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História Always Somewhere (Aonung x Neteyam) - EXTRA - A garota mais forte dos recifes


Escrita por: Srta_Michaelis

Capítulo 60 - EXTRA - A garota mais forte dos recifes


When you get older, plainer, saner (Quando você estiver mais velho, mais lúcido, mais são)

Will you remember all the danger we came from? (Se lembrará de todo o perigo pelo qual passamos?)

Burnin' like embers, fallin' tender (Queimando como brasas, se apaixonando suavemente)

Lost On You – LP

 

3 anos depois

— Luwen, passa essa tigela pro papai, por favor. – Neteyam pediu, concentrado em sua pequena função na cozinha.

O menino prontamente obedeceu, sempre muito disposto a ajudar no jantar.

— O que mais?

— Só isso, bebê. Obrigado.

— Pai, bebê não...

— Tudo bem, desculpe. – Respondeu o Sully, lançando uma piscadela para seu garotinho que de fato estava crescendo e agora já tinha completado seus 8 anos.

Enquanto Neteyam e Luwen cuidavam dos preparativos para o jantar e dividiam os peixes nas tigelas, Ao'nung terminava de trançar os cabelos de Kai'lan, que já estava farto da demora.

— Papai, termina logo! – Choramingou.

— Tenha paciência, não sou ágil como o Neteyam.

O menino fez um bico entristecido, afoito para voltar as suas brincadeiras, mas não voltou a reclamar.

Com cada um focado no que precisava, acabaram ficando alheios a aproximação de Tai'Ren, que sorriu ao entrar no marui, ligeiramente desengonçado por causa da perna ruim, que infelizmente, não voltara a melhorar.

— Cheguei!

Com os olhos brilhando, Luwen imediatamente correu para recebê-lo.

— Ren! Vem, entra! – Cumprimentou, ajudando seu irmão mais velho a se sentar sem sentir dor no joelho. – Você veio mesmo!

— Como está filho? – Neteyam sorriu.

— Estou ótimo, mofando em casa pra obedecer ao pré-cirúrgico.

— O que é isso? – Kai perguntou, ainda preso nas pernas de Ao'nung, para ele que terminasse as tranças.

— São umas regrinhas chatas que eu preciso seguir pra dar tudo certo na hora de arrumarem minha perna. – Explicou Tai'Ren, se arrepiando um pouco ao lembrar da nova cirurgia que teria que fazer.

Depois de tantos traumas violentos, seu joelho não tinha muita chance de ficar 100%, mas de acordo com os cientistas que lhe acompanhavam, poderia haver uma forma dele se livrar das muletas, exatamente como na sua infância.

Infelizmente, tiveram que esperar até que os maiores danos se recuperassem para mexerem outra vez na articulação de Tai'Ren.

— Tem certeza de que quer fazer outra cirurgia? – Ao'nung perguntou, evitando pensar muito nos seus dedos atrapalhados da hora do trançado nos cabelos de Kai'lan.

— Eu sei que as chances não são tão altas, mas não tenho muito a perder. Só quero me livrar logo dessas muletas.

— Se voltar a morar aqui, eu vou cuidar de você todo dia, Ren. Aí nem vai precisar de cirurgia. – Disse Luwen amavelmente.

— Você é muito carinhoso, Lu. – O mais velho fez um carinho no rosto do menor. – Mas eu não posso deixar o Aneya morando sozinho. Ele é um medroso!

— Que mentira, o Aneya é um guerreiro! – Luwen riu.

— A propósito, como você está sem ele lá? – Neteyam perguntou, começando a entregar as tigelas para todos.

— Entediado pai, mas também preocupado. – Admitiu Tai'Ren. – Ele ainda não voltou da pesca. Tô tentando não ficar pensando muito nisso...

— Não se preocupe. – Ao'nung interveio. – Vai dar tudo certo. A Onali liderou bem da última vez. Logo eles estarão de volta.

Tai'Ren assentiu, agradecido. Era reconfortante estar com seus pais e os irmãos outra vez. Desde que se uniu a Aneya tinham um canto só deles e, apesar de ser incrível desfrutar de uma fase tão nova em sua vida, era inevitável não sentir falta das asas dos pais, principalmente agora que mal saía de casa, já que precisava respeitar o rígido repouso pré-cirúrgico. Sem Aneya para alegrar seus dias, estava enlouquecendo sozinho no marui.

— Tem razão, pai. Vou ser mais otimista. – Respondeu, aliviado. – E a Nan, onde está?

Neteyam revirou os olhos.

— Sua irmã só aparece a hora que quer.

— Eu tô aqui, pai.

A menina entrou no marui sem muita empolgação. Depositou um beijo suave na bochecha de seus irmãos antes de guardar sua lança - presente de Tonowari no seu recente aniversário de 15 anos – em seu canto do marui.

— Achei que chegaria só depois do jantar, igual ontem. – Neteyam voltou a usar o tom de repreensão. – Onde estava?

— Por aí. – Ela deu de ombros, pegando a última tigela.

Tai'Ren fitou os pais e os viu em uma comunicação silenciosa um com o outro. Achou aquilo engraçado, pois tinha construído algo muito parecido com Aneya.

— Terminou suas tarefas de hoje, filha? – Ao'nung interveio depois do longo olhar trocado com Neteyam.

A garota apenas assentiu e, sabendo que não tirariam mais nada dela, optaram por começar a jantar.

Tai'Ren estranhou a postura da irmã, mas não se intrometeu no problema. Fez uma nota mental para convidar a menina para passar um tempo consigo, no intuito de conversarem e quem sabe entender um pouco melhor o porquê sua irmãzinha vinha ficando tão diferente.

Passaram o resto da noite juntos, conversando e tranquilizando Tai'Ren para o procedimento que teria que fazer no dia seguinte, quando seus companheiros do Povo do Céu chegassem.

No meio disso, Luwen acabou convencendo o irmão a passar a noite com eles, e como Aneya ainda não tinha voltado da pesca além dos recifes, o Sully não precisou de muito para ser convencido.

***

Já era o ápice do dia quando uma enorme movimentação na praia anunciou a chegada dos pescadores que estavam há dias em uma missão grandiosa além dos recifes.

Tai'Ren recebeu a ajuda de Nan para sair do marui. O rapaz estava empolgado para rever seu companheiro, mas também seguia muito apreensivo com a possibilidade de encontrá-lo ferido. Ainda assim, caminhou até a praia, buscando no meio dos inúmeros irmãos Metkayina, aquele que queria ver.

Não demorou mais do que alguns segundos para seus olhos brilharem. Aneya já tinha lhe visto e corria em sua direção, alegre. Imediatamente os olhos cinzentos fizeram uma vistoria para checar se havia qualquer ferimento na pele clara, mas felizmente, não havia nada aparente.

— Meu Tai'Ren. – Ele sorriu, puxando o rosto do Sully para um beijo terno.

Nan'ti franziu o rosto, em uma expressão enojada.

— Vocês dois, esperem até eu sair, ok?

Tai'Ren riu entre beijos e se desculpou com a irmã, que logo correu dali. Aneya manteve seu amado bem firme em seus braços. Estava morrendo de saudades.

— Achei que só chegaria depois da minha cirurgia! – Tai'Ren provocou, com um falso bico de mágoa. – Já estava fazendo outra música pra você, igual na nossa união.

O Metkayina corou com a menção ao dia mais especial de sua vida. Como se não bastasse a emoção de simplesmente viverem a festa merecida, Tai'Ren o havia surpreendido com uma canção, composta especificamente para a ocasião. Mal podia se recordar daquilo que seus olhos ardiam.

— Eu nunca deixaria você passar por isso sozinho. – Respondeu, se referindo à cirurgia.

— Eu sei... – O Sully sorriu, bobo. – Como foi lá?

— Muito bom, acho que não vamos precisar se preocupar com pesca por um tempo.

— Jura? Que maravilha!

Eles caminharam tranquilamente até o marui que dividiam, se afastando um pouco da euforia dos moradores da vila diante da enorme caça que tinham conseguido trazer.

— O Povo do Céu chegou?

— Ainda não... – Tai'Ren pareceu apreensivo. – Acho que vão atrasar.

— Se não avisaram nada devem chegar logo.

Como se fosse um verdadeiro vidente, não demorou para que mais agitação acontecesse em Awa'atlu, demandando bastante de Ao'nung, que mal tinha terminado de delegar as tarefas com relação à caça conseguida.

Neteyam tocou o ombro de companheiro e pediu que ele ficasse ali, enquanto ia receber os visitantes.

Como esperado para aquele dia, uma nave robusta da resistência pousou nos recifes, atraindo atenção de muitas pessoas. Ao lado de Nan'ti e Luwen, Neteyam se aprumou para receber os irmãos Omatikaya.

— É importante que sempre se coloque em evidência em momentos como esse, Nan. – Ensinou para a filha. – Assim fica mais fácil dos visitantes te reconhecerem como a autoridade.

A menina encolheu os ombros.

— Tá.

Sem tempo para compreender as reações de sua filha, Neteyam se aproximou, imediatamente animado por ver Lo'ak, dessa vez, acompanhado de Kiri.

— É tão bom ver vocês!

O trio trocou um abraço carinhoso, antes de iniciarem as formalidades.

— A Ronal liberou uma parte da tenda pra vocês levarem o que vão precisar para a cirurgia. – Comentou Neteyam, mostrando a direção da tenda.

— Show. – Lo'ak virou para trás. – Pessoal, podemos levar!

— Oi, tio e tia! – Luwen sorriu e logo foi bombardeado de abraços de palavras de afeto, principalmente de Kiri, o que obrigou o menino a se afastar.

Nan'ti riu pra ele.

— Que bebezão, né.

— Para!

— Ah, não se estressa... neném da tia!

Luwen mostrou a língua para a irmã, mas logo sua atenção foi para um dos dois avatares que saíam da nave, puxando uma espécie de cama.

— Olha, é o Eiji na'vi! – Gritou o menino, correndo até lá.

Nan'ti seguiu o irmão para garantir que ele não fosse atrapalhar o trabalho dos cientistas, mas também ficou surpresa de ver Eiji, que não aparecia na vila há pelo menos 1 ano.

Em sua forma avatar cada dia mais madura, o rapaz ficava alto como Tai'Ren e Aneya.

— Oi Luwen! – O avatar cumprimentou sorrindo, enquanto caminhava com parte da peça em seus braços, dividindo o peso com um outro avatar da resistência. Ambos vestiam uniformes feitos especificamente para seus corpos adaptados. – Eu não sou um na'vi, amigão. É só minha forma avatar.

— Mas parece um na'vi pra mim.

— Luwen, vem cá. – Nan chamou. – Você vai acabar atrapalhando eles. Isso é pra cirurgia do Ren.

Eiji lhe deu um leve aceno com a cabeça.

— Como vai, Nan'ti?

— Bem. – Respondeu a garota, puxando seu irmão mais novo para perto de si.

— Legal. – Eiji respondeu, tentando soar interessado.

Desde o incidente na praia, ambos não ficavam muito felizes na presença um do outro, mas se respeitavam. Eiji porque não poderia causar infortúnios com um clã amigável, e Nan'ti porque também precisava desenvolver um senso de diplomacia com a resistência e outros clãs na'vi.

— Isso vai ajudar meu irmão a melhorar? – Perguntou o garotinho, interessado nas peças estranhas.

— Vai sim. Tenho certeza. – Eiji sorriu, chegando na tenda e depositando o objeto pesado que estava em seus braços. – A propósito, onde ele está?

— Bem aqui. – Tai'Ren sorriu, entrando na tenda com Aneya logo atrás de si. Não se viam desde a festa de sua união. – O que está fazendo aqui, Eiji? Achei que não fosse te ver tão cedo!

Eles trocaram um abraço carinhoso antes do avatar responder:

— Faz um tempo que eu estou com o clã Omatikaya. Considerem um trabalho temporário. Eles estão me ensinando bastante coisa que vai ser útil na Vila Tawkami. Quando eu soube da sua cirurgia, implorei até me deixarem vir. Queria rever meus amigos.

— E a Kaya?

— Ela continua na vila cuidando dos meus amigos da antiga colônia. Só eu estou com os Omatikaya. Mas ela está bem.

— Que ótimo.

— É bom te ter aqui outra vez. – Aneya sorriu. – Por que não almoçamos todos juntos?

— Seria ótimo! – Tai'Ren concordou. – Vou chamar meus pais.

Eiji também se animou com a ideia e combinou com os amigos que logo iria, já que precisava terminar de trazer os equipamentos e montar as coisas para que os médicos conseguissem trabalhar mais tarde. Por isso, se despediu dos colegas e começou a andar em direção a nave, mas logo Nan revirou os olhos ao ver Luwen tentar acompanhar os enormes avatares outra vez.

—Eiji na'vi!?

— O quê, amigão?

— Onde tá seu corpo de verdade então?

— Está lá na nave, quer ver? – Perguntou o garoto mais velho.

— Sim! – Gritou o menino.

— É melhor não. – Nan'ti respondeu ao mesmo tempo. Notando o olhar entristecido de seu irmão mais novo, ela logo tentou se explicar. – Eles estão ocupados, Lu. Não queremos arranjar problemas, né?

— Não se preocupe, vocês não vão atrapalhar. – O rapaz interveio. – É só não cortar minha conexão ou a dos outros avatares.

Rendida a empolgação de seu irmãozinho, Nan'ti apenas assentiu e seguiu o avatar até a nave desligada. Alguns humanos circulavam ali, mas pareceram não se incomodar a presença dos dois na'vis.

Luwen achou muito engraçado ser mais alto do que várias pessoas do Povo do Céu, mesmo tendo apenas 8 anos, e se sentiu muito pomposo.

O interior da nave era grande, mas nem se comparava com as bases móveis inimigas. O espaço ali era apenas para poucos humanos serem transportados e boa parte de suas dimensões estavam ocupadas por três máquinas enormes, que logo Eiji explicou serem os módulos de conexão.

Nan'ti absorveu aquelas informações com curiosidade. Nunca foi muito interessada nas questões que envolviam o Povo do Céu. E mesmo que ela mesma tivesse parte do sangue compartilhado com a espécie tão diferente, jamais nutriu algum senso de pertencimento para com aquele povo tão esquisito.

Embora soubesse que a aliança com a resistência era uma parte importantíssima dos deveres de um Oloeyktan, visto que Awa'atlu havia se tornado uma tribo irmã dos Omatikaya, ela nunca se interessou muito pelas burocráticas conversas sobre a guerra que ocorria em Pandora. A única coisa que nutria em seu coração é que seu mundo estava sendo invadido e que um dia poderia estar diante do inimigo.

Balançando a cabeça para expulsar aqueles pensamentos, a menina se distraiu com um grito de Luwen, que apontava para o monitor, onde o rosto de Eiji parecia relaxado e em um sono profundo.

— Olha lá você, Eiji na'vi! Tá dormindo!

— Viu só? É assim que consigo ficar nesse corpo. – Explicava ele.

— É só dormir?

— Não é tão simples assim, mas bom... quase isso.

— Entendi. – O pequeno na'vi deu uma risadinha.

Nan'ti deixou os olhos correrem pelos outros dois rostos humanos e adormecidos dos módulos ao lado, mas depois voltou os olhos para o monitor de Eiji. O rapaz parecia diferente desde a última vez que se viram. A cada ano que passava ele deixava seus cabelos crescerem um pouco mais e as medeixas lisas pareciam estar na altura do pescoço. Os traços antes muito infantis, pareciam um pouco mais duros conforme ganhava idade. Como o garoto era apenas um ano mais velho que ela, já havia chegado aos 16 anos.

Eles são realmente esquisitos, pensou ela.

Por fim, julgando tempo suficiente ali, puxou Luwen para fora, despedindo-se de Eiji rapidamente antes de se preparar para o almoço em família.

***

O clima ameno na vila Metkayina embalava todos que estavam no grande marui do Oloeyktan e de sua família. Todos os presentes se ajeitaram, em uma forma circular e desajeitada.

Kai'lan e Luwen, os mais novos, estavam concentrados brincando de arremessar pequenas frutinhas em uma tigela, enquanto Nan'ti estava ao lado de Tai'Ren e Aneya. Neteyam e Ao'nung finalizavam a preparação da comida, enquanto Eiji observava sentado não muito distante deles.

Entediada, Nan'ti sentiu as orelhas remexerem a tempo de escutar um diálogo baixinho do casal ao seu lado:

— Tá sentindo esse cheiro? – Aneya sussurrou.

— Hmm, de peixe? – Arriscou Tai'Ren.

O mais velho pegou uma das frutas a sua frente e levou ao nariz, imediatamente sentindo-se enjoado.

— Acho que é isso aqui. – Respondeu por fim.

— A fruta? Mas você sempre gostou dessas... – Tai'Ren franziu a testa. – O cheiro tá ótimo.

— Devo ter enjoado então, está tão estranho...

— Nan. – Ao'nung a chamou, distraindo do diálogo anterior. – Me passa esses peixes por favor, filha?

Com um aceno ela obedeceu, o que permitiu os mais velhos terminarem os preparativos. Logo estavam todos comendo.

Eiji, já em sua forma humana, saboreou a comida com gosto, embora odiasse ter que prender a respiração enquanto levantava a máscara. Nan comia em silêncio, observando a empolgação dos outros presentes.

— "Eiji normal"? – Luwen chamou, curioso. O rapaz humano sorriu para o apelido estranho.  – Por que o Povo do Céu se cobre todo assim? Vocês não ficam com calor?

O rapaz observou o próprio uniforme escuro, composto por uma calça, botas e uma camiseta branca, devidamente coberta por um casaco verde musgo, deixando apenas a pele de seu rosto e pescoço a mostra.

— Ah, sentimos um pouco sim. Mas, eu gosto de usar pra...proteger a pele.

— O que é "pele"? - Kai'lan perguntou.

Imediatamente, a mente do garoto humano tentou processar uma maneira de explicar aquilo para uma criança na'vi com cerca de 4 anos.

— Hmm...- Refletiu, depois desistiu de buscar alguma lógica, por isso só ergueu a mão normal, passando o dedo robótico sobre ela. – É essa camada aqui que cobre todo nosso corpo e protege o que tem dentro.

— Eu também tenho pele? – Luwen perguntou dessa vez.

— Tem sim. Passa a mão no seu braço. – Pediu e logo o menino obedeceu. – Isso que você sente é pele. E cobre seu corpo todo.

— Ahh... – As crianças de repente ficaram muito interessadas na própria pele e deixaram a conversa para cochichar entre si.

— Nan. – Tai'Ren chamou, sentindo falta de ter a irmã mais presente nas conversas de família. – O que tem feito ultimamente? Aposto que tá ótima nos treinos.

— Ah sim, é só o que eu tenho feito... – Respondeu ela, tirando um pedaço de peixe. – Mas tenho muito o que aprender.

— Você vai conseguir. – Ao'nung sorriu, mesmo que sua herdeira estivesse ligeiramente desinteressada da conversa. – Tem se dedicado muito. Vai ser uma líder ótima um dia.

A frase a fez embrulhar o estômago e logo estava sem fome.

— É.

— Seu pai está certo filha. – Neteyam buscou os olhos azuis dela, mas não teve colaboração. – Mesmo que ainda tenha coisas pra aprender, você tem conseguido evoluir. É questão de tempo até poder liderar uma caçada, quem sabe?

— Será que podemos falar de outra coisa? – A garota pediu em um tom contrariado. Quase podia sentir uma veia saltando da testa.

— Nós só estamos te incentivando! – Neteyam não sabia se usava um tom de repreensão ou de mágoa ao ver os olhos raivosos da filha sobre si. – Qual é o seu problema? Por que anda tão desdenhosa com a sua família?

— Meu problema!? – Nan'ti se exaltou. – Vocês realmente querem saber o meu problema? Pois então aqui está: Não aguento mais uma palavra sobre minha futura função nessa tribo! Vocês só sabem falar sobre isso! "Você vai ser ótima", "continua se esforçando" e blábláblá, mas se querem saber a verdade, ninguém em Awa'atlu gosta de mim além de vocês e dos meus avós! Eles me suportam porque não tem outra opção! Mas longe de vocês, ninguém fica perto de mim, ninguém treina comigo ou se interessa em ser meu amigo. Eles dizem que não me querem como líder um dia! Então, quer saber? Tudo o que eu queria era chegar em casa e esquecer de como eu fui odiada lá fora! Mas vocês não deixam!

Sem paciência para escutar qualquer outra palavra, a herdeira saiu do marui agilmente, bufando.

Preocupado, Tai'Ren fez menção de segui-la, mas Neteyam o conteve.

— Dê o tempo que ela precisa pra esfriar a cabeça. Mais tarde eu e seu pai conversamos com ela.

Luwen e Kai'lan pareciam assustados com a reação da irmã, mas logo Eiji se aproximou para distraí-los com mais curiosidades aleatórias e estranhamente científicas.

Ao'nung sentiu um estranho peso em seu coração, mas foi confortado por Neteyam e começou a refletir nas palavras que sua garotinha precisava ouvir.

****

Horas depois do almoço falho, a herdeira Metkayina continuou se esgueirando pelos cantos da vila, evitando locais com outros na'vis. Estava chateada pelo rumo que a pequena reunião havia tomado, mas logo seu coração se voltou para a própria dor que vinha guardando há tanto tempo.

A verdade é que desde criança vinha colecionando inimizades, e agora, no auge de sua adolescência, não tinha ninguém para conversar e se divertir além de seus irmãos. Os garotos e garotas com quem treinava aos poucos começaram a odiá-la depois de perderem constantemente brigas idiotas; os adultos acreditavam piamente que a criança escolhida para suceder Ao'nung era muito explosiva e não seria capaz de pensar na proteção de todos, já que possuía um ego muito grande.

Toda essa rejeição foi transformada em raiva, que deu combustível para que se tornasse a melhor em combate, pesca e no vínculo com os animais. Mas como nada na vida é eterno, logo esse combustível acabou, pois Nan'ti não tinha mais onde descontar essas frustrações, já que seu treinamento estava quase concluído. Restando apenas as atividades burocráticas de administração, diplomacia e estratégia, a menina percebeu que precisava diariamente interagir com os na'vis que a olhavam torto e dessa vez, era impossível resolver as coisas nos punhos.

— E aí. – Cumprimentou Eiji, tirando a garota dos pensamentos.

Nan'ti, que se aproximava de um ponto afastado na praia com passos pesados, imediatamente resmungou quando viu que não conseguiria ficar sozinha ali e deu meia volta.

— Pode ficar! – Disse Eiji, jogando sua última pedrinha na água cristalina com o braço mecânico. – Eu já tô indo embora.

— Não tinha que estar se preparando pra cirurgia do meu irmão? – Nan'ti se aproximou.

— Ah não, não sou médico. Só vim ajudar a montar as coisas.

— Entendi. – Ela se sentou na areia, deixando os pés na água, enquanto fitava o horizonte, ainda chateada com as coisas que tinham acontecido.

Eiji começou a se afastar dali, com passos lentos, mas depois mudou de ideia com um suspiro longo.

— Quer saber, Nan'ti. Acho que você precisa de um pouco de sinceridade.

Irritada, ela revirou os olhos.

— De você? – Riu, ácida. – Por que não volta pro seu corpo falso e continua fingindo que é na'vi?

— Eu sou amigo dos na'vis, nunca quis me tornar um. Eu sou um humano e nunca neguei isso. – Corrigiu ele, pacientemente. – Diferente de você, eu sei bem quem eu sou e o que eu quero pra minha vida.

— Que bom pra você, então. Agora vai embora.

— Sabe o que eu acho? – Começou Eiji. – Que se você tivesse que subir ao cargo do seu pai hoje, seria uma péssima líder, provavelmente a pior que essa vila já teve.

Os olhos azuis se injetaram de raiva e ela virou o rosto para fitar o outro, pronta para surrá-lo, mas Eiji continuou, sem hesitar:

— Sabe por quê? Um líder de verdade não fica buscando aprovação e admiração de todo mundo pra satisfazer a própria vaidade e sentir especial. O que você não está entendendo, Nan'ti, é que não é a opinião da vila que vai te tornar uma Oloeyktan, é o que você é capaz de fazer para proteger a todos, inclusive aqueles que odeiam você.

Sabendo que estava soando um tanto rude, Eiji tirou o casaco que sempre usou para cobrir seu corpo, mostrando toda a extensão da pele enrugada e repleta de queimaduras antigas, que terminavam na mão metálica, que ele fez questão de tirar também, mostrando o braço incompleto.

Nan'ti arregalou os olhos.

— Isso aqui... – Ele apontou para sua pele queimada. – Foi feito pela minha própria espécie. Metade do meu corpo é assim. E eles estão bem aí, esperando um deslize pra matar todos nós, incluindo você, sua família e seus irmãos Metkayina. Enquanto você anda por aí triste porque não tem mais ninguém pra você socar e mostrar que é a melhor, seu pai está recebendo notícias da aproximação do inimigo e bolando vários planos para proteger esse lugar caso um dia o Povo do Céu mude de rota e decida dar uma passadinha aqui, igual aconteceu muito antes da gente nascer.

Voltando a colocar sua prótese, o rapaz continuou:

— Seus pais lutaram e entenderam o perigo, seu irmão e o Aneya também. Eles salvaram minha vida mais de uma vez. Mas e você, quando vai parar de fechar os olhos pra isso e começar a entender que seu trabalho é muito mais importante do que derrotar uns garotos maiores que você?

Sem palavras para responder as falas duras de Eiji, Nan'ti sussurrou depois de algum tempo em silêncio:

— ...É por isso que está sempre de casaco? Pra cobrir suas feridas...

Levemente entristecido pelo teor da conversa, Eiji se sentou a alguns metros da garota, deixando a pele marcada sentir a brisa do oceano.

— É sim. – Admitiu. – Nós que sabemos a verdade sobre tudo o que acontece lá fora carregamos esse fardo para que outras pessoas possam ter uma vida de tranquilidade. É o que seus pais fazem. Mas eu sinto muito Nan, você não pode mais ficar alheia a isso. A verdade é que tudo o que você ama está cercado pelos inimigos e se não colocar seus olhos para além dos recifes, não importa quanto treino tenha, você não vai ter frieza para decidir quem vive e quem morre na hora de lutar por essa vila.

Em silêncio, a menina pensou em seus irmãos mais novos. Só de imaginar o povo do céu ali, ameaçando matá-los, seu sangue ferveu.

— Por que meus pais nunca me disseram algo assim?

— Porque ainda são seus pais. Eles querem te proteger também. Os pais... fazem de tudo pra proteger os filhos. – Respondeu ele, devagar, deixando os dedos brincarem com o colar em seu pescoço. O movimento não passou despercebido pela garota, mas ela não disse nada.

Não era difícil saber que os pais de Eiji não eram vivos, já que ele era criado por Kaya.

A conversa acabou morrendo, já que Nan'ti ainda refletia sobre as palavras que tinha escutado. Temendo ter gerado um efeito excessivamente pessimista na garota que viria a ser a líder de Awa'atlu, Eiji tentou mudar os rumos da conversa:

— Sabe, mas agora falando sobre os caras te odiarem nos treinamentos, eu não posso falar muito sobre o comportamento dos na'vis, então vou falar o que eu acho com base na minha espécie. – Iniciou a fala, recebendo apenas uma expressão desdenhosa da garota. – Só existem dois motivos que fazem os homens agirem assim, igual estão fazendo com você.

De repente um pouco mais interessada, Nan'ti pareceu curiosa:

— E o que seria?

— Olha, Nan... como eu disse, não sei bem como são os na'vis...

— Para de enrolar.

— Ok. – O menino bufou. – Na minha espécie, os homens têm um ego frágil.

— E o que isso significa? - Ela estreitou os olhos azuis, confusa.

— Que eles não gostam de pessoas que julgam inferiores sendo melhor que eles em alguma coisa. – Explicou Eiji. – Sei bem como é isso que você passa. As vezes surtam lá na vila por perderem de um cara sem mão, imagina ser surrado por uma garota!

— Qual é o problema de ser uma garota? – Ela se incomodou.

— Exatamente o que eu disse antes: Muitos caras já têm na cabeça que algumas pessoas são inferiores. Garotas estão nesse grupo.

— Por quê?

— Ah, porque são menores e mais frágeis. – Notando o olhar estreito e ameaçador de Nan sobre ele, Eiji imediatamente acrescentou: - Teoricamente, é claro!

Um pouco mais satisfeita com a resposta, a menina balançou a cabeça, voltando a olhar para as ondas, mas depois tirou uma dúvida:

— Fazem isso com você também?

— É, fazem. – Respondeu, pegando mais pedrinhas na areia. – Parece o fim do mundo quando perdem desse gênio de uma mão só.

Um sorriso despontou nos lábios dele, conforme se exibia. Nan'ti ignorou, percebendo com um certo desgosto que todos os garotos eram muito parecidos e amavam se exibir, sejam humanos ou na'vis.

— E o outro motivo? – Questionou ela, finalmente.

Eiji hesitou, jogando uma pedrinha muito longe.

— É, bem...- Percebeu que não sabia abordar muito bem o assunto. – Eles podem só estar gostando de você, aí agem igual idiotas. E se alguma garota se dar conta disso, elas podem sentir raiva de você por ser o centro das atenções desses caras.

— Gostando de mim? – Nan'ti levou um dos dedos ao queixo, pensando na possibilidade. Passou em sua mente a figura de todos os garotos com quem convivia e os imaginou se declarando para ela.

Imediatamente sua boca produziu um som de desgosto.

— Credo! Que Eywa não me castigue assim! Eu não mereço esses fracotes.

Com a careta assustada da garota, Eiji não conteve a própria gargalhada.

— Ah, imagina só, Nan! Tenho certeza de que pelo menos uns dois têm uma queda forte em você.

— Por que diz isso?

A pergunta o pegou desprevenido no meio das piadas e logo Eiji se atrapalhou:

— Porque...hm... sei lá! Eu sei como os caras daqui são chatos, já apanhei o suficiente deles. Você também é chata. Combina, né?

Com uma velocidade impressionante, Nan'ti pegou uma pedrinha na areia e a jogou com força excessiva no busto do rapaz de camiseta. 

Eiji caiu na areia, gemendo como se tivesse tomado um tiro.

— Ai! Por que fez isso...?

— Você pediu. – Respondeu ela, seca. Mas depois acrescentou: – Não quebrou sua máscara, quebrou?

— Eu estaria sufocando se você tivesse acertado meu rosto.

— Ah, que pena. – Provocou ela. – Até os melhores podem errar as vezes.

Emburrado, o menino tossiu algumas vezes antes de se sentar de novo, passando a mão no peito para aliviar a dor do impacto da pedrinha.

— Não teve graça.

— Como eu disse antes: Você pediu.

Acabaram aproveitando o silêncio diante do clima arisco que já estavam acostumados a dividir. De certa forma, Nan'ti ficou mais tranquila por estar em pé de guerra com o rapaz humano. Ao menos aquilo era um sinal da normalidade.

Estava "estranhamente estranho" receber conselhos e conversar dessa forma. Como se fossem...amigos.

Não, Nan'ti Sully não tinha amigos. E fez questão de continuar assim.

Mesmo Eiji, ainda emburrado, sentia-se agradecido pelo pequeno desentendimento. 

Notando que a garota outra vez ficou distante, perdida em pensamentos, com os cabelos trançados embalados pelo vento e os olhos azuis mais inertes, ele achou melhor respeitar o espaço que ela precisava, então colocou devagar o casaco de volta e se levantou, mas antes de andar, quebrou os pensamentos dela pela última vez.

— Olha, independente do que resolva fazer com o que conversamos hoje, você vai ser a líder dessa vila e nada vai mudar isso. Desculpe pela forma como falei, a Kaya sempre diz que eu preciso aprender a dizer as coisas certas no momento certo, mas ainda tô tentando. – Recebendo um olhar curioso em resposta e ligeiramente nervoso pelos orbes azuis intensos sobre si, Eiji terminou: - Vai se sair bem no futuro Nan'ti, só precisa acreditar nisso. O que eu puder fazer como um aliado de Awa'atlu, vou continuar fazendo. Por mais pessimista que eu tenha soado, eu tenho sonhos muito grandes pra esse mundo. Quero mesmo acreditar que vou ver o fim dessa guerra, depois de tantas gerações que não puderam ter a mesma sorte.

Por fim, ele deu um aceno com a mão robótica:

— Enfim, vou ver se precisam de mim. – Finalizou a conversa caminhando de volta para a vila, deixando a menina na'vi ainda mais reflexiva do que antes.

****

Quando a noite estava em seu auge, Nan'ti voltou para casa.

Antes disso, havia se esgueirado para o marui de Tai'Ren a tempo de vê-lo descansando depois da cirurgia em seu joelho. Aneya a recebeu e comentou alegremente que tudo tinha dado certo.

A notícia fez um grande peso sair dos ombros da menina e ela pôde voltar para casa com um pouco mais de tranquilidade, embora ainda tivesse um ponto importante para resolver.

Como já imaginava, Luwen e Kai'lan estavam dormindo um ao lado do outro, enquanto Neteyam e Ao'nung estavam sentados, com os pés pendurados para fora do marui tocando a água luminosa. Neteyam tinha a cabeça apoiada no ombro do marido, mas com a chegada da filha, ele se aprumou, sorrindo para a aproximação de sua filhote.

O casal tinha tido uma longa conversa sobre como poderiam lidar com a dor de Nan'ti e estavam prontos para começarem um diálogo amoroso com a pequena menina deles, que já não era tão pequena assim.

Contudo, Nan'ti foi mais rápida e, quando se aproximou deles, decidiu ser sincera outra vez:

— Me desculpem por hoje. Na verdade, me desculpem por todo esse tempo que eu tenho sido complicada. Deixei essas coisas tomarem um espaço tão grande no meu coração que esqueci a verdadeira responsabilidade de um Oloeyktan. Mas...um amigo me lembrou disso hoje. – Ela estranhou a palavra saindo de seus lábios, mas aquilo pareceu lhe dar mais coragem. – A verdade é que essa vila nunca teve uma garota como a líder e agora eu sei que isso pode ser difícil para eles. Mas não importa mais pra mim, de qualquer forma. Eu não sou perfeita. Nem todo mundo vai gostar de mim, mesmo que eu me esforce. Mas o meu dever é garantir que eles continuem vivendo, pra que possam gostar de mim ou me odiar. Se eu conseguir proteger a vila dos perigos, eles vão me respeitar, e eu não vou precisar buscar aprovação de ninguém.

Os olhos azuis de Nan'ti pousaram em seus irmãos.

— Para todos eles terem uma vida tranquila, eu não me importo de carregar esse fardo. Sei que vocês vão me dar força suficiente pra isso. Eu ainda tenho muito que aprender mesmo.

Sem palavras diante da fala tão madura da filha, Neteyam e Ao’nung se entreolharam, emocionados e depois a puxaram para um abraço protetor. Nan’ti fechou os olhos e sorriu quando recebeu diversas palavras de afeto, fazendo uma nota mental para agradecer ao garoto humano pela sinceridade dele. 

Decidiu também que iria compartilhar o mesmo sonho do rapaz e acreditar que um dia veria Pandora sem guerras. 

Secretamente, é claro. Ela jamais admitiria isso em voz alta. Não era amiga do Povo do Céu.

Então, ao menos naquela noite, Nan’ti se permitiu ser embalada pelas asas de proteção de seus pais.

Bom, pelo menos até que pudesse ter forças o suficiente para conseguir cobrir a vila inteira com as suas. 


Notas Finais


AAAAAAAAA esse extra me deixa de coração quentinho <3

eu queria muito fazer algo diferente e focado em algum outro personagem e a Nan surgiu com um anjo nas minhas inspirações.

Foi tão divertido escrever esse capítulo que ele surgiu em uma única tarde e pareceu perfeito para finalizar esse caminho tão grande que foi Always Somewhere.

Mais uma vez, muito obrigado a todos que chegaram até aqui.

Vocês são especiais pra caralho (desculpe o palavreado).


Pela última vez: aqui está o link da playlist da fic -> https://open.spotify.com/playlist/1aRePxCbac7cDunYhqoeCg?si=16fd8345156f4d09

Um beijo <3 Até mais, quem sabe em algum outro projeto de avatar <3


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