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História Amálgama - Kanej - Capítulo único


Escrita por: LeoaMarinha

Notas do Autor


Olha eu aqui de novo :)
Estava refletindo sobre Kanej, lembrei dessa citação de "O Morro dos Ventos Uivantes" e pensei "por que não?", aí escrevi.
A imagem de capa não me pertence, créditos ao artista na própria imagem.
Boa leitura!

Capítulo 1 - Capítulo único


“Seja qual for a matéria de que as almas são feitas, a minha e a dele são iguais.”

O Morro dos Ventos Uivantes, Emily Brontë

 

A lua minguante começava a desaparecer no céu quando Inej retornou a Ketterdam. Estava satisfeita com seu trabalho. Conseguiu passar com facilidade pelos guardas de Pekka Rollins e surpreendê-lo em seu sono ao ponto de deixá-lo aterrorizado. Seu aviso não havia sido um mero blefe, mas uma ameaça sincera: se ele ousasse pisar em Ketterdam novamente, ela iria matá-lo.

O mais difícil não foi entrar na casa de campo, mas sim chegar até lá. Não queria que Kaz soubesse, porque sabia que ele faria de tudo para impedi-la, então arquitetou um plano constituído por roubar um segredo ou dois e chantagear alguém — nada incomum para criaturas do Barril. Mesmo assim, quando retornou a Ketterdam, tinha certeza de que Kaz havia notado sua ausência.

Inej pegou um caminho longo pelos telhados até chegar ao Barril. Gostava daquele horário da madrugada, quando a cidade começava a sossegar. Os bares e as casas de aposta começavam a esvaziar, muitos clientes sorrindo e outros reclamando de sua sorte. Era um bom horário para roubar segredos, visto que os homens estavam tão bêbados (de álcool, tristeza ou felicidade) que era fácil fazê-los soltar a língua.

Ela sabia que Kaz estava acordado, mas mesmo assim sentiu um frio na barriga quando chegou no pequeno prédio ao lado da Ripa e viu a iluminação que escapava pela janela dele. Ela se aproximou pelo parapeito e, antes mesmo de se fazer ser vista, Kaz disse:

— Olá, Inej.

Não havendo mais motivo para se esgueirar, Inej saltou para dentro do escritório e tirou o capuz que cobria sua cabeça. Só então ela percebeu que a trança havia se soltado do coque, caindo por cima de seu ombro.

Kaz estava sentado atrás de sua mesa, os livros de contabilidade abertos aqui e ali, uma xícara de café pela metade ainda fumegava levemente. Ele mantinha as mãos sobre a mesa, próximas da borda, e seus olhos estavam focados no livro.

— Muitos lucros hoje? — Ela perguntou, direcionando o foco da conversa para qualquer coisa que não fosse ela mesma.

— Cada dia melhores. — Kaz fechou o livro que retinha sua atenção e puxou outro, onde fez algumas breves anotações para, em seguida, fechá-lo também. Então, com forjado desinteresse, disse: — Anika me trouxe uma informação interessante hoje.

— Jura? Eu nem fui embora e ela já está se candidatando para o meu cargo?

Havia uma nota de ciúme por trás do deboche, mas Inej não se arrependeu do que disse. Apenas observou enquanto Kaz erguia os olhos escuros e densos para ela.

— Não quer saber o que ela viu? Talvez sirva para os seus propósitos.

Inej estava com os dois pés bem firmes no chão, o peso equilibrado sobre ambas as pernas, mas deixou-se pender para o lado direito por um momento, demonstrando impaciência.

— Você vai me contar independente da minha resposta, Kaz.

Ele semicerrou os olhos para ela, analítico, antes de responder:

— Anika viu uma aranha pegar uma carroça para fora da cidade. Curioso, não? Considerando que aranhas podem se mover com mais discrição quando contam apenas com suas próprias pernas.

— Talvez ela estivesse cansada.

— Ou talvez o trajeto fosse longo demais para fazer a pé.

Era um jogo, Inej sabia desde o começo. Kaz era orgulhoso demais para perguntar diretamente o que ela tinha ido fazer, ou talvez receoso demais de parecer minimamente perto de cercear sua liberdade. Fosse como fosse, naquela noite, Inej não estava disposta a torturá-lo com meias palavras.

— Fui até a casa de campo de Pekka Rollins.

As palavras tiveram um efeito catatônico em Kaz. Ele se levantou tão rápido que a cadeira quase caiu para trás, as mãos apertavam a borda da mesa com uma força desnecessária. A xícara de café tremeu sobre o pires e o líquido balançou para lá e para cá. Seus olhos ficaram ainda mais escuros, injetados de preocupação.

— Você o quê? — A pergunta não estava carregada de descrença. Não, ele sabia plenamente do que Inej era capaz. Mas precisava ouvir de novo para ter certeza de que ela havia mesmo feito aquilo.

— Você ouviu, Kaz. — Inej cruzou os braços, parecendo entediada, mas por dentro seu sangue fluía tão rápido que sua frequência cardíaca aumentou. Gostava de saber que Kaz se preocupava com ela, mas detestava ver a mistura perigosa que preocupação e raiva fazia com ele.

— Por quê?

— Para garantir que ele nunca mais volte. — Ela ergueu uma sobrancelha e deu um meio sorriso convencido. — Talvez eu tenha usado Sankt Petyr para fazer um corte acima do coração de Pekka.

O olhar de Kaz percorreu toda a extensão do corpo de Inej em alta velocidade, certificando-se de que tudo estava no lugar.

— Você esteve com ele? Inej... — Kaz apertou a ponte do nariz e fechou as pálpebras com força.

Ela não disse nada por alguns segundos. Então, quando ele abriu a boca para repreendê-la — ou algo do tipo —, Inej declarou:

— Você teria feito o mesmo por mim.

Não. — Kaz rebateu de uma vez, o maxilar trincado com uma força que Inej julgou ser capaz de afundar os dentes na arcada dentária.

— Você não faria o mesmo por mim?

— Faria. O que estou querendo dizer é que não deve usar esse argumento contra mim.

Inej não precisava daquele esclarecimento. Ela ainda se lembrava com clareza da ameaça que Kaz fizera a Van Eck um par de meses antes, depois de escalarem a mão de Ghezen. Já haviam retornado para o Véu Negro quando ele a pressionou a dizer a verdade sobre Van Eck tê-la machucado ou não. Ela havia hesitado em contar, mas estava com tanta raiva trancada dentro de seu peito que deixou as palavras escorrerem como sorvete derretendo no verão. Ele ia quebrar minhas pernas. Esmigalhá-las com uma marreta para que nunca mais se curassem. Lembrar-se daquilo ainda emanava calafrios terríveis por sua coluna, mas um prazer secreto a fazia rememorar a resposta de Kaz. Vou abrir Van Eck ao meio. Darei a ele uma ferida que não possa ser costurada, uma da qual ele nunca consiga se recuperar. Do tipo que não pode ser curada.

— Não estou usando-o contra você. — Ela disse, por fim, e descruzou os braços. — Estou apenas constatando um fato.

— Não constate, então. — Ele disparou, ainda enraivecido. Suas bochechas,  normalmente pálidas, estavam coradas devido às emoções efervescentes. — Não fiz tudo que fiz para ver você caminhar de livre e espontânea vontade até a cova dos leões. Não podemos deixar que nada embaralhe nosso juízo.

— Falou quem arrancou o olho de um homem com as próprias mãos porque eu quase morri.

Os olhos de Kaz se arregalaram por um momento. Eles nunca haviam tocado naquele assunto e, até onde Kaz sabia, Inej desconhecia o que aconteceu com Oomen.

— Parece que Anika não é a única linguaruda da Ripa. Jesper realmente não conseguiu se conter, não é? 

— Na verdade, foi Wylan que me contou.

— Outro linguarudo.

— Kaz... — Ela usou seu melhor tom apaziguador. — Eu estou bem.

Ele não pareceu convencido. Então, Inej deu um passo a frente, diminuindo a distância entre eles. Ainda não estavam próximos o bastante para se tocarem, mas era o suficiente para mostrar que ela estava disposta a partilhar seu espaço com ele.

— Já que estamos trazendo à tona assuntos nunca discutidos, você veio à Ripa quando eu disse explicitamente para não vir.

Inej sabia do que se tratava. Do dia em que ele havia entrado na Ripa depois que ela indicou o melhor caminho pelos telhados, uma tentativa suicida de reconquistar a confiança dos Dregs, uma insanidade que acabou dando certo no fim das contas. O mesmo dia em que ele trocou seus curativos no banheiro do hotel, o dia em que os lábios de Kaz roçaram sua pele pela primeira vez.

— Eu estava disposta a fazer uma bela pilha de corpos para a stadwatch encontrar. — Sua confissão veio mais suave do que ela havia imaginado e, por um breve momento, ela viu uma onda de alívio perpassar o rosto de Kaz.

— Posso saber o porquê?

Ele iria mesmo fazê-la dizer as palavras, mesmo que soubesse exatamente o que se passava em seu coração.

— Porque eu não suportaria ver você morrer sem poder fazer nada a respeito. Você mesmo disse, não é? Facas em punho, pistolas ardendo, porque é isso que nós fazemos.

Kaz deu um sorriso de canto, seus olhos encontraram os de Inej, agora mais brandos. Cretino, ela pensou enquanto o via se aproximar. Ele estava vestindo um colete cinza por cima de uma camisa negra, as luvas cobrindo as mãos. Inej sempre havia gostado de observá-lo e, recentemente, estava desfrutando de mais liberdade para fazer isso. Mesmo assim, ela ainda não havia se acostumado com a visão magnífica que era ver Kaz transpondo as barreiras de seu espaço pessoal para chegar até ela.

— Você é uma criatura perigosa, Inej. Vou parar de dizer coisas inteligentes perto de você, já que você não para de usar minhas próprias palavras contra mim.

— É um passatempo delicioso. — Ela também sorriu. A tensão ainda estava no ar, mas já podia ser dissipada com alguns comentários provocativos e meios sorrisos.

— Me conte mais do que você fez com Pekka. — Não era exatamente uma ordem, mas também não era um pedido. Agora, os olhos de Kaz reluziam o prazer maldoso de quem gosta de ver um inimigo sofrer, uma sensação que Inej também conhecia muito bem.

— Eu o imobilizei. Apertei Sankt Petyr contra a garganta dele, enfiei um lenço em sua boca e, depois, fiz um corte no peito. Disse que, se ele voltar a Ketterdam, vou fazer um segundo corte. Desse, ele não irá escapar. — Então, ela deu um sorriso maldoso, muito parecido com o que Kaz exibia naquele instante. — E troquei o leão de pelúcia do garoto por um corvo.

Inej mal acreditou quando Kaz começou a gargalhar. O som começou com ondas suaves, ligeiramente perplexas. Então, intensificou-se conforme ele se dava conta do que havia acontecido. Sua adorável Inej, o tesouro de seu coração, havia usado uma criança inocente para aterrorizar o pai. Ela realmente era uma excelente aprendiz.

— Parece que alguém está convivendo muito com Mãos Sujas.

— Uma boa reputação é tudo de que nós precisamos no Barril, não é? — Ela deu um pequeno passo, reduzindo mais a distância entre os dois. — Algo sobre não precisar perder tempo com monstruosidades quando já nos consideram monstros. O que uma Espectro pode fazer melhor do que assombrar mentes paranoicas?

A mão de Kaz ergueu-se lentamente em direção ao seu rosto. Inej não se afastou, não ousou se afastar. Ela ansiava por aquele toque há tanto tempo. Mesmo que ele não tivesse tirado as luvas, ela poderia se contentar com uma amostra das sensações que a mão de Kaz em seu rosto podia proporcionar.

— O que eu fiz com você, minha pequena Suli? — Ele devaneou enquanto deslizava o polegar pelo queixo de Inej em um carinho lento e delicado, o indicador apoiado sob o rosto dela.

Inej não tinha uma resposta para aquela pergunta. Kaz havia feito muito pouco, na verdade. Ele a livrou das mãos de Tante Heleen, ensinou-a a empunhar uma faca, a usar um revólver, a negociar informações. Mas ela havia escolhido aceitar tudo aquilo, porque preferia verdades duras a mentiras gentis, porque havia sobrevivido aos dias no Menagerie imaginando o dia em que veria Heleen definhar. De alguma forma, tudo aquilo já fazia parte de Inej. 

O que a tornava melhor do que Kaz, afinal? A crença em seus Santos? As orações que fazia sempre que matava alguém? A bondade que ainda existia em seu coração? Ela seria uma hipócrita se se considerasse muito melhor do que ele só porque ainda tinha algumas barreiras morais. Mãos Sujas e Espectro haviam sido forjados no mesmo barro: duas crianças felizes que tiveram seus sonhos dilacerados por espertalhões prontos para depenar alguém. Duas almas tortuosas que agarraram cada oportunidade de sobreviver naquelas vielas sujas. Dois ratos do Barril.

 


Notas Finais


Sempre achei o Kaz e a Inej muito mais parecidos do que diferentes e achei que era uma boa oportunidade de explorar isso.
Espero que tenham gostado!
Beijos e até a próxima (quem sabe)


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