História Amar pode Machucar - "Você ainda é um imbecil"

No dia seguinte eu agradeci por não ter aula de Álgebra e não ter que ver Annabeth – já que a sua a presença não era a melhor coisa para minha sanidade. Eu não havia comentado com ninguém sobre o que acontecera, porque não achava relevante contar sobre a infelicidade que era ter a Sra. Doods como professora. Além que meus primos estavam passando por uma situação bem mais complicada que a minha.

Vi Jason assim que cheguei no colégio. Ele sorriu pra mim tristemente e eu pude ver o agradecimento implícito em seus olhos quando acenei de volta. Jason também não sabia como lidar com a situação e muito menos dar apoio a irmã gêmea, mas não importava porque eu sempre estaria ali pela minha prima.

Caminho até Calipso que me abraça assim que me vê. Ela me conhecia bem demais pra saber que eu estava preocupado com alguma coisa. Passo meus braços ao seu redor carinhosamente.

- Bom dia, querida. – digo beijando seus lábios de forma doce.

- Bom dia, meu valente. – ela sorri com ternura. – Aconteceu algo? – pergunta sussurrando.

- Nada que precise se preocupar, apenas estou preocupado com a minha prima. – digo baixinho.

Ela olha nos meus olhos e sei que entendeu que o problema é pessoal de Thalia. Sorrio de leve e lhe dou mais um selinho. Caly se aconchega em meu peito e me aperta um pouco mais em seus braços.

- Estou com medo, Percy. – sussurra.

- Do que, linda?

- Você sabe. – murmura sem me olhar.

- Shiiiiu. Ninguém vai te machucar. Eu estou aqui, ok? – faço-a olhar em meus olhos e lhe ofereço um sorriso confiante.

- Eu sei que está. Desculpa por isso. – diz com um pequeno sorriso.

- Não se desculpe. Eu entendo. – digo beijando sua testa.

Ficamos abraçados durante alguns minutos nos apoiando. Eu não podia afirmar que ficaríamos juntos para o resto da vida, porque isso era muito tempo, mas podia dizer que sempre a amaria, seja como minha namorada ou como minha amiga. Eu sempre estaria ali por ela e ela por mim. Isso eu sabia.

- Vamos para a aula, linda. – digo me separando dela e entrelaçando nossos dedos.

Calipso sorri pra mim, aquele sorriso sincero que eu tanto adoro. Ela já era uma garota linda, sorrindo apenas ficava mais bonita. Sorrio de volta.

***

As atividades extracurriculares começavam hoje, ou seja, eu tinha Natação no fim das aulas, mas isso não importava muito no momento.

Caminho tranquilamente até refeitório quando ouço alguém me chamar. Viro-me de costas para a voz.

- Oi?

- É Percy Jackson, não? – pergunta com uma voz extremamente melosa.

- Hum... É. – digo desconfortável.

Seus olhos piscam através dos cílios longos. Ela era bonita mas tinha algo nela que me incomodava, talvez fosse o seu perfume extremamente forte ou seu batom pink.

- Meu nome é Drew. Você é novato, eu poderia te mostrar a escola se quiser. – diz tocando meu braço e passando a unha por minha pele.

- Então... – tento pensar em algo pra dizer.

- Drew, cai fora. Não está vendo que ele não está querendo nada com você? – diz uma garota aparecendo e segurando o meu braço.

- Saí daqui, Piper. – diz Drew.

- Não saio. Vai embora Drew e fica longe dele. – diz me puxando e me levando para o refeitório.

Piper me arrasta pelos próximos minutos até que estejamos perto da mesa de Jason, Leo e Annabeth. Ela apenas se vira pra mim quando estamos na fila para pegar o almoço.

Deuses, deve ter alguma coisa em filas de comida e conversas aleatórias.

- Desculpa por aquilo. Ela apenas é um pouco irritante. – diz Piper se virando para falar comigo.

- Ah sim. Ela não cansa de andar de salto? – pergunto mais leve agora.

Piper ri.

- Acho que não. Drew apenas gosta de chamar a atenção e geralmente faz isso dando em cima dos meninos bonitos. Acho que seria bom você avisar seus amigos que eles provavelmente são os próximos. – diz com um sorriso divertido.

- Eu aviso sim. – digo coçando a nuca. – Obrigado por me tirar de lá. Eu não fazia ideia de como respondê-la.

- Não precisa agradecer. Você parece ser legal e Jason me falou bem de você. – diz dando de ombros.

- Pelo visto todo mundo sabe um pouquinho de mim aqui. – resmungo. – Mas mesmo assim. Prazer, sou Percy.

- Piper. – diz piscando os olhos duas vezes ao sorrir.

Conversamos um pouco e logo posso entender o porquê de Jason ter se apaixonado por ela. Piper era uma garota amiga e doce, que contagiava as pessoas facilmente. Além de ser muito bonita naturalmente. Ela não estava de maquiagem e suas roupas se resumiam a calça jeans e blusa, ainda sim, ela possuía uma beleza e uma aura que parecia chamar a atenção por onde ela passava. E o melhor disso tudo era que Piper não parecia se dar conta do quanto as pessoas a olhavam, o que parecia ser melhor, já que ela não parecia o tipo de pessoa que gostava de chamar a atenção. Na verdade, ela parecia querer evitar isso ao máximo.

- Você parece fazer bem a Jason. – digo levianamente enquanto pego uma bandeja.

- Ele também me faz bem. Mas você deve ter percebido, ele é bastante amigo da Annabeth. – diz baixinho pra mim.

- Mesmo?

- Sim. Eles agem mais como irmão do que eu e o Leo, e olha que nos conhecemos desde o fundamental. – diz dando de ombros.

- Eu não fazia ideia de que eles tinham se tornado tão amigos. – digo um tanto surpreso.

- É. Eles são sim. Mas e seus amigos? Eles parecem ser legais também. – diz mudando de assunto.

- Eles são bastante. Eu amo eles. – digo sincero.

Piper olha para o mesmo lugar que eu e sorri. Will estava empurrando Luke de brincadeira enquanto Reyna e Calipso conversavam sobre algo aleatório. Eles estavam felizes.

- Sabe, você é um cara legal Percy. Nos vemos por aí. – diz Piper pegando o seu almoço e sorrindo amigavelmente pra mim.

Termino de pegar o meu almoço e vou sentar com meus amigos. Enquanto estou comendo fico pensando em Annabeth e Jason. Eu não tinha ideia de que estavam tão próximos e muito menos de quando aquela amizade tinha começado, mas o que estava me incomodando de verdade era: qual era a verdadeira Annabeth? Eu a conhecia?

Jason e Piper, pelo pouco que vejo da relação com a loura, parecem confiar bastante nela. Parecem conhecê-la de verdade e parecem amá-la. Então por que eu não sabia no que acreditar? Talvez aquela garota meiga que me ensinava Álgebra existisse, afinal de contas.

Balanço a cabeça negando a mim mesmo a me torturar com isso. Não fazia diferença agora, ou fazia?

Aperto o meu garfo com força e respiro fundo antes de voltar a comer. Abro os olhos tentando me inteirar no assunto que meus amigos falavam ao meu redor. Esses pensamentos não me levariam a nada.

A única que parece perceber meus poucos minutos de devaneios é Reyna. Ela me olha com seus olhos escuros indagadores, movendo os lábios em seguida.

Depois.

É, eu estava ferrado.

***

Sinto o cheiro de cloro preencher meu nariz assim que entro no local onde ficam as piscinas. Me sinto um pouco envergonhado de estar apenas de sunga, mas ignoro essa sensação.

Fico pensando em meus amigos e no que eles devem estar fazendo nesse momento. Calipso escolheu as aulas de música; Luke está no futebol; Will foi para o xadrex – o que eu achei estranho –; e Reyna escolheu o vôlei. Me lembrar da morena me fez estremecer porque eu tinha certeza que ela iria me interrogar depois. Eu estava confuso. Queria poder saber o que fazer.

Respiro fundo e caminho até à piscina. Conto até três e entro na água em um movimento rápido. Quando estou me movimentando, um braço e uma perna, um braço e uma perna, me sinto relaxado. A água me relaxa. Vou e volto duas vezes antes de parar e tirar a cabeça da água e olhar para os lados.

- Vão! Quero ver do que são capazes! – diz o professor apitando.

Observo o homem durante alguns segundos. Ele tinha os cabelos negros e os olhos azuis claros. Suas feições era um tanto calmas e ele tinha um sorriso no rosto. Era novo, com certeza, deveria ter um pouco mais de vinte anos e já estava dando aula. Aquilo era muito legal. Mergulho novamente sentindo meu corpo ficar leve, de modo que meus movimentos são automáticos. Eu sempre adorei a água.

A aula passa bem mais rápido do que eu esperava, talvez seja por que eu fiquei debaixo da água durante metade do tempo ou sei lá. Saio da piscina e pego uma toalha pra me secar. O professor nos chama.

- Alguns de vocês ainda precisam treinar mais. Precisam de disciplina pra continuar aqui, mas ajudarei todos. Acredito que serão uma boa equipe. – ele sorri amigavelmente. – Já alguns me surpreenderam. Talvez nós até participemos do campeonato desse ano. – diz fazendo alguns alunos vibrarem.

Sorrio com aquilo. A natação era algo que eu fazia desde pequeno e estar ali, com pessoas que também gostavam daquilo, me fazia sentir parte de alguma coisa. Me fazia sentir-me incluído, diferente de antes. Talvez eu que não quisesse me sentir parte de nada quando era mais novo, mas hoje consigo fazer parte de algo sem gaguejar e corar.

Depois que tomo uma ducha e me troco, vou para o estacionamento para pegar meu carro e ir pra casa. Entretanto, no caminho acabo encontrando Jason. Ele está encostado em seu carro parecendo pensativo e preocupado. Aproximo-me dele e paro ao seu lado.

- E aí? Como está as coisas? – pergunto casualmente.

- Eu não sei. – ele olha pra longe com um olhar perdido.

- Quer conversar? – pergunto suavemente.

Ele suspira.

- Quer ir a um lugar comigo? – pergunta.

Assinto porque sei que essa é a sua maneira de dizer que quer conversar.

Vamos juntos até à minha casa, onde deixo meu carro e depois sigo com ele pra onde quer que seja. Nós não conversamos durante o trajeto e sinto que não precisamos falar nada por aquele momento.

Demora alguns minutos até chegarmos em frente a um prédio abandonado no meio de Manhattan. Jason saí do carro e me guia até uma entrada na lateral do prédio. Eu apenas o sigo.

Subimos as escadas até o último andar, o que foi um tanto cansativo. O lugar estava empoeirado, mas era calmo. E assim que encostamos na parede e nos sentamos, eu entendi o porquê de Jason querer me levar ali. Ninguém poderia nos ouvir naquele lugar.

- Você é a segunda pessoa que eu trago aqui. – diz ele sem olhar pra mim.

- Quem foi a primeira? – pergunto curioso.

Jason se vira pra mim e me encara.

- Eu acho que você sabe. – diz.

E eu sabia. Annabeth.

- Sim, eu sei.

- Você devia dar uma chance pra ela. – diz de forma suave.

- O que quer dizer com isso? – pergunto com as sobrancelhas arqueadas.

Ele queria que...?

- Uma chance de ela te mostrar a verdadeira Annabeth. Ela não é um monstro, Percy. – diz suspirando.

- Jason, eu realmente não quero falar disso. Já sofri demais por ela. – digo desviando os olhos para um ponto qualquer na parede.

- Eu sei. – ele suspira. – Sabe, eu estou perdido. Essa história está me deixando louco. E eu não sei exatamente como desabafar. – diz sem olhar pra mim de novo.

- Não tem jeito pra falar essas coisas, Jason. É o que você sente e sei que isso te deixa confuso. – digo olhando para um mesmo ponto que ele.

Jason suspira de novo ao meu lado. Ele tira um maço de cigarros do bolso e coloca no chão.

- Não quero me afundar por ela. – diz baixo.

Olho para os cigarros.

- Você não vai. Tem pessoas que se importam com você que não vão te deixar afundar. – digo de jeito delicado.

- Faz tempo que eu não pego eles. Quando eu era mais novo sempre fumava, mas hoje eu praticamente parei. Prometi a Piper isso e não quero quebrar a minha promessa. Mas é um vício, se não tomar cuidado, ele toma conta da sua vida. – diz virando o rosto pra mim.

- Alguém sabe? – pergunto me referindo a recaída dele.

- Apenas Annabeth. Ela me entende. Ela é uma pessoa boa. – diz respirando fundo.

- Talvez ela seja pra você. – digo baixo.

Eu ainda não tinha, realmente, esquecido tudo que aconteceu. Eu não conseguiria conversar com ela como estou fazendo com Jason. Sei que é errado guardar mágoas, mas não consigo simplesmente ignorar tudo que passou. Aquilo me marcou demais.

- Isso já não é da minha conta. – diz com um longo suspiro.

Ficamos alguns instantes em silêncio, apenas ouvindo o som assobiado do vento contra a janela.

- Eu tinha inveja de você, Percy. – solta quebrando o silêncio.

- O quê? – pergunto incrédulo.

- Eu tinha inveja de você. – diz pausadamente.

- Como? Você era o perfeito na escola, mesmo sendo meio idiota, e todos queriam ser como você. – eu queria ser como você, completo mentalmente.

- Eu tinha inveja de você, Percy. Ser bonito, ser inteligente ou ser popular nunca me fez alguém melhor. Eu tinha inveja sim, porque você sempre teve tudo aquilo que eu não tinha. – ele me encara através de seus olhos azuis. – Você tinha uma família estruturada, sempre teve um bom coração e tinha a confiança e carinho da minha irmã. Eu tinha inveja disso e tenho um pouco até hoje. – diz suavemente.

Abro a boca sem saber o que falar. Aquilo era muita informação. O Jason sentia inveja de mim? E sente até hoje? Isso não faz sentido.

- Jason, eu não sei como...

- Não diga nada. É melhor. Só estou te falando tudo isso porque eu estou cansado, Percy. Estou cansado de fingir ser algo que eu não sou. – diz abaixando a cabeça e colocando o rosto entre os joelhos. – As pessoas acham que eu não tenho problemas, que eu não sei o que é ter dificuldades, mas eu sei. E ser aquilo que eu não sou acaba comigo. – diz soltando um soluço.

Fico sem reação. Não posso dizer que entendo, porque eu próprio achava que a vida dele era perfeita. Achava que ele tinha de tudo, mas bens matérias não é tudo, beleza não é tudo, inteligência não é tudo. Aquilo fez meu coração se apertar.

Jason não parecia o tipo de pessoa que se abalava fácil, ou que fazia drama de tudo. Mas acho que ele viveu a vida inteira numa pressão de ser algo que ele não era. Thalia nunca aceitou essas coisas, nunca abaixou a cabeça e sempre seguiu o seu caminho. Mas olhando agora eu percebo que tudo caiu nos ombros de Jason. A figura de filho perfeito, de família feliz e estruturada era papel dele e acho que não era isso que queria. Ele viveu a vida às sombras do pai, o grande Zeus – que herdara a maior parte das empresas da família –, e hoje ele sofria as consequências de tudo isso.

- Me desculpa por isso. – ele diz limpando o rosto que tinha algumas poucas lágrimas.

- Não se desculpe. Chorar faz bem. Minha mãe diz que lava a alma. – digo com um sorriso triste.

Ele sorri.

- Tia Sally sempre foi boa em conselhos. – diz.

- Ela é sim. – digo. – Jason, eu quero que saiba que pode contar comigo. Eu não sei o quanto foi difícil contar isso, então eu agradeço por confiar em mim.

Jason bagunça o próprio cabelo.

- Eu precisava falar. Não aguentava mais isso. Eu amo a Piper. E a Annabeth é como irmã pra mim, assim como amo Thalia e Leo. Mas não quero os deixar preocupados. – diz baixo. – Eu confio em você, Percy. Desculpa por ter sido tão imbecil com você.

- Você ainda é um imbecil. – digo em tom de brincadeira. – Mas é um imbecil amigo. Não se preocupe porque está tudo bem. O que importa é o agora, não é? O passado vai ficar no passado. – digo tocando seu ombro de leve.

Jason sorri pra mim.

Reflito sobre as minhas próprias palavras. Será que era diferente no caso de Annabeth? Eu devia tentar conhecê-la melhor como estava fazendo com Jason?

Balanço a cabeça negando. Annabeth podia ser boa amiga pra eles, mas não pra mim. Ela talvez se importe com eles mas não comigo. Eu tenho que colocar isso na cabeça antes que eu me machuque de novo. Annabeth seria egoísta até que provasse ao contrário.

Suspiro e me encosto ao lado de Jason de novo. Ficamos ali apenas olhando um ponto na parede.

Esse momento realmente marcava a nossa amizade, porque agora eu podia dizer que confiava em Jason.