História All Star de Cristal - Vadia de Cristal

Sexta-feira, dia 12 de junho de 2020.

 Logo que me aproximei do camarim da deusa do amor, vi que o caos já estava armado. Ninfas corriam de um lado para o outro, carregando dezenas de vestidos, maquiagens, joias e afins, sátiros tentavam não se borrar de medo a cada maldição lançada em grego antigo e os semideuses mais corajosos, por assim dizer, até tentavam entrar naquela recém base de guerra. Todos falhando é claro.

     Já estava pronta para dar meia volta enquanto arranjava uma desculpa boa o suficiente para usa-la depois, quando certos olhos azuis cristais se fixaram em mim. Afrodite abriu um sorriso maligno.

     - Até que enfim você chegou! – gritou, assustando as criaturas gregas que ainda estavam a sua volta. – O que foi? Acha que só porque é filha do dono pode ficar perambulado pra cá e pra lá, não assumindo a sua responsabilidade? – ela gargalhou. – Semideusa tola, faça o seu trabalho direito ou irá parar no olho da rua. – informou-me raivosa. – O que vocês ainda estão fazendo aqui? – questionou aos outros. – Quero todos fora daqui! Imediatamente! – gritou, descendo do pequeno palanque onde estava, o que possibilitava uma ninfa costureira de fazer os últimos retoques em seu vestido. – Menos você. – apontou para mim. – Você vai fazer exatamente o que está sendo paga para fazer, mas, obviamente, não está fazendo. – esperou todos saírem da sala, antes de se dirigir-se a mim. - Aonde estava nos últimos dez minutos em que eu lhe procurei e não lhe encontrei? – perguntou, começando a andar ao redor, finalmente dirigindo seu olhar ao meu, com uma sobrancelha arqueada, enquanto sustentava um de seus diversos sorrisos irônicos.

     Meu Zeus, como eu simplesmente odiava aquela mulher! Se não conhecesse Pips, juraria que todas suas filhar eram idênticas jararacas, igual a mãe!

     - E então? – questionou impaciente. – Estou esperando.

     Respirei fundo, ates de responde-la. Só ela tinha o poder de me tirar do controle. E como eu a odiava ainda mais por saber disto! Bom, minha mente ironizou. Pelo menos o sentimento era reciproco.

     - Estava com Lady Ártemis, Lady Afrodite. – praticamente cuspi as últimas palavras, enquanto fazia uma reverência forçada. Aquilo a fez alargar ainda mais seu sorriso. Cadela. – Ela me requisitou assim que chegou de sua última casa, acompanhada de suas caçadoras.

     Ela fez uma careta, não gostando da resposta.

     - Pois bem. – respondeu após algum tempo, estralando a língua. – Saiba que hoje deixarei passar... Mas se você pensar em mentir para mim... Um detalhezinho que seja...

     - Eu estarei no olho da rua. – murmurei, não contendo a vontade de revirar os olhos.

     - Desculpe, o que disse? – falou, ameaçadora.

     Na mesma hora tive vontade de morder a minha língua. Merda!

     - Nada, Lady. Eu apenas tive uma pequena divagação.

     Isso só a fez sorrir ainda mais. Um sorriso que, ela sabia, me dava calafrios.

     - Elsa, Elsa... – se aproximou de mim, passando a mão por meu rosto. – Coitada dela, tão insegura, tão frágil, tão sozinha... Sem amigos, parentes, família... O que lhe sobra? – perguntou, com uma voz fininha... Debochada. – Ah sim, claro! Suas divagações! – terminou irônica, apertando ainda mais suas longas unhas em meu rosto, rasgando a pele contida ali. – Me diga Elsa, o que você tanto sonha? Com joias? Castelos? Príncipes? Ah não, já sei! – exclamou triunfante, abrindo um sorriso louco... Maquiavélico. – Você sonha com a sua mamãe não é? Como seria se ela estivesse aqui... Cuidando de você... Te dando amor...

     Ela virou, pegando um anel cravejado de diamantes em cima da penteadeira, o colocando, e logo em seguida, virou com tudo, sua mão se chocando contra meu rosto, um estalo ecoando em todo o camarim.

     Sem tempo de me defender, cai com tudo, soltando um gemido. Aquilo definitivamente, havia doido. Meus olhos rapidamente marejaram, meu cérebro finalmente percebendo a dor contida ali, mas me neguei a deixar uma única lágrima sair. Não fraquejaria. Não na frente dela.

     Com toda a dignidade que me restava, levante-me com certa dificuldade, me apoiando no processo. Me negando a colocar a mão no local onde agora provavelmente estava vermelho, ergui meu rosto em sua direção, um sinal digno de afronta.

     - Precisa de mais alguma coisa... Lady Afrodite? – aquilo a fez sorrir. Um sorriso que me mostrava o quanto ela era inferior a mim, e o quanto eu era um nada para ela.

     - Ah sim. Por favor, Elsa, querida. Quero uma água – pediu séria, se sentando de frente a penteadeira, começando a fazer sua maquiagem. – com gás. Não! Melhor! Vou querer uma margarita com um guarda-chuva verde. Não espera, coloca dois guarda-chuvas: uma rosa e um branco. E, ah, não se esqueça da rodelinha de limão. – sorriu cinicamente. – O que ainda está fazendo aqui? Eu quero isso pra hoje! Só bebendo algo alcoólico para te aturar!

     Me controlando para não gritar, fiz uma breve reverência (se aquilo pode ser chamado assim) e sai da sala, só ai me permitindo revirar os olhos e bufar alto. Que papai me perdoasse, mas Afrodite era uma verdadeira praga em minha vida. Não importava onde eu estivesse, ou com quem estivesse, a jararaca sempre dava um jeito de estragar tudo pro meu lado. Ás vezes chego a pensar que foi a própria que me contratou para trabalhar aqui, só para ver minha desgraça mais de perto, mas ai começo a lembrar o imenso ódio que transparece em suas íris sempre que fico em sua visão e logo descarto a ideia, me chamando de louca mentalmente. No final, só me resta uma coisa a fazer: ficar de bico fechado e no meu canto, esperando pelo dia em que o milagre será feito e me descobrirão como cantora. Eu sei, patético. Mas fazer o que? Uma mulher precisa sonhar, afinal de contas.

     A primeira coisa que faço ao chegar na cozinha é informar ao novo contratado – Marcos, Márcio, não sei, não prestei muita atenção em sua apresentação – o recente pedido da dondoca. Informo sobre os guarda-chuvinhas revirando os olhos, falo onde ele deve entregar e saio dali, tendo a plena certeza e ter deixado o citado um pouco traumatizado ao saber que iria servir uma deusa. Tinha em mente que Afrodite iria me encher o saco por isso mais tarde, mas ei, ela já não fazia isso todo santo dia? Sem esquecer que o meu horário de serviço já estava acabando e amanhã seria sábado, que me renderia boas horas a mais na cama.

     Passando rapidamente em um camarim desocupado lavei meu rosto no lavabo e fiz um curativo no meu recente corte, passando uma base do meu tom de pele por cima. Ao acabar, guardei as coisas e seus respectivos lugares e sai do local meio andando meio correndo, pra contatar que o Jornal já tinha começado a ser gravado, e eu estava atrasada.

     Merda! Se alguém percebesse meu atraso, aí sim que as coisas iriam ficar feias pro meu lado!