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História Algo sinistro vem por aí - Um passado não esquecido


Escrita por: Maethril

Notas do Autor


Como imaginei que poderia acontecer, escrevi demais e não consegui comportar tudo em um único capítulo. Então vou fechar a história no próximo. Espero que isso seja uma boa notícia.

Novamente quero agradecer a todos que favoritaram e comentaram nos capítulos anteriores. O feedback do leitor é muito importante, fundamental para a continuidade das histórias.

Espero que gostem.

Capítulo 17 - Um passado não esquecido


xXxXx

manhã trouxe a Scott Summers o alento pelo qual ele tanto suplicou durante a vigília interminável. Não soltou a mão de Jean tampouco sucumbiu ao sono, exceto por minutos intermitentes quando suas pálpebras pesadas se fecharam sem sua permissão. O quadro de Jean permanecia estável e sua respiração era leve como se estivesse adormecida.

Pouco depois do amanhecer, Xavier encontrou Scott curvado sobre a cama de Jean, com a cabeça descansando perto do ombro dela. O rapaz levantou a cabeça assim que ouviu o leve ruído da porta de correr sendo aberta. 

“Ela não acordou, Professor” anunciou, talvez sem notar a obviedade de suas palavras. Nunca sua voz, firme e potente do líder que vinha se tornando, soara tão alquebrada.

O rosto cansado do mentor, que também fora incapaz de pregar os olhos, se contorceu tristemente antes de formar um sorriso tranquilizador. “Vou examiná-la. Por que não vai tomar o café da manhã?”    

Scott rejeitou a sugestão ao chacoalhar a cabeça veementemente, irredutível. “Não vou me perdoar se eu não estiver ao lado da Jean quando ela acordar.”

Xavier assentiu em compreensão. Rolou a cadeira de rodas até posicioná-la ao lado da cama. Jean soltou um gemido e se moveu delicadamente.

“O que o senhor fez, Professor?” perguntou Scott ao se empertigar, esperançoso. As batidas aceleradas do coração pulsando nos ouvidos.   

Mas Xavier estava tão surpreso quanto o rapaz. “Absolutamente nada. Não tive tempo de estabelecer contato psíquico.” 

Jean abriu os olhos como se estivesse despertando em uma manhã agradavelmente quente de domingo. Olhou de Scott para Xavier. Sentia-se grogue. “Quanto tempo fiquei desacordada?” perguntou, sentindo o mau hálito de alguém que dormiu por várias horas. 

“Por quase vinte horas” Scott respondeu apressadamente. “Como está se sentindo?”

“Estou bem” ela garantiu, sentando-se. Percebeu o incômodo causado pela pele suada e o cabelo cheirando a fumaça. Voltou o rosto da direção do Professor quando este a chamou. 

“Lembra-se do que aconteceu?”

Ela fez que sim com a cabeça decididamente, o rosto sério e as sobrancelhas enrugadas de preocupação.

***

Eram perto das nove horas quando Vampira despertou no quarto ao lado da enfermaria, agradavelmente surpresa por ter conseguido descansar. Mesmo em uma cama estranha e vestindo moletom ao invés de um pijama confortável, ela dormiu um sono pesado e ininterrupto, por várias horas. Estava mais cansada do que havia imaginado. 

No mínimo, Vampira estava aliviada por não ter sido forçada – por alguém ou pelas circunstâncias – a usar suas habilidades de absorção. Mutante ou não, o processo de apagar as psiques alheias que ficavam carimbadas na sua mente era sempre demorado e doloroso.

Ela se sentou meio desajeitada, moveu o pescoço em círculos, ouvindo-o estalar, e então voltou a atenção para a cama ao lado, mais especificamente para quem estava deitado nela. Rapidamente virou o rosto para a parede à frente assim que sentiu as bochechas queimarem. Com sua pele de alabastro era impossível esconder o rubor. Fez uma careta de desgosto para si mesma, inconformada por se sentir como uma adolescente enamorada só de olhar para o Remy. Mordiscou os lábios inconscientemente à medida que sua mente era inundada por imagens das horas que haviam passado juntos, quando, como que por um presente distorcido do destino, puderam se tocar. E eles não hesitaram, agarraram a oportunidade sabendo que não haveria outra. Se fora uma declaração dos seus sentimentos verdadeiros um pelo outro, não importava, pois havia deixado de ser um jogo há muito tempo. Era tão recente que ela ainda podia sentir perfeitamente a ebulição de sensações que o toque dele causou.

Recompondo-se, Vampira mais uma vez se voltou para Gambit, que estava deitado de costas e com os olhos abertos fixos na parede à frente. Não notou que ela o observava.

“Bom dia, gatinho.”

Saindo do devaneio, ele virou o rosto na direção dela, seus olhos admirados, como se tivesse esquecido que ela havia dormido na cama ao lado. Abriu um sorriso largo e genuíno, sorvendo a sonoridade das palavras dela. Descobriu que ouvir aquela voz rouca e melódica toda manhã seria como um conto de fadas. Apenas queria ter acordado na mesma cama que ela.

O sorriso charmoso justamente com os olhos singulares e misteriosos fizeram as bochechas dela corarem novamente. As borboletas na sua barriga se agitaram. A expressão de divertimento que o rosto dele ganhou fez com que Vampira se repreendesse mentalmente. Gambit claramente estava acostumado a causar aquele tipo de efeito. Ela mesma já vira a expressão abobalhada nos rostos de várias das garotas nos primeiros dias de Gambit na mansão. Vampira revirara os olhos todas as vezes.  

Ele pareceu achar graça na expressão adorável dela. Levantou da cama e deu dois passos exageradamente lentos na sua direção. Ela se preparou para as palavras de deboche que viriam a seguir, mas se surpreendeu a receber honestidade, não por meio de palavras, que eram fáceis de dissimular, mas nos olhos dele. Ele se sentou de frente para ela e o seu sorriso largo se transformou em uma versão quase melancólica ao contemplar o rosto dela. Estendeu o braço e tocou uma mecha de cabelo branco misturado a fios castanhos e enrolou no indicador carinhosamente. Ela não recuou, tocou a mão dele – tão perto do seu rosto – com a mão enluvada. Pigarreou ao sentir os olhos arderem.       

Comment tu te sens, chérie?” ele perguntou suavemente. 

Vampira sorriu. Aquele sotaque a transportava diretamente para a infância. “Melhor do que achei que estaria. E você?” seu tom de voz mudou ao acrescentar a pergunta, ganhou um quê de preocupação, pois era evidente que Remy não havia conseguido descansar. Havia marcas arroxeadas debaixo dos seus olhos fatigados e opacos, o que intensificava o hematoma abaixou do olho direito cujo tom azulado agora pendia para um verde-amarelado.

Gambit se segurou para não dar a resposta padrão e insincera e dizer que estava bem quando na realidade estava longe disso. “Algumas das coisas que aconteceram... eu não consigo entender” mas se acovardou na metade do caminho. “Peu importe.

Para sua sorte, naquele instante, Hank bateu à porta. O doutor parecia cansado, porém contente. “Como estão se sentindo hoje, crianças?”

“Melhor” Vampira respondeu. “E a Jean?”

Hank abriu um sorriso reconfortante e lhes deu a boa notícia. Examinou-os brevemente e perguntou se Gambit estava tomando os remédios nos horários estipulados. “Acredito que vocês poderão voltar a dormir nos seus quartos.” 

Com os estômagos roncando e a renovada disposição trazida pela melhora de Jean, Vampira e Gambit se juntaram aos demais na cozinha para o café da manhã. Apenas ao encontrar a cozinha cheia eles perceberam que era sábado. Por tudo o que aconteceu, haviam perdido a noção do tempo. De qualquer forma, todos foram gentis o bastante para agir normalmente e não tocar no assunto em evidência. Desde que a mansão fora atacada, qualquer boato que corresse à boca pequena era logo esclarecido e/ou desmentido pelos mentores. Se havia um ponto positivo em meio à adversidade, era a melhora na comunicação entre os recrutas e os mentores. Embora esses não precisassem saber de todos os detalhes, mentores e veteranos haviam chegado ao consenso de que os mais jovens não ficariam mais no escuro, pois apesar da idade, tinham maturidade o suficiente para lidar com situações de estresse e perigo, como haviam provado durante e após o ataque à mansão. Haviam garantido um voto de confiança merecido.  

Depois do café, Gambit e Vampira foram ter com o Professor, que havia solicitado sua ida ao seu escritório. Não houve formalidades. Com um sorriso diplomático e gentil, Xavier saiu de detrás da mesa, apontou o sofá de três lugares e pediu para que os dois jovens se sentissem à vontade. 

Gambit pareceu seguir o conselho à risca ao se deixar cair com um estrondo, as pernas esticadas à frente, um cotovelo dobrado sobre o braço do sofá e o seu outro braço esticado sobre o espaldar. Vampira se sentou do outro lado em posição muito mais polida.

“Preciso que vocês entendam que não se trata de um interrogatório” assegurou o Professor.

Embora Xavier falasse para os dois, Gambit sabia que a declaração era dirigida a ele. Questionou-se por que não havia sido chamado para conversarem a sós ou se haveria um tête-à-tête mais tarde. 

“Gostaria que” continuou Xavier “vocês falassem do ocorrido quando estiverem prontos.”

“Por mim tudo bem conversar agora, Professor” afirmou Vampira, e olhou para Gambit, que concordou.

Vampira contou aproximadamente tudo do que se lembrava. Gambit concordava e acrescentava à narrativa quando necessário, porém não apresentou outro ponto de vista. Descreveu como haviam chegado até a base de operações, com os três X-Men desacordados, que havia ficado em um quarto como os outros, mas que não passara pelos mesmos exames. Vampira contou que haviam saído à procura de Jean e Scott, mas que não conseguiram se aproximar deles. E, acima de tudo, estavam no escuro quanto aos planos de Sinistro, salvo por insinuações.

Os vincos entre os olhos de Xavier se aprofundaram. Não havia como saber o que de fato Essex havia conseguido ou o que ainda planejava fazer. Voltou-se para Gambit. “Você conhece algum dos mutantes subordinados a Essex?” 

Gambit fez que sim com a cabeça. “No meu ramo se conhece muita gente assim, prof. O líder se chama John Greycrow, o Caçador de Escalpos. O conheci anos atrás, antes de ele ser recrutado por Essex. Os outros não sei os nomes verdadeiros, apenas os codinomes.” 

A pedido de Xavier, Gambit relatou os nomes e poderes de cada um dos Carrascos. Xavier ouviu e anotou tudo com atenção. Passaria a compilar dados a respeito de mutantes e armazená-los no Cérebro. Era algo que havia evitado, pois temia que informações dos seus X-Men caíssem em mãos erradas, algo que aconteceu a despeito de sua precaução. As circunstâncias haviam mudado. 

O Professor se voltou para Gambit novamente. “Estou curioso a respeito de um detalhe: o que procurava conseguir ao ir intencionalmente com os... Carrascos?” acrescentou ao olhar suas anotações. 

Então o velho Wolvie compreendeu as minhas intenções corretamente, Gambit pensou. 

Notando que não havia reprovação ou acusação na voz de Xavier, Gambit ponderou sobre a pergunta. Lembrou-se de Vampira desacordada, do seu fracasso ao tentar impedir que a levassem como refém, de como naquele momento percebeu que a segurança dela vinha antes de sua autopreservação e de como não hesitou ao se colocar em risco pela possibilidade ínfima de conseguir resgatá-la ilesa. Desde então havia evitado a todo custo pensar nas implicações de seus atos e suas motivações. Agora havia sido colocado contra a parede por Xavier. 

Se o Professor esperava algum tipo de confissão, Gambit ficaria devendo. Optou pelo meio-termo, ou seja, contar a verdade, apenas não toda a verdade. “Fui um idiota, Professeur. Achei que poderia enganar o Sinistro e fazê-lo acreditar que eu estava do lado dele. Disse que o senhor estava me pagando bem pelas informações, mas... eh bien, ele não caiu.”

“Você já havia se encontrado com Essex, não é mesmo, Gambit?” e novamente o tom do homem mais velho não era acusatório, na verdade, soou mais como uma afirmação que indagação. 

Oui. Depois que menti sobre não ter encontrado os documentos – aqueles que eu trouxe para cá – Essex usou esse meu fracasso como moeda de troca. Por conta dessa dívida, fui forçado a fazer alguns trabalhos pequenos para ele.”

Xavier o observava interessado, porém não perguntou o porquê de Gambit ter mentido sobre ter conhecido Essex pessoalmente. “Que tipo de trabalho?”

Os lábios de Gambit se curvaram em um sorriso sardônico. “Acho que o senhor consegue imaginar.”

Se o Professor desconfiava de alguma parte de suas afirmações, não esboçou reação. Agradeceu aos dois após um breve silêncio ponderado.

Estavam de saída quando Gambit hesitou à porta. Pediu para Vampira esperá-lo ali fora e deu meia-volta. 

Pour de vraiProfesseur? Nem uma menção às informações que deixei de mostrar... nenhum sermão sobre eu ter partido um voto de confiança?” 

“A sua propensão para contar a verdade de forma seletiva, Gambit, não causou dano permanente... desta vez” e a pausa não significou uma ameaça, mas sim um conselho paterno. “Não vou fingir que compreendo as motivações que o levaram a ocultar as informações que ocultou, mas tenho um palpite” terminou com um sorriso, olhando para fora da porta semiaberta.  

Gambit se perguntou se Xavier havia espiado sua mente escondido, entretanto, sua experiência com telepatas lhe ensinara que ele teria percebido se alguém estivesse cavoucando dentro de sua cabeça. Mesmo Xavier provavelmente sendo o maior telepata do mundo, Gambit teria sentido ao menos uma pontada. 

As conclusões às quais chegara após sua conversa naquele mesmo escritório semanas antes quando trouxera os dossiês decerto estavam corretas. Xavier era um excelente jogador.

Com um aceno sutil de cabeça, Gambit se retirou, estranhamente não se importando se seu silêncio significava uma confissão.   

***

O restante da manhã foi completamente focado em Jean. Todos pareciam em polvorosa com a recuperação da garota. Não se falava em outra coisa, como se fosse um evento imperdível. 

Vampira percebeu, com certo orgulhoso próprio, que estava genuinamente contente pela recuperação da colega. No passado, teria se irritado por Jean receber ainda mais atenção que o normal, o que, na opinião de Vampira, já era excessivo. Havia amadurecido muito no último ano. Estava a caminho de se tornar uma jovem adulta melhor que sua versão adolescente. 

Por volta do meio-dia, a pedido do Professor, os recrutas trabalhavam arduamente na preparação de um grande almoço de comemoração, cujo real objetivo era mantê-los ocupados enquanto os demais se reuniram na sala de estar. O clima de divertimento que prevalecia na cozinha era o contraste perfeito para a atmosfera densa na sala.

Foi Jean quem desejou conversar com todos o mais breve possível, para contar o que havia visto. Sentia-se bem fisicamente, garantindo estar completamente recuperada. Havia demorado para acordar, explicara Xavier, pois seu corpo havia chegado ao seu limite e se esgotado, portanto, precisou de várias horas para se reabastecer. Naquela mesma manhã, Jean e Scott conversaram com o Professor e fizeram relatos muito semelhantes ao de Vampira.

No entanto, Jean não tinha recordações do que havia se sucedido durante sua transformação em pássaro de fogo, como Scott havia lhe descrito. Lembrava-se apenas de como se sentira livre e indestrutível. Mas este seria um assunto para outro momento, pois havia algo de que se lembrava perfeitamente. Fizera descobertas que semanas de investigação não haviam revelado.

“Eu transpassei a mente de Essex” ela disse, com a voz baixa. Quase hesitou em se referir a ela mesma como eu, pois foi como se tivesse assistido a tudo acontecer em uma tela, meio sonolenta. Ela fez uma pausa e o silêncio era opressor. Do seu lugar na poltrona mais próxima da lareira, com Scott ao lado, ela olhou os colegas ao redor, com rostos que variavam entre aflitos e curiosos. A maioria estava sentada nos sofás e poltronas, alguns poucos em pé, como era o caso de Wolverine. 

Jean respirou fundo e sentiu a mão de Scott se fechar na sua. O ato lhe injetou confiança para continuar. “Vi dois homens distintos. Vi quem Essex foi antes de se tornar Sinistro.”

Há muitos anos Nathaniel Essex havia morrido para dar lugar a Sinistro, que nunca dormia, nunca descansava, nunca hesitava. Ainda assim, esporadicamente, tinha vislumbres do homem que fora, e os detestava, pois lhe faziam lembrar o homem fraco que não existia mais.    

Proveniente de uma família abastada e aristocrática, Essex se mostrou brilhante desde a infância. Estudou em Oxford, na melhor faculdade de medicina que a Inglaterra do século XIX pôde oferecer, onde seu interesse se voltou para a biologia, mais especificamente para o campo da genética, ainda quase completamente inexplorado. Casou-se logo após terminar seus estudos formais, como era de praxe à época. Sua esposa, Rebecca, era jovem, bonita e de boa família. Embora um casamento de conveniência a princípio, o tempo se encarregou de criar respeito e amor mútuo ao jovem casal. Nathaniel a amava à sua maneira, assim como a seu filho primogênito. Seu trabalho prosperava e havia planos para a sua família crescer.

A vida, contudo, é imprevisível e, por vezes, cruel. Seu filho, Adam, aos quatro anos, adoeceu repentinamente e a causa de sua moléstia não foi encontrada. O dinheiro, a influência e o intelecto de Essex não bastaram para impedir a morte do filho. Este fora o primeiro golpe mortal. Moldou-o, tornou-o frio e ainda mais impetuoso. Passou a cada vez mais negligenciar a esposa e a se dedicar inteiramente ao trabalho. Acreditava estar próximo de um grande avanço: previa que no futuro próximo haveria mutações que proveriam poderes sobre-humanos a determinados indivíduos, os quais Essex estava determinado a encontrar. Foi até os lugares mais fundos da miséria à cata das chamadas aberrações, homens e mulheres com deformidades congênitas. Submeteu-os, sem remorso, a experimentos e deduziu que a sua forma grotesca significava o primeiro passo na evolução. Era a natureza errando antes de chegar à perfeição. Encantado e obcecado pelos estudos e descobertas de Darwin, sonhou em trazer a evolução humana ao seu apogeu. 

Mesmo que astucioso e crédulo de que a ciência estava acima da moralidade, Essex não era cruel de forma gratuita. Seus atos, por mais impiedosos e calculistas, eram fruto de uma mente brilhante e inquietante de um homem sem arrependimentos, uma mente curiosa que buscava compreensão e desenvolvimento.

Negligenciada, Rebecca passara meses enlutada até finalmente começar a aceitar que seu filho não voltaria. Ao engravidar novamente, após quase três anos, viu a segunda chance de criar um filho, de vê-lo crescer e se tornar adulto, tudo do que havia sido privada com a morte do seu primogênito. Nathaniel, por sua vez, não conseguia aceitar e se conformar com o falecimento do filho tampouco com o fato de não ter podido impedi-lo. Não saber a causa da morte do menino o corroía por dentro. 

Numa noite fria e chuvosa, apenas dois dias após o sepultamento do menino, Essex caiu de joelhos diante do seu túmulo, no cemitério de seus ancestrais dentro de sua propriedade, e seus dedos apertaram a terra macia e pastosa. Ele cavou. Cavou e exumou o corpo do garoto, carregou-o nos braços até o seu laboratório e o preservou. Precisava descobrir a causa de sua morte. 

Sua obsessão não cessava. A cada frustração, mais ensandecido e desesperado se tornava. Passava dias e noites em seu laboratório anexo à casa, em um mundo só seu, enquanto sua esposa era deixada de lado. Em uma noite, preocupada com a saúde do marido, que mal comia ou dormia, e grávida de oito meses, Rebecca o procurou em seu laboratório. Primeiramente, chamou o marido pelo nome, mas quando não obteve resposta, empurrou a porta e adentrou o lugar no qual ninguém era permitido. O laboratório estava vazio. Deixando a curiosidade guiá-la, Rebecca olhou ao redor, ao mesmo tempo fascinada e enojada. Então parou enquanto a cor do seu rosto fugia. Cobriu a boca com a palma da mão para abafar um grito. Ela descobriu o corpo de seu filho falecido. Caindo no pranto, ela quebrou o invólucro de vidro, apanhou o corpinho nos braços e levou-o novamente para o cemitério. Cavou a cova com as próprias mãos, revirando a terra úmida. Voltou para casa e pranteou enquanto lavava a terra de debaixo das unhas. 

Quando Nathaniel voltou para o seu laboratório, horas mais tarde, viu que o corpo havia desaparecido, mas, entorpecido, não se importou. Seus experimentos com o Gene X haviam dado frutos: o levaram a descobrir a chave para a própria imortalidade. Com olhos vidrados de quem não dormia apropriadamente há meses, ele estava prestes a injetar a fórmula na própria veia. Mas hesitou. Olhou para o invólucro partido e arremessou a seringa de vidro, que se estilhaçou contra a parede. Foi essa hesitação incompreensível que o levou a ouvir as batidas na porta. Um serviçal avisou que sua esposa havia entrado prematuramente em trabalho de parto. Caindo em si, Essex correu para o lado dela, deitada na cama, ofegante e pálida. Os lençóis brancos empapados de sangue. O médico que havia sido chamado chacoalhou a cabeça em negativa. A parteira segurava um bebê pequeno e morto nos braços. 

A visão de mais um filho morto e da esposa que padecia fez com que Nathaniel se sentisse como ele mesmo novamente, a dor lancinante lhe fazendo lembrar que ainda era humano. Quando tentou tocar a mão da esposa moribunda, ela se afastou. 

“Como você pôde?” ele a ouviu dizer, com a voz fraca e sofrida. “Ele era o nosso filhinho.”   

De joelhos ao lado da cama, Nathaniel puxou a mão da esposa e implorou por perdão. “Rebecca, por favor. Tente entender.”

Ela usou a pouca força que lhe restava para encolher a mão, enojada pelo toque das mãos frias dele. “Você não é o meu marido. Você se tornou Sinistro” ela cuspiu a palavras, que acabaram se tornando as suas últimas. 

Primeiramente atônito, Nathaniel se pôs em pé inesperadamente e, em um excesso de fúria, berrou para que os serviçais lhe deixarem em paz. Pranteou a morte da esposa e do filho natimorto o restante da noite. Em algum momento, viu seu reflexo pálido e expressão enlouquecida refletida no espelho. Em sua crise febril, questionou-se se a mortalidade valeria a pena quando não tinha mais ninguém. Uma eternidade solitária talvez fosse a punição para os seus pecados, mais que a morte, que significava apenas o fim e o esquecimento.

E sua morte veio, quando, após dois dias ao lado do corpo da esposa, que já emanava um cheiro putrefato, Nathaniel deixou o quarto e caminhou catatônico até o laboratório. Louco, ele juntou o que restava de sua fórmula e a injetou na veia, sem hesitar. Sentiu como se seu coração parasse e caiu ao chão gelado. Enfim, havia encontrado a morte ao abraçar a imortalidade.

Ao acordar na manhã seguinte, sentiu-se revigorado, mais forte que qualquer humano. Olhou-se no reflexo de um vidro da janela, sua pele havia se tornado sem pigmentação, contrastando com seus cabelos escuros, enquanto os seus olhos ganharam um tom vermelho. Exceto for esses detalhes, ainda parecia humano. Percebeu, em deleite, que toda a dor que havia lancinado sua alma não existia mais. Não havia culpa, remorso, senso ético ou moral. Era um ser novo, aprimorado e imortal. Estaria vivo para presenciar a primeira grande evolução humana, quando o Homo sapiens desenvolveria poderes grandiosos. 

“Sinistro” ele sussurrou para si mesmo. Sua esposa estava certa. Julgou que seria uma alcunha tão boa quanto qualquer outra. 

Juntando sua fortuna, ele decidiu que partiria para a América, a terra das possibilidades, onde daria prosseguimento aos seus experimentos, onde encontraria cobaias vindas de todos os cantos do mundo diariamente, ao contrário, do Velho Mundo onde nada mudava. Calculava que em poucos anos perderia o seu sotaque Queen’s English e poderia se misturar ainda mais facilmente, da mesma forma, um pouco de maquiagem resolveria o problema de sua pele anormalmente branca.

Ao pisar em território americano, portando um novo nome, Dr. Nathan Milbury, ele carregava uma maleta, a sua única lembrança de quem fora. Nela, havia apenas alguns documentos e uma única foto de sua esposa e filho, e material genético deste. Sequer entendia por que levara aqueles objetos consigo, mas dizia para si mesmo que não passava de um souvenir de uma vida passada.  

Ao término do relato de Jean, o silêncio perdurou por alguns instantes. Foi como se todos tivessem prendido a respiração. Então vieram alguns arquejos e rumores.   

Wolverine, então escorado na parede e com os braços cruzados, começou a caminhar de um lado para o outro. “O desgraçado era humano” murmurou, mas ninguém pareceu ouvir. 

Boquiaberto, Gambit sentiu uma mão enluvada apertar a sua. Retribuiu o gesto e voltou o rosto para Vampira, sentada ao seu lado no sofá maior. Ela também tinha uma expressão de espanto no rosto. 

A cabeça de Gambit dava voltas. Suas investigações o haviam levado a acreditar que Essex era imortal, ou ao menos, muito velho, nascido há mais de um século e meio antes de se tornar a figura de Sinistro. No entanto, não havia se deparado com o nome Milbury tampouco com fatos tão detalhados de seu passado humano.

As informações que Gambit havia desvendado sobre o paradeiro de Essex e onde esteve anteriormente – o que incluía o edifício que ele havia investigado semanas antes – não chegavam perto de arranhar a superfície, nada se comparava ao que Jean sabia. Mesmo os documentos que salvaguardara do fogo não continham informações tão preciosas. Eram apenas uma peça do quebra-cabeças que Jean terminara de montar.

“Tem mais” disse Ciclope, em meio aos murmúrios, chamando a atenção para si. Fez-se silêncio enquanto todos os olhos se voltavam para ele. “Eu também vi – Jean me mostrou – outro fato importante que envolve nós dois” ele fez uma pausa e olhou para Xavier, que o observava atentamente. Na conversa com o Professor naquela manhã, o casal havia apenas aludido à fonte do interesse que Essex nutria por eles. Um interesse doentio que não parecia se limitar apenas aos dois, mas também se estendia a futuros filhos que eles viessem a ter. Jean e Scott haviam concordado que todos deveriam saber. “De alguma forma, Sinistro já sabia da minha existência desde o orfanato. Foi ele quem me separou do Alex, após a morte dos nossos pais. Impediu que eu tivesse qualquer chance de ser adotado. Ele sabia que eu carregava o Gene X e esperou até que os meus poderes se manifestassem para me estudar.” 

“Ele também ficou sabendo sobre mim” Jean afirmou, quase gaguejando. “Planejou matar os meus pais para poder me controlar assim como fez com Scott no orfanato. Só não conseguiu porque o senhor chegou a mim antes, Professor. Ele acredita que a combinação do meu material genético com o de Scott criaria um mutante perfeito.”

A incógnita sobre Sinistro ter sido capaz de levar consigo material genético dos dois para garantir a existência da prole que queria tanto tornar realidade era uma pergunta que ficaria sem resposta. O fogo havia varrido todo e qualquer vestígio referente a Sinistro e todos que trabalharam para ele. Por mais que fosse impossível saber para onde ele havia fugido, eles agora tinham em mãos informações suficientes para levar as investigações por outros caminhos.   

“E onde eu entro nisso?” Vampira perguntou. Precisava saber se existia mais, como no caso do Scott e da Jean.

Jean demorou para responder, pois havia partes do quadro que ela não havia conseguido decifrar.  “Quando Essex descobriu sobre nós, sobre os X-Men... talvez por eu e o Scott estarmos aqui... deve ter chamado a atenção dele. E de todos os mutantes aqui, viu o maior potencial em você, Vampira” ela então voltou o rosto discretamente para Gambit, que retribuiu o olhar. 

“Professor,” chamou Vampira, levemente hesitante “o que aconteceu com o corpo... eu vi quando o Logan gravou as garras em...”

“Eu mesmo cuidei disso, guria” Wolverine respondeu evasivo, a voz grave e o rosto sério.

“Eu o vi” ela disse, com um leve tremido na voz. “O mesmo mutante que caiu. Ele estava lá em pé, seguindo ordens.”

“Clones” Gambit respondeu rapidamente e vários rostos se voltaram para ele. “Sinistro clona os seus Carrascos. Assim eles o torna descartáveis, e eles voltam cada vez menos humanos” esta última parte não passava de suposições, mas parecia mais que um palpite. Lembrou-se de Greycrow, e de como ele parecia cruel e inumano. Em nada se assemelhava com o homem que havia sido anos antes. 

Vampira fez em voz alta a pergunta que todos pensaram. “Sinistro pretende fazer clones de nós?”  

Xavier lançou a ela um olhar grave como se a mesma preocupação tivesse tomado os seus pensamentos.

Non” Gambit novamente se adiantou. “Acredito que não. Sinistro disse algo como, estou parafraseando, ‘só mutantes descartáveis são clonados’. Deixou claro que os X-Men estavam ali por serem especiais” Gambit não se incluiu e ninguém disse nada a respeito, embora se suspeitasse que o interesse se estendia também ao jovem Cajun

“Eu não tenho certeza” Jean respondeu após Xavier perguntar se ela concordava. “Algumas partes não ficaram claras” disse, baixando a cabeça.

Após um breve silêncio, Xavier tomou a palavra. “Outro ponto que exige nossa atenção se refere aos chips inibidores de poderes.”

“É de tecnologia extremamente avançada” confirmou Hank. “Nunca vi nada assim.”

“Não é a primeira vez que vejo um inibidor” disse Wolverine. Assim como Gambit, já havia se deparado com um colar inibidor de poderes. Uma ferramenta perigosa não apenas nas mãos erradas, mas nas mãos de qualquer um. Acreditando que aquele assunto pertencia a outro momento, acrescentou: “Precisamos estar preparados para caso Sinistro volte.” 

“Ele sempre volta” disse Gambit, enfaticamente. Havia raiva contida nas suas palavras, que combinava com sua postura incomumente rígida. 

Scott pendeu a cabeça como se concordasse. Se o bicho-papão dos seus pesadelos de infância havia retornado uma vez, nada o impedia de retornar uma segunda vez. 

“Precauções estão sendo tomadas” Xavier se resumiu a dizer. Era do conhecimento de todos que mudanças estavam ocorrendo. Desde o ataque, Hank e Kitty, usando seus conhecimentos avançados em tecnologia, vinham elaborando um sistema de segurança ofensivo para a mansão, mais agressivo e efetivo, para impedir que um ataque limpo e direto como aquele voltasse a acontecer. “O que aconteceu serviu de aprendizagem. A partir de agora os X-Men devem estar cientes de que existem aqueles que conhecem nossas forças e nossas fraquezas, e que irão usá-las contra nós. Fomos descobertos por Sinistro, pode acontecer novamente” ele fez uma pausa longa, como se estivesse terminado. Todos permaneceram em silêncio esperando por mais. “Contudo...” e olhou ao redor no rosto de cada um “reuni vocês nesta mansão com um objetivo claro em mente: que vocês aprendam a usar os seus poderes mutantes para o bem, para que juntos possamos criar um futuro melhor, um futuro em que a coexistência entre humanos e mutantes seja possível e pacífica. Encontramos e continuaremos a encontrar obstáculos, mas acredito que juntos construiremos esse mundo.”

Logo os recrutas anunciaram que o almoço estava pronto (ressaltando, orgulhosos, que fizeram tudo sem supervisão) e, em poucos minutos, estavam todos sentados em torno da mesa na sala de jantar, especialmente longa o bastante para acomodar a família numerosa que os X-Men formavam.

Eram raras as vezes em que todos conseguiam se reunir para uma refeição, portanto, a ocasião se mostrou especial. Podia-se notar a emotividade orgulhosa no rosto de Xavier, sentado à ponta da mesa. O alívio de ter os X-Men reunidos e a salvo era evidente no seu rosto.

Após a refeição, os recrutas se reuniram e se revezaram para retirar a mesa e cuidar da louça suja, para então poder seguir para a sala de recreação ou para a sala de estar. Foi nesse meio tempo que Gambit encontrou a oportunidade de falar a sós com Jean. Ele a abordou discretamente e os dois seguiram para um corredor vazio, longe do som de vozes. 

Notando de imediato a aflição no rosto do rapaz, Jean previu sobre o que seria a conversa. O tratamento que Sinistro deu a Gambit não foi o mesmo dos X-Men. Gambit deveria ter muitas perguntas e seu olhar indicava que ele acreditava que Jean poderia respondê-las.  

Ele foi direto ao ponto. “Quando você entrou na cabeça de Essex. Você viu algo sobre mim?” seu tom de voz era grave e confessional. Sua postura passava um ar de quem se sentia exposto, com o rosto inclinado na direção da garota e os ombros levemente caídos. 

Jean sentiu a intensidade dos olhos penetrantes dele, ansiosos e cheios de esperança. A expressão no rosto dela era condescendente por empatia e não pena, e Gambit pareceu entender essa sutileza. Ela finalmente fez que sim com a cabeça. 

“Eu era criança, um bebê?”

Jean franziu o cenho de leve, mas logo compreendeu a pergunta. Pensou seriamente e chacoalhou a cabeça negativamente. “Vi você como está agora.”

“O que eu estava fazendo?”

Ela ponderou novamente à procura das palavras certas. “Só vi relances do seu rosto. Senti a sua presença, mas ao mesmo tempo é como se não estivesse lá. Não consegui compreender onde você se encaixa.” 

“O que isso quer dizer?” sua frustração era evidente e foi necessário todo seu controle emocional para não se exaltar. “Você acabou de recitar a história da vida dele.”

Compreensiva, Jean explicou calmamente. “Algumas partes eu não consegui enxergar, outras são confusas, embaralhadas. É como se... houvesse dois homens. Essex e Sinistro. Eu consegui penetrar a mente de Essex e lê-lo como um livro aberto. Eu senti que você... que havia algo relacionado a você.”

“Como pode? Ele morreu há décadas.”

Ela concordou com a cabeça, angustiada. “É isso que não compreendo. Ler a mente de Sinistro foi... difícil. Ele está repleto de sentimentos contraditórios. O que eu vi sobre mim e Scott foram imagens claras porque era o que eu buscava ver. E mesmo assim foi forçoso, doloroso. Todo o resto... não é claro.”

Ela esperou pela reação dele, pela próxima pergunta, por indagações e inconformidade. Mas Gambit baixou os olhos e soltou o ar pela boca forçosamente. Parecia quase indefeso. 

Ela deixou a mão sobre o braço dele antes de dizer: “Sei que não era o que você queria ouvir. Eu sinto muito, Remy” e seus sentimentos eram sinceros. 

Gambit ergueu os olhos, surpreso por Jean saber o seu nome verdadeiro. Ouvi-lo o aqueceu, o confortou, o fez se sentir parte de algo maior. “Obrigado, Jean.”

Ele se virou para se afastar, mas Jean o chamou depois de poucos passos, admirada com a amabilidade e fragilidade que ele não tentava esconder. Uma versão tão diferente do rapaz arrogante e petulante que usava seus atributos físicos e charme cafajeste para ganhar vantagem. A versão à sua frente parecia ser quem ele era de verdade.  

Gambit girou nos calcanhares e desta vez foi Jean quem diminuiu a distância. “Você não está sozinho” e ofereceu um sorriso antes de se retirar, conseguindo o feito de deixá-lo sem palavras.

Atordoado, Gambit permaneceu imóvel por alguns instantes antes de dar alguns passos vacilantes na direção de onde Jean havia ido. Ouviu o som de vozes alegres. Lutando contra o sentimento de pertencimento e camaradagem, deu meia-volta. 

        XxXxX

Glossário: 

Comment tu te sens – Como você está se sentindo? 

Peu importe – Não importa 

Pour de vrai? – Sério? 


Notas Finais


Em relação à história do Sinistro, ela é toda canônica, exceto que nos gibis o Apocalipse foi responsável pela transformação do Essex em Sinistro. Simplesmente amei escrever essa parte.

Espero que tenham gostado e adoraria saber a sua opinião.


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