História Absinto - Cicatrizes

Seguiu-se um tempo tranquilo e feliz dentro daquele sobrado, Shura havia pedido uma licença para Atena, assim poderia ajudar melhor Rosalia com sua recuperação e toda aquela papelada infinita do seguro daquele bar.

Ir atrás de laudos, autorizações, certificados e documentos que Shura nem fazia ideia que existiam deixavam ele quase louco, fora reuniões com a corretora. O cavaleiro quase preferia tentar subir as doze casas, como os cavaleiros de bronze fizeram, do que ficar no meio daquele mar de papéis.

Rosália também havia feito amizade com Fatma, a melhor enfermeira do Santuário, que a ajudava com os curativos, e Tétis, que já conhecia devido ao bar. A ex-marina inclusive deu um novo ar para seus cabelos negros.

A famosa fada verde também era amiga dos outros cavaleiros, na verdade os conhecia bem até demais. Havia servido todos eles no antigo bar pelo menos uma vez, então sempre que tinha um tempo gostava de ir ao santuário para conversar e respirar um pouco.

Mesmo com todos os problemas, eventualmente surgia um tempo para Rosalia e Shura desfrutarem juntos de alguns prazeres da vida. Os passatempos preferidos sempre eram ler, conversar, assistir TV, aguar as plantas e cozinhar.

O que o cavaleiro mais gostava com certeza era de ficar fazendo absolutamente nada, enquanto aproveitava sua espreguiçadeira confortável e o calor gostoso do sol nos finais de tarde. Curiosamente, Rosalia não se juntava a ele nestes momentos. O cavaleiro não entendia o porquê mas com certeza iria descobrir, já que nesta tarde se cansou de ser observado de longe por ela.

- Rosa, você não quer se sentar aqui ao invés de se esconder na cozinha? Um pouco de sol faria bem pra você. - Apesar dos olhos fechados Shura conseguia sentir claramente a presença dela e aqueles olhos verdes sobre si.

- Ha! Claro, porque não? - Rosalia tinha se assustado quando ouviu seu nome, não imaginava que ele poderia saber que estava ali na cozinha, já que estava quieta como um rato.

Passado o susto, ela caminhou e sentou-se na espreguiçadeira que estava ao lado dele. Apesar do calor, ela usava sua saia mais longa e uma camiseta também com as mangas longas.

Shura não entendeu a escolha já que ele mesmo vestia apenas uma bermuda para aproveitar o sol, mas parando para pensar ultimamente ela havia se vestido assim mesmo estando quente.

Não era a Rosa alegre e confiante que Shura conhecia.

- Você não prefere vestir algo mais leve? Não vai aproveitar o sol assim.

- Obrigada, mas estou bem assim, sério.

Não estava bem assim e Shura sabia disso, só não entendia o porquê.

Percebeu logo o problema quando olhou para a mão dela. Imediatamente ele se levantou e sentou de frente para ela lhe ofereceu o próprio braço, ela não entendeu o gesto mas também se virou para ele.

- Está vendo? Eu também estou cheio de cicatrizes, todo mundo tem, e está tudo bem.

Shura não era um homem de muitas palavras mas foi abençoado com uma sensibilidade tremenda. Rosalia não falava sobre isso, mas a verdade é que não se sentia confortável depois que havia tirado as ataduras e curativos, devido às cicatrizes que ficaram do acidente.

O cavaleiro não só percebeu isso como mostrou que ela não precisava carregar esse sentimento ruim com ela.

- Obrigado, você tem razão.

Rosalia falou com uma voz embargada como se estivesse prestes a chorar, ninguém nunca havia reparado assim nela, ninguém nunca teve tanto cuidado assim com ela.

Quando pegou a mão do cavaleiro entre as suas era como se quisesse ler cada uma daquelas cicatrizes com a ponta dos dedos. Observou cada marca com atenção enquanto subia sua mão pelo braço dele.

Algumas cicatrizes eram do acidente, outras das lutas, umas mais velhas, outras mais recentes e cobriam todo aquele corpo masculino.

Não percebeu quando seus dedos já estavam no ombro dele, passando lentamente para o pescoço e pousando delicadamente sobre aquele rosto que ela conhecia bem. Agora parecia existir apenas aqueles olhos escuros no mundo dela.

Shura apesar de aparentar sua calma habitual por dentro ele estava em pânico, os planos dele não incluía que ela começasse a dedilhar seu braço e ficasse tão próximo assim. Estava absolutamente imóvel assimilando aquele toque, mas quando sentiu aquela mão macia lhe alcançando o rosto ele não teve chance alguma, se perdeu naquele verde intenso que eram os olhos dela.

Agora eram como se fossem duas estrelas se atraindo para um choque iminente.

Quando Rosalia se tornou consciente da distância curtíssima que havia entre eles rapidamente se levantou agitada.

- Quer saber? Eu vou...preparar um suco gelado! Isso, trocar de roupa e preparar um suco. Obrigada, Shura, de verdade!

Falando isso, Rosalia saiu em disparada para cozinha deixando o que mais parecia ser uma estátua do Shura para trás tentando assimilar o que tinha acontecido ali.

O que realmente tinha acontecido ali?

Decidiram em um acordo mudo que não falariam sobre aquilo e assim se passaram mais algumas semanas.

Alguns dias eram mais conturbados do que outros. Alguns deles correndo atrás de papéis e outros dias jogando conversa fora com os vizinhos ou no santuário.

Para Shura, os dias mais agonizantes eram quando Rosalia decidia que iria ao santuário. Não podia impedi-la mas sentia como se quisesse pegar aquela mulher e colocar em uma caixinha só pra ele quando a via rindo alto com Milo ou quando o Cavaleiro de Escorpião passava a mão por aqueles cabelos negros e ondulados dela.

A vontade real que ele tinha era de começar uma guerra de mil dias ali mesmo. Quem Milo pensava que era para tocá-la assim? Mas, pensando bem, quem era Shura para impedi-lo também?

Apesar de passarem a maior parte do dia fora de casa, à noite os dois preferiam o silêncio e a paz que aquele lar trazia sem sombra de dúvidas. Shura estava na cozinha terminando de lavar a louça que haviam deixado do café quando o telefone tocou, como Rosalia já estava na sala ela pôde atender o telefone mais rápido.

O cavaleiro não conseguia ouvir a conversa mas assim que ele se virou para perguntar quem era, ele deu de cara com aquele olhos verdes na porta da cozinha. Como ela não falou nada, ele decidiu quebrar o silêncio.

- Então

- A gente conseguiu. - Lá estava Rosalia branca como um papel, por mais que quisesse Shura não conseguia ler aquela expressão dela.

- Conseguimos o quê, Rosa?

- O seguro! A gente conseguiu!

Estavam tão felizes, Rosalia por poder recomeçar sua vida e Shura simplesmente por vê-la feliz, que não pensaram duas vezes em se jogarem nos braços um do outro em um abraço apertado. A moça ria alto enquanto Shura a rodava em seus braços, quando pararam mais uma vez ele se viu completamente hipnotizado por aqueles olhos verdes.

Era tanto silêncio e felicidade agora que ele sentia como se só existissem apenas os dois no mundo. Quando achou que acabariam entrando na mesma rota de atração e colisão que haviam entrado no jardim algumas semanas atrás, ele voltou a si ouvindo ela o chamando.

- Shura, obrigada por compartilhar da minha alegria mas você pode me soltar agora.

Não tinha percebido que não havia a libertado de seus braços.

- Ah, me desculpa, claro!

- Eu sei que já falei isso, mas obrigada por tudo o que fez até agora por mim. Do fundo do meu coração, obrigada Shura. - Rosalia, apesar de ter se afastado, ainda tinha as mãos do cavaleiro nas suas.

- Eu já sei como você pode me agradecer. Hoje deveríamos comemorar! Vai se arrumar e eu vou te levar para um lugar mágico.

- Shura, não precisa, sério.

- Não aceito um não como resposta. Te encontro aqui em baixo às 21:00, certo?

- Claro, senhor cavaleiro de ouro, seu pedido é uma ordem. - Rosalia fez uma pequena reverência no intuito de irritá-lo antes de sair para seu quarto, o que não fez mais do que incitar um pequeno riso em Shura.

Estava decidido, não iria perder mais nenhum minuto ali, precisava se arrumar com urgência.

Continua...