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História Agonie - "Wees asseblief genadig"


Escrita por: DarkSouther

Notas do Autor


Boa Madrugada.

Só pra constar eu estou vivo, e mesmo com demora lanço o mais recente capítulo de nossa historinha.
Espero que apreciem.
Boa leitura.

Capítulo 4 - "Wees asseblief genadig"


14 de setembro de 1889 – Em algum lugar desconhecido.

Frio...

Estava muito frio em uma rua estreita, porém bonita e bem iluminada na noite. A neve caia e preenchia alguns cantos dessa rua, e era possível ver vários estabelecimentos acesos e vibrantes, de modo indicativo que o lugar não iria dormir tão cedo. Num rompante apareceu um homem de sobretudo marrom claro, andava em passos rápidos e de cabeça baixa, em sua cabeça havia um chapéu preto de estilo cartola médio, e o resto de seu traje era um terno preto social com uma camisa estritamente branca, como a neve. Continuava andando e olhava para os lados como se estivesse devendo algo, parou, viu os dois lados da rua e a atravessou, almejando alcançar um estabelecimento do outro lado. Um bar com grandes letreiros chamativos. Entrou, parecia ser conhecido ali, pois o balconista já o agraciara com as boas vindas com aquela frase “o de sempre senhor?”, alguns rostos olhavam para aquele homem, e este apenas caminhava em direção a um banco vazio próximo do balcão.

Uísque, pelo visto hoje não tinha sido a sua bebida repentina, mas o homem estava muito disposto a tomar algo diferente.

Uma, duas, três, quatro. Já havia tomado quatro copos de uísque, e permanecia atento, como se preocupado, ligado em sua volta. Iria partir para a quinta dose quando sua mente começou a projetar vozes, e diálogos, todos eles femininos. O homem ouvia coisas do tipo: “oi querido, você demorou”, “estava te esperando, ah espero que a demora valha a pena”, “hoje sou toda sua” “o que iremos aprontar hoje?” todas essas vozes de forma atraente e sensual, como um pedido de prazer, uma súplica de uma noite quente. A garrafa de uísque se encontrava pela metade do líquido que antes a preenchia quase que completamente, mas não parou, continuou a beber. O homem se mantinha reservado de qualquer grupo, pessoas ou conversa e estava completamente ligado a seu mundo, um mundo que sua mente projetara. Projetava nas memórias imagens de lindas mulheres. Ruivas, morenas, loiras, branquelas de cabelos pretíssimos como um carvão de primeira linha. Mas o engraçado era que sempre o homem estava sozinho, continuava sozinho e permanecia sozinho. Entretanto não se importava muito, vivia em grande conflito, porém parecia que preferia ficar assim, como um lobo solitário.

Continuava em suas doses, inerte, pensativo, até que outra figura masculina se aproximara vestido elegantemente bem como o primeiro, usando um terno com colete preto, e uma gravata borboleta. Ficara de costas para o balcão e disse:

- Pelo que vejo você me parece ser o Estevão...

E então Estevão acordou...

 Suando consideravelmente tendo seu corpo dolorido por ficar tanto tempo sobre o chão duro de madeira marrom. Quando percebeu seu primo Herbert estava dentro da casa e pelo que parecia já estava a um tempo tentando acorda-lo. Ele tentara levantar, mas ao fazer sentira muita dor principalmente nos ombros e em seu joelho direito. Doía, e doía muito.

- O que aconteceu aqui? – perguntara Herbert tentando levantar Estevão.

- Ah – ele fez uma pausa – eu sinceramente não sei.

Enquanto dizia isso, a raiva nascia e remoía dentro dele por confiar em uma pessoa que aparentemente o traíra, e o virara as costas. Quando a veria novamente? Ele não sabia.

- Oras como não sabes, se o proprietário dessa residência eres tú? – indagou incrédulo Herbert.

Após um pouco de sacrifício, Herbert ajudara Estevão a se sentar na poltrona onde estava sentado no dia anterior com Stella. Porém, seu primo já tinha visto o bule e as duas xícaras e não hesitou mais em perguntar:

- Duas xícaras – disse olhando-as e passando a mão no rosto – conte-me, quem lhe fizera companhia?

Estevão ficara quieto olhando para seus sapatos, pensativo, longe... Mas se recompôs para responder:

- É uma longa história primo... Não quero falar sobre isso – arrematou.

Herbert vendo que não iria conseguir arrancar nada de muito útil de seu primo, preferiu revelar o que fora fazer ali, dizendo:

- Enfim meu primo, o motivo que venho para cá não é para bisbilhotar e sim para lhe fazer uma pergunta.

- Que seria?

- D. Luís I deseja te ver hoje, fizera o convite formal para você nos acompanhar no jantar à noite.

- O imperador? – disse Estevão como se fosse ilógico o que ouviu.

- Sim, ué, porque todo esse espanto? Seu pai e meu tio era próximo de Luís, e pelo que é perceptível ele nutre algumas coisas de bom de você também.

- Sim, eu percebi. Quem estará lá?

- A corte, os nobres, os mais achegados do imperador – disse por fim Herbert.

- Está certo, tudo bem. Agora me diga, para onde estás indo agora?

- À expedição. Estamos avançando consideravelmente bem, e pretendo junto à minha equipe até o final do ano finalizar essa obra.

- Eu irei contigo, minha resposta é sim – Estevão olhando fixamente nos olhos do primo dera a resposta que prometera dar no primeiro dia de sua chegada, quando fora convidado. Ele sinceramente não sabia se essa resposta fora dada por impulso, raiva, pena ou consciente, mas duvidara que fosse por essa última. Talvez ele quisesse ver novos cenários ou mudar um pouco a rotina, já que iria ficar de fato em casa pelo o dia todo, até chegar a hora do jantar. Aprontou-se indo ao quarto levando uma de suas malas enquanto o seu primo esperava pacientemente na sala. Ao terminar, partiram. O bonito e elegante coche creme de Herbert estava a uma pequena distância da casa. Eles adentraram então o cocheiro dera a partida.

A dor era constante, mas Estevão não queria ficar mais muito tempo em sua casa para não se recordar do evento das horas anteriores. Estava evasivo, porém percebeu que seu primo havia ficado desconfiado de suas escusas quando perguntado se tinha alguém com ele na última noite. Como concordara em ajudar Herbert na expedição como médico auxiliar, o acompanhara até a cidade alta. A viagem durou no máximo 1 hora, e se seguiu tranquila tendo os dois primos conversando sobre diversos assuntos. Nada que pudesse atrapalha-los ocorreu, sendo um fator positivo para uma chegada mais breve. Ainda era cedo, como Herbert anunciara, o relógio marcava 9:45 da manhã e o sol há algumas horas já estava no céu fazendo sua majestosa aparição. Os dois primos encontravam-se bem próximo do centro da cidade alta, onde a riqueza era essência, o ouro o perfume e as glebas a autonomia. Aqui as coisas eram exageradamente bonitas e incisivas e ao mesmo tempo em que passavam um ar belo e bonito, também transpassavam arrogância. Estevão nada dizia, apenas pensava nessas coisas e observava bem ao redor, via como aquelas pessoas habitantes desse lugar tão chique, se portavam com seus narizes empinados, a postura ereta e o jeito de total superioridade. E por falar em superioridade, também ele via muitos negros acorrentados pelos pés fazendo serviços próximos de seus senhores. Numa banda bem próxima do cais do grande rio, era possível ver filas e filas de negros saindo de vapores sendo açoitados e coagidos por rudes gritos de capatazes, sem nenhuma paciência. Herbert também olhava avidamente e atenciosamente para o mesmo lugar, e sem virar seu rosto a Estevão ou mover seus olhos, disse:

- Se tudo correr bem como o planejado, no início do ano que vem começaremos a desbancar esses patifes que se autodominam dono do mar. Espera só essa obra ficar pronta e as coisas começarem a fluir.

- Pois é. Veremos primo – dissera Estevão.

- Bem, vamos por aqui – Herbert despontara pra uma rua central grande e movimentada, a movimentação se dava por algo diferente constatou Estevão, as pessoas se aglomeravam em formato de semicírculo no final da rua, e os dois se dirigiram para a aglomeração.

- O que está acontecendo aqui primo? – perguntou Estevão.

- Eu não sei, vamos lá ver o que se passa.

E então depois de um esforço Estevão conseguira passar dentre a multidão bem vestida e perfumada e conseguiu ver que na praça linda que se estendia a sua frente se encontrava um palanque todo de madeira e alto onde realmente parecia ter sido construído para apresentação de um espetáculo. O palco era imenso e nele havia pessoas. Ele viu que lá em cima havia uma escrava que estava sendo carregada a força por dois oficiais, e esta gritava alto e copiosamente em dialetos em sua língua nativa. Ela continuava sendo carregada até um tronco com mais de 2 metros de altura e roliço, enquanto ouviu um homem próximo dizer:

- Senhoras e senhores, eis que nessa linda manhã de sábado, dia do tão merecido descanso acontece uma barbárie onde não pode ser passada impune – na medida em que o homem falava, desenrolava de sua mão direita um largo e grosso chicote que passava fácil de um metro de comprimento – como toda ação tem uma reação, aqui as leis reagem perante a rebeldia desses seres que não aceitam o que já fora definido anos e anos atrás. Portanto, é sabido que precisamos coloca-los na linha. Essa mulher que está sendo amarrada no tronco, viera numa carga experimental num trem dois dias antes, e como uma atitude precipitada fugira. Três fugiram, um homem e duas mulheres, pegamos só essa, mas logo menos encontraremos os outros dois, podem apostar. A outra mulher é mais nova e soube que ela ainda está na cidade.

Nesse momento Estevão sentiu um forte aperto no estômago, e um suor frio desceu na testa. Ele lembrara imediatamente de Stella, essa era a mulher de quem eles estavam atrás, poderia imaginar o pior caso ela fosse pega por eles. Ficara inquieto, porém disfarçara, pois Herbert estava ao seu lado, olhando calado e atento ao “espetáculo” à frente deles. Então, os oficiais com esforço terminaram de amarrar a mulher negra. Ela estava amarrada com as mãos no topo do tronco que tinha um formato de T, a negra era bem menor do que o poste, então ficara a certa distância do chão. A mulher não tinha cabelo e no lugar dele ela colocara um lencinho amarrado para inibir o contato direto do sol, sua roupa era na verdade um vestido branco similar de Stella, só que tinha sido rasgado para ficar visível as suas costas. Ela estava de lado para o público, ficando assim de lateral. O capataz estava logo atrás dela silvando o chicote no vento como se tivesse aquecendo.

A moça gritava, gritava e chorava intercalando em português e na língua africana súplicas do tipo “Wees asseblief genadig” (por favor, seja misericordioso) de forma sucessiva e ininterrupta.

O capataz vestia calça marrom claro, botas pretas e uma camisa aberta que mostrava seu peito peludo. Era baixo, 1,70 no máximo e sempre vivia com um grande chapéu de palha, tinha o hábito de sempre mascar matos longos e cuspir em vários momentos no chão. O sujeito era carrancudo e completamente mal encarado pensou Estevão.

Após terminar de golpear o vento com o chicote, o homem cuspira no chão e dera uma última olhada para a plateia e em seguida deu a primeira chicotada com força na mulher. O som do golpe entrou com fúria e destreza na mente de Estevão, acompanhado pelo forte urro que a mulher dera olhando para cima ao receber o golpe. Foi uma cadeia de sequências, cada golpe mais pesaroso do que o anterior, a moça começara a gritar e a chorar, e durante os golpes ela olhara para cima com os olhos fechados em lágrimas e começou a dizer:

Boodskapper van alle oorsake en name. (Mensageiro de todas as causas e nomes)

Neem hierdie boodskap aan my mense. (Leve essa mensagem ao meu povo)

Dit sal my liggaam nou verheug Wees. (Que agora meu corpo irá se deleitar)

En ek sal die kreatiewe moeder van alle dinge ontmoet. (E conhecerei a mãe criadora de todas as cousas)

Stel my vry van pyn en ongeluk, (me libere da dor e do infortúnio).

En laat my die res geniet, amen. (E me faça gozar do descanso, amém).

O desespero e a angustia da moça preenchia o ambiente. Estevão a cada chicotada que presenciava, apertava mais sua mão direita com força, e seus olhos lacrimejavam pelo tamanho ódio e imponência que sentia. Sua respiração ficara descompassada e também ficara angustiado como a moça. Herbert que até então estivera calado, disse para Estevão:

- O que será que ela disse?

- Uma oração – disse Estevão rispidamente.

- Como sabes? Conheces outra língua?

- Não. Apenas foi nítido e eu senti – finalizou Estevão.

Depois da sessão de castigo, o capataz parara de chicotear a moça. Virara para a plateia e dissera:

- Acabamos por aqui, caso ela sobreviva ela servira de algum modo, e quem tiver o interesse ela será leiloada no grande salão do Porto.

Acabou o espetáculo e aos poucos as pessoas iam se dispersando comentando várias coisas sobre o ocorrido. Estevão ficara com essa última frase na cabeça, leilão de escravos, não se lembrava de ter ido lá muitas vezes, porém sabia que ficava no Porto, e acima de tudo pensara, qual seria o destino dessa mulher, a mulher que Stella mencionara por alto nas horas anteriores.

- É isso meu caro, vamos, temos que ir – Disse Herbert cortando os devaneios de Estevão – Ei, você mesmo toma-te a andar, senão chegaremos tardiamente à expedição.

- Sim, vamos partir à expedição – Disse Estevão com as imagens vívidas do ocorrido recente em sua mente.

 


Notas Finais


Espero que tenham apreciado, até a próxima =)


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