max e eu, ela não falou uma palavra, mas sorriu quando nos viu entrar no quarto. Abraçamos ela, fizemos perguntas que não foram respondidas. O tempo todo ela estava com um olhar perdido, como se não estivesse de fato ali, como se seu espírito estivesse viajando para outro mundo que ficava nos confins de sua mente. Pedi a Max que me deixasse um instante sozinho com ela, e lembro que lhe disse algo como:

– Me perdoe por ter te abandonado.

Suspirei, olhando para o chão procurando palavras. Escrever é sempre tão mais fácil! Ela sequer parecia estar me ouvindo, estava preocupada com um desenho que rabiscava em um caderno velho de folhas brancas e sem linhas, o que ela desenhava eu não saberia dizer muito bem o que era, mas posso tentar e não gosto de minhas suposições, pois suponho que fosse algo como as profundezas do próprio inferno devido a haver muito sangue e horrores presentes na obra.

– Eu errei fazendo isso, realmente errei. – Continuei.

Ela então olhou para mim, um sorriso insano em seu rosto, o típico sorriso que as pessoas que não tem mais nenhuma sanidade costumam dar, mas era bom vê-la rir e embora fosse bizarro, seu sorriso me fazia rir também. Toquei seu rosto e com o meu toque ela fechou os olhos e suspirou... Sua respiração começou a ficar irregular, mas eu sabia que ela realmente havia gostado daquela atitude, pois a seguir levou uma de suas mãos a minha pressionando-a sobre seu rosto, fazendo minha mão continuar ali por um bom tempo. Eu conseguia compreender porque aquilo mexeu tanto com ela, fora uma demonstração de carinho, algo que ela provavelmente não teve em nenhum outro momento que não comigo quando estava presa aqui, as pessoas tinham medo dela por ela ser diferente.

– Mas eu me arrependi, e ainda quero estar aqui contigo, Alex, eu não quero lhe abandonar, jamais. – Disse. – Eu prometo que vou continuar te visitando e falando sobre Deus com você, pois eu creio que Ele é o único que possa libertar você agora. – Nem mesmo eu sabia o que essas últimas palavras significavam quando as proferi, mas depois encontrei sentido nelas porque a própria Alex encontrou esse sentido.

Despedi-me dela, abraçando-a, novamente prometendo que voltaria e naquela noite fiquei pensando nela o tempo todo. Não conseguia tirar seu olhar perdido da minha mente, às vezes chegava a ser perturbador e insuportável, mas ver o quanto ela estava perdida me motivava a buscar a Deus, para que eu pudesse ajudar ela a encontrar Ele e, por consequência, se encontrar. Tudo estava uma verdadeira merda e para ajudar eu continuava sendo o mesmo pecador maldito que sempre fui – mas quem não é?

De vez em quando conseguia de fato acreditar na bondade libertadora de Cristo expressa em seu sacrifício, e isso fazia com que eu pensasse que Ele de fato poderia libertar Alex. Que Ele poderia libertar não só a ela, mas a mim também.

Dizem que é na mente que habitam os sonhos. Também dizem que a mente é um lugar perturbador, onde alguns sonhos podem se tornar pesadelos.  Aquilo que é bom diante do que é mau muitas vezes é esquecido. E muitas vezes eu acreditava ser tão louco quanto Alex, pois minha mente era igualmente barulhenta.

 

Meses foram se passando. Eu visitava Alex quase todo fim de semana – havia decorado qual era o ônibus que parava perto do São Pedro e pagava a passagem com o dinheiro que tinha para a passagem do ônibus do meu curso, o qual passei a ir a pé. Conversar com ela era o que me mantinha são, por mais irônico que isso fosse, já que ela estava completamente maluca.

Ninguém sabia que eu a visitava tão frequentemente, nem mesmo minha mãe, mas todos quando queriam saber dela na escola perguntavam diretamente a mim. Ela se tornou a razão de eu procurar a Deus, eu queria aprender sobre Ele para poder ensinar a ela, pois parecia que quando eu falava dEle para ela, ela quase recuperava sua sanidade. Eu passava as tardes de nossas visitas lendo a bíblia para ela. Havia conseguido uma bíblia bem simples na igreja que frequentava para presenteá-la (eles costumavam doar bíblias a quem quisesse). Eu falava a ela sobre Cristo e ela me falava sobre um mundo cinza completamente abandonado por Deus. Ela me deixava confuso, às vezes fazia afirmações sobre pessoas que conhecíamos e às vezes pessoas que eu conhecia, mas ela não conhecia, como se fizéssemos todos nós parte dessa terra, na qual depois de um tempo, eu passei acreditar que ela estava presa e estava tentando nos avisar disso, para que ajudássemos ela a se libertar.

Depois de um tempo passamos a chamar o lugar de a Terra do Céu Cinza, ficava mais fácil para se mencionar nas conversas. Eu perguntava a Skye como ela estava indo e ela dizia apenas que ela estava melhorando aos poucos, interagindo com os outros internos ou coisas do tipo, mas que passava a maior parte de seus dias trancada, lendo, desenhando coisas sem sentido e quando falavam com ela continuava repetindo as mesmas coisas sobre a famosa terra cinza. Ela dizia que havia uma Irmandade do Anjo Caído que governava e oprimia aquele reino, proibindo-os de seguir a verdade libertadora de Cristo, todos eram escravos mentais daquele que ela chamava como Grande Líder, mas que eu sabia que se tratava do próprio demônio. Havia também a chamada Ordem do Filho do Homem, que me lembrava muito as igrejas, pois seus membros estavam lutando contra o pecado do mundo, mas esquecendo-se de seus próprios e de quem realmente deviam ser. Tudo era realmente confuso e difícil de entender.

Ao mesmo tempo, eu passava por muitos problemas em casa, e dúvidas religiosas eram o principal-tema de meus conflitos internos. Eu estava enlouquecendo aos poucos porque estava perdendo meu porto seguro e tudo aquilo que acreditava durante anos. Dizem que, por ser tão fácil viver na mentira, quando descobrimos a verdade é doloroso, mas depois que a descobrimos, é um alivio e jamais conseguimos voltar a viver como vivíamos antes. No entanto, nessa época eu ainda não sabia disso.

Ao mesmo tempo sentia-me hipócrita por falar sobre Cristo a Alex quando eu não conseguia me livrar de pecados que já estavam fazendo aniversário e não seguia nem metade daquilo que lhe dizia. Eu ainda estava entrando em colapso por descobrir tudo de ruim que há no mundo “gospel”. Descobria por intermédio de minha mãe as coisas horríveis sobre aqueles que deveriam ser os mais próximos de Deus na Terra, descobria que eles eram ainda piores do que aqueles que eles chamavam de mundanos e que de longe conheciam o Deus do qual deveriam falar sobre, pois eles já não falavam mais sobre Ele. Buscavam-nO por interesse no que tinha para lhes oferecer, não porque de fato O amavam, como deveria ser.

Por ter parado de frequentar igrejas, minha fé ficou abalada e eu acabei deixando de ver a garota que gostava na época e ao mesmo tempo começava a desenvolver um sentimento maior por Alex. Toda a vez que tocava o rosto dela em minhas visitas ao hospício eu me sentia horrível, como se a tivesse violado por ela ser mentalmente incapaz de retirar minha mão e me sentia traindo a ilusão que chamava de “minha amada”. Eu estava realmente a um passo de enlouquecer, eu sentia isso. Não era como Alex, que ouvia vozes formando um barulho infernal em sua mente, mas eu não precisava de demônios me atormentando, eu era meu maior inimigo, a voz dos meus próprios pensamentos era o que tornava o barulho da minha cabeça insuportável.

Nessa mesma época meus tios maternos resolveram internar meu primo Andrew, ele não estava louco... Quer dizer, não completamente. Ele era quem ele sempre foi: afirmava ter feito um pacto com o demônio que o tornou imortal, uma espécie de vampiro. Ele foi internado no mesmo hospital psiquiátrico que Alex, afinal, era o mais próximo da nossa cidade e pelo que fiquei sabendo por enfermeiras, os dois se tornaram bem amigos.

Isso me deixava incomodado, Alex estava se curando porque eu estava ajudando ela a se aproximar de Deus, mas agora com Andrew falando em seus ouvidos sobre demônios, pactos e como isso podia ser “benéfico”, eu tinha medo que ela piorasse e às vezes de fato via que ela estava piorando, tendo pequenos ataques de pânico no qual falava sobre a voz que atormentava sua cabeça, ela sempre se referia a voz apenas como “ela”, mas uma vez ela mencionou um nome que não dizia nada além de que ela temia a voz, ela a chamava de Nightmare, pesadelo, e eu sabia que só podia ser um demônio por tudo aquilo que Alex me dizia sobre ela.

Ela nunca disse exatamente o que a voz era – e talvez nem mesmo ela soubesse –, mas me dava características importantes sobre ela. Em suma a voz pertencia a uma garota extremamente pálida que se assemelhava a uma versão distorcida de Alex, com pele de gesso rachado e cabelos que se assemelhavam a penas de corvos. Eu não sei como realmente era, mas em minha imaginação parecia assustador.

Alex realmente a temia e isso me deixava aflito porque queria ajudá-la, ela dizia que a voz era parte dela e que isso fazia dela um monstro, e eu a compreendia, pois todos meus erros passados faziam com que eu pensasse da mesma forma sobre mim mesmo, o mais curioso é que ela dizia não ter medo de mim. No entanto, eu cada vez mais temia aquilo que estava me tornando, estava ficando obcecado por ela e queria a todo o custo libertá-la. Eu sabia: ela estava presa em sua mente que por alguma razão desconhecida parecia ter uma forte ligação com o mundo espiritual e tudo que ela tinha que fazer é aprender uma forma de voltar ao mundo real.

Passei a pesquisar sobre demonologia para tentar entender o que as vozes diziam a ela e tudo que eu descobria me deixava horrivelmente mal. Às vezes ia pra cama exausto, como se minha energia tivesse sido sugada pelo conhecimento que eu adquiria. Em uma de minhas pesquisas descobri sobre uma criatura da cultura indígena norte americana que batia com descrição que Alex dava sobre a quem pertencia a voz, tratava-se de raven mockers: criaturas filhas de um deus indígena que pode muito bem ser um anjo caído – relatos dizem que ele tinha asas negras. Assim, seus filhos, seriam demônios e Nightmare poderia muito bem ser um deles. Ela tinha todas as características, desde o entrar na cabeça do indivíduo e tentar convencê-lo a fazer o que ela quer até as penas negras de corvos e voz que soa como uma lamina e machuca tanto quanto uma.

Para tentar despistar Andrew passei a levar Alex para passear pelo pátio do sanatório. Por sua crença ridícula de ser um vampiro ele nunca saia do quarto e evitava ao máximo andar durante o dia por onde tinha sol batendo. Assim eu podia ficar a sós com Alex e ainda ganhava o prazer de passear de forma limitada com ela. Senti-me extremamente culpado quando uma vez em um dos passeios com Alex havíamos parado em um banco qualquer, eu falava a ela sobre um assunto do qual não lembro, ela também falava comigo e por alguma eventualidade nossos rostos vieram a se aproximar e nós dois nos beijamos. Senti-me culpado porque, por mais que ela quisesse me beijar, eu não poderia dizer se ela realmente queria, porque ela estava louca. Eu me sentia como se a tivesse violentado ou algo do tipo, e por esse simples ato me culpei por dias.

Alex em momento algum dos dias seguintes pareceu se lembrar do nosso beijo, o que só fazia com que eu me sentisse ainda mais culpado, porque ela de fato não teve consciência daquilo. Prossegui então com meus estudos e com minhas conversas sobre Cristo com ela, tentando absorver ao máximo aquilo que lhe dizia, porque o que eu dizia a ela também era aquilo que eu precisava ouvir. Com o tempo pensei que estava enlouquecendo com ela, e simultaneamente meu primo vinha piorando, ele se recusava a comer, pois de fato acreditava que era um vampiro e isso o fazia pensar que não precisava ingerir alimentos de pessoas normais, ele estava ficando muito magro e logo morreria se continuasse com essa sua crença idiota.

Não me lembro quando exatamente foi que ocorreu, mas creio que tenha sido por meados de outubro que tive a prova concreta de que Andrew estava de fato louco de vez. Eu estava com Alex em seu quarto, o dia estava chuvoso e os relâmpagos a assustavam, seus olhos amedrontados me partiam o coração, mas isso não era nada comparado aos acontecimentos seguintes.

Andrew entrou no quarto com um sorriso esquisito no rosto, na mesma hora um relâmpago havia feito o quarto se iluminar de uma forma sinistra que fez Alex estremecer. Eu levantei para saber o que Andrew queria, pois ele estava com cara de poucos amigos, parecia faminto e de fato deveria estar, mas o que eu não previa era que ele tentaria usar do meu próprio sangue para saciar sua fome. Quando me dei conta ele já havia pulado em meu pescoço e tentava rasgar minha garganta. Alex gritava, mas graças a sua ajuda consegui me livrar dele. Ela havia corrido em nossa direção e o agarrado pelos braços, ele tentou atacá-la também, mas não conseguiu porque logo surgiram enfermeiros que colocaram nele uma camisa de força, e logo fomos socorridos por outros enfermeiros, enquanto o primeiro grupo levava Andrew para a solitária.

Graças ao ataque de Andrew naquele dia, meus pais descobriram sobre minhas visitas não autorizadas ao hospício já que a gerencia teve que lhes comunicar sobre. Isso foi péssimo, pois acabou resultando na minha proibição de ver Alex. Não sei como ela estava se virando nesse tempo, mas às vezes falava por redes sociais com o irmão dela e ele me dizia que ela estava melhorando e que até mesmo conseguia reconhecer as pessoas que falavam com ela agora sem pensar que eles estavam em outro mundo. Ele me dizia que ela vinha falando muito sobre ter que tomar uma decisão, que estava lendo bastante a bíblia, que falava bastante de Deus e que perguntava muito por mim. Tudo me deixava muito feliz, mas a última parte fazia com que eu me sentisse horrível por não poder vê-la pessoalmente e pra mim estava claro que ela realmente precisava de mim nessa transição. Ela estava passando de louca para consciente novamente e estava passando pela metamorfose que todos sofrem a aceitar Cristo em suas vidas.

Depois de umas duas semanas finalmente consegui convencer minha mãe a deixar que eu a visitasse, e então fui ao encontro dela. Fiquei completamente surpresa quando Skye, a enfermeira dela, veio falar comigo, ela me disse que Alex havia melhorado muito e que estava praticamente curada e que em breve ela poderia voltar para casa.

Quando a vi naquele dia foi mágico, ela estava surpresa em me ver, mas muito feliz pela possibilidade disso. Abraçou-me como se fosse a primeira vez e me deixou surpreso quando roubou um beijo meu e sussurrou em meu ouvido que lembrava de quando fizemos isso antes. Ela tinha muito que conversar comigo e eu mesmo tinha várias perguntas a ela.

Aquela visita foi minha última, mas de fato foi a melhor, porque finalmente consegui ligar todos os pontos soltos que havia em minha cabeça quanto a Terra do Céu Cinza. Ela disse que o tempo todo era como se ela tivesse estado fora, em outra dimensão, e contou-me uma história bem detalhada sobre aquele lugar, era sobre isso que eram seus desenhos e sobre isso que ela falava – embora por estar lá e não aqui, não conseguisse nos explicar de forma clara o que queria dizer. O que de fato importava sobre tudo aquilo que ela me disse é que ela acreditava ter encontrado a Deus – eu acredito no que ela disse, suas palavras me deixavam arrepiado – e decidiu que a partir de agora ia dedicar sua vida a Cristo.

Ouvindo seu relato, tudo que consegui pensar é que ela de fato tem algum dom e que tudo que lhe dizia sobre Cristo fazia ela usar esse dom para se aproximar dEle no mundo espiritual. Eu acredito que esse mundo que ela diz ter visitado é o mundo espiritual ou pelo menos uma interpretação dele feita pela mente confusa dela em uma fusão dos dois. Ela disse que o tempo todo naquela terra diziam a ela que ela precisava tomar uma decisão que libertaria e salvaria a ela e aquele mundo e que ela não fazia ideia de que decisão era.

Ela disse que só veio a recuperar a consciência quando finalmente percebeu que nunca havia se tratado dela salvar ou libertar a si mesma, mas sim tomar a decisão de seguir a Cristo deixando que Ele a salvasse. Pois ela não podia salvar a si mesma, porque nunca se tratou do que ela podia fazer, mas sim do que Ele poderia fazer por ela. E assim quando ela foi liberta e salva por Cristo por tê-lo aceitado em seu coração, ela acabou libertando e salvando a Terra do Céu Cinza também, porque aquela terra sempre fora, nada mais, nada menos que sua própria mente.

Tudo parece meio louco demais, eu sei, mas eu realmente acredito em tudo aquilo que ela disse, pois eu sempre soube: Alex não é louca.

Ela disse que se lembrava de algumas poucas coisas do mundo real, como nosso beijo, o ataque de Andrew e umas poucas conversas, mas tudo era muito nebuloso em sua mente e pra ela era difícil distinguir o que estava em sua cabeça e o que foi real. Acabamos concluindo que tanto um quanto outro foram verdades, pois da forma que ela falava de tudo, não parecia um mero delírio.

Alex voltou pra casa cerca de uma semana depois dessa visita que fiz a ela, e uns três dias depois disso tivemos a prova de que ela de fato não estava louca: nossa ex-professora de português, a senhorita Claudia, foi presa acusada de abuso de autoridade e tortura psicológica. Alex estava certa sobre ela, e sobre muitas outras coisas. Fiquei impressionado quando ela conseguiu prever a morte de duas pessoas que ela sequer conhecia. Ambos fora suicídio e saíram no jornal local. Tudo cooperava para provar que ela não estava louca e tê-la ao meu lado completamente sã depois daqueles meses todos com ela perto, mas distante, era realmente incrível e me deixava muito feliz.

Ela era realmente incrível e a maneira que aprendia rápido sobre Cristo me impressionava, chegaria a dizer que ela hoje pode até mesmo saber mais do que eu sobre Ele. Começamos a namorar depois de um tempo, pois já estava claro que era o que queríamos, juntos falávamos sobre Cristo a nossos amigos e nunca mais ouvi ela falar sobre as vozes que atormentavam sua mente ou sobre a terra do céu cinza.

Seus demônios a haviam deixado em paz, pois ela havia rompido sua ligação com eles quando formou uma ligação maior com Cristo. Ela me trazia paz e acreditava em mim, algo que nem mesmo eu fazia na época, ela me lembrava de que eu não era um monstro e que mesmo com todos fazendo profecias sobre como no futuro eu seria ruim, eu não precisava de fato ser se não o quisesse isso. Ela me lembrava o quanto Deus é bom e fazia-me ter vontade de não querer abandoná-lo e me encorajava a segui-lo de verdade, a ter fé de que eu poderia de fato segui-lo para sempre e ser aquilo que Ele gostaria que eu fosse. Ela me fez perder o medo de mim mesmo, pois disse que não tinha medo de mim quando muitos me afirmavam isso e quando até mesmo eu às vezes o tinha.

Ela era tão louca e tão problemática quanto eu, e ela mesmo já tinha visitado o mundo sombrio onde os demônios habitam, o qual chamamos de mente, mas desde que ela entrou em minha vida, ela sempre foi aquilo que me matinha são e que me impedia de enlouquecer por completo me retraindo nesse mundo onde estão presos aqueles que perderam sua sanidade. Ela me ensinou que para nos mantermos sãos todos temos que ser um pouco loucos e que os mundos que criamos podem ser tanto uma prisão quanto uma fuga, mas quem os controla sempre será nós e que por mais perturbado que sejamos, tudo que temos sempre será aquilo que temos em mente e por isso, eu aprendi a não temer mais a mim mesmo.



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